sábado, 11 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13719: Bom ou mau tempo na bolanha (70): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (10) (Tony Borié)

Sexagésimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Resumo do décimo dia

Já nos encontrávamos no estado do Alaska, que é uma gigantesca península, que se limita a norte com o Oceano Ártico, a oeste com o estreito de Bering, que o separa do país europeu Rússia, na área das províncias de Chukotka Autonomous Okrug e Kamchatka Krai, ao sul com o mar de Bering e, a leste, com o Canada, nas províncias de Yukon e British Columbia. Tem 1 723 336,57 km², dos quais 1 477 953,12 km² são terra firme, sendo o resto coberto por água, tornando-o o maior estado dos USA.

Apesar deste território ter sido habitado, milhares de anos, por povos indígenas, a partir do século XVIII, algumas potências europeias consideraram o território do Alasca, bom para exploração. Assim, o nome “Alaska", foi introduzido no período colonial russo, que lhe chamava, “Аляска”, quando foi usado para se referir a esta gigantesca península, derivado de uma expressão do idioma esquimo-aleutiano, “Aleut”, ainda hoje falado em diversas partes deste território, quando se referem ao território do Alasca, mais propriamente ao estreito de Bering, querendo dizer mais ou menos, “para onde a corrente da acção da água do mar é dirigida”. Também é conhecido como “Alyeska”, a "Grande Terra", uma palavra também “Aleut”.


Era manhã, no nosso relógio, pois a luz do dia já nos iluminava há muitas horas, estávamos no que chamam a cidade de Delta Junction, que está localizada a pequena distância da confluência do rio Delta com o rio Tanana, onde existe a povoação de Big Delta e, onde também viviam os primeiros habitantes que eram os “Tanana Athabaskan” e, além destes rios, o território do Alasca é cortado pelo rio Yukon, um dos rios mais longos da América do Norte, com os seus 3185 km de comprimento, possui milhares de pequenos lagos, alguns com algumas dezenas de quilómetros de largura, com grande quantidade de peixes, em especial salmão, além de tudo isto, cerca de 35% do Alasca é coberto por florestas, principalmente, no sul do estado, além de abrigar milhares de “Glaciares”, que são as tais espessas massas de gelo formadas em camadas sucessivas de neve compactada e recristalizada, durante várias épocas, em regiões onde a acumulação de neve é superior ao degelo, cujo tamanho varia entre algumas centenas de metros, até 80 km de comprimento, chegando até aos 300 metros de espessura.

Creio que já chega de história, mas perdoem acrescentar mais um pormenor, se o território do Alasca, fosse um país independente, seria o 17.° maior do mundo em extensão territorial e, ainda existe outro pormenor, é que o governo americano comprou todo o território do que é hoje o Alasca ao Império Russo, em 1867, por 7,2 milhões de dólares, mais ou menos, dois cêntimos por “acre”, ou seja ($4.74/km²), mas só no ano de 1959 o elevou à categoria de estado, tornando-se assim no 49.º estado americano.

Vamos continuar, pois o que mais deve de interessar aos nossos companheiros são pequenos pormenores da viajem, como vivem por aqui as pessoas, o que os nossos olhos viram e, o que faltava em facilidades no dia a dia, era abundante em animais na estrada, pelo menos por aqui em Delta Junction, pois por volta do ano de 1928, o governo dos USA trouxe uma manada de 23 búfalos do “National Bison Range”, no estado de Montana, para esta povoação de Big Delta, para ajudarem os seus habitantes na caça. Em poucos anos reproduziram-se de tal maneira, que já eram problema para as pequenas culturas, onde teve que haver controle, abrindo a época de caça, com mais frequência, existindo agora um controle, que mantém uma manada de apenas umas centenas.

Nesta cidade de Delta Junction, oficialmente termina o “Alaska Highway” e, começa o “Richardson Highway”, que para norte, nos leva à cidade de Fairbanks, e para sul à cidade de Valdez, onde existe o terminal do célebre “Alaska Pipe Line”, que é aquele oleaduto gigante que transporta o óleo em bruto por uma distância de aproximadamente 800 milhas, extraído do fundo do mar, lá no norte do Alaska, em Prudhoe Bay, onde o clima já é polar.


Existem por aqui poucas pessoas, está muito desabitado, as estradas resumem-se a 4 ou 5 a que chamam “Highways”, mas, só junto às principais cidades têm 2 vias, o resto é só uma via onde passam as viaturas umas pelas outras. Para nós, era bom, era tranquilidade, era paisagem, era natureza pura, era ar puro que se respirava, todas as dificuldades para nós eram normais e aceitavam-se com muito agrado, pois quando jovens, tal como os nossos companheiros, tínhamos sobrevivido sem quase nenhumas facilidades, a uma passagem por um período de anos, num maldito cenário de guerra, lá na África.

Havia por aqui diferentes facilidades, como por exemplo, existem com frequência, junto às estações de serviço, as lojas de conveniência, muito melhores que a loja do “Libanês” lá em Mansoa, que vendem desde uma “aspirina” até um “par de pneus todo o terreno”, locais com bombas de água, com sabão ou sem sabão, de muita ou pouca pressão, próprias para lavagem de viaturas pequenas ou grandes, que os proprietários dessas viaturas usam, lavando ou simplesmente tirando alguma terra, lama, pó ou mosquitos já mortos dos vidros da frente, dos faróis ou das manetes que abrem as portas e, é o que fazemos com muita frequência.

Era ainda manhã, visitamos o Centro de Turismo, uma pessoa, saindo de um luxuoso autocarro, que possivelmente vinha dos portos das cidades de Valez ou Anchorage, desviando-se de uma poça de água, dizia: “isto parece o terceiro mundo”. Para nós era exagero, mesmo muito exagero, devia de ser do tipo de uma daquelas pessoas que nós, quando prestávamos serviço militar em Lisboa, esperando o embarque para a então província da Guiné, víamos na zona do Mosteiro dos Jerónimos, vestidas com aquelas roupas garridas, falavam inglês, passeando-se com ar de pessoas importantes, mas depois de emigrar, viemos a saber que eram uns remediados, com o mínimo de escolaridade, que abriam uma conta no banco, descontando uma importância por semana do seu ordenado para virem à Europa mostrarem-se e, um nosso companheiro de então, nos dizia: ”olha ali, um cáa...mone”.

Porra, estou a fazer muitas interrupções, vamos mas é continuar. No Centro de Turismo, a funcionária, uma simpática senhora, descendente de emigrantes alemães, dizia-nos que já tinha visitado por mais que uma vez Portugal, gostava de “vinho do Porto” e “pastéis de nata”, e sabendo que a nossa origem era Portugal, logo se desfez em amabilidades e informações muito úteis, tentando falar algumas palavras em português, o que nos fazia rir, ajudou-nos a tirar algumas fotos no “marco histórico”, onde oficialmente termina o “Alaska Highway”.


Tomando o rumo do norte, ou seja, seguimos pelo “Richardson Highway”, para a cidade de Fairbanks. Chovia aquela “chuva miudinha”, o Jeep e a caravana, já lavados, seguiam com alguma segurança, parámos na cidade de “North Pole”, sim, aquela povoação onde dizem que vive o “Pai Natal”, que se localiza entre o rio Chena e o rio Tanana, dizem que vive do turismo e de duas grandes refinarias de petróleo, o que pudemos constatar pelo tráfico de grandes camiões/tanques que entram e saiem constantemente da cidade, entrando na única estrada que a atravessa, que é o “Richardson Highway”.

Visitámos um grande estabelecimento de decorações de Natal e não só, que é frequentado por pessoas chegadas em viaturas como nós, ou vindas em autocarros, que constantemente chegam das cidades de Fairbanks, Anchorage e até de Valdez. Existe aqui uma grande imagem que dizem que é a maior do mundo, do “Santa Claus”, feita em fiberglass. As luzes que iluminam as ruas estão decoradas com motivos de Natal, têm nomes como, Santa Claus Lane, St. Nicholas Drive ou Snowman Lane. Os carros da polícia têm a cor de verde e branco, os carros dos bombeiros e as ambulâncias são vermelhas, tal como a roupa do “Pai Natal” e o posto do correio da cidade de North Pole recebe por ano centenas de milhares de cartas dirigidas ao “Pai Natal”.


Para nós era Alaska puro, com muito “folclore”, muita paisagem, em algumas zonas, neve antiga nas ribanceiras, chuva e nevoeiro, o tal clima polar, estrada perigosa, paragens constantes para dar espaço aos longos camiões que por nós passavam, quando nos surgia uma qualquer habitação, um pouco retirado da estrada, normalmente, na sua frente, além de um ou dois pick-up, um ou dois barcos pequenos com motor fora de bordo, já antigos, também lá estava uma avioneta com rodas ou flutuadores, que possivelmente usava a estrada ou o lago mais próximo para deslocar. Continuando sempre rumo ao norte, rumo à “latitude 66° 33’, seguindo para a cidade de Fairbanks, que um tal capitão E. T. Barnette fundou no ano de 1901 enquanto tentava criar um ponto comercial em Tanacross, onde o rio Tanana atravessava a trilha Valdez-Eagle. O barco em que Barnette e uns jovens seguiam encalhou 11 km após o rio Chena, onde a fumaça do motor atraiu alguns garimpeiros, que logo acorreram ao local, encontrando o capitão que ali desembarcou. Os garimpeiros convenceram Barnette a estabelecer seu ponto comercial ali, onde mais tarde a cidade recebeu seu nome em homenagem a Charles W. Fairbanks, um senador republicano de Indiana, mais tarde o 26.º vice-presidente dos USA.


Transitávamos com algum cuidado por uma via da cidade, com o Jeep e a caravana um pouco sujos, na procura do Centro de Turismo, ao nosso lado ia um veículo da emissora de televisão local, que na paragem do sinal de trânsito, vendo a matrícula do veículo da Florida, nos perguntou se tudo nos tinha corrido bem e há quanto tempo andávamos na estrada. Já tinham ouvido falar em nós, que nos desejavam boa sorte, e mais umas outras perguntas de circunstância, nós perguntámos qual o itinerário mais perto para chegar ao Centro de Turismo, e eles logo disseram para os seguir. Ali tivemos alguma informação, percorremos a cidade, como chovia procurámos hotel, a empregada, sabendo a nossa proveniência, para surpresa nossa, disse que já tinha ouvido falar na nossa “aventura”, tinha muito gosto em receber-nos, não só fazendo um preço “de amigos”, recomendando-nos para outros hotéis da mesma rede, o que muito agradecemos.


Já eram seis horas da tarde quando por recomendação de uma pessoa que aqui vive, que é professor na Universidade, aqui, em Fairbanks, mas com familiares na cidade onde vivemos, no estado da Florida, fomos a um famoso restaurante, próximo de onde passa o “Alaska Pipe Line”, um pouco ao norte da cidade, comer bifes de búfalo, onde servem doses para gigantes, a que chamam “bife para homem do óleo, grande”, “bife para homem do óleo, médio” ou “bife para homem do óleo, pequeno”. O prato do dia era “hamburgueres”. Havia um grande “braseiro”, as pessoas, com o pão na mão, tiravam um hamburguer, colocavam uma grande “rodela” de tomate, cebola e outros temperos. Nós comemos um bife de búfalo, pedimos a dose média, deu para dois e cresceu para trazermos para o lanche do próximo dia. Tudo regado com cerveja local, à temperatura normal, que parecia vinho branco.


Neste dia andámos pouco, percorremos somente 319 milhas, com o preço da gasolina a variar entre $4.10 e $4. 22 o galão, que são aproximadamente 4 litros.

Tony Borie, Agosto de 2014.
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13690: Bom ou mau tempo na bolanha (68): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (9) (Tony Borié)

3 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Tony

Cá continuo a acompanhar a tua viagem por terras frias....

Achei graça ao facto da Senhora gostar de "vinho do Porto" e de "pastéis de nata", como referências a Portugal. Só faltou falar no "Ronaldo" que nos tempos que correm é outro 'símbolo/referência' do nosso país.
Depois essa coisa dos "bifes para o homem do óleo" também achei curioso.

Boa continuação.
Hélder S.

Tony Borie disse...

Olá Hélder.
Obrigado pelo teu comentário.
É importante, focas motivos que afinal necessitam de um pouco de esclarecimento, pois tu és, um pouco assim, como a voz dos nossos companheiros.
As pessoas, naturais daqui, com uma idade que pode andar à volta da nossa, não dão lá muita importância ao futebol da Europa, mas os jovens, esses sim, sabem tudo à volta do nosso Cristiano, copiam a sua imagem, quase, como fosse o seu herói!.
O "homem do óleo", é o típico trabalhador do "Alaska Pipe Line", é o "oil men", que nós podemos chamar o "homem do petróleo", como talvez as nossas mães ou pais, chamavam ao "petroleiro", que naquele tempo vinha com uma carroça, vender, entre outras coisas, petróleo e azeite, pelas ruas da vila.
Na região de Fairbanks, da sua população, faz parte uma grande percentagem de trabalhadores do "Alaska Pipe Line", que ainda continuam a ir para lá, alguns por um período de três meses, pois a sua residência é Houston, no Texas, onde existem as refinarias e, claro, algumas "facilidades" do "Alaska Pipe Line". Há uns anos, fazendo parte de um grupo, da multinacional onde trabalhava, tivemos um prémio, que era ir pescar ao Alaska, o vôo era de Houston para Anchorage e, era só homens do petróleo, que bebiam, bebiam, comiam, comiam e, dormiam, dormiam!.
Um abraço, Hélder.
Tony Borie.

Anónimo disse...

Tony,
Mais uma bela reportagem da tua parte.

Para conhecimento dos que se importam com estas coisas, neste momento o óleo do Alaska representa cerca de 7% da produção total dos EUA. É refinado na sua quase totalidade no Alaska, California, Hawaii, and Washington State, Porto Rico e muito pouco em outros países.

Cerca de 95% do óleo do Alaska é exportado para o estrangeiro, sobretudo para os países asiáticos. Japão, Koreia do Sul, China, entre outros, são os grandes importadores.

O que acima afirmei parece contrariar a ideia que os EUA são importadores de óleo. Por razões de de estratégia económica e de defesa são-no, mas também é verdade que neste momento esta naç½o americana é práticamente auto suficiente nas suas necessidades energéticas.

Abraço,
José Câmara