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domingo, 9 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24464: (De) Caras (200): Crónica pícara de uma noite de copos no Chez Toi e no Pilão, que meteu alguns dos nossos melhores e que até chegou, truncada e pirateada, à terra de um deles, Melgaço (Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Sinchã Sambel > Fevereiro de 2005 > A viagem de todas as emoções, o regresso de Paulo Santiago à Guiné, em Fevereiro de 2005.

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Esta história merece ser "revisitada" (*) por várias razões: 

(i) é escrita pelo Paulo Santiago (um "histórico" do nosso blogue, está connosco desde meados de 2006, e tem 183 referências); 

(ii) tem umas cenas "pícaras", passadas em finais de março de 1972, na "nossa Bissau", longe de Saigão (que ficava no Vietname); 

(iii) e depois envolve alguns dos nossos "melhores" (incluindo a nossa marinha e até um "ajudante de campo" do nosso Com-Chefe (que estava no 4.º ano do seu "consulado"), além do Julião Martins (outro dos nossos tabanqueiros, outro "histórico");

(iv) e, "the last but not the least", foi reproduzida no blogue da terra de um deles, Melgaço, sem que fosse citado o autor (Paulo Santiago) e a fonte (Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)...

Dezenas de anos depois, o Paulo Santigao reconstituía aqui um "raide nocturno ao Pilão"... Uma noite de copos em Bissau era um dos poucos luxos que um "tuga", a caminho do mato (ou "desenfiado" do mato), se podia permitir: afinal, não éramos santos nem heróis, mas também não éramos meninos de coro nem escuteiros... Tínhamos vinte e poucos anos, muita adrenalina, muita vontade de viver e nenhuma de morrer... Em Bissau, longe do Vietname, como eu costumava escrever... (**) 


Uma ida ao Pilão

por Paulo Santiago (*)

Foi aí por volta de 30 ou 31 de Março de 1972 que os acontecimentos se passaram. Estava eu em Bissau, de passagem, para mais um mês de férias na Metrópole, embarcava no avião da TAP em 2 de Abril.

O NRP "Orion"  foi onde jantei naquela noite, a convite do comandante Rita, sendo também convidado o ten RN [reserva naval] Alves da Silva, conhecido entre nós pelo petit-nom de Eduardinho. Não me lembro da ementa, mas foi excelentemente acompanhada pelos belíssimos néctares existentes na garrafeira daquele navio.

O [alf mil] Martins Julião estava em Bissau a chefiar a comissão liquidatária da CCAÇ 2701 [Saltinho, 1970/72]: sabendo que me encontrava a bordo da "Orion", apareceu no fim de jantar, ainda a tempo de beber uns uísques.

Por volta da meia-noite, ou ainda mais tarde, resolvemos ir ao Chez Toi, um cabaré chungoso, o que se chama agora casa de alterne. Apanhámos um táxi no porto e lá seguimos para a má vida. O Rita, como habitualmente, ainda poderia beber mais uma garrafa nas calmas, eu, o Alves da Silva e o Julião já estávamos um pouco mal tratados. 

O cabaré estava repleto, já não cabia mais ninguém. Convencemos o empregado a trazer-nos uma "Old Parr", mais quatro copos e ali ficámos encostados ao muro a dar conta da garrafa.

Subitamente chega um carro em alta velocidade, Peugeot 404 preto, que faz uma travagem maluca ali em frente, e donde sai o cap Tomás, ajudante [de campo] do Caco [Baldé].  Vinha bastante encharcado, mas deitou a mão à nossa garrafa,  bebendo uma boa golada. A única pessoa que ele conhecia bem era o Rita. Queria ir para as gaijas, não sei fazer o quê, naquele estado. Convenceu o Comandante e lá entrámos os quatro para o 404, era o carro da D. Helena [Spínola], onde o único meio sóbrio era o meu amigo Rita.

Seguimos em direcção ao Pilão, com o Tomás a fazer uma condução à maluca. Falou numa cabo-verdiana que nenhum de nós conhecia, que ficaria perto da casa da Eugénia, essa conhecia eu bem. Corremos imensas ruas e ruelas do Pilão, eram tantos os saltos que o carro dava que o Rita já dizia estar a apanhar mais pancada que numa tempestade no mar. A determinada altura, uma das rodas do carro cai num buraco com grande violência, ouve-se um barulho de latas e ficamos com menos luz. O Tomás pára o Peugeot e saímos para verificar o sucedido. Com a pancada, um dos faróis saltara do encaixe, ficando virado para o solo, preso pelos fios de ligação.

Nenhum problema, continuamos às voltas, à procura das gaijas que nenhum conseguia dizer onde ficavam e o farol acabou por cair, ninguém soube onde. Aí pelas três da manhã, chegamos a um local do Pilão onde se encontrava um grande aglomerado de pessoas, em estado de grande exaltação. Paramos, saímos do carro e vemos no meio daquele maralhal o alf mil Domingos, de braço engessado ao peito, prestes a levar, na melhor das hipóteses, uma grande carga de pancada.

O Comandante Rita, graças à sua estatura, vai furando, connosco atrás até chegarmos ao Domingos, também de cabeça perdida. O que se passara?

– O caralho do Oliveira trouxe-me para aqui, bateu à porta daquela gaja, ela diz que está ocupada, o cabrão manda um pontapé na porta, rebenta-a, a tipa grita, começa a juntar-se este maralhal e o gajo deixou-me sozinho.
 
Foi complicado acalmar aquela gente mas conseguiu-se. Foi mais um passageiro para o maltratado 404. O Tomás ficou no Palácio e, nós os cinco, viemos beber mais um copo ao "Orion". O Domingos embarcava nessa manhã para Lisboa, em fim de comissão.

PS - O Oliveira era tenente dos Comandos. Pertencera à 26.ª   [CCmds] e estivera em Fá com o Miquelina Simões a formar a 2.ª CCA [Companhia de Comandos Africanos]. O Domingos fora fur mil na 4.ª CCmds em Moçambique e alf na 26.ª, até apanhar uma porrada e ser transferido para Teixeira Pinto onde teve um acidente do qual resultou um braço partido. Tive com ele várias histórias.

Paulo Santiago (***)


Guiné > Zona Leste > Regiáo de Bafatá >  Sector L1 > CIM de Bambadinca > Campo de futebol > 1971 > "Na foto junta, eu e o Tomás estamos bem direitinhos... era de manhã"... O Cap Tomás, de pingalim, está atrás de Spínola, a quem o Paulo Santiago bate a pala.


Guiné > Zona Leste > Regiáo de Bafatá > Sector L1 > CIM de Bambadinca > Campo de futebol > 24 de Dezembro de 1971, vésperas de Natal > O Caco - alcunha por que era conhecido o Com-Chefe - passa revista aos novos milícias. O alf mil Santiago segue atrás com o Cap Tomás, ajudante de campo do general Spínola.

Fotos (e legendas): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > c. 1971/72 > NRP Orion > O comandante Rita, "um grande homem, um grande comandante", na opinião de Pedro Lauret, oficial imediato da LFG Orion (1971/73). Na foto, vemos os dois na ponta do navio, a navegar no rio Cacine. O Cmdt Rita está em segundo plano. O Lauret segura os binóculos.

Foto (e legenda); © Pedro Lauret (2006) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Mensagem que enviei ao Paulo Santiago, depois o avisar, por telemóvel, de que a história dele, "Uma ida ao pilão" tinha sido "pirateado":

Data - 07/06/2023, 12:32
Assunto - Um melgacense na guerra colonial...

Paulo: O blogue é este: "Melgaço, do Monte à Ribeira" (administrador. Ilídio Costa)

https://blogs.sapo.pt/profile?blog=iasousa


O texto em que apareces "truncado" e "pirateado" é este:

O PEUGEOT DA D. HELENA OU RELATOS DA GUERRA COLONIAL
melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

https://iasousa.blogs.sapo.pt/78088.html

Não é citado o autor nem a fonte... "Textos retirados da Net por Camborio Refugiado" (sic)  

Um abraço, Luís

3. Mensagem que o Paulo Santiago mandou ao administrador do blogue "Melgaço, do Monte à Ribeira":

Data: sex., 9 de jun. de 2023 às 12:43
Assunto: "Melgaço, do Monte à Ribeira"

Bom dia

Um camarada, há dias, chamou-me a atenção para um post publicado, em 08/03/13, nesse blogue.

O post "O Peugeot da D. Helena ou relatos da guerra colonial" estranhamente, não cita as fontes de onde "sacou" as histórias, e também não diz onde foi retirar uma foto, minha, que acompanha o texto.

Seria correcto, indicar as fontes, que serão duas, uma do Peugeot e foto, e outra para a das granadas.

Cumprimentos, Paulo Santiago.

4. Comentário do editor LG: 

Paulo, fizeste bem... Esta malta (das "redes sociais"...) não tem o mais elementar princípio de respeito pela "propriedade intelectual"... Há, no mínimo, uma grande ligeireza ou, antes,  uma grande lata na maneira como se "sacam" coisas da Net sem citar a(s) fonte(s)... 

Vou fazer um poste para o blogue sobre este assunto, de modo a ajudar a prevenir outras situações, recorrentes, de "uso e abuso" dos nossos materiais... 

Gostamos que nos divulguem, somos a favor do "open access", mas também exigimos que nos citem (e, portanto, respeitem).

Um alfabravo. Luis
09/06/2023, 13:28

5. Comentário final do editor LG:

Paulo, o administrador do blogue "Melgaço, do Monte à Ribeira" eliminou o poste, na sequência do teu "reparo"... Nem um pedido de desculpas te mandou?!... Nem a ti nem a nós, editores do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné...

De facto, já não está lá desde a data do teu "puxáo de orelhas"...


Mas o meu "Big Brother" sabe que ele existiu... Tudo o que publicas na Net deixa "rasto"... Vê aqui:


O Arquivo.pt foi criado (e é mantido) pela FCT - Fundação para a Ciència e Tecnologia,  como uma espécie de Torre do Tombo Digital. Daqui a 50 anos os teus netos e bisnetos podem ler o teu poste no nosso blogue (mesmo que eu o quisesse eliminar)...


____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: NPR Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

(**) Vd. poste de 8 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24459: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (3): Um tiro de misericórdia!

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21901: A Nossa Marinha (3): a LFG Orion, "o melhor restaurante de Bissau", às quintas-feiras, em 1969/71, sem esquecer a tertúlia que, depois do jantar, se reunia na casa do célebre metereologista Anthímio de Azevedo [José Pardete Ferreira (1940-2021), autor de "O Paparratos"]



Guiné > Bissau > c. 1973/74 > "Dos poucos momentos que passei em Bissau... Junto às LFG Orion, Lira e Argos (da esquerda para a direita)"

Foto (e legenda): © J. Casimiro Carvalho (2017). Todos os direitos reservados [. Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No seu romance "O Paparratos" (a história do soldado 'comando' Gabriel, de alcunha Paparratos, e do alferes miliciano médico João Peckoff, aliás, um "alter ego" do autor), o nosso camarada e membro da Tabanca Grande, José Pardete Ferreira,  que nos deixou, há um mês, faz uma referência implícita ao NRP LFG [Lancha de Fiscalização Grande] Orion, como um dos pontos "obrigatórios" do roteiro gastronómico de Bissau no seu tempo.

Recorde-se que, depois do CAOP, em Teixeira Pinto, de que foi o médico entre fevereiro e junho de 1969 (cinco meses), foi colocado no serviço de cirurgia do HM [Hospital Militar] 241, em Bissau (1969/71).

No final do seu serviço no Hospital, João Peckoff [leia-se: José Pardete], procurava ter em Bissau "uma vida de sociedade tão normal quanto possível" (p. 49). Como fazia amizades com  facilidade, tormou-se "presença assíduia nos habituais jantares das quintas-feiras, que tinham lugar na Base Naval [ao lado do cais do Pingjguiti],  que eram destinados aos oficiais de Marinha e seus familiares, sediados  em Bissau ou de visita, e a militares de outras Armas e mesmo a civis,  com o estatuto de convidados" (p. 50).

E aqui o autor faz uma homenagem à hospitalidade da LFG [Orión} e do seu comandante (no romance, Freitas de Sousa, leia-se Faria dos Santos], "um gentleman" (sic) , e evoca  poeticamente os "tons vermelhos vivos de sangue, atenuados  com fins de tarde cálidos e embalados de cinzento numa LFG acostada ao Cais do Pidjiguiti, durante o jantar a bordo, com mais dois ou três amigos" (p. 50).

2. Sabemos que se trata(va) da Oríon (**), de acordo com uma mensagem que o José Pardete Ferreira nos mandou, em 2011, juntamente com uma letra de fado, a do "Fado da Oríon" , que ele dedicou aos  camaradas da Marinha, e em especial à malta da LFG Orion, e que nós já reproduzimos em dois postes  (*).

(...) Caro Luís, o prometido é devido:

O Fado da Orion foi escrito em Homenagem ao Comandante [Alberto Augusto] Faria dos Santos [, entretanto falecido em 1986, ex-1º ten, comandou o NRP Orion, 1968/70].

A LFG {Orion] passou mais de um ano acostada ao molhe do Pi(n)djiguiti porque tinha cedido à [LFG] Batarda um dos motores.

Quando o recebeu de volta ou ele foi substituído por um novo, já não posso precisar, fez uma viagem experimental e de contrabando "a acreditar nos praticantes da má-língua" e, de seguida, foi o navio almirante da ida a Conacri [, Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970], sob o Comando de Faria dos Santos, mais tarde Comandante do porto e, em seguida, Governador Civil de Aveiro.

Poeta e grande amigo, recebia a jantar e bem um pequeno número de amigos na torre, onde, no final, a poesia expulsava o álcool.

Ele foi, igualmente, a nossa chave de acesso à Base Naval de Bissau onde, às quintas-feiras, havia jantar melhorado e aberto a convidados. (...)

 
Fado da 'Orion' (excerto)

Tristes noites de Bissau,
Neste clima tão mau,
Passá-las não há maneira,
Sem comer arroz, galinha.
Ou então ir à "Marinha"
Aos "jantares da quinta-feira"!

Às vezes um Comandante,
Bom amigo, bem falante,
Obriga uma pessoa,
Com uma grande bebedeira,
Pensar que o Ilhéu do Rei
Fica em frente de Lisboa.

Refrão

Ser marinheiro
De "LFG' no estaleiro,
Sem motores nem cantineiro,
Junto ao cais sem navegar,
E esperando,
A comissão foi passando,
Ai!, os amigos engrossando,
Com o Geba a embalar. (...)


[Nota do autor: 1ª parte e refrão escritos em Bissau em Novembro de 1970; 2ª parte,  escrita em Setúbal na madrugada de 15 de Dezembro de 1997. Para ser cantado com a Música do "Fado do Cacilheiro" do Maestro Carlos Dias).


3. Voltando ao romance "O Paparratos" e à figura do nosso doutor, João Pekoff:

(...) "O senhor comandante, entre outras qualidades, tinha a de receber bem, fazendo jus à fama da Marinha de Guerra Portuguesa" (p. 50).

 Por outro lado, "gostava imensamente de poesia e a tertúlia que entretanto se fundara em casa do António Almeida [, leia-se Anthímio de Azevedo  (Ponta Delgada, 1926- Lisboa, 2014). o famoso metereologista da Rádio Televisão Portuguesa, na altura, diretor do Serviço de Metereologia da Guiné, entre 1967 e 1971,] (...) tornou.se uma alternativa ao doce balançar no navio e à vista  do Ilhéu de Rei" (p. 50).

A casa de Anthímio de Azevedo era "local de reunião quase obrigatório após o jantar" [no navio], transformando-se num espaço de liberdade onde se dizia poesia, se falava da guerra e das últimas operações no mato, bem como da crueza da vida e da morte no Hospital,  reviam-se comissões de serviço anteriores, partilhava-se  projectos para o futuro, etc.

4. Quando o nosso doutor sentia necessidade de sair do ambiente da tropa, tinha em Bissau outras, poucas, alternativas:

"Um balaio de ostras com um molho feito com sumo de limão e piri-piri, acompanahado com umas cervejitas, aqui ou ali, ou ocasionalmente um jantar num dos poucos  restaurantes que havia, como por exemplo o Solar dos 10, satisfaziam-lhe os apetites, espirituais e físicos" (p. 50).  

Este restaurante seria pertença a um setubalense, que se tornou também comandante dos bombeiros de Bissau. Opinião do autor: "Durante muito tempo foi o Tavares Rico de Bissau" (p. 51). E terá sido no Solar dos 10 que o José Pardete Ferreira, o criador literário do Paparratos e do João Pekoff,  apresentou um dia, "numa noite de festa da malta do Hospital", na despedida de um colega, o Fado da Orion (*).

No roteiro gastronómico de Bissau, aponta-se ainda "a sala de jantar da Pensão Portugal, ou casas de pessoas tornadas suas conhecidas" (p. 51).

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8966: Blogpoesia (163): Fado da 'Orion' (José Pardete Ferreira)

Vd. também o poste de 2 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9129: O nosso fad...ário (4): O Fado da Orion (J. Pardete Ferreira, ex-Alf Mil Médico, 1969/71)

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 : P21809: In Memoriam (385): José Pardete Ferreira (1941 - 2021), ex-alf mil médico, CAOP, Teixeira Pinto, e HM 241, Bissau, 1971; cirurgião, médico especialista em medicina desportiva, foi diretor clínico do Hospital de São Bernardo, e presidentedo Rotary Club de Setúbal, poeta e escritor (Hélder Sousa / Luís Graça)


José Pardete Ferreira, médico, natural de Lisboa, 
residente em Setúbal (1941-2021)


Ministério do Exército > CTIG > HM 241 > Bissau, 24 de junho de 1962 >
 BI Militar do alf mil médico José António Pardete da Costa Ferreira



1. Mensagem do Hélder Sousa, nosso colaborador permanente, residente em Setúbal:
 
Date: terça, 26/01/2021 à(s) 01:11
Subject: Falecimento do nosso "camarada da Guiné" Dr. José Pardete Ferreira 

Caros amigos

Como seria de prever, as notícias de falecimentos de camaradas do "nosso tempo" tendem a aumentar e a aumentar rapidamente. Seja pelo avançar inexorável da idade, seja pelas maleitas que nos vão apoquentando, seja por alguma doença "tradicional", seja até por consequência da "doença da moda", a Covid-19,

De facto o nosso "camarada da Guiné", médico, José A. Pardete Ferreira, faleceu, embora não se encontrem muitas notícias sobre isso, nem de que ocorreu o infausto acontecimento.

Procurei junto do nosso tabanqueiro Vitor Raposeiro [ex-Fur Mil, Radiotelegrafista, STM, Aldeia Formosa, Bambadinca e Bula, 1970/72] que ainda tem parentesco com ele e, ironia do destino, fui eu que acabei por lhe dar conhecimento. Nem ele nem a prima ainda sabiam.

Portanto, à falta de mais e melhor informação, adianto que a morte terá ocorrido no passado dia 13 já que encontrei num post do TAS (Teatro Animação de Setúbal) datado de 14 às 07:57 a dar conta do seu falecimento e a lembrar a colaboração que ele tivera com o TAS, nomeadamente com a tradução duma peça levada à cena em 2008.

O jornal regional "Semais" recebeu uma "Nota de pesar" por parte da Liga dos Amigos do Hospital de São Bernardo (Hospital de Setúbal) que a seguir reproduzo.

Nota de Pesar - Dr. Pardete Ferreira,

Partiu um amigo e companheiro - conhecido Médico Cirurgião que conta no seu percurso clínico também o exercício da medicina desportiva. Foi Diretor Clínico do Hospital de São Bernardo - no mandato do Dr. David Martins como Diretor do Hospital.

Com ele, fiz parte da Direção da Casa do Pessoal do HSB. Mais tarde, veio também a integrar os Órgãos Sociais da LIGA - como Presidente do Conselho Fiscal da Liga de Amigos do Hospital São Bernardo/LAHSB-CHS.

Teve relevante intervenção cívica, associativa, filantrópica, cultural e desportiva. Foi Escritor, Membro Rotary e jogador de andebol no Sporting Clube de Portugal.

Os Órgãos Sociais da LAHSB-CHS, associam-se ao pesar sentido pelos seus associados que partilharam e vivenciaram com o Dr. Pardete Ferreira momentos muito felizes e profícuos.

Há a indicação de que a Câmara Municipal de Setúbal em sessão pública ocorrida, salvo erro, no passado dia 21 relembrou e aprovou votos de pesar a três personalidades de Setúbal recentemente falecidas, o Capitão Quaresma Rosa, antigo Comandante dos Sapadores Bombeiros, a 16, e os médicos Machado Luciano, vítima de doença súbita a 11 e Pardete Ferreira a 13, destacando as suas atuações no desempenho de funções no Hospital de São Bernardo.

Por sua vez também obtive do Rotary Club de Setúbal [, cuja página no Facebook está está parada desfe 6/12/2020], a nota que republico:


Participação de Falecimento: O RCS está de luto


"É com profundo pesar que comunicamos o falecimento do nosso sócio representativo José António Pardete Ferreira.

O companheiro Pardete Ferreira entrou para o Rotary Club de Setúbal em 1984 com a classificação "Medicina-Cirurgia", tendo sido 3 vezes seu Presidente (1990-91; 2002-03 e 2009-10) e passado por todas as suas comissões, sendo considerado a referência de "sapiência" rotária do nosso clube.

Adepto do Rotary no seu aspecto mais "puro", defendia intransigentemente o protocolo e a praxis rotária original.

Profissional de excelência, era dono de um intelecto brilhante e professava a sua profunda fé e conhecimento eclesiástico em várias colaborações com a Igreja Católica, escrevendo regularmente para algumas das suas publicações. 

Exerceu várias missões ao serviço de Rotary a nível Distrital, sendo de destacar ter sido Team Leader do IGE em Distrito do Rio Grande do Sul, Brasil.

Era um companheiro muito querido e estimado do nosso clube e a sua perda é impossível de reparar!

O Rotary em particular e Setúbal em geral, ficam mais pobres.Que descanse em Paz!

Cordiais saudações rotárias"

O Presidente Rotary Club de Setúbal

Alberto Vale Rêgo


Caros camaradas, cuidemo-nos! A "ceifa" anda por aí.

Hélder Sousa


2. Comentário do nosso editor Luís Graça:


Hélder, obrigado por nos teres dado, em conversa telefónica,  a infausta notícia. Alguém, desgraçadamente, nos tempos que correm, tem de fazer este indesejável papel de "mensageiro da morte".

Já tinha, entretanto, confirmado, o desaparecimento do teu vizinho de Setúbal e membro da nossa Tabanca Grande, o dr. José Pardete Ferreira, O último poste, dele, na sua página do Facebook é de 12 de janeiro...

Deve ter sido morte súblita. Nasceu em 1941. Ia complementar em 15 de fevereiro próximo os 80 anos. Infelizmente não temos qualquer contacto com a família. Diz-nos que era casado com uma senhora francesa, e primo da mulher da do Vitor Raposeiro, nosso camarada e meu contemporâneo de Bambadinca.

O J. Pardete Ferreira foi alf mil médico [CAOP, Teixeira Pinto, e HM 241, Bissau, 1969/71]. Tem 32 referências no blogue;

Deu-nos preciosas informações sobre os colegas médicos que com ele trabalharam, sobretudo no HM 241, e de outros que conheceu, bem como sobre a organização e o funcionamento dos serviços de saúde militares, no CTIG.

Entrou para a Tabanca Grande em 27/6/2011.  Um resumo do seu "curriculum vitae" está disponível aqui;

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/06/guine-6374-p8474-tabanca-grande-292.html

Nascido em Lisboa a 15 de fevereiro de  1941, foi  cirurgião – médico, especialista em medicina desportiva. Entre outras funções,  desempenhou os cargos de:

  • Director Clínico do Hospital de São Bernardo (Setúbal);
  • Director do Centro de Medicina Desportiva de Setúbal;
  • Director do Serviço de Cirurgia II do Hospital de são Bernardo (Setúbal);
  • Médico da Selecção Nacional de Andebol;
  • Presidente do Rotary Club de Setúbal.

Poeta e escritor, publicou, nomeadamente, “ O Paparratos – Novas Crónicas da Guiné – 1969/1971" (romance); Prefácio – Edição de Livros e Revistas, Lda – ISBN: 972-8816-27-8 (DL nº 213619/04). Ver aqui nota de leitura do Beja Santos.

(...) Paparratos é a candura, a simplicidade e a força da natureza daqueles soldados portugueses que se adaptavam como podiam ao meio estranho (...)

 O Paparratos é uma divertimento sério, supera as situações caricatas e cómicas, na senda da literatura de humor, que se perde na noite dos tempos, comprova que muitas vezes o que se diz a rir é para reter em todo o horizonte da amargura, a sisudez pode ser troça e não é difícil provar que há muito Paparratos que servem de carne para canhão.

É o prazer da memória e, insiste-se, não se conhece um fresco tão vigoroso sobre o meio estudantil universitário daqueles longínquos anos 60. (...)

 

Mandou-nos também em tempo uma letra de fado, da sua autoria, o Fado da 'Orion', e que voltamos a reproduzir em sua homenagem e aos nossos camaradas da Marinha, e em especial à malta da LFG Orion:

 
Fado da 'Orion'

Tristes noites de Bissau,
Neste clima tão mau,
Passá-las não há maneira,
Sem comer arroz, galinha.
Ou então ir à "Marinha"
Aos "jantares da quinta-feira"!

Às vezes um Comandante,
Bom amigo, bem falante,
Obriga uma pessoa,
Com uma grande bebedeira,
Pensar que o Ilhéu do Rei
Fica em frente de Lisboa.


Refrão 

Ser marinheiro
De "LFG' no estaleiro,
Sem motores nem cantineiro,
Junto ao cais sem navegar,
E esperando,
A comissão foi passando,
Ai!, os amigos engrossando,
Com o Geba a embalar.


Quando vinha dessa Terra
E voltava à minha Serra,
Nem eu queria acreditar !
Virei-me ainda p'ra ver,
O meu Adeus lhe lançar
E também lhe agradecer:

Com meu suor derramado
No teu chão, tão maltratado,
Deixo-te votos amigos
E, também, as minhas preces,
'squecendo rancores antigos,
Por ti, Guiné, que mereces.

Refrão...


(Nota do autor: 1ª parte e Refrão escritos em Bissau em Novembro de 1970. 2ª parte escrita em Setúbal na madrugada de 15 de Dezembro de 1997. Para ser cantado com a Música do "Fado do Cacilheiro" do Maestro Carlos Dias).


Infelizmente, não tivemos, em vida, ocasião para  nos conhecermos pessoalmente. Trocámos diversas mensagens por email. E a sua colaboração no nosso blogue foi extremamente valiosa. Era um homem crente. Continuará, connosco, em espírito, sob o nosso sagrado e fraterno poilão, no lugar que lhe coube, o nº 505. 

À família enlutada (e muito em particular ao seu filho Jean-Jacques Pardete, que tem página no Facebook), a Tabanca Grande envia a sua solidariedade na dor.(**)


 ____________

Notas do editor:


(*) Vd. poste de 30 de outubro de  2011 > Guiné 63/74 - P8966: Blogpoesia (163): Fado da 'Orion' (José Pardete Ferreira)

(...) Caro Luís, o prometido é devido:

O Fado da Orion foi escrito em Homenagem ao Comandante [Alberto Augusto]  Faria dos Santos [, entretanto falecido em 1986; como 1º ten, comandou o NRP Orion, 1968/70]. 

A LFG {Orion]G passou mais de um ano acostada ao molhe do Pi(n)djiguiti porque tinha cedido à [LFG] Batarda um dos motores.

Quando o recebeu de volta ou ele foi substituído por um novo, já não posso precisar, fez uma viagem experimental e de contrabando "a acreditar nos praticantes da má-língua" e, de seguida, foi o navio almirante da ida a Conacri [, Op Mar Verde,  22 de novembro de 1970], sob o Comando de Faria dos Santos, mais tarde Comandante do porto e, em seguida, Governador Civil de Aveiro.

Poeta e grande amigo, recebia a jantar e bem um pequeno número de amigos na torre, onde, no final, a poesia expulsava o álcool.

Ele foi, igualmente, a nossa chave de acesso à Base Naval de Bissau onde, às quintas-feiras, havia jantar melhorado e aberto a convidados. (...)

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18030: (De)Caras (100): J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op esp, CCAV 8530 (Guileje, 1972/73) e a "patrulha fantasma", massacrada em Gadamael, em 4/6/1973


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > c. 2011 > Restos do Memorial à CCAV 8350 (1972/1974) e ao alf mil Lourenço, morto por acidente em 5/3/1973. De seu nome completo Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, era natural de Torre de Moncorvo, está sepultado na Caparica.  

Outra das baixas mortais da CCAV 8350 foi o alf mil art Artur José de Sousa Branco: foi morto em combate, em Gadamael, em 4/6/73, era natural de Lisboa, e está sepultado no cemitério do Alto de São João.

Foram duas das 9 baixas mortais dos "Piratas de Guileje" e dois dos 75 alferes que perderam a vida no CTIG.

Foto: © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados [. Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Bissau > c. 1973/74 >  "Dos poucos momentos que passei em Bissau... Junto às LFG Orion, Lira e Argos (da esquerda para a direita)"

Foto: © J. Casimiro Carvalho (2017). Todos os direitos reservados [. Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O nosso camarada Francisco Godinho [, foto  à direita] recuperou, muito a propósito e oportunamente, em 24 do corrente, na sua página do Facebook, um texto do J. Casimiro Carvalho, que merece ser reproduzido no nosso blogue.

O J. Casimiro Carvalho, o nosso "ranger", ex-fur mil op esp, CCAV 8350, "Os Piratas de Guileje (Guileje, 1972/73),  é membro sénior da Tabanca Grande, e tem já cerca de 8 dezenas de referências no nosso blogue.

Publicámos, em tempos, as suas "cartas do corredor da morte" mas há lacunas de informação sobre o período em que esteve em Gadamael (e onde foi ferido).  Desde sempre o tratei, e muito justamente, como "herói de Gadamael". Nunca teve, ele e os outros "heróis de Gadamael", o devido reconhecimento público...

Não sei qual é a origem deste texto que o Francisco Godinho "recuperou".  Trata-se, em todo o caso de um relato dramático, na primeira pessoa, da uma saída para o mato, nas imediações do quartel de Gadamael, sitiado por forças do PAIGC, que acabou tragicamente para 5 dos 12 integrantes da "patrulha fantasma". Temos o dever recordar, mais uma vez, a sua memória e a trágica circunstância da sua morte... (LG).


O J. Casimiro Carvalho administra, desde 2/2/2014,  a página do Facebook Tabanca da Maia Tertúlia, reunindo já mais de meio milhar de membros, entre militares, ex-militares, familiares e amigos, com residência na Maia e imediações. É um grupo criado fundamentalmente "para convívio e para nos conhecermos" (sic). O grupo reúne-se, em almoço-convívio, no último sábado de cada mês. Além do  administrador (J. Casimiro Carvalho), tem um moderador (António Silva).  "Assuntos proibidos: religião, política e futebol"...


2. (De) Caras > J. Casimiro Carvalho > Gadamael, 4 de Junho de 1973: "A Patrulha Fantasma”

Em Gadamael, a mortandade era tanta, a cadeia de comando rompeu-se e houve fugas para o mato e para o Rio Cacine.

De salientar a bravura do capitão Ferreira da Silva (Comando/Ranger) (*), que avocou a si o comando desse pequeno contingente [, que restava em Gadamael,] e debaixo de fogo coordenou os cerca de 30 ou quarenta, verdadeiros heróis, que até à chegada dos abnegados Paraquedistas [do BCP 12], aguentaram aquele apocalipse!

Não havia condutores, o pessoal andava atarantado... aterrorizado e sem chefias que chegassem. Era assim em Gadamael em 1973.

A enfermaria estava pejada de cadáveres, um cheiro nauseabundo, os mesmos eram constantemente regados com creolina, não haviam urnas, os bombardeamentos eram constantes, as granadas caíam com precisão dentro do quartel, se fugíamos para o rio, elas caíam no rio, se fugíamos para o parque auto, caíam aí, havia coordenação de tiro por parte do IN.

Cheguei a conduzir uma Berliet, dos paióis para as bocas de fogo, de tal forma que,  quando havia saídas de fogo, nós já não as ouvíamos. Comigo andava um açoriano [, o 1.º cabo Raposo] (**), dois autênticos loucos varridos, saltávamos em andamento e, quando acabava o fogachal, voltávamos ao camião e seguíamos com o serviço.

Nessa altura, mais valia estar no mato, estávamos sitiados, e por isso,  quando formaram uma patrulha "ad hoc" onde me incluíram, até fiquei contente. Nessa patrulha ia o alferes Artur Branco, que antes tinha dito que o mandaram para ali, e que ia morrer; iam dois putos que tinham vindo voluntários para a tropa (, dois meninos!), aos quais ordenei que ficassem no quartel, ao mesmo tempo que disse: "Sois muito novos para morrer" (ainda se lembram disso e sempre o repetem aos filhos, dizendo que me devem a vida); ia um negro (o "pica"), o cabo José Neves e os soldados F. Anselmo [Fernando Alberto Reis Anselmo, natural de Macedo de Cavaleiros]; e A. Serafim [António Mendonça Carvalho Serafim, natural do Cartaxo] (um destes soldados nunca saíra para o mato), e outros que desconheço. Era uma “patrulha fantasma”.

Saímos para a zona da pista abandonada de Gadamael, as ordens era para emboscar nessa zona, para prevenir aproximações IN. Fomos em fila indiana ao longo do rio Cacine junto ao tarrafo. Passámos por um sítio, onde se vislumbrava uma pequena clareira, de capim médio, e o pica disse: "Alfero, melhor ficar por aqui, boa zona para montar emboscada"... O alferes Branco retorquiu que as ordens eram ir para a pista velha, pelo que continuámos. Uns 200 metros à frente, o negro disse que a pista estava minada e armadilhada pela tropa anterior. Posto isto, o alferes reuniu comigo e chegámos a consenso: que o melhor era recuarmos.

Recuámos em silêncio e ordeiramente, até chegarmos à tal zona da clareira, e começámos a entrar na mesma, agachados para passarmos por baixo do tarrafo.  Normalmente eu ia em 2.º ou 3.º nas patrulhas, e ao entrarmos nessa clareira, um dos militares deu-me passagem, e eu disse que não: "Ide entrando que 'eles' podem estar aí",  num tom bonacheirão e em sussurro, e assim foi.

Uns seis já tinham passado, quando ouvi uns estalidos e, com gestos e murmúrios, dei a entender que estava ali algo. Todos pararam espaçados e em silêncio. Como mais nada se ouviu, eu disse: “Deve ser passarada, avancemos” .... logo a seguir, outra vez o estalar de ramos e mexer de vegetação. Imediatamente gritei: “Emboscada!”, coloquei a arma em modo de rajada, e atirei-me para o chão, não sem antes ver a cara do alferes desfeita por uma rajada, com sangue e ossos (?), a saltar.
Já no chão e com um fogachal tremendo, próprio de armas russas, com a cara de lado bem rente ao mato, passou-me a vida pelo cérebro, e a mente a pensar na “minha mãe”. Estou neste estertor, pensando se abria fogo ou não, pois iria denunciar a minha posição, imaginando um turra a disparar nas minhas costas, deitado.

Nestas fracções de segundos, ouço uma G-3 a disparar ao meu lado, o som era mesmo nosso, então comecei a dar rajadas de 3 ou 4 tiros, enquanto outro militar dava tiro a tiro, compassadamente. Freneticamente, tirei o carregador vazio e coloquei outro, disparando pequenas rajadas por cima da cabeça, que continuava “colada ao solo”. Ao pegar no 3.º carregador, o tiroteio IN parou abruptamente, quando vislumbro um turra no meio da vegetação que se levantou, e assim mesmo levou uma rajada minha que o “tombou” logo ali, depois uma gritaria infernal, por parte deles, e eu, sozinho com um militar ao meu lado, berrei para o mesmo: "Vamos, ou morremos aqui".

Ele gatinhou à minha frente, passámos pelo cadáver do cabo Neves [José Inácio Neves, natural de Alcobaça] e seguimos para o rio, em direcção ao quartel, sempre a olhar para trás a ver se algum IN nos mirava para nos abater. Larguei cinturão, com a ração de combate e os restantes carregadores, para melhor correr, fugindo da morte certa, levando apenas a G-3 sem carregador nem munições.

Chegado ao quartel, sozinho, o meu corpo colapsou, e todos pensaram que eu morrera ali mesmo.  Fui recolhido por camaradas daquele inferno, tão aterrorizados como eu, e descansei um pouco, bebi água sofregamente, sem saber ao certo quantos morreram.

De seguida, saíram paraquedistas [da CCP 122, um Gr Comb, comandado pelo alf paraquedista Francisco Santos]  e foram ao local (a 1200 metros) da emboscada, onde encontraram aquela cena traumatizante, derivado ao que os turras fizeram aos meus camaradas, que me dispenso de pormenorizar aqui, tal o horror.

Quando regressaram, eu quis ver os meus camaradas, que estavam numa Berliet, e não me deixaram. Peguei numa G-3, meti bala na câmara e berrei: “Ou vejo, ou varro esta merda toda”!... Claro que vi, e essa imagem persegue-me ainda hoje, como fantasmas do passado!

Passados uns dias, noutro bombardeamento, fui ferido, e evacuado pelos fuzos até à [LFG] Orion, para Cacine. No entanto, quando fiquei bom, ofereci-me para ir outra vez para o holocausto, onde os meus camaradas morriam.

Andei 20 anos sem sequer mencionar que andei na guerra, ainda que militar da GNR BT [, Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana].

Hoje, falo abertamente, sofro em silêncio e não só. A minha esposa encontra-me por vezes a chorar convulsivamente e já não diz nada: Ela sabe...

Décadas se passaram, e numa simples conversa, descobri quem era o herói que ao meu lado disparou até ao último segundo (o tal da decisão de viver... ou morrer): era o soldado Borges, da CCAV 8350 "Piratas de Guileje", o qual abracei chorando e soluçando, revivendo aquele tormento.

Por isso, agora, quem me vê, nas comezainas, convívios, com alegria: e a disparar sorrisos para todo o lado, lembre-se, é um hino à Vida e uma forma de esconjurar os fantasmas do passado. (**)

José Casimiro Carvalho
ex fur mil Op Esp

PS - Nunca poderei esquecer a LFG Orion, seus marinheiros, os fuzileiros, que desobedeceram ao Gen Spínola e acorreram aos militares que morreriam sem o seu socorro.

Os Paraquedistas... nem tenho mais adjectivos: os meus heróis.

Um excerto de "A Guerra": Episódio n.º 10 [Episódio 10 de 18]

Em Gadamael, no sul da Guiné, poderia ter ocorrido um grande desastre militar. Perante ataques do PAIGC, quase toda a guarnição se refugiou no rio, ficando um pequeno grupo a defender o quartel. Spínola ameaça afundar um bote com militares em fuga. Também proíbe o socorro dos náufragos, grande parte civis, mas a Marinha e os Fuzileiros não cumprem a ordem.


3. Comentários:

(i) Francisco Godinho [ex-Fur Mil da CCAÇ 2753, "Os Barões do K3)", Madina Fula, Bironque, K3 e Mansabá, 1970/72; é natural de Moura, vive no Seixal]

Não queria voltar a este assunto, nem de "evocar memórias passadas e tristes" e que não quero que voltem a ocorrer na história presente e futura deste País, que é o meu e o vosso, agora que, parece, está "cimentada" a liberdade e a democracia, (às vezes, fico em alerta, mas enfim) neste nosso rectângulozinho, à beira-mar plantado.

Mas, como conheço o assunto, o protagonista e actor principal, o José Casimiro Carvalho, que faço questão e tenho o orgulho em ter como camarada de armas e amigo, e como também, ainda, tenho pesadelos, ainda que não tão intensos como os dele, dada a dimensão dos acontecimentos que ele, o Casimiro, viveu. (Eu terei outros, talvez não tanto dramáticos, mas igualmente marcantes do ponto de vista psico-social-emocional).

Mas, para que a memória dos portugueses/portuguesas, não se apague, não se deixe embalar em "cantilenas", e também porque, de vez em quando, (como ele muito bem diz) é preciso "exorcizar os nossos fantasmas", aqui vos deixo, para reflexão e "amadurecimento de memória", este pungente "relato real" de uma situação vivida por um jovem (tal como eu, na altura) soldado (, somos todos soldados, naqueles momentos) do Exército Português.

Repito, não para nos olharem como heróis, mas para, ao menos nos respeitarem e, principalmente, não esquecerem os sacrifícios e os "custos" que esta democracia, digamos, "impôs", para existir. 

Um abraço tamanho do mundo, José Casimiro Carvalho, e até ao próximo encontro da nossa Tabanca Grande.


(ii) Manuel  [Augusto]  Reis [ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74; vive em Aveiro]:

Fui testemunha "in loco" de tudo o que relata o José Casimiro. Foi de uma violência tremenda essa emboscada e foram bravos esses homens que foram obrigados a efectuar esse patrulhamento. Eram 11 homens, mal equipados e mal armados, que partiram do aquartelamento sob os berros e ameaças do comandante de companhia.

Não calei a minha revolta e indignação pelo sucedido, o que me valeu uma despromoção de 2.º comandante, o que para mim constituiu um prémio. Acabei por ser massacrado com tentativas de aliciamento para depor num determinado sentido, caso fosse aberto um inquérito.

Permanece viva a imagem do alf Branco, chegado há dois dias à companhia e, na hora da partida, olhou para mim, incrédulo, como que a perguntar o que devia fazer. Nada disse, mas apeteceu-me gritar: Não vás! Coube-me a mim partilhar este sofrimento e dor imensa com a pobre mãe. Não gosto de recordar esta situação, mas o José Carvalho merece uma palavra amiga pela sua abnegação e doação ao próximo. Sem a sua bravura ninguém regressaria do mato. Bem hajas. [****)


 (iii) Tabanca Grande / Luís Graça:

O alf mil art Artur José de Sousa Branco, da CCAV 8350, foi morto em combate, em Gadamael, em 4/6/73. Era natural de Lisboa, e está sepultado no cemitério do Alto de São João.

Recorde-se que na tarde de 4 de junho de 1973, em Gadamael, o alf mil Branco sai com um reduzido grupo de combate (12 homens) para fazer um reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. O grupo cai de imediato numa emboscada e só não foi totalmente aniquilado graças à pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCP 122/BCP 12, acabada de chegar a Gadamael, na manhã de 3 de junho, sob o comando do cap paraquedista Terras Marques).

Um pelotão, sob o comando do alf paraquedista Francisco Santos, da CCP 122, vai em socorro do grupo do alf mil Branco e ainda consegue resgatar os corpos e os sobreviventes. "Os cadáveres tinham sido selvaticamente baleados, ainda estavam quentes e os fatos empapados de sangue" (José Moura Calheiros - A última missão, 1.ª ed. Caminhos Romanos: Lisboa, 2010, pp. 527/528).

Além do alf mil Artur José de Sousa Branco, morreram nesta ação os seguintes camaradas, todos eles sold cav da CCAV 8350 (entre parênteses, o concelho da sua naturalidade): António Mendonça Carvalho Serafim (Cartaxo); Fernando Alberto Reis Anselmo (Macedo de Cavaleiros); Joaquim Travessa Martins Faustino (Santarém); José Inácio Neves (Alcobaça).
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P3954: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (6): A posição, mais difícil do que a minha, do Cap Cmd Ferreira da Silva (João Seabra)

(**) Vd. postes de:

15 de junho de 2006 > Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I) (Luís Graça)



(***) Último poste da série > 14 de novembro de 2017 > uiné 61/74 - P17971: (De) Caras (100): Saia uma sandocha de "cabrito pé de rocha, manga di sabe" (Vitor Junqueira, ex-alf mil, CCAÇ 2753, Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim / K3, Mansabá, 1970/72; médico reformado, Pombal)

(***) Vd. poste de  2 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - P310: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)

(...) "Nas reuniões anuais da nossa Companhia muitos falam dos actos de bravura deste furriel, desde, debaixo de fogo, conduzindo uma Berliet se deslocar aos paióis para municiar não só as bocas de fogo de artilharia, como para os morteiros, fazer ainda parte duma patrulha onde morreram vários militares ficando ele e outro a aguentar a situação, até serem socorridos, e ter sido ferido, evacuado para Cacine, o que não invalidou que passados poucos dias se tenha oferecido para voltar para junto dos camaradas no verdadeiro inferno em Gadamael. (...)

Vd. também poste de  17 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16099: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (37): O nosso Blogue e a sua importância (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350)

domingo, 13 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15481: Agenda cultural (446): Lançamento do livro "Marinha de Guerra Portuguesa – do Fim da II Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974”, de Pedro Lauret, 4ª feira, dia 16, no Museu da Marinha, às 18h. Apresentação a cargo do alm Fernando Melo Gomes e dr. Artur Santos Silva






1. Mensagem de 11 do corrente, do nosso camarada, Pedro Lauret, cmdt mar e guerra ref, grã-tabanqueiro da primeira hora (, em termos de antiguidade, é membro da Tabanca Grande desde 20 de junho de 2006):

Caro Luís Graça,

No próximo dia 16 de Dezembro vai ser apresentado o livro da minha autoria com o título “Marinha de Guerra Portuguesa – do Fim da II Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974”.

Apresentarão o livro o Almirante Melo Gomes e o Dr. Artur Santos Silva.

Gostaria muito de contar com a tua presença. Caso entendas ser adequado gostaria que difundisses o convite pelo nosso blogue.

Abraço,.
Pedro Lauret


2. Sinopse: A Marinha de Guerra Portuguesa – do fim da II Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974 é um retrato que percorre três décadas em que se registaram mudanças de grande significado em Portugal e na sua relação com a comunidade internacional. Nesta obra é documentada de forma exaustiva a evolução da Armada a partir de 1945 – da missão à política, aos navios e seus equipamentos, à organização, aos processos, às telecomunicações, aos estudos hidrográficos. Para os militares, mas também para o público em geral, esta é uma obra de referência e de consulta obrigatória para conhecer de uma forma mais aprofundada este período da nossa História.




3. Sobre o autor:

Pedro Manuel Cunha Lauret de Saldanha e Albuquerque nascido em Lisboa a 23 de janeiro de 1949, capitão-de-mar-e-guerra na situação de reforma.

Entre 1960 e 1967 efetua os estudos secundários no Liceu Camões, em Lisboa, onde é dirigente da Ação Católica, participando nas movimentações estudantis que nesses anos ocorreram.

Ingressa na Escola Naval em 1967, terminando o curso de Marinha em 1971.

É um dos fundadores, em 1970, de uma organização politica clandestina de Oficiais da Armada de oposição ao Estado Novo. Em setembro de 1971 inicia uma comissão na Guiné, como oficial imediato da Lancha de Fiscalização Orion, exercendo uma intensa atividade operacional até agosto de 1973, tendo participado no início das operações conhecidas pelo cerco a Guidage em maio de 1973, e participado nesse mesmo mês e seguinte nos acontecimentos Guileje, Gadamael. 

Em outubro de 1973, já na Metrópole, efetua, com outros oficiais, a ligação ao Movimento dos Capitães por designação de um grupo de oficiais da Armada. Faz parte da comissão que redigiu o Programa do Movimento das Forças Armadas e outros importantes documentos – em conjunto com Vítor Alves, Melo Antunes, Franco Charais, Vítor Crespo e Almada Contreiras.

Após o 25 de Abril integra o gabinete do almirante Pinheiro de Azevedo, chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional. Faz parte da Comissão Coordenadora do MFA Armada, da Assembleia do MFA Armada e da Assembleia do MFA Nacional. Em 1981 frequenta e termina uma pós graduação em Estratégia e Organização no Instituto Superior Naval de Guerra.

Em 1986 passa à reserva e depois à reforma, iniciando atividade empresarial no âmbito da engenharia e consultoria informática.

Membro fundador da Associação 25 de Abril, integra atualmente a sua Direção. Coordenou a equipa que produziu o site da Associação 25 de Abril e o site Guerra Colonial. Coordenou a obra Os Anos de abril, coleção de oito volumes produzida para o Grupo Cofina e editada em 2014.

Atualmente dirige um projeto de investigação histórica designado «Marinha: do fim da Segunda Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974». Foi agraciado pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, com o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.

Fonte: Texto e foto: Cortesia de Verso da História


Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 >  Nesta foto vemos o  Pedro Lauret (então 2º ten), imediato da LFG Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Rio Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem ele faria a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante", escreveu ele…

O 1º ten José Manuel Baptista Coelho Rita, já falecido,  foi comandante do NRP [, Navio da República Portugesa,] Orion, de 7/12/1970 a 15/10/1972.

Foto: © Pedro Lauret (2006). Todos os direitos reservados.

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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10675: In memoriam (133): Na morte do 1º. Sargento da Marinha, Augusto Lenine Gonçalves de Abreu, meu primo, meu irmão, meu camarada, que fez uma comissão na Guiné, na LFG Orion, 1966/68 (António Graça de Abreu)




1. Mensagem desta madrugada do nosso camarada e amigo António Graça de Abreu:


Meu caro Luís

Peço-te que publiques esta pequena homenagem ao meu primo. Talvez te recordes dele, esteve na Biblioteca da República e Resistência, era da Marinha e falou contigo que o convidaste para o blogue,
há uns 4 anos atrás, quando da apresentação do meu Diário da Guiné.
Abraço amigo,


António Graça de Abreu


2. In Memoriam >  Na morte do 1º. Sargento da Marinha, Augusto Lenine Gonçalves de Abreu


Partiu mais um camarada da Guiné, este porque o conheci desde o tempo em que me lembro de existir, por certo um dos melhores de todos nós.

Augusto Lenine Gonçalves de Abreu, 1º Sargento de Marinha, condutor de máquinas, fez a sua comissão na Guiné 1966/68 no NRP Orion, sob o comando do tenente Manuel Lema Santos. Subiu e desceu o Cacheu, o rio Grande de Buba, o Cumbijã incontáveis vezes, esteve debaixo de fogo, apoiou LDGs e LDMs, deu o seu melhor pela segurança de todos. Foi condecorado, duas medalhas atestam as suas qualidades de militar e ser humano de excepção. Da Guiné ficou com a recordação afável do seu povo, a entreajuda e a amizade com tantos militares portugueses.

Cruzou a imensidão dos mares, criou os filhos e os netos, reformou-se, pintava azulejos, era amigo do seu amigo, solidário, sempre disponível para auxiliar quem quer que fosse. E meu vizinho, meu grande Amigo.

Várias vezes tentei levá-lo a entrar no nosso blogue. Nunca quis mas lia frequentemente os postes e estava por dentro do que acontecia.

Quinta-feira passada, dia 8, sentiu-se mal. Um súbito derrame cerebral levou-o para as urgências do hospital de Cascais. Entrou em coma e domingo passado não resistiu. Aos 79 anos, o Augusto Lenine fechava os olhos para sempre.

Foi ontem, dia 14 de Novembro, cremado no cemitério de Rio de Mouro, a urna coberta com a bandeira portuguesa, teve honras militares. Na chegada do corpo ao cemitério, um pelotão da Marinha disparou três séries de balas de salva. Depois, muitas lágrimas, a despedida, a incineração, a entrada no grande vazio, o recolhimento nos braços de Deus.

O Augusto Lenine Gonçalves Abreu era meu primo direito, filho da irmã mais velha do meu pai. Quantas recordações e vivências comuns!...Ontem as lágrimas caíam-me como chuva.

Descansa em paz, meu irmão!

António Graça de Abreu



O nosso camara Augusto Lenine Gonçalves Abreu foi sócio fundador, em 1979, da Associação dos Maquinistas Navais. Em nome de todos os amigos e camaradas da Guiné que fazem e leem este blogue, e que se reunem simbolicamente sob o mágico poilão da nossa Tbanca Grande, apresento à família e ao António Graça de Abreu as nossas sentidas condolências.  Como leitor frequente do nosso blogue, para o qual tinha sido expressamente convidado por mim, e sobretudo como camarada da marinha que pertenceu à equipagem da gloriosa LFG Orion, e como combatente da Guiné, o seu nome passa figurar na lista dos nossos grã-tabanqueiros que a morte veio libertar das servidões da vida na terra. Descansa em paz, camarada. (LG)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9129: O nosso fad...ário (4): O Fado da Orion (J. Pardete Ferreira, ex-Alf Mil Médico, 1969/71)

1. Há tempos o nosso camarada   J. Pardete Ferreira, (ex- Alf Mil Med, CAOP, Teixeira Pinto; HM241, Bissau, 1969/71) mandou-nos a letra do Fado da Orion. Já foi publicada no poste P8966, na secção Blogpoesia (*)... Mas hoje queremos recuperá-la para a secção O nosso fad...ário (**).

E esperamos um dia poder ouvi-la cantar por um dos nossos fadistas, num dos nossos encontros ou até, quem sabe, numa "grande noite do fado dedicada à Guiné"...


Uma explicação é devida pelo autor da letra:


(...) " O Fado da Orion foi escrito em Homenagem ao Comandante Faria dos Santos. A LFG [Orion] passou mais de um ano acostada ao molhe do Pidjigiti porque tinha cedido à [LFG] Batarda um dos motores. Quando o recebeu de volta ou ele foi substituído por um novo, já não posso precisar, fez uma viagem experimental e de contrabando 'a acreditar nos praticantes da má-língua' e de seguida foi o navio almirante da ida a Conacri [, Op Mar Verde, em 22 de Novembro de 1970,]  sob o Comando de Faria dos Santos, mais tarde Comandante do porto e, em seguida, Governador Civil de Aveiro. Poeta e grande amigo, recebia a jantar (e bem) um pequeno número de amigos na torre, onde, no final, a poesia expulsava o álcool. Ele foi, igualmente, a nossa chave de acesso à Base Naval de Bissau onde, às quintas-feiras,  havia jantar melhorado e aberto a convidados" (...)



Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > A LFG Orion é (ou era, uma vez que já não existe) como a Nau Catrineta: tem (tinha) “muito que contar”, do Cacheu a Cacine, passando por Conacri… Dois camaradas nossos, o Manuel Lema Santos (como 2º Ten RN, e o Pedro Lauret  (como 2º Ten) foram seus Imediatos  embora em épocas (1966/69 e 1971/73, respetivamente)…

Nesta foto vemos o actual comandante reformado, Pedro Lauret, em 1971 ou 1972, então oficial imediato do NRP Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Rio Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem ele faria a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante" (PL)… 

O 1º Ten  José Manuel Baptista Coelho Rita foi comandante do NRP [, Navio da República Portugesa,] Orion, de 7/12/1970 a 15/10/1972, tendo substituído o 1º Ten Alberto Augusto Faria dos Santos (que comandou a Orion, de 6/12/1968 a 7/12/1970) (Fonte: Wikipédia > NRP Oríon).

Mas nem só o Pardete Ferreira matava a fome e a sede no bar da Orion... Também o nosso amigo e camarada Paulo Santiago já aqui contou, em 2006, como se tornou habitué da Orion sempre que ía a Bissau (***)...

Foto: © Pedro Lauret (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

2. Fado da Orion


Letra: José Pardete Ferreira 

["1ª parte e Refrão escritos em Bissau em Novembro de 1970. 2ª parte escrita em Setúbal na madrugada de 15 de Dezembro de 1997. Para ser cantado com a Música do Fado do Cacilheiro, do Maestro Carlos Dias"].

Adapt do Fado do Cacilheiro

[Letra : Paulo Fonseca (****); música: Carlos Dias]

[Há várias criações deste fado - do José Viana ao Antónioo Mourão, do Tristão da Silva ao Nuno da Câmara Pereira, ... Talvez a mais conhecida seja a do Zé Viana, justamente imortalizado como o Zé Cacilheiro. Veja-se aqui um vídeo, de 1966, que passou na RTP Memória, e está disponível aqui, no YouTube]



Tristes noites de Bissau,
Neste clima tão mau,
Passá-las não há maneira,
Sem comer arroz, galinha.
Ou então ir à Marinha
Aos jantares da quinta-feira!


Às vezes um Comandante,
Bom amigo, bem falante,
Obriga uma pessoa,
Com uma grande bebedeira,
Pensar que o Ilhéu do Rei
Fica em frente de Lisboa.


Refrão

Ser marinheiro
De LFG no estaleiro,
Sem motores nem cantineiro,
Junto ao cais sem navegar,
E esperando,
A comissão foi passando,
Ai!, os amigos engrossando,
Com o Geba a embalar.


Quando vinha dessa Terra
E voltava à minha Serra,
Nem eu queria acreditar !
Virei-me ainda p'ra ver,
O meu Adeus lhe lançar
E também lhe agradecer:


Com meu suor derramado
No teu chão, tão maltratado,
Deixo-te votos amigos
E, também, as minhas preces,
'squecendo rancores antigos,
Por ti, Guiné, que mereces.


Refrão...
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Notas do editor:
 
(*) Vd. poste de 30 de Outubvro de 2011 > Guiné 63/74 - P8966: Blogpoesia (163): Fado da 'Orion' (José Pardete Ferreira)

(**) Último poste da série > 1 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9122: O nosso fad...ário (3): Fado Sangue, suor e lágrimas (Manuel Moreira, CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1968/69)

(****) Letra de Paulo Fonseca, recuperada aqui (com a devida vénia):

Fado do Cacilheiro

Quando eu era rapazote,
Levei comigo no bote
Uma varina atrevida,
Manobrei e gostei dela
E lá me atraquei a ela
P’ró resto da minha vida.

Às vezes a uma pessoa
A idade não perdoa,
Faz bater o coração
Mas tenho grande vaidade
Em viver a mocidade
Dentro desta geração.


Refrão

Sou marinheiro
Deste velho cacilheiro,
Dedicado companheiro.Pequeno berço do povo,
E, navegando,
A idade vai chegando,
Ai…
O cabelo branqueando,
Mas o Tejo é sempre novo.

Todos moram numa rua
Mas eu cá não os invejo,
O meu bairro é sobre as águas
Que cantam as suas mágoas
E a minha rua é o Tejo.

Certa noite de luar
Vinha eu a navegar
E, de pé junto da proa,
Eu vi ou então sonhei
Que os braços do Cristo-Rei
Estavam a abraçar Lisboa.

Refrão

A que chamam sempre sua,