sábado, 29 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15053: O segredo de... (25): A caneta do Governador (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 16 de Agosto de 2015:

Prezados camaradas:
Saúde para todos.

Durante os muitos meses de tropa, umas vezes por acção, outras por omissão, pequei muitas vezes.
Confesso, por este meio, mais um dos meus pecados.
Domingos Gonçalves

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Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau. 
Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 144". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal).

Era fim de comissão. Estávamos em Bissau, em véspera de embarque para a Metrópole. Eu, e mais três furriéis da Companhia, no fim do almoço, trajando à civil, fomos tomar café na Associação Comercial. Era preciso gastar as ultimas divisas da moeda da Guiné, e fomos para aquela instituição passar um bocado de tempo.

Àquela hora a clientela não era muita, e ocupámos uma mesa das bastantes que estavam vagas. Por acaso estava esquecida, na mesa que ocupámos, uma caneta, creio que uma Parker. Nem sequer nos passou pela ideia que aquela coisa que servia para escrever pertencia ao Governador da Província que, antes de nós, tinha estado ali sentado, com outros oficiais superiores ou quaisquer outros cidadãos importantes da sociedade local.

Um dos furriéis meteu a caneta no bolso, e em voz baixa, murmurou:
- Esta já tem dono.

O empregado serviu-nos o café, e nós, de imediato, levantámo-nos e saímos para a rua. O colega furriel tirou do bolso a caneta, observou-a, e acrescentou:
- É coisa boa. Que jeito me vai fazer!

Naquele tempo, quando o uso da esferográfica dava os primeiros passos, a caneta era objecto de uso corrente, e aquela marca era das mais desejadas.

Passeámos pela cidade e fomos depois para outro estabelecimento beber cerveja e comer marisco. A dada altura, passou por lá um militar fardado a perguntar se alguém tinha passado pela Associação Comercial e levado, talvez por engano, a caneta do Senhor Governador. Nós, claro, dissemos que nem sequer tínhamos entrado em tal sítio.

Claro que, nem naquele dia, nem mais tarde, voltámos à Associação. Contudo, até ao dia do embarque havia em nós algum receio. Dos colegas que presenciaram o desvio da caneta, nada havia a temer. Era tudo gente séria. O problema poderia vir de alguém que nos tivesse visto na Associação Comercial.

O certo é que chegou o dia e a hora do embarque sem que o desvio da caneta fosse desvendado.
E a caneta do Governador arranjou novo dono.

Um abraço para todos.
Domingos Gonçalves
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Nota do editor

Segredos anteriores de Domingos Gonçalves nos postes de:

7 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14981: O segredo de... (22): O problema não eram os pecados, - os nossos segredos -. O problema acontecia quando quem mandava em nós desvendava os pecados (Domingos Gonçalves)
e
14 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15004: O segredo de... (24): Segredo desvendado (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

4 comentários:

Anónimo disse...

"Dos colegas que presenciaram o desvio da caneta, nada havia a temer. Era tudo gente séria".
Pasmo!
Mendes

Anónimo disse...

Gente séria é aquela que rouba sen se rir e só fala quando o crime já passou a validade.

mamedul

Manuel Luís Lomba disse...

Olá, Domingos Gonçalves!
Fomos colegas em Poiares. Era o "Serafão", a tua carteira ficava a seguir â minha e lembro-te como um moço despachado e brincalhão... Há 60 anos!
Gostava de te dar um abraço e a oportunidade é próxima. No dia 5 de Setembro p. f. há um convívio de ex-seminaristas no Colégio Didalvi, em Alvito S. Pedro, a norte de Barcelos, propriedade de João Alvarenga, ex-colega de Poiares. Organização: joaquim.silva@gmail.com
Abraço
Manuel Luís Lomba

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Eu percebo e até compreendo e também, com a formação moral que recebi, entendo as críticas que se possam fazer ao relatado.
Já não posso é subscrever as observações mais 'fortes'.
E porquê? Não fazem sentido?
Fazem! A apropriação indevida do que não é nosso tem 'nome'.
Mas do que aqui se trata é do relato de memórias. Sejam elas quais forem. E, neste caso, enquadrado no tema "o segredo de..." se se for a zurzir em tudo e em todos, como se fosse o tempo presente, como se o relator, neste caso, fosse o autor, afasta definitivamente a possibilidade de se conhecerem 'mais segredos'.... já que não me parece que ninguém se disponha a ser admoestado, a ser 'julgado' por tais 'confissões'.

Por mim digo: achei 'interessante' tomar conhecimento de que tal situação se passou.
Digo mais: acho o acto censurável, não se deve tomar como nosso o que efectivamente não o é mas, também como sabemos, 'isso agora não interessa nada' (como diria a Sra. da televisão), já passou, e também como se costuma dizer, "os actos ficam para quem os pratica".

Hélder S.