sábado, 24 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18349: Os nossos seres, saberes e lazeres (254): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 6 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Como soe dizer-se no nosso tempo, organizou-se uma viagem de afetos para concelebrar em Bruxelas uma amizade começada há 40 anos, o viandante guarda uma enorme gratidão a quem lhe ensinou o elementar da política dos consumidores na Europa, a saber intervir em conferências e ateliês, a saber dirigir uma reunião de trabalho, a preparar um dossiê sobre questões tão díspares como as benzodiazepinas, o folheto informativo dos medicamentos e as vantagens/desvantagens do código de barras.
Cimentou-se a relação e deu-se naturalmente um intercâmbio de territórios. O anfitrião sabe que o seu hóspede tem uma doidice por andar a pé nas principais comunas de Bruxelas, mas viajam de carro até aos parques, que são belos e frondosos, visitam amigos comuns, talvez em Lovaina, talvez em Namur. Para o hóspede, o país é inesgotável nos seus referenciais flamengos e valões, espera enquanto tiver lucidez e pés para andar que Bruxelas seja roteiro obrigatório, sempre uma viagem de afetos.

Um abraço do
Mário


Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (4)

Beja Santos

Com o livro sobre os percursos de Bruxelas debaixo do braço, o viandante saiu de casa, apanhou o metro e saiu na estação de Porte de Hal. A caminhada vai começar no bairro de Marolles, já se disse que o Palácio da Justiça está lá por cima, com a sua omnipotência esmagadora, o que o viandante quer é bisbilhotar o reino do bricabraque num tempo em que Marolles muda de look, há pouquíssimos imigrantes, é bairro popular mas perdeu aquela ambiência proletária, tem a sua feira da ladra que funciona na Place du Jeu de Balle, é o coração do bairro. Quando saiu do metro, o viandante foi ver o que era o prato do dia na taberna do Faucon, ficou agradado com a proposta, há de voltar.



Na Rua Haute há muito para ver. A primeira imagem impressiona sempre o viandante, é a casa de um dos seus mais admirados pintores, Pieter Bruegel, temos felizmente dele um quadro admirável no Museu Nacional de Arte Antiga. A casa exibe uma fachada do século XVI, há a promessa de que um dia haverá aqui um museu e corre mesmo a intenção de mudar o nome de Marolles pelo de Bruegel. Bruegel viveu aqui entre 1562 e 1569, ano da sua morte. A sua fixação no bairro, povoado, então, de tecelões, artesãos e pintores respondeu a um pedido da sua futura mulher, que o queria afastado de Antuérpia. É neste período de vivência em Marolles que criou obras fabulosas que estão expostas no Museu Real de Belas Artes. E mostra-se um velho estabelecimento, abandonado, é uma lembrança dessa rua cheia de atividade daquele que foi o maior gueto proletário de Bruxelas, centro de agitação social, esta rua ficou conhecida pelas suas lojas de têxteis, de móveis e de alimentação.


Não pensem que o viandante mente, aqui está a imponente estatura do Palácio de Justiça, já se disse que ninguém lhe consegue escapar. Marolles é aprazível com as suas ruelas e becos, não questiono as razões que levaram os autores deste guia sobre os percursos de Bruxelas a considerá-la como caótica, seja, mas a verdade é que se pode por aqui cirandar entre o passado e o presente e sentir o peso das diferenças, comparar dois universos, sendo o viandante septuagenário atrai-o as marcas de diferentes séculos e ver edifícios e sobretudo lojas que lhe recordam a infância. E sentar-se num jardim, diante de arquitetura moderna e contemplar, embevecido, o Outono em flor.



Há livros que fazem o inventário destes belíssimos murais que se espalham pelo centro da cidade, os temas são múltiplos, vão desde as imagens históricas até à banda desenhada. O viandante caminha agora em direção às grandes avenidas e não resistiu a reter esta lembrança, são bem sugestivos estes murais, a cidade pode ser caótica não está desfiada por aquelas grafitis que nos magoam o olhar.


Não é um palácio é uma escola, faz parte daqueles tempos em que o ensino, a educação, a formação eram valores que mereciam arquitetura imponente. Imagem tirada numa bonita praça que conflui para a artéria dos bulevares que ligam a Bolsa até à Gare du Midi, onde se tomam os comboios para França, Países Baixos, Alemanha e muito mais.


Há bastante tempo que o viandante não passava pela Praça de Santa Catarina, contígua aos mais importantes restaurantes especializados em peixe. Os reis belgas, que dispunham da fortuna do Congo, procuraram encher a cidade de novos templos religiosos a imitar o antigo, ou a retocar templos barrocos. É assim com a Igreja e Santa Catarina, um edifício construído depois de derrubarem um velho tempo de que só sobra esta lembrança, muito bela, por sinal.


Como esta viagem é de peregrinação, importa explicar o porquê de uma imagem quase anódina, ou desinteressante. Trata-se da Igreja de Santa Madalena encostada a um edifício onde durante anos houve um velho hotel. Quando o viandante aqui desembarcou, 40 anos atrás, na Gare Central, em frente tinha um descampado, restava esta igreja, tinha resistido à terraplanagem, ao longo destas décadas o quarteirão recebeu hotéis e escritórios, resta dizer que a arquitetura respeita algum traçado antigo e não tem escala agressiva. Pois aqui o viandante se albergou num hotel que tinha um nome medieval, Hôtel des Éperonniers, a rua com o mesmo nome referente a fabricantes de esporas, o que faz sentido, ali à volta há a rua das especiarias, a rua do carvão, a rua da manteiga, nomes bem bonitos que os responsáveis pela toponímia tiveram a sensatez de não apagar. E o viandante avança de novo para os grandes bulevares.



Começou-se em Marolles, percorreu-se o Sablon, avançou-se para o centro da cidade. Ainda houve a tentação de visitar uma bela exposição de Magritte, patente no museu do mesmo nome, ou entrar na Biblioteca Real da Bélgica, situada no Monte das Artes. Mas não, o viandante especou-se de costas à fachada do Teatro de La Monnie, frente a uma arquitetura arrojada, é um diálogo que não corre mal naquele eixo dos grandes bulevares que se estendem até à Praça Rogier, não é incomum o viandante, em deambulações nesta área, ir até à Igreja de Nossa Senhora de Finisterra, mas toma a decisão súbita de ir visitar o Palácio das Belas Artes, tem saudades dos tetos da Galeria Ravenstein. Atenda-se ao que se escreve no livro dos percursos de Bruxelas: “Demore-se por esta fascinante galeria comercial englobada num vasto edifício de escritórios concebido em 1954 pelos arquitetos Alexis e Phillipe Dumont. Siga por esta passagem de luz celestial para desembocar na impressionante cúpula em betão, ornamentada por tijolos de vidros dispostos em círculos concêntricos; visão vertiginosa de uma composição magistral que não nos cansamos de contemplar. Volte de novo para trás e dê consigo em Bruxelas central”. Foi exatamente o que o viandante fez, acusa cansaço, regressa a casa, em Watermael-Boisfort, amanhã é dia de grande azáfama, com o seu anfitrião vão até Namur, visitar uma amiga e depois calcorrear a cidade.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18327: Os nossos seres, saberes e lazeres (253): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (3) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

antonio graça de abreu disse...

Essa dos Poulets à la Broche é que é entusiasmante. Nunca tinha pensado que isso também se podia fazer com frangos. Mas há invenções e gostos para tudo.

Abraço,

António Graça de Abreu