sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15415: Os manuais escolares que nos forma(ta)ram (1): Geografia, Portugal e Colónias, 3ª e 4ª classes, de A. de Vasconcelos, c. 1940 - Parte I: "A superfície das colónias portuguesas é 23 vezes maior que a superfície de Portugal Continental" (p. 93)... Éramos então a maior potência colonial, a seguir à Inglaterra e à França...



VASCONCELOS. A[ugusto Pinto Duarte] de - Geografia Portugal e Colónias, 3ª e 4ª classes, nova edição. Porto: Editorial Domingos Barreira, [1940], 118 + 1 pp., ilustrado, 18 cm. 

[Cópia em formato ppt que nos chegou por intermédio do nosso grã-tabanqueiro Mário Beja Santos... Há também uma cópia disponibilizada na Net por Armando Oliveira  Professor, Escola Secundária de S. Pedro da Cova, em 25 de junho de 2015]


Este livro do professor do ensino oficial Augusto de Vasconcelos já ia na 5ª edição, em 1930 (ano em que terá falecido, no Porto, segundo o Arquivo Municipal do Porto). Temos dúvidas sobre a data desta "nova edição", mas só pode ser dos anos 40: Bissau torna-se a capital da Guiné em 1941... não sabemos como o manual foi sendo atualizado e editado, depois da morte do autor).

Também não sabemos se chegou a  tornar-se livro  único, de acordo com a orientação do todo poderoso ministro António Carmeiro Pacheco (1887-1957), nos anos 30, que definiu as grandes linhas da política de educação nacional sob o Estado Novo:  (i) transformação do Ministério da Instrução Pública (designação cara à I República) em Ministério da Educação Nacional; (ii) criação da Mocidade Portuguesa, Mocidade Feminina e Obra das Mães pela Educação Nacional; (iii) criação da  Junta Nacional da Educação, a par do Instituto para a Alta Cultura, a Academia Portuguesa da História e o Instituto Nacional de Educação Física; (iv) introdução do modelo do livro único; (v)  obrigatoriedade de afixação do crucifixo nas salas de aula; (vi)  casamento das professoras sujeito à autorização do Estado. (A Reforma Carneiro Pacheco ficou definida pela  pela Lei n.º 1941, de 11 de Abril de 1936, a Lei de Bases da Educação do Estado Novo).

Segundo Sérgio Claudino ("Os compêndios escolares de geografia no Estado Novo: mitos e realidades", Finisterra, XL, 79, 2005, pp. 195-208), a disciplina de geografia foi suprimida no ensino primário, nos anos 30, mas continuaram a produzir-se manuais... No ensino liceal, só "em meados dos anos 50, se inicia a aprovação de livros únicos de Geografia, de conceituados professores liceais"...

Segundo o citado autor, há uma primeira reforma da instrução primária, em 1927, sob a Ditadura Militar. Na 3ª classe, "os alunos abordam noções gerais de Geografia e aspectos físicos de Portugal". Na 4ª classe, dava-se a "orografia de Portugal e Colónias"... A reforma de 1929 vai acrescentar o estudo do Brasil, até então o principal destino da emigração portuguesa. É nesse ano que se abre "concurso para a aprovação governamental dos livros escolares que os professores poderão seleccionar" (p. 197)... Em 1937, abre-se concurso para o livro único, mas não aparecem textos de qualidade.  O autor onsagrado e reconhecido pelas autoridades eram  o Acácio Guimarães( Noções de Geografia da 3.ª e 4.ª classes. Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, 1931).

O ensino da Geografia vai-se manter, na instrução primária, até aos anos 60, em "ilegalidade formal"... É nessa época que aparece a disciplina de Ciências Geográfico-Naturais nas quatro classes...

Portanto, é bem possível que alguns de nós ainda tenham conhecido este manual de Geografia de A. de Vasconcelos. Tenho ideia que o meu pai estudou por ele... 



Geografia, op. cit., p. 93: "A superfície das colónias portuguesas é de 23 vezes maior que a superfície de Portugal Continental", o que nos coloca(va) entre as três maiores potências coloniais do mundo...

Geografia..., op. cit, p. 82: o território era então dividido em 3 partes, espalhadas por 4 continentes; (i) Continental; (ii) Insular (ou "ilhas adjacentes"); e (iii)  Ultramarina ("colónias ou províncias ultramarinas").


Geografia..., op. cit, p. 83





Geografia... op cit, pp. 97, 99-100 > 

Sobre a província da Guiné ficamos a saber que na época [c.1940] tinha à volta de 600 mil habitantes. (Estamos em crer que este número está sobreestimado:  a população da Guinée era de 519 mil (1960), tendo descrescido para 487,5 mil (em 1970)... É hoje de 1 milhão e meio.

A capital já era, nessa altura,  Bissau. E outras "povoações importantes" eram Bolama, Cacheu, Farim, Geba (!), Buba e Cacine... Repare-se que Bafatá nem sequer consta da lista: a única povoação importante do leste (chão fula) é Geba, completamente decadente no final dos anos 60, ofuscada pela vizinha Bafatá!... O desenvolvimento de Bafatá (a "princesa do Geba") estará ligado à expansão da cultura da mancarra, a partir dos anos 40.

Ah!, e ainda segundo o manual,  "nos sertões há muitos animais ferozes": tigre (!) (sic), leão, pantera, onça, lobo e hiena... (Essa do tigre, um felino asiático, dá vontade de rir!)... De entre as produções agrícolas, destaca-se depois do arroz e do milho, a "jinguba" (mancarra, no nosso tempo)...

Geografia..., op. cit, p.  98

Já desde o liberalismo, em meados do sec. XIX,  e até à rectificação de fronteiras com os franceses (que levou à troca da região de Casamansa com a de Cacine ou de Quitafine, em 1886), a Guiné estava dividida em dois distritos:  (i) Bissau, que compreendia as praças de S. José de Bissau, com as dependências do presídio de Geba (*), da feitoria de Fá, das ilhas de Bolama e das Galinhas; e (ii) Cacheu, que compreendia Ziguinchor (hoje capital de Casamansa, no Senegal), Cacheu, Bolor e Farim.  Este mapa é revelador da fraca penetração portuguesa no interior do território até à I República...

É bom recordar que a Guiné só em 1879 é que se separa administrativamente de Cabo Verde. É nessa altura que Bolama passa a ser a capital. Só seis décadas depois, em 9 de dezembro de 1941, é Bissau se torna a moderna capital da colónia, conhecendo então um surto de desenvolvimento sob a ação enérgica e esclarecida do governador Sarmento Rodrigues.

Na época a Guiné Portuguesa fazia fronteira com a Guiné... Francesa.

(Edição das imagens  e notas: LG)
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Nota do editor:

(*) Sobre "presídio de Geba" nos finais do séc. XIX, vd. poste 21 de junho de 2005 > Guiné 63/74 - P71: Antologia (3): Sócio-antropologia da família e da mulher em Geba, nos finais do Séc. XIX (Marques Lopes)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Em 1940 ainda na 4ª classe os garotos tinham que decorar também os Estados brasileiros e suas capitais, a somar aos rios e cidades das colónias.

Como se pergunta sempre se valeu a pena aprender a nossa geração, tantos rios e tantas cidades, será por isso que agora as crianças já não vão fazer os exames martirizantes do 4º ano.

Claro que no nosso tempo não eramos todos obrigados a aprender aquelas coisas nos livros.

Muitos iam lá de barco ao vivo, eram os colonos, os que tinham lido os livros iam como colonialistas.