sábado, 30 de novembro de 2013

Guiné 63/74 – P12365: Memórias de Gabú (José Saúde) (35): Dois camaradas que se separaram na Guiné. Pedro Neves foi para Binta e eu para Gabu. (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.


As minhas memórias de Gabu 

Dois camaradas que se separaram na Guiné

Pedro Neves foi para Binta e eu para Gabu

Atesta a lonjura do tempo que o rótulo de uma amizade que teima em permanecer imutável entre dois velhos companheiros de armas, atravessam géneses de uma eternizada camaradagem, e predispõem-se de forma clara a tecer comentários vantajosos entre sexagenários que se conheceram nos verdes de uma juventude irreverente, onde a sua condição militar ditou uma estima que se mantém, e manterá, indestrutível.

Reconheço que durante a minha vida militar travei inúmeros conhecimentos com novos camaradas e desse rol de personagens com os quais mantive contatos pessoais nesses velhos tempos, alguns deles existem que permanecem patentes na montra das nossas excêntricas recordações.

José Pedro Neves é um camarada com o qual me cruzei no curso de Operações Especiais/Ranger em Penude, Lamego, sendo que quis o destino que tivéssemos sido no curso seguinte cabos milicianos do 1º grupo de cadetes e o Daniel, um camarada de Cabo Verde que conheci no CISME, Tavira, o aspirante.

Ditou a bolinha do acaso que a fortuna, com a qual fomos contemplados, nos encaminhasse para uma comissão na Guiné. Uma mobilização que, na altura, se apresentava como cruel. Tratava-se, a meu ver, do princípio de uma nova rota militar e que usurpava maquiavélicas coincidências para dois jovens que não conseguiram ludibriar a malvadez do futuro. E lá fomos.

Partimos então para a ex-província ultramarina, designada por Guiné, no dia 2 de agosto de 1973, no mesmo avião que descolou de Figo Maduro, Lisboa, partilhámos o mesmo banco da nave, saboreámos a refeição servida a bordo, bebemos um copo e trocámos ideias sobre a sorte que nos esperava na guerra de além-mar.

Chegados ao aeroporto de Bissalanca fomos depois conduzidos para as instalações militares do QG, em Bissau. A receção foi cordial. Faltaram as passadeiras vermelhas para receber em apoteose os ilustres mancebos acabadinhos de aterrar em terra africana. Os barracões, como se lembram, estavam entolhados de camaradas, na generalidade já velhinhos na guerra, entre outros, e piriquitos que entretanto haviam aportado em solo guineense. Notava-se que o brilho das divisas dos novos guerrilheiros impunham uma hierarquia na plebe.

As camaratas, com camas sobrepostas, sugeriam desde logo o sentimento de uma desolação profunda sobretudo para os recém chegados. Procurámos o poiso, acomodamos a nossa bagagem e envidámos esforços no sentido de uma visita ao centro de Bissau. O objetivo era conhecer as novas paragens. E assim foi.

Entretanto fomos informados do horário das refeições que eram servidas no refeitório da messe de sargentos de fronte às nossas esplendidas “residências”, sendo que pelo meio das amenas cavaqueiras lá surgiam as brincadeiras do “piu-piu”. Sons jocosos emitidos pela velhada que parecia estar de partida para a metrópole depois de uma comissão que não lhes terá dado tréguas.

Lembrando essas famosas camaratas no QG, recordo que eram uma espécie de tudo ao monte e fé em Deus. Algumas das camas eram pomposamente ornamentadas com redes mosquiteiras. A malta de passagem pelas instalações, colocava a artimanha e por lá ficavam. Serviam depois de abrigos para os novos hóspedes. O zumbido agudo noturno dos mosquitos era ensurdecedor. Ali deparamo-nos de imediato com o clamor da primeira batalha.

Chegou o hora da despedida. O Pedro lá partiu rumo a Binta e eu a Nova Lamego, Gabu. Nas minhas novas instalações reencontrei outros dois camaradas que tiraram o curso de operações especiais/ranger comigo em Penude: o Rui Álvares e o Cardoso. Acontece que o Cardoso acabou por demandar para uma outra zona da Guiné, enquanto eu e o Rui permanecemos em Gabu.

Do Cardoso nunca mais tive informações. Perdi-lhe o rasto. Sei que era natural de Moimenta da Beira. Desejo que esta ausência poderá ter um fim em vista se porventura algum camarada que leia este meu pequeno texto me dê alvíssaras desse meu velho amigo. O Cardoso era, e é, um rapaz de estatura baixa. Gostava de reencontrá-lo tal como aconteceu há dois anos com o Rui. Com cabelos brancos, ou com falta deles como é o meu caso, reconhecemo-nos de imediato e lá veio um longo abraço. Ficou a certeza que nos voltámos a reencontrar e os telefonemas são agora constantes.

Interiorizando os contextos de as minhas memórias Gabu, realço a minha passagem pelas instalações do QG, em Bissau, afirmando convictamente que esse espaço foi visitado, e revisitado, por muitos camaradas que fizeram escala na capital guineense ao longo da sua comissão militar na guerrilha da Guiné, como foi o meu caso.

Curioso era a arquitetura dessas instalações. Mas como a sua utilidade era simplesmente casual, a malta acomodava-se como podia e não refilava com o que lhe era colocado à disposição. Lembram-se, camaradas? Toca a desafiar essas recordações e sacar cá para essas velhas lembranças.

Dessas minhas passagens breves pelo QG, recordo que numa das idas para o faustoso “resort”, encontrei um amigo de Beja, furriel dos comandos de nome Chico Dias, que me levou a provar um prato a que chamavam ninho de andorinha. Sei, e recordo muito bem, que o seu tempero era feito na base do muito gindungo africano. Escusado será dizer que o “sacana” do ninho de andorinha levou-nos a refrescar as gargantas com uma boa dose de cervejas. Não me lembro do fim, mas aquilo fez efeito, isso fez.

Camaradas, coisas dos nossos tempos da Guiné e quando éramos jovens com idade para mover montanhas!

Os putos: Eu e o Pedro Neves no dia da nossa chegada à Guiné

Um abraço camaradas deste alentejano de gema, 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 
____________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 


1 comentário:

José Pedro Neves disse...

Amigo e Camarada Ranger José Saude, como vão longe os tempos que aqui retratas, mas nas nossas memórias, ficarão para sempre, os momentos, que passámos em Lamego e na Guiné. Por vezes a memória vai rebuscar episódios em sequencia, só por nos recordar-mos de uma situação logo "aparecem" outras, guardadas que estavam, no "disco mole" do nosso cérebro. É para mim um prazer, "ouvir-te" contar as cenas, que tão bem descreves!!! - Um Abraço Amigo.