segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17898: (D)o outro lado do combate (11): Regime de Sékou Touré e PAIGC: propostas de reforço da cooperação militar, elaboradas por Amílcar Cabral, 4 meses antes de ser assassinado (Jorge Araújo) - III (e última) parte





1. Mensagem do Jorge Araújo , com data de 2 do corrente:


Caro camarada Luís,

Remeto, finalmente, a terceira parte (a última) do meu trabalho relativo às propostas que o AC  [Amílcar Cabral] enviou a Sekou Touré, em 14 de Setembro de 1972 (fez quarenta e cinco anos) pedindo mais apoios para "o combate do outro lado".

Espero que ainda vá a tempo... e faça sentido a sua publicação.

Vou tentar normalizar a minha participação no blogue, ainda que continue no activo académico com viagens semanais a Portimão.

Com um forte abraço de amizade,

Jorge Araújo. (**)







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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge, também se escreve nas entrelinhas...E do teu paciente e valioso trabalho de leitor e analista da papelada do Amílcar Cabral, retive duas ideias: o PAIGC tinha problemas comuns com os governos de Salazar e, depois, de Caetano: (i) a falta de efetivos era dramática e o nº de "refractários, faltosos e desertores" tirava-lhe o sono...; e, por outro lado, (ii) o patacão que não chegava para tudo, muito menos para "alimenbtar o ventre da guerra"... Ambos os atores principais desta guerra, tinham problemas demográficos, logísticos e orçamentais, o que é normal em todas as guerras... (Daí que todas as guerras têm um princípio, meio e fim).

Em relação ao primeiro ponto, leia-se com atenção uma das propostas que o AC faz ao seu anifitrião, Sekou Touré:

(...) "Em cooperação com as autoridades locais, a JRDA [Juventude da Revolução Democrática Africana] e a Milícia Popular guineense [organização a quem foi oficialmente atribuído, a partir de 1969, um papel equivalente ao exército], recuperação imediata dos combatentes [DO PAIGC] que desertaram da frente para se refugiarem na República da Guiné Conacri (Cadinhá, Djabada, Kanfrandi, Boké, Boffa, Koba, Conacri, Koundara, Gaoual, etc.). O seu retorno imediato às frentes da luta para serem reintegrados nas nossas Forças Armadas." (...)

Não temos números sobre a "deserção" nas fileiras do PAIGC... Mas o problema devia ser "sério", senão mesmo "grave"... Sabemos que o PAIGC, como no caso de outros movimentos revolucionários em África e por todo o mundo, não podia contar "só" com a militância política, o idealismo e a generosidade dos jovens, a consciência nacionalista, etc. Tinha que fazer uso de métodos menos "ortodoxos" como o recrutamento forçado, a coação, o rapto, a violência... O AC não era ingénuo, conhecia a realidade da Guiné e de África...

A vida no mato era duríssima (tanto para as populações sob controlo do PAIGC como para a guerrilha), havia uma refeição por dia, quando havia, as "barracas" (acampamentos) não tinham estruturas fixas, as baixas elevadas, os cuidados médicos e de enfermagem muito precários, não havia hospitais no interior da Guiné, apenas "postos de primeiros socorros" na melhor das hipóteses, os feridos e docentes levavam vários dias a chegar à Fuiné-Comnacri ou ao Senegal, a guerra prolongava-se sem fim à vista, o moral era necessariamente baixo...

Um homen insuspeito como Alpoim Calvão fez, em tempos, antes de morrer, numa entrevita que deu, uma implícita homenagem ao guerrilheiro do PAIGC que, embora melhor adaptado ao terreno do que os soldados metropolitanos portugueses, era frugal, combativo e sobretudo revelava uma grande capacidade de resiliência, resistência, sofrimento...

Jorge, um dia tens que pegar neste tema... "delicado". Há muitos mitos, de um lado e do outro do combate. Nós, que já não somos "meninos de couro" (, ou será que ainda os há ?), temos a obrigação de identifciar e revelar esses mitos... Por uma razão simples: é também a nossa história e a história não se faz com historietas da carochinha...

Um bom semana de aulas, meu caro professor!

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Para colmatar as "brechas" nas fileiras do PAIGC, e já que o recrutamento no interior da Guiné, com o passar dos anos, deixou de ser possível, a base demográfica do PAIGC era cada vez mais restrita, circunscrevendo-se aos núcleos de população "refugiada" nos países vizinhos (Guiné-Conacri e Senegal)... e, em muito menor escala, em Cabo Verde (onde o PAIGC foi buscar sobretudo quadros, bins quadros, de resto).

Daí a explicação para este pedido, algo insólito ao Sékou Touré:

(...) "Permissão para o recrutamento de jovens (de 17 aos 25 anos), cidadãos imigrantes do nosso país ou descendentes de imigrantes na República da Guiné Conacri.
a) – Concentração destes recrutas em Conacri.
b) – Formação acelerada, em Kindia, no campo de treino da OUA [Organização da Unidade Africana] (...) . A formação dos recrutas visa a sua integração nas frentes da luta." (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Amílcar Cabral humilha-se claramente perante o Sékou Toiré, estendendo literalmente a mão à caridade... para mais sendo a Guiné-Conacri também ele um país pobre... Era ingenuidade do Amílcar Cabral ou apenas uma forma de lisongear um homem que, tanto quanto sabemos, tinham ciúmes da craveira intelectual e do prestígio internacional do histórico dirigente do PAIGC ?

Releia-se outra das propostas:


(...) "No domínio financeiro

1. Comprar, ao melhor preço para o Ministério do Comércio, as quantidades de certos produtos de primeira necessidade (gasolina, sabão, fósforos, alguns tecidos, etc.) quando as nossas disponibilidades não ultrapassem as possibilidades para o consumo imediato.

2. Permissão para que o nosso Partido possa receber quotas (voluntárias) dos cidadãos do nosso país instalados [residentes] na República da Guiné Conacri, para o desenvolvimento da luta.

3. Realização, por intermédio do P.D.G. [Partido Democrático da Guiné], especialmente da J.R.D.A. [Juventude Revolucionária Democrática Africana], da C.N.T.G. [Confederação Nacional dos Trabalhadores da Guiné] e da U.N.F.G. [União Nacional das Mulheres da Guiné], de festas, missões, quermesses, etc., para a obtenção de receitas destinadas à luta.
Estas medidas poderiam ajudar o nosso Partido, de modo significativo, a fazer face às exigências cada vez maiores da luta no domínio financeiro." (...)