quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18221: Bibliografia de uma guerra (83): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
Este tratado de historiografia onde se contextualiza o pano de fundo que precede a guerra colonial possui todo os ingredientes para ser leitura obrigatória, nas próximas décadas. Contextualiza a posição do império português no final da II Guerra Mundial, releva a tentativa de arrancada das colónias para um estádio de desenvolvimento, na recuperação do pós-guerra aquelas matérias-primas eram preciosíssimas para o desenvolvimento das potências ocidentais.
Mesmo num plano muitíssimo subalterno ao que irá acontecer em Angola em Moçambique, Sarmento Rodrigues procura fazer da Guiné uma colónia modelo, o progresso é a grande consigna do novo estádio da mística imperial: infraestruturas, desenvolvimento agrícola, escolas, instâncias de saúde, novo modelo de administração colonial. Mas os perigos agigantam-se na Ásia, a União Indiana é a principal dor de cabeça. E em meados dos anos 1950 as independências chegam a África - é a grande vaga, Portugal posiciona-se contra a maré.

Um abraço do
Mário


Contra o vento: uma obra-prima da historiografia portuguesa (2)

Beja Santos

“Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017, é indubitavelmente um dos principais acontecimentos da edição historiográfica de 2017. O investigador Valentim Alexandre tem sobejas provas dadas na área da história colonial, este seu opulento (e a partir de agora incontornável) levantamento é o fecho de abóbada, a consagração da sua carreira. Passamos a dispor, a partir deste trabalho, de uma sequência bem articulada para a cronologia os principais eventos que contextualizam o Império Português no pós-guerra, ressaltando a primeira ameaça, a crise de Goa (1954-1955), segue-se a pormenorização dos dados da grande veja da descolonização e a resposta dada pelo Estado Novo: o luso-tropicalismo – a política indígena, uma incipiente industrialização, as formas precárias de deslocação da população branca, nomeadamente para colunatos, a ONU como a principal arena a confrontar o império português, os atritos com o Vaticano, a reorganização dos dispositivos militares; e a manutenção das inquietações no Oriente, um tanto à semelhança de que ocorrera no decurso da II Guerra Mundial, mas agora fruto das descolonizações: Goa, Macau e Timor, devido ao aparecimento da União Indiana, da República Popular da China e da República da Indonésia.

No texto anterior, desvelou-se o mundo do pós-guerra, a emergência do anticolonialismo, a entrada em cena da ONU, o Estado Novo pressagia novas ameaças, em primeiro lugar no Oriente, em Goa, Macau e Timor. Afastados os perigos das duas últimas colónias, Goa será ameaça permanente até que em Dezembro de 1961 os exércitos da União Indiana porão termo à presença portuguesa.

Há razões de sobra para impulsionar o desenvolvimento, sobretudo em Angola e Moçambique, o comércio mundial começa a crescer a muito bom ritmo e as matérias-primas africanas são disputadas. De Angola vêm diamantes, sisal e café; a produção de algodão e de açúcar cresce em Angola e Moçambique. Altera-se o modelo de relações económicas que interligavam a metrópole e as colónias, o espantalho do condicionalismo industrial limita o modelo de desenvolvimento colonial, a instalação de indústrias nas colónias é feita com a muita cautela: cimento e têxtil, fábricas de óleos alimentares, de calçado, de metalomecânica, de artigos de borracha, de pasta de papel e de mobiliário, surgirão confrontos como o da Companhia de Cimentos de Angola e a Secil. Os caminhos-de-ferro tornam-se estruturas fundamentais, ganham expressão internacional, o mesmo se dirá das estruturas portuárias, como o porto da beira. Na política externa, Salazar procura obter dividendos com a concessão de “facilidades” nos Açores, Portugal integrava-se na NATO, o que dava ainda maior realce à posição estratégica das Lajes.

O Estado da Índia é o enorme quebra-cabeças, em Nova Deli insiste-se na “Mãe-Índia”, não há exceções coloniais. Salazar responde: “Se geograficamente Goa é Índia, socialmente, religiosamente, culturalmente Goa é Europa. Se ali habitam ocidentais, indo-portugueses e indianos, politicamente só há cidadãos portugueses”. Salazar confia que o processo de integração da Índia iria ser moroso, teria que absorver as mais de cinco centenas de principados que o domínio britânico deixara subsistir. Mas deu-se a integração dos principados, um a um foram aderindo à União Europeia, em meados de 1948 o subcontinente ganhara coesão. Já não podíamos contar com a Grã-Bretanha e também o Vaticano já não podia privilegiar o Padroado do Oriente. A Santa Sé acabará por nomear um bispo indiano, o que compromete a jurisdição do arcebispo de Goa. Assim se pôs fim ao padroado e entrou-se diretamente na reivindicação do solo. O autor chama-nos à atenção para a interessante análise de Orlando Ribeiro no relatório de 1956, ele refere-se à coexistência em Goa de duas regiões e duas sociedades, a sociedade cristã e a sociedade hindu. Quatro séculos de cristianismo e um clero numeroso e zeloso criaram uma oposição entre cristãos e gentios, situação que dificultava em extremo a integração hindu na nação portuguesa já que todo o hindu via na Índia a sua pátria espiritual. E o distinto geógrafo observa: “Pátria para o goês é Goa, é nela que eles desejam gozar liberdades e proeminências. Aquilo que para alguns é uma espécie de dupla cidadania, goesa e portuguesa preferiam-no eles em relação à União Indiana”. As relações luso-indianas azedam-se. Em 1953, Nova Deli encerrou a sua Legação em Lisboa, não era um corte de relações diplomáticas, mas passava-se para outro nível da ofensiva. Em Macau e Timor, a República Popular da China e a Indonésia descansam Lisboa, não têm reivindicações a fazer, a China precisa de portas abertas para o exterior, o comércio está à frente da ideologia.

O sistema político imperial foi reformulado em 1951 com o Acto Colonial, Portugal é uno e indivisível, será a especificidade do caso português que na retórica procurará querer dizer que não há semelhanças entre o império português e as outras potências europeias. Valentim Alexandre recorda que a ideia de integração nacional imposta por decreto não irá contrariar o aparecimento da geração de Cabral que tinha como âncora a Casa dos Estudantes do Império. O trabalho forçado passara a ser visto com maus olhos nas instâncias internacionais. Henrique Galvão, no célebre Relatório que em 1947 apresentou na Assembleia Nacional, denunciou a extensão dos abusos e a desumanidade de mão-de-obra humana, eram parágrafos que incendiavam as consciências: “As autoridades castigam os chefes indígenas que não lhes apresentam o número exigido, tornam os sobas responsáveis pelos fugitivos, resolvem o caso mais drasticamente enviando os cipaios às povoações prender a torto e a direito até satisfação da quantidade. Os cipaios, por sua vez, fazem negócio com a missão que têm a cumprir, deixando escapar os que os gratificam (…) Se quisermos ser realistas, a situação é pelo menos tão desumana como era nos tempos da completa escravatura. Contudo, nesse tempo, o negro, comprado como um animal de trabalho, continuava a ser uma peça da propriedade pessoal que o seu dono tinha interesse em manter saudável e vigorosa, como fazia com o seu boi ou o seu cavalo. Atualmente, negro não é vendido mas simplesmente alugado ao Governo sem perder o rótulo de homem livre. O patrão importa-se pouco que o homem viva ou morra, desde que trabalhe enquanto puder; pois o patrão pode pedir que lhe forneçam outro trabalhador, se o primeiro ficar incapacitado ou se morrer. Há patrões que deixam morrer até 35% dos trabalhadores que recebem dos agentes governamentais durante aquilo a que se chama período do contrato de trabalho. Mas não há notícias de que a alguns deles tenham sido recusados novos trabalhadores para trabalharem nas mesmas condições”.

Mas não era só o trabalho forçado que servia de ónus à população nativa. Também a propriedade e posse de terra por parte dos indígenas estava em causa. O regime algodoeiro, por exemplo, era uma autêntica forma de escravatura, um contrato leonino a que o indígena ficava amarrado. Valentim Alexandre espraia-se sobre a queda de Dadrá e Nagar-Aveli. Quando a França deixa de poder aguentar a sua posição colonial em Pondichéry, retirou-se. O Estado da Índia é para Nehru o último escolho. Começa pelo mais fácil, toma conta de dois enclaves, houve uma imensa campanha nacional de protesto, a oposição portuguesa divide-se na resposta. É esse o tempo em que o PCP denuncia a campanha nacionalista como belicista ao invés de negociar com o povo indiano de Goa e com a União Indiana, Salazar estaria instigado pelos norte-americanos, queria um foco de guerra dentro do cenário que era o cerco à União Soviética e à China. O PCP denunciava a situação vivida nas colónias e procurava passar a ideia de que a natureza repressiva do Estado Novo o tornava especialmente inapto para resolver os problemas coloniais. O regime sente perder o pé junto do Vaticano: o Papa recebe Nehru em 8 de Julho de 1955, a questão de Goa irá atravessar um novo pico de tensão que culminará nos satiyagrahas de Agosto seguinte a manifestações aparentemente pacíficas de indianos que procurava ocupar o território, em jeito de invasão. A partir de então, Lisboa não tem ilusões: a qualquer momento haverá uma invasão, impossível de conter. A inquietante expectativa prolongar-se-á por anos.

Estamos na terceira parte da importantíssima obra de Valentim Alexandre: a grande vaga da descolonização (1955-1960). A Conferência de Bandung (1955) condenará explicitamente o colonialismo sob todas as suas manifestações. Observa o autor: “Esta fórmula era suficientemente lata para abranger o domínio exercido pela União Soviética nos países do Leste da Europa (que o Paquistão e as Filipinas pretendiam denunciar); mas, nas interpretações subsequentes, foi lida como uma referência aos impérios coloniais europeus e um apelo ao seu desmantelamento, nomeadamente em África”. O Norte de África muda de fisionomia política por esta época e acolhe de bom grado os ventos do nacionalismo africano. A independência do Sudão não teve as repercussões da independência do Gana, neste país, o seu dirigente, Nkrumah assumiu de paladino do anticolonialismo e do pan-africanismo, abriam-se as portas ao processo de descolonização de outro grande território da África Ocidental Britânica, a Nigéria. “As colónias inglesas da África Oriental (Tanganhica, Quénia, Uganda e Zanzibar) e da África Central (Rodésia do Sul, Rodésia do Norte e Niassalândia) não ficaram imunes à influência ao movimento que afetou as da África Ocidental a partir de 1957”. Analisando a outra poderosa potência colonial, escreve o autor: “As colónias francesas da África Negra tiveram uma evolução semelhante às da África Ocidental Britânica” e, mais adiante: “Pela sua natureza – a de territórios submetidos a tutela, por isso sujeitos a supervisão da ONU – o Togo e os Camarões Franceses tendiam a escapar a esta lógica uniformizadora. Em meados da década de 50, a França procurou sapar o terreno aos nacionalistas, fazendo concessões que iam no sentido da autonomia interna, mas no âmbito da União Francesa”. Mas a independência era o ar do tempo, irreversível. Cria-se a comunidade francesa, era a redefinição das relações entre a França e as suas colónias. Todos eles votaram afirmativamente, salvo a Guiné. É nisto que se ateia um incêndio que terá consequências em Angola, os incidentes do Congo. E depois o autor discreteia sobre o colonialismo missionário e uma espécie de “Portugalização” do Ultramar.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18198: Bibliografia de uma guerra (82): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

Todos os acontecimentos (descolonizações africanas à balda) que se seguiram à II Grande Guerra, aconteceram precisamente porque a Europa colonial, Inglaterra, França, Bélgica, Holanda, (sem falar na Alemanha) ficaram de pantanas, com aquela brutalidade.

Essa foi a razão mais directa, para as potências, Rússia, EUA e China deitarem fogo ao pasto.

Ainda hoje a Europa não pode com uma gata pelo rabo e o mediterrâneo está permanentemente a pedir-lhe responsabilidades.

A Europa continua de rastos e sem respostas.

Em todas as histórias que se façam, devem sempre frisar que Portugal estava "orgulhosamente só" contra tudo o que se passava, e só assim a história ficará bem escrita.

E hoje Portugal deve olhar para o mediterrâneo sem precisar de virar a cara.





Anónimo disse...

Alinho neste comentário de Antº Rosinha, nunca nos devemos esquecer que estávamos nesta guerra de 13 anos, 'orgulhosamente sós' e só por isso já somos uma grande NAÇÃO.
E não vou comentar mais, pois podem ser mal interpretadas, e eu estou aqui para escrever aquilo que penso, mas não digo tudo.

Virgilio Teixeira