sexta-feira, 20 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10174: Notas de leitura (382): A Caça no Império Português, de Henrique Galvão, Freitas Cruz e António Montês (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 28 de Maio de 2012:

Queridos amigos,
Mais um achado da Feira da Ladra, em cima de um estrado onde se podiam encontrar revistas de cinema, publicações de viagem e estudos de genealogia, encontrei este fascículo de uma obra que é considerada das mais emblemáticas sobre a caça em Portugal. Terá interesse o que ali se escreve para os estudiosos de hoje, Henrique Galvão e colegas do projeto põem muitas reticências às espécies cinegéticas apontadas nos trabalhos de Monard, e são prudentes quanto ao que ouviram de naturalistas cotados e informações de caçadores.
Este fascículo fica a pertencer ao blogue.

Um abraço do
Mário


A Caça no Império Português: A Guiné

Beja Santos

“A Caça no Império Português” da autoria de Henrique Galvão, Freitas Cruz e António Montês, foi editada pelo jornal “O Primeiro de Janeiro”, em 1943 e depois editado em dois volumes, com uma belíssima apresentação. Os bibliófilos disputam a obra que se vende por importâncias que se aproximam dos 500 euros, dada a sua raridade. O fascículo nº 6 está sobretudo centrado na Guiné portuguesa.

Para os autores, a Guiné de então não podia ser apontada ainda como um paraíso de caçadores, mas as espécies cinegéticas interessantes são dignas de ser tomadas em atenção: antílopes, búfalos, leopardos, símios e hienas, hipopótamos, jacarés… Sendo das colónias menos estudadas por naturalistas, avançam os autores, dão, sob todas as reservas, a classificação científica dos animais que constituem a lista de espécies cinegéticas da Guiné. Queixam-se que falta uma lei de caça para a colónia e por isso estão desaparecendo ou escasseando algumas espécies cinegéticas.

Começando pelos grandes mamíferos, informam que o elefante é raro na Guiné e põem mesmo em dúvida se existe. O seu habitat situar-se-ia nas margens do Corubal e poderia ter ido até Buba e Fulacunda. Quanto ao hipopótamo ou cavalo-marinho reconhecia-se ser muito abundante na colónia.

Quanto aos bovinos referem o búfalo, abundante em S. Domingos e Susana e entre S. Domingos e Barro; no Leste, na região do Boé, em Quinara, em Fulacunda, em Enxalé e Xitole e no Sul em Cacine e na região de Tomabali.

O leão era já dado como raro embora houvesse relatos da sua existência em Xitole e Farim. O leopardo (impropriamente designado por onça e pantera), só era conhecido através de uma espécie. Os autores falam também na hiena, no mabeco, cão do mato e chacal.

Passando para os pequenos carnívoros põem em dúvida a existência do lince africano e dizem existir por toda a colónia o gato bravo e o gato tigre. Consideram que proliferam os manguços ou genetas, as lontras e algumas espécies de doninhas. No que toca aos grandes antílopes, põem reservas sobre a sua existência na Guiné e escrevem mesmo: “A existir, como alguns caçadores asseguram, é muito raro.

Apareceria, ocasionalmente, na região do alto Geba e nas nascentes do Cacheu”. Boca branca é o nome que na Guiné se dá à palanca de Angola e afirmam estar espalhada no interior tal como o Bubal. Quanto a médios e pequenos antílopes registam a gazela de lala, o sim-sim, a gazela pintada, as cabras e cabritos de mato e põem em dúvida a existência do cabrito aquático. Escrevem que os javalis se encontram nas grandes florestas e elencam vários tipos de macacos: galago do Senegal, chimpanzé, macaco fidalgo, macaco sera, macaco verde, macaco de nariz branco, macaco fula e macaco cão. No que toca a outros mamíferos dão com existência comprovada o porco-espinho, a lebre ou porcos formigueiros.

A lista de aves da Guiné é vastíssima, abrange centenas de espécies. Os autores entendem só dever referir as que têm interesse cinegético: pelicanos, marabus, garças e patos; a lista de aves de rapina é enorme: milhafre, açor, águia, abutre, isto sem esquecer mochos, corujas e o corujão; seguem-se as galinhas do mato, perdizes (a choca era a espécie mais conhecida) galinha de água, maçarico, calhandra do mar, perna longa; e convém não esquecer os pombos, as rolas e codornizes.

E chegámos aos répteis: jiboia, cobras (os autores dão como venenosas a capelo, a cuspideira e a surucucu), víboras venenosas, o lagarto de água e os crocodilos. A edição é muitíssimo bem apresentada, a título de curiosidade juntam-se algumas imagens que seguramente nada tem a ver já com a caça da Guiné-Bissau.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10157: Notas de leitura (381): O Meu Diário, Guiné - 1964/1966, CCAÇ 674, de Inácio Maria Góis (3) (Mário Beja Santos)

6 comentários:

Anónimo disse...

Olá Camaradas
Este foi o tempo em que Henrique Galvão andou pelo Império, nomeadamente por Angola. Foi deputado "independente" por Angola à AN.
Foi então que alertou para a possibilidade de estarem a ser criadas condições para sublevações populares. Claro que ficou mal visto e depois... Depois, infelizmente soubémos o que aconteceu.
Um Ab. do
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Caro Pereira da Costa,
Ao contrário, eu acho que muito pouca gente sabe o que aconteceu, e associam a imagem do H.Galvão à de um traidor. Ora, o que ele lutou, foi por um Portugal mais justo, e do Minho a Timor.
H. Galvão fez longas estadias em Africa, fez estudos de antropologia, zoologia, uma monografia do império (com Carlos Selvagem), romances, teatro, e uma vasta obra de intervenção. Deu-se com personagens como o padre Estermann. Fez uma biografia sobre o capitão João de Almeida. Em Angola foi governador da Huíla.
Participou no 28 de Maio e foi amigo recíproco de Salazar, por quem foi nomeado Comissário Geral da Exposição Colonial Portuguesa (Porto, 1934).
Enquanto deputado à Assebleia Nacional, fez uma deslocação a África, de que resultou um relatório arrasador para as condições de exploração que se verificavam nas colónias, que gerou uma reacção comandada pelos interesses coloniais, e em quem Salazar acreditou e privilegiou, demitindo o deputado, que passou a ser perseguido pela PIDE, e acabou preso em 1952, cativeiro que durou até 1959, quando se evadiu.
Os seus livros são disputadíssimos por bibliófilos, que os procuram em leilões e alfarrabistas, atingindo valores exorbitantes.
Espero, assim, ter ajudado à compreensão deste português que não enriqueceu com a política, mas enriqueceu a sociedade portuguesa com as obras que nos legou, algumas delas muito importantes pela especificidade tratada, ou pelas relações da ditadura com a nação.
Um abraço
JD

Antº Rosinha disse...

Para compreender o ultramar e a nossa relação com o além mar (os que lá andámos, talvez não os grandes europeistas), ajudava conhecer o melhor possível a biografia de Henrique Galvão, que como nós, também lá esteve.

O homem teve uma vida espectacular, Salazar e a oposição a Salazar, "esconderam-no"

Anónimo disse...

Camarada JD
Tenho admiração pelo Henrique Galvão que, como eu disse, não foi ouvido e foi até ridicularizado e perseguido pelos do seu partido, apenas por ter sido honesto. Sei que participou no "Golpe dos FiFis, em 1928(?), contra o Salazar e depois integrou-se na "Situação". Porém os maus tratos e a desonestidade "empurraram-no" para a oposição. Ao contrário de outros, não o considero traidor, antes pelo contrário, tenho admiração por quem voltou a não ser bem tratado e, mesmo com todos os "desapoios" continuou a lutar contra a ditadura. É necessário recordar que os "Homens" não mudam de campo a não ser por razões muito fortes. Sei que morreu na miséria (ou quase), atacado de demência, certamente em consequência de um percurso de vida generoso, mas cheio de sofrimento e o sofrimento em demasia causa revolta, queima a alma e pode enlouquecer.
Ab. do
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Caro António Pereira da Costa,
Compreendo perfeitamente o sentimento do teu primeiro comentário.
O que eu referi, é que me parece muito pouco conhecida a personalidade do patriota Henrique Galvão, que passou para a oposição actuante contra a Situação, após a expulsão do exército e a perseguição pela PIDE.
Se ficou associado ao epísódio do Santa Maria, que o antigo regime catalogou de acto terrorista, foi para provocar um chamamento de atenção para as opções e misérias do Salazarismo, o que viria a acontecer brutalmente com o inicio das hostilidades no norte de Angola. Mas é necessário dizer, que Salazar protegeu os possidentes e exploradores, sempre em prejuízo do desenvolvimento social e da harmonização das classes (situação que se repete na actualidade), em prejuízo de urbanos, camponeses e proletários, tanto na metrópole, como no ultramar.
Tinha outra visão da política, e dos fins que ela pode prosseguir.
Se antes foi Salazarista, como muitos outros deram o beneplácito ao ditador, pode ter sido porque, tendo este emergido do caos, veio proporcionar a tranquilidade necessária à expansão da nação e da portugalidade, o que por opção pessoal não aconteceu, pelo contrário, estrangulou o progresso, pois Salazar usou sempre da rédea curta em relação ao povo que oprimia. Para os mais esquecidos da nossa geração, lembro que em quase todo o território nacional, até aos anos cinquenta, não havia luz, nem água canalizada, nem a instrução primária correspondia às manipulações do Estado Novo, e as habitações eram em grande número, constituídas por quatro paredes cobertas por telha vã, por onde, muitas vezes, saía o fumo do lume que confeccionava os alimentos, e o chão era de terra batida.
Naquele tempo perdeu-se o "combío" do desenvolvimento, e ainda não achàmos um modelo político-social que nos transmita o progresso e a solidariedade.
Um abraço
JD

Vasco Anjos disse...

Possuo uma edição em dois volumes da Obra encadernada pela Gráfica Imperial. Disponível para os interessados.

Vasco Anjos