segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18100: Notas de leitura (1024): Tera Sabi, receitas da gastronomia tradicional guineense, 2.ª Edição (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,

Não é a primeira vez que aqui se fala de Tera Sabi. Sucede que a 2.ª edição, datada de 2013 e que se encontra com facilidade nas lojas do comércio justo, tem mais 28 novas receitas de pratos e doces típicos e inclui sumos. Não conheço mais sugestivo repertório da gastronomia tradicional guineense. Temos aqui a grande angular dos pitéus cujos ingredientes são limão-lima, a malagueta, o óleo de palma, o peixe e os frutos do mar, a galinha, a cabra, o porco, o carneiro; mas também os milhos, a mandioca, o inhame, a batata-doce, ramas e folhas de plantas silvestres. 

Não são esquecidos os sumos de mandiple, ondjo com folhas de hortelã, fole, cabaceira, veludo, farroba, tambarina e limão. O que espanta é como este valiosíssimo património, e seguramente uma vasta clientela interessada pelos valores desta gastronomia, não acordam empreendedorismo numa restauração que, parece-me, está fadada ao sucesso.

Há restaurantes de comida angolana e cabo-verdiana, não há um só restaurante para estes maravilhosos pitéus guineenses. Não é de espantar?

Um abraço do
Mário


Tera Sabi, receitas da gastronomia tradicional guineense, 2.ª Edição (2013)

Beja Santos

Preparado e editado no quadro do projeto “Kil ki di nos ten balur”, é o resultado de uma parceria entre a Tiniguena e o CIDAC, cofinanciado pela União Europeia e pelo IPAD. Esta edição de 2013, que se encontra facilmente nas lojas do comércio justo, apresenta-se com mais de 28 novas receitas. Foi redigido com base nas receitas recolhidas por ocasião dos eventos gastronómicos realizados no Bairro Belém e durante as pesquisas de gastronomia tradicional Crioula, Manjaca, Fula, Balanta e Bijagó, promovidas pelo Centro de Recursos do Espaço da Terra, entre 2005 e 2011.

O texto introdutório de Tony Tcheka, reputado jornalista e admirável poeta, é de uma grande beleza, indutor de aventuras para conhecer alguns dos grandes prodígios da gastronomia guineense:

“Estávamos a começar mais um ano e como é normal em qualquer parte do mundo animados de uma justa e certa esperança. Em boa verdade nestas bandas a esperança é finalmente ver a nossa Guiné irromper das amarras de malfitu di nega bay dianti (praga de recusar sistematicamente o progresso). E ser terra sabi (terra boa, saborosa). E ser terra de paz – a grande firkidja (alicerce) do desenvolvimento.

Sim, um ano novo estava a começar – 2012. Já tínhamos dobrado Janeiro com a sua moleza, mas sobretudo marcado pelo prematuro desaparecimento do chefe de Estado. Era já Fevereiro, tinha acabado de regressar à terra depois de mais um ano de ausência. Desenhava-se o quadro de eleições antecipadas, um teste à democracia. Mas o país teimava em acreditar, participando, criando.
Era ainda Fevereiro. Tinha-me chegado às mãos o anúncio da ONG Tiniguena (esta terra é nossa!) de passar o testemunho ou seja passar o legado da geração fundadora à geração nova. Nesse mesmo mês de Fevereiro um cooperante amigo brindou-me com uma publicação editada pela Tiniguena, “Guiné-Bissau-Terra Sabi”, um livro de receitas, um total de 35 receitas recolhidas junto de um corpo de cozinheiras de mão cheias, mestres no manuseio do di buli (colher de pau). São 50 páginas que falam da diversidade do mosaico cultural e etnográfico que compõe a Guiné-Bissau”.

Tony Tcheka disserta sobre o que se passa no cabaz de kacry (quando se põe o kacry – um crustáceo – numa cabaça, os que estão em baixo tendem a puxar os que estão em cima para que não possam trepar, e daí a utilização da expressão popularizada de “kacry no cabaz” para referir uma sociedade que não deixa construir um futuro melhor). Saúda esta nova edição, exulta com as novidades da gastronomia Bijagó e Balanta que tem pratos típicos com muito a ver com rituais religiosos.

No povo Bijagó sobressai o primado do arroz, óleo de palma, produtos do mar (moluscos, mariscos, peixe) destaque para o ligron (lingueirão). E há também a mancarra e o feijão Bijagó, que ajudam a preparar pratos deliciosos. A gastronomia Balanta destaca-se pelo arroz, milho, peixe, marisco, folhas e raízes. São concelebradas as iguarias à base de carne de porco e de vaca.

E Tony Tcheka acrescenta mais um elemento: 

“As etnias Bijagó e Balanta também se cruzam e destacam em outras artes. São exímios escultores. Os primeiros dão forma à madeira em peças etnográficas mágico-religiosas e os segundos trabalham-nas para fins utilitários e decorativos”.

O dietista Fanceni Henriques Baldé acrescenta algumas palavras ao valor alimentar:

“A culinária crioula, a primeira apresentada, por ter uma vocação mais nacional, é fruto da mestiçagem dos paladares das etnias que povoam tradicionalmente a Guiné-Bissau e de outros povos que aqui foram marcando a sua presença, em particular os portugueses e os cabo-verdianos. Os crioulos estão presentes sobretudo nas cidades e nas zonas que sofreram maior influência da colonização portuguesa, em particular Bissau, Bolama, Cacheu, Farim e Geba.

A gastronomia Manjaca é das mais apreciadas, sendo os Manjacos reputados como grandes cozinheiros. Habitando predominantemente na zona costeira, na região de Cacheu, utilizam muito os frutos do mar na confeção dos seus pratos, onde o óleo de palma é omnipresente.

Em contraste, os Fulas, mais presentes no interior do país, onde os recursos tendem a escassear, fazem uso de diversos cereais e de uma grande variedade de plantas que cultivam nos quintais ou extraem do mato, tornando a sua alimentação mais rica e equilibrada em termos nutricionais.
A gastronomia Balanta é, por sua vez, um espelho do pragmatismo e do modo de ser deste grupo étnico maioritário nas regiões de Tombali e de Oio. Os pratos tradicionais da etnia Balanta distinguem-se pela sua simplicidade e predomínio de alimentos energéticos caraterísticos do vigor deste povo e da sua forte ligação ao campo.

Por seu turno, a cozinha tradicional Bijagó está envolta em rituais e simbologias religiosas, que determinam e explicam não só os ingredientes usados como também os modos de confeção, os temperos e até os utensílios usados para servir cada prato. Devido à sua proximidade com o mar e o com o mato, o povo Bijagó, etnia que povoa tradicionalmente o arquipélago dos Bijagós, é conhecido pelo uso dos produtos do mar e silvestres, em particular o óleo de palma”.

O leitor prepare-se para ser confrontado com o sabor ácido do limão-lima, a malagueta, o arroz, o óleo de palma, os milhos, a mandioca, o inhame, a batata-doce, mas também os legumes como o baguitche, a candja, o djagatu.

Tenho para mim que as melhores canjas do mundo dão pelo nome de canja de cacry e a canja de ostra conhecida por pitchipatche. Qualquer dia ponho anúncio no jornal:

“Procuro cozinheira guineense que me prepare um panelão de pitchipatche. Favor só responder se souber onde devo comprar gandim, cuntchurbedja e escalada. Mas se souber preparar porportada de ostras terá preferência”.

Livro especialmente destinado a quem gosta de caldo de chabéu com manga verde, unto de peixe com folha de mandioca, e muitas dezenas de outras receitas. Não conheço melhor livro para testemunhar os sabores associados à gastronomia tradicional guineense.

Que maravilha, esta 2.ª Edição de Tera Sabi!
____________

Nota do editor

Último poste da série de 15 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18090: Notas de leitura (1023): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (13) (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mário:

o teu amor àquela terra e àquela gente, a "nossa" terra, a "nossa" gente passa também pelas comidinhas... Acho que estamos todos hoje a (re)descobrir as cores, os sabores, os ingredientes e as receitas da culinária guineense... Tal como no Alentejo, a pobreza pode ser (e é) criativa... na cozinha!... Veja-se as "sopas dos ganhões" a irem á "mesa dos chefs", sendo já verdadeiros produtos "gourmet"...

Quando lá estive (... quando lá estivemos) na Guiné, estupidamente o meu, nosso, prato favorito era... o bife com "batatas fritas e ovo a cavalo"!... Ainda comi algumas vezes o "frango de chabéu" da dona Auá Seidi, mulher do Fernando Renderio, as ostras ao natural (em Bissau) e os lagostins do Geba (no Zé Maria, em Bafatá)...Alguma caça, alguma fruta...

Não tinha nem estômago nem muito menos sensibilidade cultural, nem "mundo" em matéria gastronómica... para apreciar as iguarias guineenses... Muito menos "paz de espírito"...

Voltei lá em 2008, e aí comecei a experimentar algumas coisas, boas, que me deliciaram como o peixe do rio Cacine... Mas, por causa do pãnico das diarreias, mal toquei no pitchipatche (canja ou sopa de ostra).

Parabéns pela tua recensão, parabéns ao Tony Tcheka pelo texto introdutório... Vou ver se encontro nas "lojas do comércio"...Porque nas nossas livrarias nem pensar... Muito menos nas grandes superfícies (FNAC, etc.)... Nem na Net, há referência a esta 2ª edição... (A não ser, claro, está no nosso blogue e naqueles blogues que nos seguem, e já são bastantes...).

Luís Graça

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Claro que o Zé Maria era em Bambadinca, não em Bafatá... Em Bafatá, para comer o bife (!) com batatas fritas e ovo cavalo, íamos ao restaurante "Transmontana"...

Lembras-te, Tony Levezinho ? Lembras-te, Humberto Reis ?... Era uma vintena (vinte pesos)... E a propósito, não se esqueçam amanhã de dar um abraço natalício ao Humberto... Ele, que nunca gostou de ser fintado, antecipou-se ao Menino Jesus, nasceu a 19...

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Tenho que aplaudir esta ideia.
Trata-se de uma forma de os guineenses (Bissau) marcarem a diferença entre a sua Guiné a os países circundantes. Pode parecer insignificante, mas é um passo apra marcar essa diferença.
Deverão seguir-se outras iniciativas, por mais pequenas que se nos afigurem.
Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...


Adelaide Carrelo
20 dez 2017 09:18

Bom dia Luís Graça,

Espero que esteja tudo bem contigo e família, a propósito do livro que mencionaste abaixo eu já o tenho e envio-te a morada onde podes adquiri-lo, está cinco estrelas!!!!!!

Beijinhos.

Adelaide Barata Carrêlo

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2017/12/guine-6174-p18105-manuscritos-luis.html



"
Parabéns pela tua recensão, parabéns ao Tony Tcheka pelo texto introdutório... Vou ver se encontro o livrinho nas "lojas do comércio"...Porque nas nossas livrarias nem pensar... Muito menos nas grandes superfícies (FNAC, etc.)... Nem na Net, há referência a esta 2ª edição... (A não ser, claro, está no nosso blogue e naqueles blogues que nos seguem, e já são bastantes...). (***)





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