segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13804: (Ex)citações (243): Comentário ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado em O Adamastor (1) (Coutinho e Lima)

1. Mensagem do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), com data de 22 de Outubro de 2014:

Assunto: Artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino", do Sr. TC Brandão Ferreira (BF)

Caro Amigo
Junto envio um comentário sobre o artigo em epígrafe.
As razões por que escrevi este comentário são porque me assiste o direito de resposta e porque "quem não se sente não é filho de boa gente" e eu prezo muito a memória dos meus pais.
Embora o artigo em questão tenha sido publicado no blogue do Sr. TC BF, considero mais adequada a publicação do meu comentário no nosso, para assim todos os tabanqueiros dele tomarem conhecimento.

Um abraço amigo
Coutinho e Lima


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2. Nota prévia do editor

A retirada do Guileje está mais que debatida, aqui no nosso Blogue e não só, mas não queremos privar o Cor Coutinho e Lima do direito de resposta, utilizando um meio semelhante àquele onde foi publicado o artigo em causa.

Para contextualizar a resposta, o artigo pode ser lido no Blogue O Adamastor.
O comentário do camarada Coutinho e Lima, por ser algo extenso, vai ser publicado em duas partes. CV

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1.ª Parte do Comentário ao artigo
"Guiné, Guileje e o desnorte do reino" (1)

Há umas semanas, fazendo uma pesquisa no Google, sob a rubrica “retirada de Guileje – comentários”, encontrei um artigo, com o título referido acima, da autoria do Sr. Ten. Cor. Pil Av. (Ref.) Brandão Ferreira, com data de 22 JUN 2013, publicado no seu blogue Novo Adamastor. Neste, o Autor apresenta-se como Comandante de Linha Aérea e Mestre em Estratégia.

Antes de entrar na análise do artigo indicado, importa referir que o Sr. Ten. Cor. nasceu em Setembro de 1973; por esse facto, na data de 25 de Abril de 1974 (referido, na sua escrita, como “21/4”, o que, só por si, tem o seu significado), tinha 20 anos, estando portanto no início da sua vida militar. Por esta razão, não pôde participar na guerra – Angola, Guiné e Moçambique; em consequência, a sua experiência nestas guerras é igual a ZERO. Não obstante este facto, não se coíbe de fazer afirmações sobre a nossa guerra em África, como se tratasse de um catedrático na matéria, com longa experiência no campo de batalha. Talvez o Curso de Comandante de Linha Aérea e o Mestrado em Estratégia o tenham habilitado com as ferramentas necessárias para perorar sobre assuntos que desconhece.
“Presunção e água benta cada qual toma a que quer”.

No que diz respeito a experiência de guerra, devo informar que cumpri 3 comissões, por imposição, na Guiné: a 1ª. (63/65), comandando a Companhia de Artilharia 494 (CART 494), que esteve em Ganjola (Norte de Catió), desde Setembro a Dezembro de 1963; em Gadamael, com um destacamento em Ganturé, desde Dezembro de 1963 até Maio de 1965; todas estas localidades, foram ocupadas pela primeira vez, pela CART 494. Além da missão prioritária, que era a actividade de contra-subversão, contra um inimigo bastante aguerrido, a Companhia teve que construir 3 aquartelamentos, partindo praticamente do zero.

 Na 2.ª Comissão (68/70), fui colocado no Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné, em Bissau. Não se pense que esta colocação foi consequência de alguma “cunha”; na verdade estava habilitado com o Curso de Observador Aéreo de Artilharia (COAA), frequentado em Vendas Novas e Tancos, em 1958; o COAA era especialidade de mobilização (já o era em 63), razão pela qual tive esta colocação. Refiro que o Sr. Comandante Chefe era, durante toda esta Comissão, o Sr. General António de Spínola.

Na 3.ª Comissão (72/74), com o posto de Major, fui mobilizado, em rendição individual, de novo para a Guiné; de SET a DEZ 72, prestei serviço no Centro de Instrução Militar (CIM) em Bolama; de JAN a MAI 73, fui Comandante do Comando Operacional nº. 5 (COP 5), em Guileje; de MAI 73 a MAI 74, estive na situação preventiva, em Bissau, como consequência de ter decidido efectuar a Retirada de Guileje. Regressei a Lisboa, em 12 MAI 74.

Portanto, comparando a minha experiência de combate e a do Sr. Ten. Cor. Brandão Ferreira estamos conversados.

Depois de ler o artigo do Sr. Ten. Cor., que contem algumas, poucas, afirmações verdadeiras, tem, porém, muitas mentiras, imprecisões e omissões, fica claro que o articulista não conhece, verdadeiramente, o que se passou e, presumo que não leu o meu livro “A Retirada de Guileje”, pois se o tivesse feito, não dizia tantas asneiras.
Felizmente que, depois do 25 de Abril de 1974, há liberdade de expressão e, em consequência, também há liberdade para a ASNEIRA.

Vou agora analisar o conteúdo do artigo em causa, nesta 1.ª Parte apenas no que respeita à retirada de Guileje; na 2.ª Parte abordarei os aspectos relativos a Guidage e Gadamael, assim como referirei documentos relacionados com a guerra dos 3 G – Guidage, Guileje e Gadamael.

Começo com a seguinte referência:

“…e ao mito que se veio a criar que a guerra na Guiné estava perdida…”

Sobre este “mito”, reporto-me ao livro MARECHAL COSTA GOMES – No centro da tempestade, da autoria de LUIS NUNO RODRIGUES (pág. 101 a 103), referindo uma viagem, em JUN 73 à Guiné:

“… A posição de Costa Gomes relativamente à situação no teatro de operações da Guiné era bastante clara. Na sua opinião, o “desenvolvimento da manobra em curso” e a “manutenção do actual dispositivo” só seria possível mediante a “disponibilidade de volumosos meios adicionais que permitissem o reforço adequado das guarnições de fronteira”. Nisso concordava com Spínola. No entanto, nas condições existentes em Portugal, tanto humanas como materiais, a Guiné não poderia contar com o “reforço adequado de meios por absoluta impossibilidade de os fornecer actualmente”. A solução, sob o ponto de vista militar, passaria pela “adopção de uma manobra visando o encurtamento de área efectivamente ocupada, evitando-se desse modo a contingência de aniquilamento das guarnições de fronteira que se impõe a todo o transe evitar, atentas as repercussões militares e políticas externas e internas”.

De acordo com Costa Gomes, esta modificação do dispositivo implicava a retirada de todas as forças colocadas nas fronteiras para uma zona onde não pudessem ser “vítimas” dos “chamados morteiros de 120”, uma arma terrível, utilizada pelo PAIGC “com muita facilidade”.

…Na sua opinião, a Guiné era “defensável” caso o dispositivo fosse modificado, retirando para o interior as guarnições militares que estavam a defender as povoações localizadas junto à fronteira. Tudo isto, porém, na condição de o PAIGC não utilizar os Migs que se sabia possuir. 
Deste modo, se o PAIGC viesse a dispor doa aviões Migs poderia bombardear Bissau, “nós perderíamos imediatamente a guerra.”

Relativamente aos meios aéreos de que o PAIGC dispunha nessa altura, transcreve-se o que o  Sr. Chefe da Repartição de Informações do Comandante Chefe afirmou, na Reunião de Comandos, realizada em Bissau, em 15 MAI 73:

“…Para complementar o quadro da evolução do potencial material do In, resta acrescentar, no que se refere a meios aéreos, que o PAIGC dispõe já de 4 aviões ligeiros e aguarda o fornecimento de mais 6 de tipo não revelado, contando já com 28 pilotos…
    
…no quadro do potencial aéreo inimigo, os meios que a REP GUINE pode empenhar e em relação aos quais se refere:

- A recente chegada de 6 pilotos estrangeiros (líbios e argelinos) à REP GUINE para substituir, nos MIG-15 e MIG-17, os pilotos guineanos cuja imperícia se revelou em alguns acidentes.

- A chegada à REP GUINE de 2 helicópteros MI-8 em fins de Abril.

- A promessa da REP GUINE ceder uma pista ao PAIGC para manobra dos seus aviões.”

Pelo que fica escrito, parece que não se tratava propriamente de um “mito”.

Continuando com as afirmações do Sr. Ten. Cor.:

“No meio da ofensiva referida veio a ter destaque, pelas piores razões, o abandono do quartel do quartel e povoação de Guileje, no dia 22 de Maio.
Piores razões, porque marca uma página negra da História Militar Portuguesa, dado que uma guarnição que estanho longe de ser batida, quebrou o dever militar, ao abandonar a sua área de operações sem ordem para o fazer e sem razão que o justificasse. A única que o fez em 13 anos de combate.”

“Pelas piores razões”, é a opinião do Sr. Ten. Cor., mas não é, seguramente, a da esmagadora maioria (com uma única excepção) dos militares que estavam em Guileje, que, para mim, é incomensuravelmente a mais importante.

Felizmente não é o Sr. Ten. Cor. que faz a História Militar Portuguesa e por isso vamos esperar  para ver se os historiadores consideram o facto “uma página negra”.

A guarnição, contrariamente ao articulista afirma (até parece que estava lá…), “estando longe de ser batida”, estava, com toda a certeza, muito próxima de ficar completamente cercada pelo PAIGC (o cerco estaria completo no dia 22 MAI 73).

Não considero que tenha quebrado “o dever militar”, porque, alem de não estar vedada a retirada (só o estaria se a Missão fosse “defesa a todo o custo”, o que não era o caso), esta foi efectuada “sem ordem para o fazer”, pelo facto de o quartel ter ficado privado de qualquer meio de comunicação, porque o centro de comunicações foi totalmente destruído pela flagelação sofrida na tarde do dia 21 MAI 73.

Tenho sérias dúvidas que o abandono de Guileje tenha sido o único; o Sr. Ten. Cor. contradiz-se, quando refere em (1) que em 30/1/73 (enganou-se no ano, pois foi em 74 e não em 73), também foi abandonado Copá; não tenho a certeza se também o quartel de Canquelifá não terá sido também abandonado e em seguida reocupado em 74.

Continuando a análise, afirma o Sr. Ten. Cor:

“Depois de abandonar o serviço activo, escreveu um livro, profere conferências e entra em debates, no sentido de descrever o que se passou, explicar as razões por que tomou a decisão que tomou e insurgindo-se contra o processo de que foi alvo”

Será que só o Sr. Ten. Cor. está autorizado a escrever, proferir conferências e entrar em debates? Continuarei a fazê-lo, quando para isso for solicitado, mesmo com a sua discordância.

Nunca me insurgi contra o processo de que fui alvo (isto é mais uma invenção do Sr. Ten. Cor.), porque sabia que a instauração de um auto de corpo de delito era inevitável.

O que censuro, com a maior veemência, é a maneira, verdadeiramente tendenciosa, como o mesmo processo foi levado a efeito. Sabe-se que o objectivo primário da investigação é o apuramento da verdade; seguramente, não foi esta a preocupação do Sr. Oficial da Polícia Judiciária Militar (PJM) – Sr. Brigadeiro Leitão Marques; não sei se este recebeu algumas orientações específicas para conduzir o processo, nem isso interessa muito. O Sr. Brigadeiro foi o único responsável pela forma como dirigiu a investigação, da qual resultou a intenção deliberada de me acusar.

No processo, podem verificar-se várias anomalias, apontadas no meu livro. Indico algumas:

- Depoimentos contraditórios de duas testemunhas, sobre a destruição dos carros sanitários, sem que o Sr. Oficial da PJM tenha feito qualquer diligência para esclarecer o assunto.

- Não aceitação da procuração em que eu nomeava meus defensores 4 Advogados, Oficiais Milicianos, todos a prestar serviço militar na Guiné, prejudicando assim a minha defesa.

- O interrogatório que o Sr. Brigadeiro Leitão Marques fez à testemunha, Sr. Ten. Cor. Pinto de Almeida, Chefe da Repartição de Operações do Comando Chefe (pág 692 a 697 do processo), em que nem uma pergunta foi feita sobre os acontecimentos ocorridos em Guileje; todas as perguntas versaram sobre o que ocorrera em Guidage.

Sobre este último assunto escrevi no meu livro:

“Após ter feito a primeira leitura do depoimento do S. Chefe da Repartição, fiquei com dúvidas se teria lido bem. Voltei a ler, com toda a atenção, e fiquei perplexo e estupefacto; na realidade, o caso não era para menos; não é que, tratando-se de um processo sobre a retirada de Guileje, o Sr. Oficial da PJM não formulou nenhuma pergunta acerca do objecto dos autos!

Isto tem um nome, que é DESONESTIDADE INTELECTUAL.”

A testemunha podia, por sua iniciativa, fazer declarações sobre Guileje, mas assim não entendeu.

Não tenho qualquer dúvida, que se tratou de UM VERDADEIRO CONLUIO ENTRE O SR. OFICIAL DA PJM E A TESTEMUNHA, o que considero gravíssimo, especialmente por se ter verificado no Exército Português.

Continuando a análise do artigo, o Sr. Ten. Cor. Afirma:

“ Foram escolhidas pois estavam mesmo junto à fronteira…”

Referia-se a Guidage e Guileje; enquanto que a primeira localidade está mesmo na fronteira, já Guileje dista da dita fronteira, cerca de 8 quilómetros, em linha recta, o que significa que, mais uma vez, não sabe do que estava a falar.

“No meio desta ofensiva séria, foi atacado o aquartelamento de Guileje, no dia 18 de Maio, possivelmente como diversão, para obrigar forças que estavam a auxiliar Guidage.”

A “ofensiva séria” era em Guidage, podendo por isso entender-se que, em Guileje, a “ofensiva era a brincar…”. No mínimo, haja respeito por quem lá estava.

Não admira que o Sr. Ten. Cor. confunda tudo, porque da guerra da Guiné, não percebe nada.

Para seu esclarecimento, devo informá-lo que, pelo chamado “corredor de Guileje”, que vindo da República da Guiné Conacri, passava bem longe do aquartelamento de Guileje, o PAIGC fazia entrar cerca de 60/70% dos abastecimentos, de toda a ordem, para todo o nosso território. Daí a importância atribuída pelo In à nossa presença, o que fez com que preparasse, com muitos meses de antecedência um “ataque com toda a força a Guileje”, na própria expressão do PAIGC.

Não tenho qualquer dúvida que o ataque a Guidage (de acordo com informações recolhidas no Simpósio Internacional de Guileje, em Mar 2008, em Bissau, devia ter início ao mesmo tempo que o ataque a Guileje e só não houve simultaneidade porque, no primeiro caso, foram detectados pelas NT, as comunicações do In, obrigando este a desencadear o ataque mais cedo), era uma manobra de diversão, sendo o ataque a Guileje a acção principal. A intenção do PAIGC era obrigar o Comando Chefe , em Bissau, a socorrer as duas guarnições, tendo que repartir as suas reservas. Para o In, a actuação do Sr. General Spínola não podia ser-lhe mais favorável, ao hipotecar praticamente todas as suas reservas no socorro a Guidage. Mais à frente voltarei a este assunto.

“A guarnição do Comando Operacional 5 sofreu um morto e dois feridos. O Comandante, Major Coutinho e Lima, decidiu ir a Bissau expor a situação. Regressou no dia seguinte e tomou a decisão de abandonar o quartel, levando consigo toda a população para Gadamael- Porto, uma povoação a poucos quilómetros.”

Esta narrativa (como agora se diz) do Sr. Ten. Cor., muito sintética, sobre o que se passou em Guileje, fica muito aquém da realidade, além de incluir várias incorreções e deturpação dos factos. Passo a esclarecer.

As baixas sofridas pelas NT, na emboscada de 18 MAI 73, foram: um morto, sete feridos graves e quatro feridos ligeiros (e não um morto e dois feridos).

Não decidi ir a Bissau, conforme afirma o Sr. Ten. Cor.

Após a emboscada montada pelo In, impedindo, pela primeira vez, a realização da coluna de reabastecimento, tive a noção perfeita de que estávamos perante uma situação grave. Nestas condições, enviei, em 18 MAI 73, às 09H05, uma mensagem RELÂMPAGO (a de maior prioridade, sendo as prioridades seguintes: IMEDIATO, URGENTE e ROTINA), para a REP/OPER, com o seguinte texto:

VIRTUDE FORTE EMBOSCADA COLUNA HOJE SOLICITO VINDA ESTE DELEGADO ESSA DELEGADO COAT”. (COAT = Comando Aero-Táctico da Força Aérea)

Quando enviei esta mensagem, não sabia ainda que a Força Aérea não ia a Guileje, o que vim a verificar depois.

A resposta foi dada, no mesmo dia, às 13H13, com uma mensagem IMEDIATO:

“ REF S/…AGUARDA-SE ENVIO RELIM” (RELIM= Relatório Imediato).

Às15H10, enviei nova mensagem RELÂMPAGO:

“ S/…INFO RELIM INSUFICIENTE. ASSUNTO TRATAR DIZ RESPEITO FALTA APOIOS EFECTIVOS REALIZAÇÃO COLNS FACE POTENCIAL IN. SOLICITO INFORME ESTA VIA QUANDO VÊM DELEGADOS.

Continuando sem resposta da REP/OPER, enviei nova mensagem RELÂMPAGO, às 22H45 desse dia 18MAI:

“M/…SOLICITO RESPOSTA ESTA VIA POIS TENHO POSSIBILIDADE SEGUIR MANHÃ 19 MAI GADAMAEL PORTO.”

Preocupado com a vinda os delegados, enviei em 19 MAI, às 03H50, a mensagem RELÂMPAGO:

CASO HAJA DIFICULDADE VINDA DELEGADOS SOLICITO AUTORIZAÇÃO IDA BISSAU E TRANSPORTE PARTIR GADAMAEL PORTO FIM EXPOR SITUAÇÃO.”

Esta mensagem foi respondida, no mesmo dia, às 11H11 (07H21 depois, o que é um exagero, inadmissível, para responder a uma mensagem RELÂMPAGO):

“ REF S/… DE 19 MAI 73, SITUAÇÃO LOCAL NÃO ACONSELHA SAÍDA DEMORADA DO SECTOR. ESTE TENTOU IR MAS FAEREA SO VAI GADAMAEL EMERGENCIA, EXPONHA SITUAÇÃO ESTA VIA.”

Esta mensagem foi enviada apenas para o COP 5 (Guileje), onde a REP/OPER sabia que eu não estava, o que demonstra a maneira desleixada (para não ser mais contundente), como o assunto foi tratado; o procedimento correcto era enviar a mensagem também para Gadamael e Cacine, havendo assim a certeza que eu a receberia, na hora.

Em consequência, só tive conhecimento do seu teor no dia 20 MAI, pelas 03H00, quando foi retransmitida de Guileje para Cacine, onde eu me encontrava.

Tendo chegado a Cacine na manhã do dia 19 MAI, donde foram evacuados os feridos pela Força Aérea (a REP/OPER não se lembrou de utilizar este transporte para enviar os delegados que eu, insistentemente pedia), e não recebendo resposta de Bissau (recordo que a mensagem acima só foi do meu conhecimento no dia seguinte), desesperado com tanta negligência, fui tentando resolver a situação, inclusivamente solicitando transporte ao Comando de Defesa Marítima, que tinha um avião à sua disposição, o que não foi possível.

Entretanto Guileje estava sujeito à acção do In, com flagelações de dia e de noite.

No dia 20 MAI, às 03H20, após tomar conhecimento da mensagem da REP/OPER do dia 19 MAI, (11H11), pelas razões apontadas, enviei, de Cacine, a seguinte mensagem RELÂMPAGO:

“ SUA…DE 19 MAI 73 CMDT PRESENTE NESTA INFORMA NECESSITA UMA COMPANHIA TROPA ESPECIAL FIM EFECTUAR REFORÇO TEMPORÁRIO REABASTECIMENTO GUILEJE. NECESSÁRIO TAMBÉM REFORÇO VIATS E ESTIVADORES. VIRTUDE SE ENCONTRAR NESTA JULGA ACONSELHÁVEL IR BISSAU REGRESSANDO IMEDIATAMENTE”.

No dia 20 MAI, à tarde, veio finamente a Cacine um helicóptero, que me transportou para Bissau.

Pelo que fica escrito, espero que o Sr. Ten. Cor. se convença que não decidi ir a Bissau.

“Do que se sabe o General Spínola …e não lhe explicou nada. Podia ter-lhe dito…eu agora não lhe posso valer pois tenho todas as minhas reservas empenhadas (o que era verdade), volte para lá, aguente-se, que logo que possa envio-lhe auxílio”.

Realmente o Sr. General Spínola não me explicou nada. Contrariamente ao que afirma o Sr. Ten. Cor., não é verdade que todas as reservas estivessem empenhadas. Conforme se pode verificar pelo depoimento do Sr. Chefe de Repartição de Operações, já indicado atrás, em resposta à pergunta do Sr. Oficial da PJM:

“… qual a situação das reservas do TO em vinte de Maio de mil novecentos e setenta e três…”, a resposta foi:

“…A trigésima quinta de Comandos encontrava-se em Bissau com a missão de segurança ao Palácio do Governo. …A Companhia de Caçadores Paraquedistas cento e vinte e um encontrava-se em Bissau em descanso desde vinte de Abril de mil novecentos e setenta e três.”

Portanto, se o Sr. General Spínola quisesse (e não quis), podia reforçar Guileje, de imediato, com a 35ª. Companhia de Comandos (depois de substituída na missão que lhe estava atribuída, o que não era particularmente difícil) e com a Companhia de Paraquedistas 121; refere-se que, esta Companhia foi reforçar Guidage, desde as 17H00 do dia 20 MAI 73 (ironicamente, depois de eu ter pedido reforço- ver mensagem anterior, enviada às 03H20 desse mesmo dia 20- esta Compª foi mandada para Guidage) até às 15H00 do dia 31 MAI73.

O argumento de que não havia reservas para reforçar Guileje, como se vê, é verdadeiramente falacioso. Acrescenta-se que estavam, em 20 MAI 73, em Cufar, as Companhias de Paraquedistas 122 e 123 (Sector do COP 4), que quinze dias mais tarde, foram reforçar Gadamael. Estas duas Companhias também podiam socorrer Guileje, de imediato, se recebessem essa missão do Comandante Chefe.

Se o Sr. General tivesse dito (e não disse), …”logo que possa envio-lhe auxílio”, isto equivaleria a dizer que a guerra, em Guileje, poderia esperar. Na prática, foi o que o Sr. General determinou, com a sua decisão de não atribuir qualquer reforço. Esqueceu-se foi do PORMENOR do envio de uma mensagem RELÂMPAGO, de teor semelhante ao seguinte:

“ Para o Comandante Zona Sul PAIGC – Nino Vieira
VIRTUDE TER TODAS MINHAS RESERVAS EMPENHADAS GUIDAGE, SOLICITO PARAGEM TEMPORÁRIA VOSSA ACÇÃO GUILEJE. LOGO QUE RESOLVA PROBLEMA NORTE, INFORMAREI ESTA VIA.
       António de Spínola

Talvez Nino Vieira tivesse sido sensível à solicitação!

(Continua)
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Nota do editor

Último poste dasérie de 21 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13776: (Ex)citações (242): Água da bolanha... quem a não bebeu ?!... Abastecimento na poça da Tabanca de Padada, dia 15JUN69 (Fernando Gouveia)

5 comentários:

Henrique Cerqueira disse...

Senhor Comandante Coronel Coutinho Lima.Se me permite,meu pai,meu camarada meu amigo combatente da Guiné.
Todos nós estamos cansados de saber que há ainda ramificações do " viros do despotismo faxizante e colonialista Salazarento ).Ora é então que algumas espécies desses "Virus" que se tenhem mantidos em incubação,alimentados pela vida farta e abundante que o novo regime lhes proporcionou. Agora e aproveitando toda a liverdade e meios que srepre combateram nos seu tempos aureos ,mesmo que para isso tivessem que sacrificar as vidas dos seu militares.Rogam-se agora e só porque também já estão no final das suas vidas,em grandes entendidos em estratégias que o senhor comandante Coutinho Lima teve de tomar.
Mais uma vês eu falo de coração na mão,pois que de estratégia militar sou um Zero embora tivesse sido Furriel,mas a verdade é que a tropa muito pouco me ensinou como militar. E quanto ao Ultramar era a lei do desenrasca e improvisa.A malta sabe como foi.
Voltando ao Senhor Comandante. Para mim ele foi um HEROI,defendeu os seus homens a população e foi "DESGRAÇADO" pelo poder que tinha a responsabilidade em todo o território da Guiné.
Graças a Deus e aos Capitães de Abril que tudo mudou permitindo até que os "reacionários e protegidos"do antigo regime se mantenham activos.
Não venham agora dizer que aqui não entra política ...é impossível separar uma coisa da outra.
SENHOR COMANDANTE CORONEL COUTINHO LIMA um grade abraço .
Henrique Cerqueira

antonio graça de abreu disse...


Sempre o nosso coronel Coutinho e Lima a tentar justificar o injustificável, o abandono de um aquartelamento na Guiné, por decisão sua, o abandono de um aquartelamento face ao "superior" poderio militar do Paigc. Ou melhor, face ao medo, ou até, como muito bem refere, face ao medo dos Migs
do IN. A verdade é que até Abril de 1974 jamais qualquer Mig do IN bombardeou um metro quadrado do território da Guiné. Pois, mas existia o medo, o medo envolto nas roupagens do "mito".
Não havia Migs, mas podia haver.
Verdade é que eles não tinhasm aviões. Nós, NT, tínhamos Fiats, Alouettes, Noratlas, T 6, Dakotas. É verdade que voávamos com dificuldade, mas voávamos, com a imagem e recordação dos nossos pilotos e amigos recentemente mortos a darem-nos coragem. E em Maio de 1973 já íamos a toda as Guiné. Sei do que falo.Qual mito, qual guerra ganha ou guerra perdida?

Do meu humilde banquinho, não considero o coronel Coutinho e Lima um traidor. Compreendo o seu medo, talvez o seu entendimento do beco sem saída a que nos conduzia aquela guerra.
Mas do opróbio, da vergonha de ter ter sido o único comandante, um oficial superior das Forças Armadas Portugueas a decidir a entrega de um aquartelamento ao Inimigo, por muitas vidas que viva, dessa vergonha
o coronel Coutinho e Lima jamais se
livrará.
Andei por perto de Guileje, estive em Cufar, de Junho de 1973 a Abril de 1974.
Por último, a referência do coronel Coutinho e Lima deverá ser à 38ª Companhia de Comandos e não à 35ª, do meu bom amigo cap. António Andrade.

Abraço,

António Graça de Abreu


Manuel Luís Lomba disse...

Entendemos o camarada Coutinho e Lima e a sua coerência: assume a manobra de Guileje, com pela consciência, desde a graduação da sua desobediência à extensão das suas consequências pessoais - e do resto da vida a defender-se!
Mas há um facto incontornável: Guileje é o marco do princípio do fim do Portugal africano, que fomos construindo segundo a anacronizada civilização cristã, que o materialismo marxista, seus mitos e modas soube superar. Não abandonamos a África (a começar por Guileje) por armamento tangível; fomos corridos pelo armamento intangível...
Os bissau-guineenses ensinaram-nos a guerra revolucionária e a História vai-nos ensinando algo sobre a Guerra.
A propósito da relação-água guerra, que o blogue vem abordando, os militares portugueses de outras eras escolhiam os pontos estratégicos para elevar fortalezas - mas que tivessem água!Os frades tinham procedimento idêntico,para edificar os seus mosteiros e conventos.
Ora, constituindo Guileje o principal guardião do "Corredor" homónimo e o primeiro dos planos de aniquilamento pelo IN, por onde passavam 70% dos reabastecimentos humanos e materiais do PAIGC, objecto de variadas obras de Engenharia, designadamente de abrigos resistentes às granadas perfuradoras até então conhecidas, por que é que 10 anos após a sua
ocupação ainda a tropa não dispunha de poço, dentro da área defensiva do aquartelamento?
É que a crise de Guileje terá começado,não pelos bombardeamentos, mas a partir do embargo do acesso à água pelo PAIGC, cuja fonte ficaria a 4km...

Anónimo disse...

terça-feira, Outubro 28, 2014 10:10:00 da tarde
Anónimo Anónimo disse...

Há muito deixei de entender porquê o ex-Major Coutinho e Lima se esforça para justificar o abandono de Guilege quando é evidente que não lhe restava outra solução no meio de quadros prostrados, sem ânimo e coragem para afrontar as dificuldades que o seu comando incompetente criou.
Não se trata de um juizo de valor. Leiam a página 281 do livro "A retirada de Guilege" e digam-me se é competente desviar o esforço principal para fazer obras e concluir que foi o terem deixado de ir para o mato que permitiu ao IN fazer uns passeios até ao quartel.
Minar, armadilhar, reconhecer, emboscar e combater nunca foi preocupação dos pseudo-comandantes de Guilege. Atribuir ao milícia que cavou a "culpa" do acontecido, brada aos céus! A inexistência de apoio aéreo há muito que é argumento falso. Nos depoimentos dos oficiais de Guilege há apenas um propósito: sacudir a água do capote.
A páginas 194, o Alferes Reis inquirido sobre se o comando ordenou reconhecimento, montagem de segurança afastada ou, no mínimo, próxima, responde que só no dia 19 dois GC forma mandados sair para evacuações e recolha de água.NÃO HOUVE QUAISQUER OUTRAS MEDIDAS.
A páginas 198 o Alferes Seabra confirma Reis e adianta que em 21 de Maio elementos da população tentaram arranjar água numa bolanha próxima, houve tiros IN e sairam vários militares SEM TEREM RECEBIDO ORDENS NESSE SENTIDO.
E é ainda este oficial que candidamente confessa que o seu pessoal estava no abrigo a todo o tempo! Caramba. Nunca viram uma trincheira?
É pelo Alferes Seabra (página 199) que ficamos a saber que uma directiva do Major Coutinho e Lima para o Cmdt do 15º Pel Art só reagir pelo fogo após as flagelações a fim de o IN não poder corrigir o tiro a partir das saídas! Também diz que o capitão Quintas deu instruções ao artilheiro para fazer fogo quando achasse mais oportuno! É ainda este alferes que constatou no dia 18 a falta de precisão do tiro de artilharia quando dum contacto (não explica como...). O depoimento deste alferes é pungente e deixa-nos imaginar uma guarnição impregnada de medo esperando que uma solução aparecesse para os livrar da angústia que a todos dominava.
Nem para ir à água estes comandantes arranjaram ânimo para correr riscos. Uma emboscada (dura, por certo) destroçou uma guarnição onde a unidade de comando nunca existiu. Como é possível retirar a artilharia de 11.4 sem antes assegurar a prontidão dos novos materiais? Neste caos, que comandos fracos deixaram germinar, que outra solução restava a Coutinho e Lima senão arrastar consigo este arremedo de combatentes?
"Se um fraco rei faz fraca a forte gente,
Muitos fracos reis enterram a forte gente".

Dissecar dia a dia a vida desta guarnição no período de 2 meses antes do abandono (é ignorãncia das coisas militares chamar retirada ao que se passou em bora entenda o propósito do Major Coutinho e Lima ao apropriar-se do termo) explica tudo.
Leio aqui encómios a Coutinho e Lima por "salvar vidas". Acompanho-os mas é preciso acrescentar que foi a inabilidade e incompetência de Coutinho e Lima que contribuiu para a criação de condições insuportáveis. E é isto e só isto que importa sublinhar e deixar a Coutinho e Lima um repto:explique-nos como conseguiu em poucos meses estoirar com a capacidade de combate para manter Guilege e chegar a Gadamael com um bando de homens tão apavorados que rapidamente contaminaram a guarnição de Gadamael que só não seguiu o mesmo destino graças a um punhado de bravos que resistiram até à chegada de reforços.
Porque é só isto que interessa porque quanto ao abandono ele é mais do que justificado.
Henrique Silva (repisando o que disse em Julho de 2009!)

quarta-feira, Outubro 29, 2014 10:29:00 da tarde

Anónimo disse...

Coutinho e Lima erra ao referir a sua experiência de 3 comissões. De facto só uma é de combate e, no "bom tempo" da Guiné (63-65). Depois disso foi alcatifa no bem-bom. Deve-se à sua incompetência, aliada a um conjunto de oficias medíocres que a guarnição de Guilege atingiu o pico da prostração. Gente apavorada, enterrada, sem capacidade de reacção eesperando um milagre que a todos salvasse do aperto. O abandono de Guilege não é passível de recriminação porque o que sucederia era a entrega, sem luta, ao PAIGC tão depressa aparecessem meia dúzia de macacos lá à porta. O que é imperdoável é tudo o que se passou antes!Se Coutinho e Lima em vez de se preocupar com o adjunto,o gabinete e as obras tivesse posto a tropa a cirandar pela ZA, intensamente, como fizeram as companhias anteriores, as coisas não teriam chegado onde chegaram! Comandante medíocre, Coutinho e Lima é responsável, juntamente com os oficiais da companhia, pela queda de Guilege e não há livros, conferências e intervenções que apaguem esta inédita página negra.
Bastos