Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 27 de abril de 2023
Guiné 61/74 - P24256: Parabéns a você (2162): Belmiro Tavares, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66); Cor Inf DFA Ref Hugo Guerra, ex-Alf Mil Inf, CMDT dos Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70) e Joaquim Costa, ex-Fur Mil API da CCAV 8351/72 (Cumbijã, 1972/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 24 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24246: Parabéns a você (2161): David Guimarães, ex-Fur Mil At Art MA da CART 2716/BART 2917 (Xitole, 1970/72)
domingo, 19 de fevereiro de 2023
Guiné 61/74 - P24078: O que é feito de ti, camarada ? (17): Hugo Guerra, ex-alf mil, Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje cor inf ref, DFA
VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Lendo (e comentando para mim, LG) o livro do Idálio Reis.. O Hugo Guerra é um dos bravos de Gandambel / Ponte Balana (esteve lá de agosto de 1968 até ao fim, janeiro de 1969)... Veio acompanhado da sua esposa, Ema Guerra, que tinha acabado de concluir, com sucesso, a sua licenciatura em serviço social. É uma mulher de armas!... Do Porto...
VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Sessão de lançamento do livro do Idálio Reis, "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana" > Duas ex-enfermeiras parquedistas Natércia Neves (à direita) e Giselda Pessoa (à esquerda), ambas do mesmo curso. Nenhuma delas conheceu a Gandembel/Ponte Balana do tempo da CCAÇ 2317... (Em São Domingos, o Hugo Guerra e o Manuel Seleiro foram assistidos pela Ivone Reis, 1929-2022.)
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2012) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
Guiné > Região de Tombali > Ponte Balana > Dezembro de 1968 > Da esquerda para a direita, os alf mil Hugo Guerra e João Barge (1945-2010), com os respetivos "lavadeiros (graduados em alferes)"...
Foto e legenda): © Hugo Guerra (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
1. Há muito, desde 2013, que não temos notícias (*) do Hugo Guerra, que comandou o Pel Caç Nat 55 (Gandembel e Balana) e depois o Pel Caç Nat 60 (São Domingos), entre 1968 e 1970. Temos-lhe dado os parabéns pelo seu aniversário a 27 de abril (nasceu em 1945) e pouco mais.
Em 21 de abril de 2012, participou no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande em Monte Real, acompanhado da sua esposa Ema Guerra. (**)
O último poste da sua autoria, aqui publicado, remonta a 2013 (***). Entrou para a Tabanca Grande em 2008 (****). Tem cerca de 4 dezenas de referências no blogue. Tem página no Facebook mas é pouco ativo.
2. Quando se apresentou à Tabanca Grande em 2007, escreveu sobre ele o seguinte:
Passei por Aldeia Formosa, num heli, e aterrei, ainda em agosto, em Gandembel. Passei a maior parte do tempo em Ponte Balana e estava lá quando fechámos a porta em Janeiro de 1969 (...).
Eu tive, mais tarde, uma passagem rápida por S. Domingos no comando do Pel Caç Nat 60 mas o suficiente para ficar ferido com o rebentamento duma mina anti-pessoal, salvo erro a 13 de março de 1970.
Sou hoje DFA e Coronel. (...)
3. No seu último poste, P11142 (**), o Hugo Guerra falou-nos depois do rumo que a sua vida tomou, indo parar a Angola e, após o 25 de Abril e o regresso à metrópole, enveredar pela carreira militar:
(...) Depois de ser ferido em São Domingos em março de 1970 (*****), fiz-me à vida e fui trabalhar e viver para Angola em setembro desse mesmo ano.
Como era Regente Agrícola de formação, não tive qualquer dificuldade em arranjar bons empregos e por lá estive até agosto de 1974, quando optei por reingressar no Exército e vir prá Capital.
Corri Angola de Norte a Sul, exceptuando as Terras do Fim do Mundo, e depois da experiência traumatizante que foi Gandembel/Ponte Balana e São Domingos, tive oportunidade de formar opinião comparativa entre as três colónias.
Também passei algum tempo em Moçambique. (...)
4. Sobre a sua "vivência" em Angola, deixou-nos aqui uma "saborosa" história que vale a pena relembrar (***):
Assim falava a Dona, mulher do Gerente da Fazenda Tabi, a maior produtora de banana do Norte de Angola com o à-vontade do seu estatuto, dirigindo-se depois ao subgerente e à mulher deste que também faziam parte deste ritual.
Com o grunhido de assentimento do marido, homem feito nas roças de cacau um São Tomé sempre de chibata na mão e acompanhado do seu fiel cão, entrámos.
Um dos criados, fardado de branco e com luvas da mesma cor, habituado a estas andanças, providenciou as bebidas para todos em copos de cristal e um dos Alferes dirigiu-se ao piano e dedilhou qualquer melodia, que já se sabia fazia os encantos da Dona.
A conversa naquele dia girou à volta do acidente que poucos dias antes tivera lugar, quando um Unimog carregado de militares havia sido alvo de uma emboscada no percurso para as salinas a poucos quilómetros da sede da Companhia, tendo os soldados sido apanhados à mão ( parece que levavam as armas debaixo dos bancos) e, não podendo resistir, foram dizimados e a viatura queimada.
- Uma desgraça… Um lamentável acidente…
- Um enorme desleixo - disse eu, ainda fresquinho de dois anos de porrada na Guiné.
- Mas eles não foram culpados - logo se levantou a Dona.
Pois não, a culpa é da bandalheira a que se deixa chegar esta situação nas Fazendas onde os Senhores Oficiais são tratados a uísque, gin e tapas, onde os Furriéis têm um belo bar com piscina, jogos de cartas ou de mesa e onde as patrulhas são efectuadas por civis armados.
O ambiente ficou de cortar à faca. Veio-me à cabeça que àquela hora, na Guiné estariam a começar os ataques aos desgraçados que iriam passa a noite em claro a levar e dar porrada e sem lhe passar pela cabeça que noutras paragens como aquela onde agora eu me encontrava, se jantava com todos os requintes, se bebiam os melhores vinhos de mesa com café, conhaque e charutos.
Se não estou pirado, esta cena passou-se em Outubro de 1970. (...)
(...) Tenho acompanhado com muita emoção todo este sangrento filme que envolveu o Manuel Saleiro e o Hugo Guerra que conheci na sua passagem por Mampatá. Aquele jovem alferes que foi enviado para Gandembel, chegadinho da Metropole. Ali viveu momentos terríveis que punham aos saltos o nosso coraçaão, apesar de estarmos a mais de 10 Km, "passeou" por campos de minas que o guerrilheiro Braima Camará ia semeando, conforme me contou em 2008 no Simpósio Internacional de Guileje.
Zé Teixeira, 17 de fevereiro de 2023 às 20:21 (...)
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 5 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23141: O que é feito de ti, camarada? (16): José Afonso, ex-fur mil at cav, CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (Eduardo Silva / Luís Graça)
(**) Vd.poste de 27 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9813: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (16): Um momento alto: o lançamento do livro do Idálio Reis (Parte I): um abraço solidário para todos os nossos amigos guineenses, na pessoa do Pepito e do Cherno Baldé, nossos grã-tabanqueiros, que estão em Bissau... Um voto de esperança e de confiança no futuro da Guiné-Bissau!!!
(*****) Vd. poste de 17 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24074: (De) Caras (195): Em 1975, cinco anos depois, saí do Hospital Militar Principal com as marcas da mina A/P, armadilhada, que me mudou completamente a vida: estava destroçado, cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda (Manuel Seleiro, 1º cabo, Pel Caç Nat 60, DFA, São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70)
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023
Guiné 61/74 - P24074: (De) Caras (195): Em 1975, cinco anos depois, saí do Hospital Militar Principal com as marcas da mina A/P, armadilhada, que me mudou completamente a vida: estava destroçado, cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda (Manuel Seleiro, 1º cabo, Pel Caç Nat 60, DFA, São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70)
Foto nº 1 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > 1970 1º cabo Seleiro à porta da sua morança, "cinco dias antes do acidente" (sic), com a mina que lhe roubou a vista e as mãos. (Claro que não foi em "acidente", foi "em combate"...)
Foto nº 2 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > s/d > Esta foto foi tirada junto à porta da arrecadação do velho quartel de S. Domingos. A foto mostra três minas A/P em situações diferentes. A primeira está fechada e pronta a ser acionada. A segunda está aberta, vê-se a dinamite e o mecanismo. A terceira está aberta, vê-se todo o mecanismo desmontado."
Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo. (...) (*)
1. O Manuel Seleiro passou a ser nosso grã-tabanqueiro desde ontem. Já o devia ter sido há muitos mais anos... Mas só agora calhou falar com ele, ao telemóvel. Senta-se à sombra do nosso poilão, sob o nº 870 (**). E, como é da praxe, vamos publicar a seguir um texto dele, justamente aquele em que relata as circunstâncias dramáticas da explosão da mina A/P que lhe roubou aos de vida e os seus melhores sonhos. É um texto que um dia tem de figurar na antologia dos nossos melhores postes. Aqui reproduzido, com a devida vénia...
Quartel de S. Domingos. Sector Militar, de São Domingos: Algures nas matas da Guiné, junto a fronteira do Senegal. Decorria então o ano de 1970 na Guiné.
Destacamento de São Domingos, sete e trinta da manhã, o Pel Caç Nat 60 sai com destino à fronteira do Senegal, com o objectivo de pintar os marcos que faziam a divisão da fronteira Guiné/Senegal...
Às dez e meia da manhã, volvidos os primeiros vinte quilómetros, já em plena mata, há uma chamada de atenção, alguma coisa se passa. Os homens passam a palavra até chegarem à minha secção. Sou informado que, na frente, foi detectada uma mina anti-pessoal. Os homens ficam nervosos.
Quando cheguei ao local da mina, o alf mil Hugo Guerra [foto à esquerda ] nforma que vai tentar levantar a mina, Decorridos alguns minutos pergunto ao alf mil Hugo Guerra como iam as coisas, ao que ele me responde que estava nervoso.
O alf mil Hugo Guerra dá a ordem para que a mina seja desactivada. Tomei o lugar dele junto da mina.
Procede-se à segurança do local para que as coisas decorram sem incidentes. Mando afastar os homens a uma distância razoável, processo que requer muita atenção.
Procede-se à desminagem do local, o momento de muita tensão... O passo seguinte é desmontar o sistema da mina, que é constituido por dinamite e o detonador, este o mais perigoso, que requer particular cuidado...
O inevitável aconteceu, a mina estava armadilhada e explode. Gritos, confusão, leva algum tempo até os homens se recomporem.
No momento tudo ficou em silêncio depois as vozes de algums soldados Que se aproximavam. Senti umas mãos que me seguravam, era o enfermeiro José Augusto, que me prestava os primeiros socorros, colocava os garrotes para parar as hemorragias, o soro e uma injecção para as dores.
Alguns homens preparavam uma maca, com as camisas e uns paus para me transportar, fizeram cinco quilómetros comigo através da mata serrada. O alf mil Hugo Guerra sai ferido com alguma gravidade…
Como estava relativamente perto de mim foi atingido por estilhaços.
Pelo Rádio foi pedido ao quartel de São Domingos para mandarem viaturas ao nosso encontro para chegar mais rápido à pista onde deveria estar uma avioneta à espera.
Meia hora depois chegam à Base Aérea e fui levado para o Hospital Militar de Bissau. Já no hospital, foram feitas as primeiras intervenções cirúrgicas, provavelmente devido às anestesias perdi a noção do tempo, e do local onde me encontrava.
Num momento de lucidez ouvi passos, que se aproximavam perguntei onde me encontrava. Foi me dito que estava no hospital de Bissau, perguntei quando ia para Lisboa. A resposta foi... "amanhã".
No dia seguinte [quinta-feira, 12 de março de 1970 ]pela manhã, tive a visita do Governador da Guiné, o general António de Spínola. Que deixou palávras de consolo e rápidas melhoras, e um elogio pelo dever de servir a Pátria...
Nesse mesmo dia à noite saí da Guiné no avião militar. Cheguei a Lisboa no dia treze de Março por volta das cinco da manhã, caía uma chuva miudinha.
As macas eram muitas pois este avião militar fazia o transporte de Angola, Moçambique, e Guiné, Em Lisboa as ambulâncias faziam o percurso de noite para não chamar a atenção dos lisboetas.
Nesta altura já estava internado no hospital Militar, na Estrela. Serviço de cirurgia plástica. Quero aqui informar que logo que dei entrada neste serviço, entrei em coma... Só decorridos quinze dias recuperei a consciência.
A partir daqui foi um desencadear de acontecimentos, uns bons e outros maus. Descobri que não tinha uma das mãos, o braço esquerdo estava com gesso, e tinha os olhos com pensos, este foi o primeiro choque que sofri.
Os dias iam passando lentamente, até descobrir que estava cego... Mas o mais grave desta situação, a minha família não sabia que eu estava gravemente ferido no Hospital Militar, os serviços do Exército não comunicaram o facto à minha família. Os meus pais tiveram a informação por um amigo meu que por essa altura prestava serviço no Hospital Militar.
O tempo decorrido da minha chegada a Lisboa, até os meus pais terem conhecimento foi de 23 dias... Nesse ano de setenta completei vinte e quatro anos, estava na flor da idade, andei de serviço em serviço durante mais quatro anos [no total, 5 anos, mais 20 meses no TO da Guiné, de julho de 1968 a março de 1970 ].
Em 1975 sai do hospital Militar com a bonita recordação: cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda. Moral baixa, estado psicológico baixo. O Hospital Militar não dispunha de Psicólogos... (***)
PS - A data que consta no texto acima é a minha versão do acidente. A versão do alf mil Hugo Guerra aponta para o dia 13 de março de 1970. (*) [foto à esquerda: O Seleiro e o Guerra ].
Entrada para o Serviço Militar: 18 de abril de 67. Partida de Lisboa: 12 julho 1968 para a Guiné. Acidente na Guiné 10 de março de 1970. (****)
Manuel Seleiro, 1º cabo, DFA,
(**) Vd. poste de 16 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24072: Tabanca Grande (543): Manuel Seleiro, ex-1º cabo, Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70), natural de Serpa, DFA, sofreu cegueira total e amputação das mãos, ao levantar e desativar um engenho explosivo, durante uma operação, em 13/3/1970... Senta-se à sombra do nosso poilão, sob o nº 870.
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023
Guiné 61/74 - P24072: Tabanca Grande (543): Manuel Seleiro, ex-1º cabo, Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70), natural de Serpa, DFA, sofreu cegueira total e amputação das mãos, ao levantar e desativar um engenho explosivo, durante uma operação, em 13/3/1970... Senta-se à sombra do nosso poilão, sob o nº 870.
Foto nº 1 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > O Manuel Seleiro, a sintonizar o rádio e a ouvir música.
Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Os créditos fotográficos das fotos de nºs 3 e 5 devem ser atribuídos ao fur mil Moreira, que vive hoje em Riba D' Ave: ele foi o fotógrafo que estava lá, nesse dia fatídico de 13/11/1969, nas proximidades de Nhambalã, no blogue do Pel Caç Nat 60 estão em formato reduzido, sem edição].
Com essa mão de dois dedos edita o seu blogue (Pel Caç Nat 60) e a sua página de divulgação do Cante Alentejano (Luar da Meia Noite), que é também a sua página pessoal na Web... É "leitor" regular (!) do nosso blogue, ou melhor, acompanha o nosso blogue por voz...
Sobre os seus passatempos, diz:
"Gosto do Mar, e do campo, a leitura, e a informática, Desporto favorito: Natação, Não gosto de animais: Adoro as aves, em particular os melros, pela sua beleza, de cantar, gosto de acordar com as suas melodias... Gostava da eletrónica. A minha cor preferida, o Azul. O pior da minha vida, foi ter que fazer a guerra. Mais vale um pássaro num ramo Que numa gaiola dourada."
Aceitou de bom grado integrar a nossa Tabanca Grande!... Passa ser o nosso grã-tabanqueiro nº 870, o lugar que lhe reservamos sob o nosso fraterno e mágico poilão, à sombra do qual se untam os amigos e camaradas da Guiné.
Sobre o Hugo Guerra (**), diz-me que não tem notícias dele há anos. Ao que parece, estará doente e acamado. Tal como não tem notícias da Manuela Gonçalves (a Nela), das Caldas da Raiha, professora reformada, esposa do infortunado alf mil Nelson Gonçalves, um dos comandantes do Pel Caç Nat 60, vítima de mina A/C, em 13/11/1969, que lhe levou uma perna (***), e foi a primeira mulher a integrar a Tabanca Grande... (Infelizmente, confirmámos hoje esta nossa amiga já nos deixou, conforme página do Facebook "Em memória de Manuela Gonçalves"; vamos fazer-lhe oportunamente um In Memoriam, no nosso blogue).
Telem: 930 672 960
Email: manuelseleiro@gmail.com
Lisboa > Casa do Alentejo > 8 de fevereiro de 2020 > Sessão de lançamento do livro do serpense José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: memórias de Gabu" (Lisboa, Edições Colibri, 2019, 220 pp.)
Momento cultural: atuação do grupo musical "Os Alentejanos", de Serpa, com o João Cataluna ao centro (voz e acordeão). Moda alusiva ao embarque de tropas para a guerra colonial, "Lá vai uma embarcação / Por esses mares fora, / Por aqueles que lá vão / Há muita gente que chora"... (Reproduz-se a letra mais abaixo.)
Trata-se de uma homenagem sentida a um combatente da terra, o José Saúde, nascido em Aldeia Nova de São Bento, hoje vila, concelho de Serpa (em 23/11/1950), mas que foi cedo para Beja, a sua segunda terra, onde ainda hoje vive e onde nasceram as suas duas filhas, Marta e Rita.
Os dois concelhos viram sacrificados, no "altar da Pátria", 69 dos seus filhos, durante a guerra do ultramar/guerra colonial: 35, de Beja; 34, de Serpa... Só a freguesia de Aldeia Nova de São Bento teve 10 mortos, uma terra que viu decrescer a sua população para menos de metade em pouco de meio século: 8.842 habitantes em 1950, 3.073 em 2011.
Há uma versão original desta moda, de 1973, gravada pelo Trio Guadiana e o Quim Barreiros (como acordeonista). Segundo Miguel Catarino, "esta gravação data de 1973 e pertence à Banda 1 da Face A do disco EP de 45 R.P.M. editado pela 'Orfeu, etiqueta da 'Arnaldo Trindade e Companhia, Lda.', matriz 'ATEP 6514', em que o Trio Guadiana, acompanhado pelo acordeão de Quim Barreiros, interpreta quatro modas regionais alentejanas populares, com arranjos musicais do acordeonista. Esta moda é uma das mais pungentes que existe no Cante Alentejano, de seu nome 'Tão Triste Ver Partir', conhecida também como 'Lá Vai Uma Embarcação' ".
Convirá acrescentar que isto não é "cante", mas tem as suas raízes na música tradicional alentejana. No cante, não se usam, em regra, instrumentos musicais. Abrem-se exceções para a viola campaniça... A voz é o único (e grande) instrumento do cante, música do trabalho, do lazer e do protesto, cantada nos campos, na rua e na taberna... Em grupo, sempre em grupo. Homens e mulheres, se bem que os grupos corais femininos só tenham começado a aparecer há 3 décadas, por razões socioculturais... Mas as mulheres sempre cantaram, em grupo, com os homens no duro trabalho agrícola... Em grupo, num coro polifónico, "à capela" que não deixa ninguém indiferente: ou se ama ou se odeia... Um alentejano (do Baixo Alentejo) nunca conta(va) sozinho. No campo, trabalhava-se em "rancho", e cantava-se em "rancho"...O "cante" amenizava a dureza do trabalho e da vida no Alentejo dos latifúndios...
Lá vai uma embarcação (**)
É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá lai outro contingente.
Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.
Lá vai uma embarcação
Por esses mares afora,
Por aqueles que lá vão,
Há muita gente que chora.
Há muita gente que chora,
Com mágoas no coração,
Por esse mares afora,
Lá vai uma embarcação.
É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá lai outro contingente.
Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.
Lá vai uma embarcação
Por esses mares afora,
Por aqueles que lá vão,
Há muita gente que chora.
Há muita gente que chora,
Com mágoas no coração,
Por esse mares afora,
Lá vai uma embarcação.
[Revisão, fixação de texto: LG]
Contacto de "Os Alentejanos",
música tradicional Alentejana, Serpa
Telem: 962 766 339 / 938 527 595
Email: joaocataluna@gmail.com
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 15 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24067: Blogues da nossa blogosfera (177): Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/74), blogue criado por Manuel Seleiro, 1º cabo caçador, DFA, natural de Serpa - Parte I: Histórias de minas que marcaram corpos e almas...
(**) Vd. poste de 25 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (18): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 50, 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70); hoje cor ref, DFA
(...) Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.
No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.
Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.
Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança, lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.
Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.
Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao Seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.
Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.
Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:
- Meu Alferes, olhe aqui.
Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…
Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.
Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo.
Quarenta e oito horas depois chegámos ao aeroporto de Figo Maduro e, como já foi dito por um camarada nosso, fomos colocados dentro de ambulâncias militares e sem qualquer barulho para não acordar a cidade, levaram-me a mim para o HMP na Infante Santo e o Seleiro foi levado para o Anexo, em Campolide.(...)
(***) Vd. poste de 26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)
(****) Último poste da série > 28 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24019: Tabanca Grande (542): Eduardo Jacinto Estevens, ex-1.º Cabo Radiomontador da CCS/BCAV 3854 (Nova Lamego, 1971/73), que se senta no lugar n.º 869 da nossa Terúlia
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023
Guiné 61/74 - P24067: Blogues da nossa blogosfera (177): Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/74), blogue criado por Manuel Seleiro, ex-1º cabo caçador, DFA, natural de Serpa - Parte I: Histórias de minas que marcaram corpos e almas...
Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > S/d > S/l > Legenda lacónica: equipa de minas e armadilhas... O Manuel Seleiro pode ser o primeiro do lado direito, em primeiro plano.
1. Não é frequente encontrar-se, na Net, uma página ou um blogue dedicado a um Pelotão de Caçadores Nativos. Uma agradável surpresa é o https://pelcac60guine.blogspot.com/ (Guiné. Pel Caç Nat 60).
O Pel Caç Nat 60 e um pelotão da CCAV 2539 saíram numa coluna auto para uma missão a Susana/Varela.
No dia 13 de novembro (não sei se era sexta feira!) [por acaso, era um quinta-feira... Editor LG ]... O soldado Guilherme que fazia anos nesse dia teve uma sorte incrível, Três minutos antes da mina anticarro ter sido accionada, o Guilherme ia a falar com o alferes Gonçalves junto à roda que accionou a mina anticarro.
A primeira mina anticarro foi descoberta e foi desactivada pelo 1º cabo Seleiro, que está na foto com o alferes Gonçalves. A segunda mina anticarro estava a uns trinta metros mais á frente num local que escapou aos homens das picas. [ Ou estava a 300 metros ? .. Editor LG ] (*)
Era uma ligeira subida onde o terreno era bastante duro, suponho que o que levou o IN a montar a mina naquele local foi que há algum tempo atrás caíra ali uma árvore de grande porte. Como havia vestígios de alguns ramos e folhas secas, era portanto o local certo para colocar a mina...
Na altura da explosão houve uns momentos de supresa, a reacção foi atirarmo-nos para o chão... Passados os primeiros minutos que antecedem o choque da explosão, esperávamos que houvesse uma emboscada...
Não foi o caso, a minha secção vinha na última viatura. Montada a segurança, socorreu-se o alf mil Gonçalves que estava gravemente ferido, creio que a secção que ia na GMC na frente da coluna éra comandada pelo fur mil Félix Dias, da CCAV 2539, que seguia com o alf mil Gonçalves para São Domingos...
Nós ficámos no local da viatura acidentada, decorridos uns dez minutos ainda não sabíamos do Gama, o condutor da viatura, perante o nosso espanto vimos sair do mato um homem mais parecido com um sonâmblo e a sua cara estava mascarrada, o seu olhar ausente, o seu andar mais parecia um autómato, foi preciso muito tempo para que falasse, mas não sabia o que se tinha passado ali... Este homem levou muitos dias para recuperar totalmente.
O Guilherme, o soldado de transmissões, quando se apercebeu no que lhe podia ter acontecido, chorava.
Manuel Seleiro
Primeiro Cabo
[Revisão / Fixação de texto / título / Notas em parênteses retos: LG ]
(*) Vd. poste de 26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)
No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.
Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.
Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.
Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.
Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.
Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.
Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:
Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…
Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.
Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo.
Quarenta e oito horas depois chegámos ao aeroporto de Figo Maduro e, como já foi dito por um camarada nosso, fomos colocados dentro de ambulâncias militares e sem qualquer barulho para não acordar a cidade, levaram-me a mim para o HMP na Infante Santo e o Seleiro foi levado para o Anexo, em Campolide.(...)
domingo, 3 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23405: A minha guerra foi pior que a tua?!...(1): Bambadinca (1969), Gandembel (1968/69), Gadamael (1973) (Luís Graça / C. Martins / Hugo Guerra / Alberto Branquinho / Joaquim Mexia Alves)
Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Invólucros de granadas de canhão s/r, deixadas na orla da mata contígua à pista de aviação, na noite do ataque a Bambadinca, 28 de maio de 1969...
Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de janeiro de 1971 a outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, e por ele gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz.
Foto (e legenda): © Morais da Silva (2012) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto (e legenda): © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Fiz/fizemos o mesmo "percurso turístico" que muitos outros camaradas da zona leste, ao passar e parar em Bambadinca, a caminho do centro militar de Contuboel (por exemplo, visita aos quartos atingidos por morteiradas)... Felizmente que, embora tendo bom armamento (e até sofisticado), os artilheiros do PAIGC eram em geral mauzinhos, por falta de formação técnica...
O ataque a Bambadinca teve sobretudo impacto político e psicológico... É de destacar a "ousadia" do PAIGC... E a data escolhida (28 de Maio) também não terá sido arbitrária...
(ii) Luís Graça | 29 de maio de 2011 às 08:17
Que a defesa militar de Bambadinca foi descurada, não temos dúvidas... Estava-se sob o efeito psicológico, positivo, da Op Lança Afiada... Ninguém acreditava que alguma vez Bambadinca pudesse ser atacada... Em Maio de 1969, Bambadinca tinha apenas os seguintes efectivos:
(i) Comando e CCS do BCAÇ 2852
(ii) Pel AM Daimler 2046
(iii) Pel Mort 2106 (-)
(iv) Pel Caç Nat 63
Casa arrombada, trancas à portas... Daí o desgraçado do Carlos Marques Santos ter saído de Mansambo para ir "montar a tenda" na ponte (semidestruída) do Rio Udunduma... Daí as emboscadas (todos os dias) em Bambadincazinho (na célebre Missão do Sono), a abertura de valas à pressa... São factos a lembrar. (...)
Eu já sabia que tinha sido assim, só estou a confirmar. Não me lembro de ter passado um único momento agradável. Não nos podiamos dar ao luxo de facilitar.
Hoje fiquei banzado com o relato do ataque a Bambadinca, localidade que eu, na minha ingenuidade dos vinte anitos, pensava não existir na Guiné que frequentei entre Agosto de 68 e Março de 70. (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e São Domingos), só para avivar a memória.
Que me perdoem os homens e mulheres que fizeram a guerra em Bambadinca, mas podiam ficar-se pelas belas desrições que fazem das Messes, das Familias presentes, da vida social e do que mais constituia o seu dia a dia e lembrarem-se de vez em quando das centenas de ataques junto ao arame farpado em Gandembel, dos mortos e feridos que lá tivemos, e éramos cerca de 500 homens enterrados nos bunkers, à espera que a noite corresse bem e não nos entrassem no arame farpado.
Bolas... não me venham dizer que todas as "estadias" na Guiné eram iguais. Isso é fazer esquecer Madina do Boé, Guileje, Gadamael Guidage e outros tantos buracos onde os nossos militares faziam das tripas coração para sobreviver.
Não me sobra engenho e arte para descrever o que eram essas flagelações, mas custa-me ver que o blogue está a ficar demasiado cor de rosa.
As porradas que vou levar dos camaradas que habitualmente escrevem no blogue, serão encaradas com simpatia porque muito poucos escolheram as suas estâncias de férias.
Quando em Set 1970 fui viver e trabalhar para Angola, no Ambriz primeiro e em Camabatela por último, aí sim, vi com os meus olhos o que era uma guerra convencional e de ar condicionado, com mortos e feridos em acidentes de viação e chá das cinco em casa dos gerentes coloniais das fazendas, que ainda os havia... Mas isso são outros trezentos que, por exemplo, o camarada Rosinha bem conhece...
Agora a minha Guiné... poupem-me, sem ofensa para ninguém. (...)
(..) Ó camarada Hugo Guerra! Que coragem! Ando, desde 6ª feira à noite, a matutar sobre "comento... não comento".
É que o que eu queria, afinal, dizer era da trabalheira que dariamos aos editores se escrevessemos sobre as vicissitudes dos vários ataques diários (nocturnos e diurnos) que sofriamos em Gandembel e Ponte Balana. (Pelo menos durante o quase mês e meio que durou a operação Bola de Fogo).
Não, não era do PCP, se bem que os pides pensavam que sim, e por isso bastante porrada levei em Caxias, para além da tortura do sono.
Solto, malhei com os costados na tropa. Mobilizado para o CTIG, passei dois dias em Bissau, e aí vou eu de batelão até Cacine e de sintex até Gadamael.
Aí chegado deparo com um ambiente surrealista, 15 minutos depois de desembarcar, parti o bico com elas a cairem junto ao arame farpado em frente aos obuses, a mata a arder e eu em cima da roda do obus a armar aos cucos para demonstrar que os tinha no sítio... Só que estava borrado de medo. Fiquei logo apanhado do clima.
Camarigos, quando digo que muitos foram uns sortudos, estou a falar a sério, assim como quando digo que tenho inveja.
Quero realçar que não me considero nenhum herói, apenas fui objecto das circuntâncias.
Era contra a guerra, e tinha bastante consciência política... mas jamais pensei em desertar ou ser refractário... O que é uma contradição, é verdade... Mas, o que é que querem?... Gosto muito de ser tuga, porra... Estou a ficar emocionado.
Acho que já disse demais, para quem quer ficar no semi-anonimato, e tem idade para ter juízo.
Um alfa bravo para os sortudos, e principalmente para os menos. (...)
(vii) Joaquim Mexia Alves | 31 de maio de 2011 às 09:47
Não sou um combatente, sou um sortudo!!!
Ainda gostaria de saber quem foi que meteu uma cunha para eu ter tanta sorte em ter ido para a Guiné, para os sítios tão agradáveis em que passei dois anos da minha vida?
Pior do que eu, ou seja, ainda menos combatente, só o cozinheiro que nunca saiu para o mato!
Mato? Qual mato? Aquilo era um jardim onde se saltava à corda e brincava à cabra-cega!
Remeto-me à minha insignificância, e peço desculpa por ter estado na Guiné.
Um abraço para todos, com um sorriso, porque o humor ajuda a sentirmo-nos bem. (...)
É que quanto a "guerra fora de portas" há, logo, um factor importante, que é o de muitos (a maior parte das unidades) terem permanecido todo o tempo no mesmo quartel ou na mesma (reduzida) zona e outros terem andado durante dois anos com a "trouxa" às costas, como unidades de intervenção, como "mulheres-a-dias" a fazer limpezas em casa alheia, por quase dois terços da Guiné. Transportados em colunas-auto e variadas vezes em Lanchas de Desembarque, contando, neste caso, com uma emboscada. (...)
Não foi minha intenção menosprezar e muito menos ofender quem quer que seja... Não penso nem nunca pensei que fui melhor que os outros... só porque estive num sítio onde a guerra foi mais intensa...
Cada um sabe de si. A minha forma de estar na vida, não é propriamente vangloriar-me do que fiz, nomeadamente na guerra.
Todos fomos combatentes, mas não se pode escamotear a verdade... havia no TO da Guiné zonas mais "quentes" do que outras... é ou não é verdade?
Eu só falo de Gadamael, porque foi o único sítio onde estive, posteriormente também estive em Bissau já na fase de retracção das NT quando já não havia guerra, onde a bem da verdade, passei os únicos tempos na "descontração".
Penso que uma das finalidades do blog, é cada um relatar aquilo que passou. (...)
Ainda quero dizer a todos os camarigos, que aquilo que nos une (ex-combatentes na Guiné) é bem mais forte, independentemente das opiniões de cada um.
Por favor levem isto na "desportiva".. eu pelo menos levo. (...)
Esse ataque ficou célebre: os camaradas de Bambadinca, segundo algumas versões que ouvi na altura, da "velhice", e dados que confirmei mais tarde, teriam sido apanhados com as calças na mão, far-se-iam quartos de sentinela sem armas, não havia valas suficientes, houve indisciplina de fogo, etc...
A sorte da malta de Bambadinca (Comando e CCS/BCAÇ 2852, Pel Caç Nat 63, Pel Mort 2106 e Pel AM Daimler 2106, sem esquecer os civis...) terá sido, diz-se ainda hoje, os canhões s/r, postados ao fundo da pista de aviação, terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha...
- Podíamos ter morrido todos - dizia-me o 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, natural da minha terra, Lourinhã (...)
Na história do BCAÇ 2852, o ataque (ou melhor, "flagelação") a Bambadinca é dado em três secas linhas, em estilo telegráfico:
(**) Vd. poste de 28 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8345: Efemérides (69): 28 de Maio de 1969: o ataque de 40 minutos a Bambadinca (Carlos Marques Santos / Beja Santos / Luís Graça)