sexta-feira, 23 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17505: Notas de leitura (971): “A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
Prossegue a análise do trabalho de João Freire, estamos agora na Guiné Portuguesa enquanto província autónoma, vamos assistir à ocupação e aos seus refluxos, pelo menos até às campanhas do Capitão Teixeira Pinto.
Numa obra que tem a inovação de cruzar os olhares entre as instituições político-militares e a obra da Marinha na Guiné, veremos como desenvolvidamente o contributo da Marinha se revelou determinante na Monarquia, na I República e na Ditadura Nacional, a Marinha terá um papel de indiscutível importância nos levantamentos hidrográfico, o autor recenseia os navios da Armada e as embarcações do governo da província que prestaram serviços na Guiné.
Veremos a atividade nas capitanias dos portos, nas oficinas navais. A Marinha foi objeto e protagonista de importantes mudança tecnológicas, dois fatores técnicos e económicos diminuíram o seu papel na Guiné: o progresso das vias de comunicação terrestres e a aviação. Se o papel da Armada se revelar preponderante no período anterior às campanhas de ocupação, voltou igualmente a tê-lo a partir de 1963. Mas isso é outra história que não cabe aqui contar.

Um abraço do
Mário


A colonização portuguesa da Guiné, 1880-1960, por João Freire (3)

Beja Santos

“A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha, foi uma das edições preeminentes do ano transato, no que tange à investigação guineense no período colonial. João Freire manipula expeditamente a heurística e a hermenêutica, por cada capítulo abordado tece conclusões, assume responsabilidades interpretativas, nunca deixa o leitor à deriva ou no território das especulações. É uma viagem cronológica onde os assuntos da Marinha colonial têm peso preponderante.

A Guiné Portuguesa passou a ser uma província autónoma diretamente dependente do Ministro da Marinha e Ultramar por lei de 18 de Março de 1879. O governo de Lisboa abriu os cordões à bolsa para a instalação da nova administração, que ficou com a capital em Bolama, e transferiu de S. Tiago para a Guiné o Batalhão de Caçadores n.º 1 da África Ocidental e anunciou-se a pretensão de adquirir alguns barcos a vapor, devidamente artilhados. O autor refere-se ao modo como se exerceu a administração colonial entre 1880 e 1910, aborda a legislação promulgada, os órgãos de governo e da administração, não esquece a justiça, os negócios eclesiásticos, a fazenda e alfândega. A questão de Bolama fora definitivamente superada, mas os litígios com as colónias francesas, a começar pelo Senegal, acentuaram-se, o Casamansa era cobiçado, o presídio de Ziguinchor na margem esquerda do rio Casamansa era o ponto mais desejado pelas autoridades francesas. Com a convenção luso-francesa de 12 de Maio de 1886 perdeu-se Ziguinchor e Casamansa e irão continuar as tensões para a definição das fronteiras na região de Cacine. E escreve:  
“As circunscrições administrativas da Guiné eram os presídios (aos quais ficavam adstritos os cadastrados do reino ali deportados, mas em liberdade), mas também existiam já câmaras municipais nas povoações onde se concentravam os europeus e comerciantes. Por estes anos 80, identificámos presídios em Ziguinchor, Farim e Geba, e munícipios em Bolama, Bissau, Cacheu, Buba e Bolola”.
A chegada de um governador era sempre um evento, saudada com salva de 21 tiros pela bateria de artilharia, guarda de honra pelo Batalhão de Caçadores, cortejo do cais até à igreja e celebração de um solene Té Deum, seguia-se a posse do cargo no Palácio perante as testemunhas, discursos, muitos cumprimentos e saudação final da janela ao povo presente, às vezes com foguetório. O autor recorda que a presença da igreja católica na Guiné era mínima ainda no século XIX, quer em termos de missionação, quer como administração eclesiástica do Estado. Num ofício datado de 31 de Dezembro de 1880 dirigido ao seu bispo, o Vigário-geral, Marcelino Marques de Barros, traça um cenário desértico da presença católica na província, sem qualquer esforço missionário e apenas assente nas paróquias urbanas de ocupação europeia, mas cheio de belas ideias e projetos de conversão de “todas estas raças altivas e sanguinárias”. Escusado é dizer que a Alfândega era uma das mais importantes instituições públicas da província, sempre interessada em taxar o que estivesse ao seu alcance. A partir de 1902, o governo de Lisboa atribuiu novas competências ao Banco Nacional Ultramarino, concedendo-lhe poderes alargados como banco emissor. João Freire procede a uma síntese das atividades dos sucessivos governadores, passando de imediato à análise das condições da população e à transição económica pós-escravatura, a economia guineense sofrera uma alteração de tomo, há muito que tinha ficado para trás a riqueza amealhada com o tráfico de escravos, estava agora a prosperar a economia das oleaginosas.

Estamos chegados à colónia republicana da Guiné, houve mudança de cadeiras, chegam novos militares, muda o secretário-geral, mais algum pessoal, em Lisboa dá-se a separação ministerial entre a Marinha e as Colónias, por exemplo um telegrama de Lisboa em Setembro de 1911 informa a Província da Guiné que o Dr. Celestino de Almeida é o primeiro titular do ministério das colónias. A I Guerra Mundial não chegou à Guiné, a despeito das restrições no aprovisionamento. Aos poucos, chegam os sinais da modernização, caso do telefone por fios e da telegrafia sem fios. Facto inédito ocorre em Novembro de 1920, uma parte do funcionalismo da colónia entrou em greve. A Guiné teve no final da primeira república um governador que passará à História, Jorge Velez Caroço, a administração ganha dinamismo, abrem-se estradas, as principais serão mesmo macadamizadas (compactação com areia e brita), constroem-se pontes e pontões, a força militar da Guiné foi reorganizada. Havia títulos completamente vazios, caso do quartel-general das forças navais de uma marinha que não disponha de um único navio de guerra em permanência. Velez Caroço encontrará uma contestação cerrada por parte do setor exportador, mas contará sempre com a confiança política em Lisboa. No anuário da Guiné de 1925 é mencionado que existem na colónia 12 estações telegráficas e 3 telefónicas.

No período da Ditadura Nacional, a ação governativa ficou reduzida ao mínimo. João Freire debruça-se sobre a cobrança do imposto de palhota e as contradições que a mesma suscitaram, passando depois para a evolução da economia, em que a expressão principal assenta no desenvolvimento agrícola.

Estamos agora chegados à análise da Marinha na ocupação efetiva, o autor disserta sobre a geografia, bacias hidrográficas e condições de navegação, o modo de funcionamento dos serviços da Marinha até à queda da monarquia e no período posterior, chama à atenção para a importância dos levantamentos hidrográficos, ilustra profusamente o seu trabalho mostrando-nos patachos, lanchas, caíques, chalupas, lugres, lugres-escunas, brigues, iates, galeras, lanchas canhoneiras e muito mais; dá-nos um quadro acabado sobre o funcionamento dos serviços da Marinha colonial na primeira república e no Estado Novo e naturalmente que superlativa a missão geoidrográfica da Guiné.

A investigação é enriquecida com vários apêndices: a Marinha nos arquipélagos de Cabo Verde e S. Tomé; a caça aos navios negreiros em Angola.
Chegamos agora à parte final do trabalho orientada para a política do Estado Novo (1930-1960).

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17487: Notas de leitura (970): “A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha (2) (Mário Beja Santos)

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