segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11015: Blogpoesia (320): Por mor da nossa saúde (Luís Graça)

[Foto à esquerda: crâneo de rioneceronte (ou hipopótamo ?), possivelmente trazido   por algum africanista das penumbras do passado.... Quinta de Candoz, 29 de dezembro de 2012. Foto de L.G.]


Por mor da nossa saúde 
Luís Graça

Por mor da saúde de todos nós.
Por mor da boa governação da coisa pública.
Por mor da abastança.
Por mor do nosso futuro.
Por mor da nossa memória futura.
Por mor de D. Quixote e seu criado Sancho Pança.
Por mor de Guerra Junqueiro
que escreveu o "Fim da Pátria".
Por mor dos vindouros e dos perdedores.
Por mor dos historiadores
que escreverão a história
em nome dos vencedores.
Por mor dos que vierem depois
de eu fechar a porta.
Por mor dos guardiões da Torre do Tombo.
Por mor de quem de direito.
Por mor dos pagantes e dos não-pagantes.
Por mor dos atores e dos espetadores.
Por mor dos marginais-secantes.

E dos rinocerontes africanos extintos.
Por mor do mercado 

e da bolsa de Lisboa
e da casa forte do Banco de Portugal.
Por mor do meu querido Portugal S.A.
que não quer dizer Portugal Sociedade Anal.
Por mor dos loucos e dos menos loucos.
Por mor dos poetas
que têm um pouco de loucos, de médicos e de gestores.
E dos gestores
que têm um pouco de loucos, de poetas e de médicos.
Mas também dos médicos
que têm um pouco de loucos,
de poetas e de gestores.
Por mor dos economistas, 
que são piores que os loucos, são treslouscos,
e que gostariam de governar o mundo
Este mundo, não o outro.
Sem esquecer os políticos
que gostariam de mandar nos economistas,
nos gestores, nos médicos e nos doentes.
Por mor daqueles dos políticos
que falam em nome do povo.
E daqueles que gostariam de mandar no povo.
Por mor do povo de esquerda, de centro e de direita.
(Abaixo a unicidade nacional!).
Por mor dos da lista de espera
que desesperam de esperar.
Por mor dos que vão morrer esta noite
nos Hospitais SA
e nos Hospitais SPA
e amanhã nos Hospitais EPE.
Por mor do Hospital Real de Todos os Santos,
a primeira parceria público-privada.
Por mor dos que foram hoje
ao serviço de atendimento permanente
do meu centro de saúde
e que deram com a porta na cara.
Por mor dos cirurgiões que afiam a faca
à espera dos da lista de espera.
Por mor dos doentes agudos.
E dos doentes crónicos.
E dos hipocondríacos.
E dos doentes da saúde.
E dos utentes da indústria da doença.
Por mor da saúde doente e das doenças saudáveis.
Por mor dos doentes terminais.
Por mor da saúde empresarializada.

Liofilizada.
Museologisada.
Por mor de todas as vítimas por todas as causas, 

dos terramotos, 
dos tsunamis,
da fome, 

da peste 
da guerra
e do bispo da nossa terra
(de que Deus nos livre!).
Por mor dos simples, 
dos utentes, 
dos pacientes, 
dos clientes,
dos beneficiários, 
dos misericordiosos,
dos velhos presos por arames,
e das crianças.
Sobretudo das crianças, meu Deus!
E todos os de mais.

Por mor das bem aventuranças.
Por mor das catorze obras de misericórida,
sete espirituais 
e sete corporais.
Por mor dos meus (con)cidadãos, 

os remediados e os ricos.
Por mor dos pobres, 
dos tristes,
dos descrentes, 
dos desempregados,dos cativos,
dos insepultos,
dos sós, 
dos deprimidos,
dos esquecidos
e dos desconsolados,
dos mais pobres dos pobres,
os da minha rua, 

os do meu bairro, 
os da minha cidade, 
os do meu país.
Sem esquecer os apátridas
e os que perderam a identidade.

E a dignidade.
Por mor dos meus camaradas 
que ficaram nas bolanhas da Guiné.
Por mor daqueles de quem um dia se disse
que eram os bem-aventurados
porque deles seriam o reino dos céus, amén.
Por mor do meu fornecedor da revista Cais
no semáforo da esquina 

da rua da alegria com a avenida da liberdade.
Por mor da minha ex-médica de família
que contava os dias
que lhe faltavam para a reforma.
Por mor do médico do gabinete ao lado
que se enganou na profissão que queria ter
e que está a atender os senhores da propaganda médica.
Por mor do boticário do meu bairro.
Por mor do meu barbeiro-sangrador.
Por mor de mim e de ti, meu amor.
Por mor do meu psicanalista, 
da minha psicoterapeuta,
do meu confessor 
e do meu curandeiro.
Por mor do meu hermeneuta.
Por mor do meu médico do trabalho
e do meu técnico de higiene e segurança do trabalho.
Por mor do ergonomista que está a desenhar
o meu sistema técnico e organizacional de trabalho.
Por mor dos habitantes da minha casa inteligente do futuro.
Por mor da minha cartomante preferida.
Por mor de ti, feiticeira.
Por mor dos mais distraídos.
Dos votantes.
Das debutantes.
Dos amantes.
Por mor do meu patrão
para que Deus lhe conserve a saúde e a riqueza.
E lhe aumente o empreendedorismo
e a capacidade de inovação e de exportação.

E que lhe baixe o colesterol que está alto.
Por mor dos meus dinossauros de estimação.
Por mor dos médicos da noite.
Dos médicos na noite.
Da noite de todos os pesadelos.
Por mor dos mercadores de sonho
que trazem com eles a peste onírica e bubónica.
Por mor do meu rico seguro contra todos os riscos.
Por mor do Estado,
que se quer menos Estado e melhor Estado. 

Ou até mínimo, de preferência.
(Quem disse abaixo o Estado, que levante o braço!).
Por mor dos que sofrem de insónias.
Por mor dos contínuos, porteiros e seguranças 

do Estado da flatulência.
Mais os cobradores de impostos.
E os pagadores de promessas.
E os guarda-costas dos figurões.
Por mor do Estadão.

Por mor do estado a que isto chegou.
Por mor da nossa jovem e frágil democracia.
Por mor dos gestores e administradores dos serviços de saúde.
Por mor dos que passam as noites e os dias a pensar
na reforma do serviço nacional de saúde.
Por mor dos reformadores de sistemas.
De todos os reformadores.
E das vítimas das reformas.
Dos reformados e aposentados.
Dos humilhados e ofendidos.
Das viúvas e dos órfãos.
Por mor da nossa frágil saúde.
E dos vírus que hão-de vir.
E do mal gálico.
E do mal italiano.
E do mal espanhol.
E do mal americano.
E do mal chinês.
E do mal português.
E do Ribeiro Sanches
que curava os males de amor
aos príncipes da Rússia.
Por mor do amor em carne viva.
Por mor da Rússia Imperial.
Por mor das doenças (re)emergentes
que nos querem matar.
Por mor das galinhas
e da gripe dos comedores de galinhas.
Por mor do vírus da gripe das aves do céu.
Por mor dos codificadores
de grupos de diagnósticos homogéneos de doença.
Por mor dos marcadores biológicos do Homo Sapiens Sapiens.
E sobretudo dos grandes arquitectos do genoma humano.
Por mor do meu antepassado troglodita
que era recolector-caçador
e que quando almoçava nunca sabia
onde (e o que) iria jantar.
Por mor do meu professor de economia
que me lembra que não há almoços grátis.
Nem entradas grátis
no céu, no purgatório ou no inferno.

Nem no palácio de Belém.
Cá se fazem, cá se pagam.
Por mor dos atuais e futuros ministros da saúde.
Por mor dos ministros do futuro.
Por mor da utopia do futuro sem ministros.
E até dos ministros sem futuro.
Por mor dos servidores do povo,
para que nunca esqueçam que ministro
vem do latim minus, pequeno,

e quer dizer servidor.
Para que os deuses iluminem os nossos governantes
e os pescadores que andam perdidos no mar alto.
E os pecadores dos sete pecados mortais.
Por mor dos nossos governantes e dos seus governados.
Para que o canto e o voo dos pássaros lhes sejam favoráveis.
E as vísceras lhes tragam bons augúrios.

Por mor do Zé Portuga.
Do Zé Manel.
Do Zé, simplesmente. 

E do Pedro. 
E do António.
E para que, eu, Blogador, me confesse
e nunca perca de vista
o essencial.
Por mor da minha terra, Portugal.

Por minha pátria, a minha utopia.
Por mor do meu planeta azul.
Por mor de todos nós, os do campo e os da cidade
Por mor..., 
como se diz em terras de Entre Douro e Minho.
Por mor de nós, que te amamos, 

ó meu Portugalzinho,
e dos que hão-de vir atrás de nós. 
Por mor do meu ponto de cambança
para a eternidade.
Por mor da parca herança 
que lhes deixamos.

Luis Graça (2005). Revisto em 27/1/2013


__________

Nota do editor

Último poste da série > 24 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - 10997: Blogpoesia (319): Sou nada (Ernesto Duarte)

2 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Luís Graça, está tudo bem? Já desabafastes com a tua poesia e o crânio do hipopótamo ou rinoceronte?

Tudo bem?
se sim, ainda bem!

Aí vai um Ab, T.

Anónimo disse...

ASSIM SEJA

ÁMEN

C.Martins