sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17929: (D)o outro lado do combate (16): O Rodrigo Rendeiro, depois de regressar a Bissau, terá fornecido preciosas informações à FAP , permitindo a localização (e bombardeamento) das bases do PAIGC em Morés e Dandum, segundo Maria José Tístar, autora de "A PIDE no Xadrez Africano: conversas com o inspetor Fragoso Allas", Lisboa, Colibri, 2017 (pp. 191/192)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > BCAÇ 506 > Abril de 1964 > Da esquerda para a direita: (i) o alf mil António Pinto; (ii) o Mário Soares, comerciante de Pirada e "agente duplo";  (iii) o alf méd médico (e grande intérprete do fado de Coimbra) Luiz Goes (1933-2012( ; e (iv) e o alf mil Spencer.

Foto (e legenda): © António Pinto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segunda a historiadora Maria José Tístar ("A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas", Lisboa, Edições Coilibri, 2017, pp. 191/192), o comerciante Rodrigo José Fernandes Rendeiro deu à FAP ou à "aviação militar" indicações muito precisas (e preciosas...) sobre a localização das bases do PAIGC em Morés e de Dandum. 

Recorde-se que ele passou lá, na base do Morés, duas semanas, em setembro de 1963, entre depois de ter sido "capturado" pela guerrilha em Porto Gole, e levado para o Senegal.  Pelo caminho conheceu comandantes da guerrilha como o Caetano Semedo (, (Baroudulo), Osvaldo Vieira (Morés), Mamadu Indjai (Fajonquito / Olossato), Lourenço Gomes (Samine / Senegal), Pedro Pires (Dacar, Senegal).

O documento que ele assinou em Dacar, declarando a sua adesão ao PAIGC, só podia ter sido feito para lisonjear os seus captores. (*)

Em Dacar, com liberdade de movimentos, acabou para fugir para a Gâmbia e depois regressar a Bissau, com a ajuda de informadores da PIDE bem como das embaixadas da Suíça e da Inglaterra. Na altura a Suiça representava os interesses de Portugal no Senegal.

O inspector Fragoso Allas nunca contactou pessoalmente o Rendeiro. Tanto quanto se lembra ele, enquanto informador, acha que devia estar ligado ao posto de Farim. Mas era mais lógico que fosse o posto de Bafatá, já que o Rendeiro vivia em Bambadinca.

O supracitado livro, que só folhei na FNAC, utilizou o nosso blogue como fonte, por mais de uma vez (vi referências à batalha de Guidaje e ao nosso saudoso Daniel Matos (1949-2011), um dos "marados de Gadamael", ex-fur mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74.

No índice onomástico do livro, deparei-me logo com um erro: o comerciante Rodrigo José Fernandes Rendeiro vem referido como citado na pág. 216, quando devia ser nas pp. 191/192, donde retirei a informação supra.

Acrescente-se que outro informador da PIDE/DGS, melhor conhecido da opinião pública, e ao mesmo tempo informador do PAIGC, era o António Mário Soares, estabelecido em Pirada, na fronteira com o Senegal. Contrariamente ao Rendeiro, que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS,  o António Mário Soares ficou na Guiné independente mas terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, um ano e tal depois, em novembro de 1975, segundo a fonte que estamos a citar, a investigadora Maria José Tístar. (***)

2. Sobre o Fragoso Allas, encontrei algumas valiosas notas biográficas, anexas à notícia do do lançamento do livro da doutora Maria José Tístar, no portal Dos Veteranos da Guerra do  Ultramar - Angola, Guiné, Moçambique, 1959-1975. (Curiosamente,  no livro não há um  CV tão detalhado como o do portal Ultramar Terraweb.)

Com a devida vénia aos camaradas que editam o Ultramar Terraweb, faço aqui um pequeno resumo do CV do homem que foi um dos braços direitos do general Spínola, em 1971/73, no CTIG:

(i) António Fragoso Alas nasceu em 1934, em Reguengos de Monsaraz, distrito de Évora;

(ii) em 1956/57 faz o COM (Curso de Oficial Miliciano), em Mafra,  na Escola Prática de Infantaria;

(iii) aspirante a oficial milicano, é colocado no RI 2, em Abrantes;

(iv) em meados de 1957 oferece-se como voluntário, em regime de rendição individual, para uma comissão especial de quatro anos integrado na guarnição normal do Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG);

(v) integra, a partir de 1957, a 4.ª Companhia de Caçadores Indígena, aquartelada em Bolama;

(vi) já como alferes miliciano, vai formar e comandar, em Bedanda, em setembro de 1959, o 1.º Pelotão da 4.ª Companhia de Caçadores Indígena;

 (vii) em final de 1960, é promovido a tenente miliciano; e em outubro de 1961 regressa à Metrópole;

(viii)  em abril de 1962 ingressa nos quadros da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), sendo  colocado nos serviços centrais,  em Lisboa;

(ix) em abril de 1963 é chefe-de-brigada da delegação da PIDE em Angola;

(x) no final de 1968, já inspector-adjunto, é colocado em Kinshasa como "adido comercial" na missão portuguesa junto da embaixada espanhola;

(xi) em 13 de julho de 1971 é transferido para Bissau, tomando possse como chefe da subdelegação da Guiné da Direcção-Geral de Segurança (DGS);

(xii) em 10 de setembro de 1973 é transferido para a delegação  da DGS, em Lourenço Marques, Moçambique; menos de três meses, em finais de novembro de 1973, é  transferido para os serviços centrais da  DGS, em Lisboa;

(xiii) em 24 de abril de 1974 está de volta a Moçambique e, em 10 de junho de 1974, está em Luanda, para logo regressar a Lisboa, em 6 de julho desse ano;

(xiv) a seguir aos acontecimentos do 28 de setembro de 1974,  emigra para a Rodésia;  em 1978 instala-se na África do Sul, em Joanesburgo, como empresário.
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. 30 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17917: Notas de leitura (1009): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. 2 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17926: (D)o outro lado do combate (15): continuação da odisseia do Rodrigo Rendeiro que acabou por regressar a Bissau, com um salvo-conduto do consulado da Suíça em Dacar, que o levou até à Gâmbia...

(***) Vd. 31 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

também se dizia que o sr. Teófilo de Bafatá era da PIDE/DGS, uns, ou do PAIGC, outros... Já aqui falámos por diversas vezes do assunto... Recordo um poste do Manuel Mata que era seu amigo... Aqui vai um excerto:


(...) Não foi por o Teófilo ser um presumível informador da PIDE/DGS, como se dizia, mas por haver fortes duvidas, quanto à sua ligação ao PAIGC, e ao mesmo tempo viver num bairro [, a Tabanca da Rocha,] onde viviam elementos do IN, que chegou a estar tudo de prevenção em Bafatá, com o material bélico apontado para a zona, incluíndo o Pelotão de morteiros sediado no Batalhão, para queimarem a área... Felizmente imperou o bom senso.

Não creio que o Teófilo fosse um informador [da PIDE/DGS] mas socorria-se desse subterfúgio para camuflar outras facetas.

Falando em PIDE/DGS, recordo um elemento que estava em Bafatá, muito activo, de quem não me recordo o nome, mas penso ser da área de Castelo Branco: conseguiu descobrir (sempre andando na sua bicicleta) onde o pessoal do IN se reunia numa tabanca próximo da Ponte Salazar, no Rio Geba. Várias vezes o vi fazer o percurso da pista de aviação com destino a essa tabanca. Certo dia comentei com o Teófilo esta situação. Resposta curta e directa:
– Esse não sai de cá com vida!

Algum tempo depois, na referida tabanca, o pessoal reunido, lá aparece o elemento da PIDE/DGS, deram-lhe tanta pancada que foi evacuado de helicóptero...Por sorte, passava nesse momento o jipe da patrulha, o que levou os agressores a fugir e a aparecer gente para socorrer a vítima.

Comentário do Sr. Teófilo após o acontecimento:
– Eu não te disse? Já pagou! – Acrescentei eu:
– Sabe que o indivíduo já me tinha convidado para ingressar na PIDE/DGS, ele fazia-me o requerimento ao Director Rosa Casaco e eu quando regressase a Lisboa entrava logo ao serviço (claro não era serviço que se coadunasse com a minha forma de ser e de estar na sociedade)...

O Teófilo ficou furioso e fez o seguinte comentário:
– Esse porco já teve o que merecia!

Foram estas situações, vividas e outras, que sempre me levaram a acreditar na sua inocência nesse campo, tanto mais que por vezes me dizia:
– A coluna que se realiza no dia x vai ser emboscada...

E era fatal como o destino. Quando foi o ataque a Bafatá, ele já o tinha previsto, umas semanas antes.

Manuel Mata [ex-1º cabo, Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71]

30 DE NOVEMBRO DE 2013
Guiné 63/74 - P12369: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (6): O café do sr. Teófilo (Parte II): um homem amargurado que sabia demais? (Manuel Mata)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2013/11/guine-6374-p12369-roteiro-de-bafata.html

Antonio Rosinha disse...

O 1º cabo Manuel Mata, deduz aqui para nós, que o "comerciante" Teófilo, sabia mais da guerra do que o inspector da PIDE/DGS.

Eu não tenho dúvidas e repito que eram os comerciantes (ou residentes antigos) que estavam mais por dentro do que se passava, porque havia um contacto directo e com mútua confiança, com o povo indígena.

Os agentes da PIDE estavam em comissões passageiras, nunca chegavam a criar raizes, a ficar entrosados, tal como acontecia com os militares e governadores.

Se os militares até conseguiram em todas as frentes da Guerra do Ultramar, um entendimento com Régulos, sobas, flechas, comandos africanos...e não se conseguiu qualquer entendimento com teófilos que sabiam tanto como este amigo do 1º Cabo Mata?

Atenção que foi também um 1º Cabo, que na minha pequena experiência militar em 1961, o melhor comandante numa operação em que tomei parte.

Talvez a conversa do Manuel Mata com o comerciante Teófilo, não fosse possível entre o Teófilo e um alferes ou tenente, muito menos acima de capitão.

Era difícil vir cá a baixo.

Diziam os comerciantes que foram resistindo em Bissau depois da independência, que o único responsável pela massacre dos majores, foi a teimosia de Spínola, pois não quis ouvir ninguém, desde a própria PIDE.

Sabemos que era difícil combater contra quem nos conhecia bem a nós, por dentro e fora, os estudantes do império!

Ó se sabiam, e sabem|