segunda-feira, 21 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13017: Notas de leitura (582): "Por Terras de África - da Terra dos Cancurans ao Reino da Rainha Gunga", por Francisco Búzio Reis (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
É completamente redundante andar à procura de todos os porquês sobre esta febre da escrita, há para aí uma vibração coletiva que está a pôr muita gente a escrever relatos, memórias, romances e obras aparentadas.
Em muitos casos, sente-se a avidez de comunicar a paixão por África, as leituras que se fizeram sobre os povos por onde se andou, faz-se mesmo questão de falar das matas luxuriantes, das panorâmicas edénicas, etc. O pior é a organização do conteúdo, fica-se com a impressão de que certos autores devaneiam por indisciplina e em dado momento, talvez fatigados, acabam imprevistamente. O que é pena, pois há relatos que possuem informação, arrancam bem-intencionados e depois divagam até ao beco sem saída.
Será o caso desta obra.

Um abraço do
Mário


Por Terras de África – da Terra dos Cancurans ao reino da Rainha Ginga

Beja Santos

Francisco Búzio dos Reis cumpriu o serviço militar na armada, teve intervenção autárquica e desempenhou na Guiné-Bissau o cargo do diretor de um grupo empresarial durante três anos. Diz-se um apaixonado por África. Ao que parece, “Por Terras de África – da Terra dos Cancurans ao reino da Rainha Ginga” é o seu primeiro livro, um relato passado na Guiné, em Portugal e em Angola, sobretudo. A organização é de um relato de alguém que se chama Francisco e que viaja pela Guiné, é um entusiasta pela sua história e um aficionado da caça. Tudo começa em Cacheu, fala-se da fortaleza e o cicerone é Mamadu Camará, um Mandinga. Mamadu está perfeitamente informado, ali em Cacheu houve comércio de escravos que seguiam depois para Elia (pequena península a norte do rio Cacheu onde habitam os Baiotes e os Felupes, daqui embarcando para Cabo Verde). À data da visita, vive-se uma grande tensão na área, as tropas senegalesas vão no encalço dos guerrilheiros do Casamansa. A viagem prossegue para Varela, passam por S. Domingos e depois visitam a estância balnear de Varela, regista a decadência e empreendimentos falhados: “A umas centenas de metros uma enorme infraestrutura em construção, interrompida talvez pela antevisão de um fracasso empresarial ou então político. Terá sido a Líbia a financiar aquele elefante branco e que por motivo qualquer a obra foi interrompida. Uma avaliação das possibilidades de êxito da construção de um enorme complexo turístico em cima do areal, aparentemente sem se acautelar a viabilidade de acesso a milhares de pessoas vindas do exterior, sem aeroporto na zona, sem porto e por terra, uma estrada sem asfalto são eloquentes conselhos para parar aquele sorvedouro de divisas”.

É o prazer de contar e iniciar o leitor que desconhece a Guiné nos atributos de uma natureza fascinante: o leite de palma, as cobras de picada mortal, a gastronomia (um destaque para as portentosas ostras), os mercados garridos e, claro está, a caça, mas sempre aproveitando toda a circunstância para acrescentar mais um pormenor sobre a etnografia e a etnologia. Aqui e acolá, uma ou outra nota sobre a guerra de libertação e os seus vencidos, fala-se de João Malaca, um comandante militar do PAIGC que fuzilou o régulo dos Manjacos e que agora estava arrependido do que fizera, e mesmo Orlando Nhaga outra autoridade revolucionária, agora na pobreza com saudades dos portugueses. Caça-se, com grandes ou pequenos êxitos, há repastos. Apareceram amigos no dia 10 de Junho em Cacheu, mais um pretexto para se falar da região, da luta de libertação, vários projetos da cooperação, de usos e costumes e de uma inacreditável corrupção que grassa pelo funcionalismo guineense. Segue-se uma caçada na mítica mata de Ucó, a Leste de Cacheu. Daqui parte-se para Bolama, há sempre um apontamento histórico que facultara ao leitor: “Próximo da cidade, o aeródromo com a gare em ruínas. Ali o sítio onde o governador Velez Caroço recebeu o capitão Pinheiro Correia no dia 2 de Abril de 1925 pelas 15,30 horas no términus da primeira viagem entre Portugal e Bolama”. Regressa a Cacheu. É aqui que aparece Ramos que como o autor sofre de paludismo. Agora abre-se um capítulo novo da obra, Ramos vai falar da sua vida, Francisco está curioso: “Impressionou-me o sofrimento daquele homem. Avaliei a mágoa que sentia e o sofrimento por não ver as filhas. O que teria provocado o seu inferno? Que dramas viveu? Quantas desilusões conheceu que lhe despedaçaram a alma. Estão sentados a beber chá príncipe mais arroz doce e papaia. É então que Ramos vai falar das suas mágoas e da alma que deixou em Angola".

Regressamos a Portugal onde Joaquim da Silva Ramos passou a juventude, tirou o Magistério Primário e conheceu Amélia com quem virá a casar. É mobilizado para Angola. A mulher fica, e já está grávida. Ramos chega a Luanda e conhece uma mocinha bem sensual, Aida, que o impressionou. E parte para Berlinda, no Luso, aqui se passará metade do livro, vamos presenciar a ascensão da luta armada da região do Luso. As tropas portuguesas respondem com uma grande operação, ficamos a saber que a PIDE/DGS é atuante, está muito bem formada. Ramos manifesta indignação com a brutalidade dos interrogatórios da polícia política. Chaga a notícia da morte da mulher, num acidente brutal, vem a Portugal, após o funeral vai meditar a Fátima, resolveu antecipar o seu regresso a Luanda. É um viúvo pesaroso que se vai render aos encantos de Aida. Fazem amor, mas Ramos está profundamente dividido: “A sua moral puritana, própria de um rapaz oriundo de uma sociedade domina por uma moral coletiva de rigor nos comportamentos que a Santa Madre Igreja tinha, de forma generosa, sabido transmitir, fazia-o pensar, era penalizante a conclusão a que chegara. Viúvo há tão pouco tempo, como era possível ter-se envolvido com aquela miúda, filha de uma pessoa que tão bem o tinha tratado? Começou a sentir-se obrigado a um compromisso efetivo para reparar a sua fraqueza e depois temia imenso que uma gravidez acidental o arrastasse de forma definitiva para um novo enlace”.

Meditabundo, vai para uma mesa de café onde ouve uma história de prosápia de caçadores de trazer por casa. E parte novamente para o luso, Berlinda está ferro e fogo, os alvos comandos decidem uma operação aniquiladora dos guerrilheiros operantes naquela região do luso. E, de facto, os guerrilheiros serão rechaçados. Ramos volta a Luanda, Aida está grávida, Ramos promete casar. Entrementes, o grande camarada de Ramos, Tavares, anda de beicinho pela Rita de Viana, a coisa dá para o torto.

É o momento propício para sair da trama ensarilhada, há uma tragédia no horizonte. Ramos parte para o Senegal e daqui para a Guiné. Vive-se a guerra, aceitou ser professor, foi para o Pelundo, instalou-se numa casa em alvenaria, ali residiu até à independência. Depois rumou até Teixeira Pinto, comprou casa em adobo, fez amizades e era respeitado. Foi ali que adoeceu e depois encontrou o português para quem contou a sua história.

O narrador regressa a Portugal e um dia no Algarve, enquanto come sardinhas, avista Ramos, há finais felizes. Procurou informações de Aida e da menina, com a ajuda de um comerciante libanês descobriu-a. Recebeu um telefonema de Aida, em Luanda, a soluçar; acordaram encontrar-se em Portugal, recomeçar a vida. E o relato assim chega ao seu termo: “Dei por terminada uma história sofrida e difícil que teve, contudo, momentos de grande humanismo e solidariedade, sentimentos que constituem nas nossas vidas momentos únicos. Pesei ali o valor de uma amizade e dei graças a Deus por aquele reencontro”.

O título da obra é enigmático, nós nada viremos a saber, ao certo, sobre a terra dos Cancurans nem sobre a Rainha Ginga fará a sua aparição. Mas, diga-se o que se disser, o título é fascinante. Ponto final
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12982: Notas de leitura (581): Quem são os responsáveis pelo assassínio de Amílcar Cabral?, em O Jornal de Janeiro de 1976 e Jeune Afrique de Novembro de 1983 (Mário Beja Santos)

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