sexta-feira, 28 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17293: Notas de leitura (951): Guerra da Guiné: Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes - Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Não hesito em considerar esta Resenha uma peça indispensável para futuras investigações sobre a guerra da Guiné, comporta documentação fundamental e trata numa sequência cronológica toda a atividade operacional, é também nessa perspetiva uma ferramenta de trabalho inédita. Tem o dom de contribuir para a desmontagem de alguns mitos e releva, em paralelo com a atividade operacional das nossas tropas o que se passa no interior do PAIGC. Os investigadores têm ao seu dispor milhares de documentos para consultar e o que desapareceu quanto ao CTIG e Comando-Chefe das Forças Armadas tem que vir a ser procurado noutras fontes, caso não tenham sido destruídas, nos então Ministérios do Ultramar e Defesa Nacional, sobretudo. Os responsáveis da Resenha recordam que, por exemplo, ainda estão desaparecidas as diretivas do General Bettencourt Rodrigues. Isto para sublinhar que há muitíssimos dados históricos ainda por conhecer.

Um abraço do
Mário


Guerra da Guiné:
Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes (2)

(Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), Academia Militar, 18 de Abril de 2017)

Mário Beja Santos

O segundo volume da Resenha tem como balizas 1967 a 1970. Começa por carrear informação sobre diretivas do Comandante-Chefe em que é bem claro a importância ofensiva que se reconhece em procurar dissuadir a presença inimiga no Oio, como também na região de Sara-Sarauol; impunha-se vigiar velhos e novos corredores, no caso da região Oeste patrulhar intensivamente Canja e Sitató, bem como proteger o Chão Manjaco e impedir a presença do PAIGC no Boé. Mas nos relatórios não se ilude o estado de espírito das populações: podia considerar-se bom em todo o interior da zona Leste, a Norte do rio Corubal, na ilha de Bissau; no Oeste, verificara-se um aumento das aéreas afetadas pela subversão. Mas é notória a dificuldade sentida em manter as populações num estado de confiança e de proteção, por isso segue-se o caminho da escalada intimidatória com bombardeamentos, operações em que se conjugavam forças especiais e tropas da quadrícula, intensificou-se o esforço da autodefesa das populações em tabanca, melhorou-se a assistência sanitária e o programa escolar.

Estamos em 1968, a Resenha esclarece que o material utilizado pelo PAIGC é cada vez mais aperfeiçoado, entraram em cena mais canhões sem recuo e morteiros de 120 mm. Escreve-se: “O ano em apreço constitui um salto qualitativo apreciável na eficiência do inimigo porquanto, para além da centralização da direção da luta, da ligação rádio entre os escalões de comando, do reforço dos materiais e meios de combate e do apoio de serviços, adotou uma postura de iniciativa de flagelações aos aquartelamentos das nossas tropas, aperfeiçoou o seu sistema de informações. As nossas tropas capturaram ao IN esboços e até fotografias dos nossos aquartelamentos, demonstrativos de tal aperfeiçoamento”. Um acontecimento espúrio abala quem julga que Bissau é inexpugnável: um pequeno grupo do PAIGC lança alguns mísseis sobre Bissalanca, provoca estragos no aeroporto.

Em Maio, Spínola substitui Schulz. Chega a Bissau e pretende revolucionar o dispositivo, a manobra, a africanização da guerra, tem ideias concretas sobre o desenvolvimento social e económico que pretende imprimir à região. Aceitou o cargo de Governador e Comandante-Chefe com uma série de condições, desde um maior número de efetivos, passando pela escolha dos seus colaboradores diretos até à chegada de bastante dinheiro para os projetos de desenvolvimento. Quer concentrar recursos, subtrair população ao PAIGC, redobrar esforços para impedir a circulação nos corredores de Sambuiá, Sitató, Canja e Guileje, manda retirar tropas de quartéis que são abandonados, anuncia uma política de reordenamento das populações, pretende revitalizar a ação psicológica, estabelece um novo esquema para a autodefesa das populações, garante que virão mais efetivos, mais equipamentos. Tudo isto conjugado com um novo estilo de atuação, visitas permanentes aos aquartelamentos, descidas imprevistas de helicóptero onde se desenvolvem operações, dá uma imagem de permanente preocupação com as condições de vida dos soldados, tem manifestações de rispidez com os oficiais que considera incompetentes e incapazes. Passa a aparecer regularmente na televisão em Portugal, recebe jornalistas estrangeiros. Temos, além disso um novo figurino político-militar sob a consigna “Por uma Guiné melhor” em que o refrão permanente é a Guiné para os guinéus, um sinal claro em consonância com um dado estrutural da mentalidade guineense que é a desconfiança e mesmo o rancor do autóctone face ao cabo-verdiano, é um lema que vai envenenar o postulado da unidade Guiné-Cabo Verde que Amílcar Cabral pôs no altar dos dogmas (quem é contra deve abandonar o PAIGC).

Marcello Caetano, com quem Spínola mantém então um ótimo relacionamento, visita Bissau em Abril de 1969. A resenha mostra o documento da reunião extraordinária, é um excelente ponto de situação sobre a evolução da guerra, no Sul, no Oeste e no Norte. Spínola explica aos políticos presentes um princípio que terá efeitos de bumerangue depois dos gravíssimos acontecimentos de Maio de 1973, o da concentração de recursos e abandono de aquartelamentos. Conclui a sua exposição dizendo que a situação militar na Guiné continua manifestamente crítica. E diz: “Não contesto que temos obtido alguns êxitos militares locais, suscetíveis de influenciar um público deficientemente esclarecido. Mas esses êxitos projetam-se no campo do episódico e do transitório, não tendo qualquer significado no quadro da manobra estratégica do teatro de operações, quadro onde o inimigo continua a manter a iniciativa num desenvolvimento sistemático da sua manobra de largo envolvimento e cerco à ilha de Bissau – seu objetivo militar e psicológico final”.

Passamos agora para o terceiro volume da Resenha que compreende o período de 1971 a 1974, culmina com a retirada das nossas forças da Guiné. Ocorrera uma operação de desembarque em Conacri em Novembro de 1970, teve alguns aspetos positivos mas os negativos iriam marcar o futuro, logo o mais profundo isolamento internacional de Portugal e a presença de barcos de guerra soviéticos nas águas da República da Guiné-Conacri, o que sobressaltou a NATO. Passou a pairar no ar o espectro de uma represália da República da Guiné. Spínola na sua Diretiva n.º 7/71, de 30 de Março, dá instruções para o emprego da Corveta “Jacinto Cândido”, alegando os incidentes de 22 de Novembro em Conacri e a possibilidade da República da Guiné passar a ter meios aéreos de bombardeamento, referindo mesmo um raide aéreo de reconhecimento de Bissau por dois MIG 17 tripulados por pilotos argelinos. A Corveta deveria então pesquisar alvos aéreos, tendo especial atenção os corredores aéreos que do Sul e Sueste convergem em Bissau, vigiar os canais que permitam a aproximação de unidades de pequeno porte, do estuário do Geba e dos Bijagós e impedir infiltrações por via marítima de elementos inimigos transportados em embarcações tripuladas que do Cubisseco, do Tombali, da ilha do Como ou do Quitafine se dirijam para o arquipélago dos Bijagós. E como iniciativa de reviravolta para levar o PAIGC à dispersão de esforços é lançada uma operação de nome “Grande Empresa”, no essencial a reocupação do Cantanhez.

A africanização da guerra dá novos frutos: os Comandos Africanos, o progressivo aumento do Corpo das Milícias, mais tarde a formação de fuzileiros, as forças especiais africanas estão em franco desenvolvimento.

De 1971 para 1972, Amílcar Cabral induz o PAIGC a preparar-se para a independência unilateral, inicia-se uma espécie de recenseamento para eleger a futura Assembleia Nacional Popular e alguns órgãos do Estado. Escreve-se neste último livro que “no âmbito das operações militares, o inimigo provocou um significativo agravamento da situação, tendo conseguido um volumoso reforço de meios materiais e humanos que fez deslocar para as zonas de fronteira e para o interior do território, com os quais atacou dura e repetidamente algumas guarnições militares das nossas tropas, em particular as que se situavam nas zonas de fronteira”.

O cenário da guerra ganha complexidade: a despeito das flagelações e das emboscadas e colocação de minas por parte da guerrilha, a ofensiva das forças portuguesas não conhece quebra e há sinais nítidos de desenvolvimento: aldeamentos, escolas e postos sanitários; constroem-se estradas que exigem meios de proteção permanentes, caso de Aldeia Formosa – Mampatá – Buba, Catió – Cufar, Jugudul – Bambadinca, isto no exato momento em que se concluem as estradas Nova Lamego – Piche – Buruntuma, Mansoa – Bissorã – Olossato, em diferentes locais constroem-se pontes. Constatado de que há zonas na Guiné que carecem de operações especiais, criam-se zonas de intervenção exclusiva do Comando-Chefe, será o caso do Boé, do Morés, de Sara-Sarauol e na região Sul de Salancaur.

Spínola procura roubar iniciativa ao PAIGC lançando tropas em regiões que Amílcar Cabral anuncia como libertadas. É o que se passa no Cubisseco, com a construção da estrada Cufar – Catió, e a estrada Jugudul – Bambadinca. A “Força Africana” é apresentada com um dos elementos da adesão das populações À política de promoção socioeconómica, tem a consigna “Guiné Portuguesa defendida e administrada por guinéus”. É composta pelo Batalhão de Comandos da Guiné, Companhias de Caçadores Africanas e o Corpo de Milícias, com Companhias e Pelotões e Grupos Especiais que irão atuar como força de intervenção no regulado a que pertencem os componentes do grupo.

Está em curso a operação “Grande Empresa” e em Janeiro de 1973 é assassinado Amílcar Cabral. A resposta enérgica do PAIGC vem meses depois, logo em 22 de Março de 1973 é atingida uma aparelha de aviões Fiat G91 – os mísseis terra-ar faziam a sua entrada na guerra, segue-se o cerco a Guidage que exigiu a operação “Ametista Real”, para destruir ou desorganizar a respetiva organização militar do PAIGC, o bombardeamento e a retirada de Guileje e o inferno de Gadamael-Porto de que há testemunhos eloquentes como aquele que foi produzido pelo então Capitão Comando Manuel Ferreira da Silva que assumiu o comando do COP 5 em Gadamael em 31 de Maio de 1973.

Intervenção do Coronel Cav Henrique de Sousa, coautor da Resenha

Intervenção do Chefe do Estado-Maior do Exército General Rovisco Duarte

Intervenção do Embaixador da Guiné-Bissau

(Continua)
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Nota do editor

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