segunda-feira, 2 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16042: Nota de leitura (835): Os navegadores que antecederam a nossa chegada à Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Junho de 2015:

Queridos amigos,
É preciso saber muitíssimo da historiografia dos Descobrimentos e ter um raro talento de comunicar para o leigo e Luís de Albuquerque recebeu o prémio de consolação com esta edição extraordinária, injustamente esquecida. Faz parte, este empreendimento, dessa década saudosa em que o Círculo de Leitores se transformara na mais importante oficina editorial da cultura portuguesa. Cingimos a recensão às navegações que levam, em concreto, ao conhecimento das terras da Guiné, Diogo Gomes fala no Rio de S. Domingos, o relato é inequívoco sobre a nossa presença, pela primeira vez chegava-se por barco a um território que irá ser conhecido como a Grande Senegâmbia.

Um abraço do
Mário


Os navegadores que antecederam a nossa chegada à Guiné

Beja Santos

“Navegadores, Viajantes e Aventureiros Portugueses, Séc. XV e XVI”, pelo historiador Luís de Albuquerque, foi um dos grandes acontecimentos editoriais de 1987, empreendimento do Círculo de Leitores, edição comemorativa do V Centenário dos Descobrimentos Portugueses. Raras vezes se editou com tantíssima qualidade, com tanto rigor e acerto gráfico, numa comunicação científica bem acessível ao leitor indocumentado. Neste primeiro volume, Luís de Albuquerque convida-nos a conhecer o Infante D. Pedro, o das Sete Partidas do Mundo, Gil Eanes, João Fernandes, Nuno Tristão, Diogo da Azambuja, Diogo Gomes, Diogo Cão, Pêro da Covilhã, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Martim Lopes, Pedro Álvares Cabral, Gaspar Corte-Real, Duarte Pacheco Pereira, D. Francisco de Almeida e António Fernandes. E o autor começa por perguntar: “Por onde andaram os portugueses dos séculos XV e XVI? Que caminhos seguiram e que dificuldades encontraram? Que novidades trouxeram ao conhecimento de uma Europa inquieta mas interessada?”.

Gil Eanes, natural de Lagos, foi o primeiro que passou o Cabo Bojador e lá tornou outra vez, com Afonso Gonçalves de Baldaia, escreve Azurara na Crónica da Guiné. Gil Eanes era escudeiro do Infante D. Henrique e em 1433 segue numa barca com a incumbência de dobrar o Bojador, o que não aconteceu, não chegou mais que às ilhas de Canária. Temos nova tentativa e Gil Eanes, como disse uma vez o poeta João José Cochofel “abriu a porta ao mistério”, em 1434. As caravelas vão continuar a partir de Lagos, uma dessas viagens tem como Capitão Lançarote, cavaleiro e almoxarife de Lagos, a exploração da costa africana sistematiza-se. Azurara, na sua Crónica encontra três razões para estas armadas: eram viagens exclusivamente de reconhecimento, em que se procurava navegar além do ponto antes atingido; viagens em que por ordem expressa de D. Henrique, ou do seu irmão D. Pedro, os navegadores eram obrigados a cumprir determinadas missões de reconhecimento; eram viagens que tinham por único objetivo o comércio, o assalto a populações ribeirinhas e a captura de escravos. Gil Eanes deu o primeiro passo para essa grande aventura do saber geográfico.

O que sabemos de Nuno Tristão é o que sobre ele escreveu Azurara. Iniciou-se nas navegações em 1441 ou 1442. A Nuno Tristão foi entregue uma caravela armada com um mandado do infante de passar além da Pedra da Galé o mais longe que pudesse, assim se continuava a exploração da costa ocidental africana e a captura de mouros ou de negros. Nuno Tristão encontrou-se com Antão Gonçalves, no Rio do Ouro. O facto foi assinalado na cartografia com o topónimo Porto do Cavaleiro, pois Antão Gonçalves foi aqui armado cavaleiro por Nuno Tristão.

Em 1443, Tristão parte com a incumbência de navegar para Sul do Cabo Branco, regressa sem ter alcançado a tal missão, e em 1445 ou 1446 dirigiu-se numa caravela para a Ilha das Garças, não longe de Arguim. Azurara informa-nos que a sua caravela chegou até uma terra que “viram acompanhada de muitas palmeiras e outras árvores grandes e formosas”. À procura de presas em terra, desembarcaram dispostos a assaltar uma povoação, tudo irá correr mal, muitos irão morrer envenenados por flechas. Esta é a primeira viagem de que há notícia segura do regresso ter sido feito pelo largo do Atlântico, para contornar ventos e correntes, nas carreiras da Guiné, da Mina e da Índia. Assim se descobria a “volta pelo largo”, fundamental para o domínio do Atlântico.

Observa Luís de Albuquerque que Diogo Gomes representa o caso típico do navegador, mercador e aventureiro português do século XV que andou pelo mar desde os tempos do Infante até os de D. João II, e que teve a boa sina de contar as suas aventuras ao alemão Martinho da Boémia, que as registou para a posteridade, designada por Relação. D. Henrique deu-lhe o comando da armada, era uma frota constituída por várias caravelas, mais uma vez com a missão de perlustrar a costa até o mais a Sul que lhes fosse possível. Passaram para além do rio de S. Domingos (identificado como o rio Cacheu por Teixeira da Mota) o Rio Francaso, “para lá do Rio Grande”, onde sofreram grandes correntes em consequência do macaréu, temos aqui descrições de enorme vivacidade. Procurou o local onde fora chacinado Nuno Tristão e subiu o rio até Cantor, e aí procurou informações sobre Tombuctu, o importante nó das caravanas de mercadores que por terra se aventuravam até ao interior de África. E recolheu dados com interesse para o conhecimento geográfico. Contudo, o texto da Relação presta-se em inúmeras especulações, Gomes acompanhava-se de um guia que falava as línguas da Senegâmbia, o que era de estranhar. Nas suas incursões encontrou-se com o chefe Batimansa e fala-se no batismo, no cristianismo e outros aspetos que os historiadores classificam como insólitos, tomam como altamente problemática estas súbitas conversões ao catolicismo. Datará de 1458 a primeira tentativa de cristianização dos povos africanos.


A segunda viagem de Diogo Gomes data de 1462 ou 1463. Em 12 dias chegou à Terra dos Barbacins, encontrou duas caravelas saídas de Portugal, eram mercadores que transportavam cavalos, animais muitos apetecidos dos negros. Diogo Gomes regressa a Portugal na companhia de um genovês, António da Noli. Pelo caminho descobrem a ilha de Santiago, aqui também os historiadores se dividem. Pela Relação descobre-se um dado importante quando se escreve: “E eu tinha um quadrante, quando foi a estes países, e escrevi na tábua do quadrante altura do polo ártico, e achei aí melhor do que na carta. É certo que na carta aparece o caminho de navegar, a rota do navio, mas muitos erros juntos nunca levam ao propósito principal”. Fica-se a saber que Diogo Gomes dispunha de um instrumento para medir alturas de estrelas mas também de uma carta náutica. No regresso, Diogo Gomes vai subindo na escala social, torna-se escudeiro real e depois Juiz dos Feitos das Coutadas e Caças da Serra de Sintra, mais tarde Juiz de Sisas de Colares e por último Cavaleiro da Casa Real. Pelos seus registos de aventuras, embora redigidos por outrem, passou a ser um caso único entre os seus companheiros do século XV. E certo e seguro viu a Guiné tal como nós a conhecemos.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16033: Nota de leitura (834): Panos de Cabo Verde e Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

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