quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Guiné 63/73 - P15183: O nosso querido mês de férias (12): Era para entrar de Licença em Agosto, mas fui vítima de uma injustiça, acabando por a gozar de 22 de Setembro a 26 de Outubro (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) com data de 27 de Setembro de 2015:

Caros Camaradas da Tabanca Grande
O Tema proposto é óptimo. Há muito a dizer.
Era para entrar de Licença em Agosto, mas fui logo vítima de uma injustiça, acabando por gozar a Licença desde 22 de Setembro (sexta-feira) a 26 de Outubro (quinta-feira) – a Licença era de 30 dias, mais 5 dias ao abrigo de…

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Pode ler-se: "Até ao dia 22…" 

"Pouca coisa há que contar disto, embora haja muito que contar. Eu não me sinto em condições propícias para o fazer e nunca me encontrarei. Isto aqui é mau de mais para falarmos”

Viemos de Licença eu e o Furriel Miliciano Manuel Ferreira Jorge. Deslocámo-nos para Bissau de avioneta fretada. Depois de solicitarmos que o piloto desse umas cambalhotas, o que veio a fazer, acabámos por ver guerrilheiros do PAIGC a fugirem quando sobrevoávamos a zona.
Em Bissau ficámos numa Pensão – não recordo o nome, era um casal e a ideia que tenho, visto não conhecer a cidade, situada junto do Posto da PSP. Ficava, julgo que, perto do Café Benfica.
Poucos dias em Bissau, mas histórias não faltaram.
Desde Janeiro de 1967 que não cortava o cabelo. Todas as manhãs íamos ao Café Benfica comer um prego, especialidade da casa. Um Tenente-Coronel assistia ao nosso pequeno-almoço: prego com um pão enorme e cerveja. E o Senhor Oficial olhava muito, nada dizia devido estarmos vestidos à civil.
No dia da véspera do embarque tivemos de vestir a farda. Com um cabelo enorme metido dentro da boina. Quando a tirava da cabeça era o bonito, o cabelo em pé. Pois o Senhor Coronel ao nos ver fardados pergunta:
– Pertencem a que Unidade?
Respondemos, depois de muitas perguntas, inclusive a Companhia e em que zona e local estava, ainda esta:
– Quem é o vosso Comandante de Companhia?
– Capitão Mansilha.
– Conheço bem, quando chegarem de Licença digam que o Coronel f… manda cumprimentos!
Seguimos para o Quartel-General e depois para a Agência de Viagens Sagres. Balcão longo, e no lado direito 3 Capitães. Depois de falarem entre eles, olharam-nos profundamente, e um deles, disse:
– Não sabem cumprimentar os superiores? O Jorge respondeu prontamente:
– Então, bom dia!
Zangados os três, disse o Jorge:
– Estamos em Gadamael Porto, no sul em pleno mato, não em Bissau, e lá o cumprimento militar não existe. Existe o respeito a amizade. No mato não há nada disso.
No dia seguinte seguimos para o aeroporto, e o Boeing 700 e tal tinha sido inaugurado na partida do mesmo para Bissau. No avião tentámos namoriscar as Hospedeiras de Bordo. Quando almoçámos, isto por os pratos serem pequenos exigimos, de brincadeira, pratos para adultos. Curioso que nos foi facultado este atrevido pedido.

Chegados a Lisboa corremos para a saída, lá estavam os três Capitães. Como se estivéssemos numa Operação, sem trocarmos entre nós uma palavra, o Jorge pela direita e eu na esquerda, corremos e empurrámos os tipos, ficámos à frente. O Jorge seguiu para Amadora e eu para Alhandra. Tínhamos combinado encontros em Lisboa.
Sozinho e abandonado na carruagem. Triste e penso, convicto que iria passar os 35 dias, os últimos da minha vida. É difícil viver com a morte a bater à porta, e viver é ignobilmente um sonho. Vivemos nas trevas do nada. Aquela guerra é a guerra deles, embora seja a minha, vivo-a por acreditar na liberdade. Eles lutam por ela, e eu?
Desde o dia em que nasci, a morte sorria. Todos sabemos que a morte é o fim, só desconhecemos quando vai chegar esse fim. Estou enterrado nesse fim misterioso. O problema é que eu penso, se não tivesse esse condão de pensar tão fácil seria a vida. Uma vida sem nada. Mas penso, penso no amor. Se existisse efectivamente amor, problemas não existiam. As guerras com amor nunca existirão. Amor nas guerras? Creio que sim... Mas amor, amor não há guerras.
A minha mãe, que me ama disse que nasci e chorei. Queria viver a rir, não choro… Nem sequer recordo ter chorado. As lágrimas que verti caíram na alma. Sinto-as mergulharem e encharcarem o meu ser. O amor conhece-me, amo… Se não amasse não o conhecia.
E a morte? Pressinto-a do mesmo modo que está junto de mim quando posto perante um engenho explosivo. Aí domino eu, mas olhar para a frente, uma curva. É nessa curva que me encontro. Se a passasse… Mas não sei o que está para lá da curva. Somente vejo a curva, o início dela. Sucede o mesmo quando leio, só até à última letra da página. A página seguinte… É a curva, o virar da página e ler essa página. Viramos uma, outra? Para ganhar algo nesta vida, existirá alguém que fica a perder e se acreditar na verdade, se amar a verdade, amo a vida. Amo a vida, mas do modo como vejo aquilo lá no fundo, quem luta por algo vencerá. Mas acredito que posso ajudar, sendo ajudado. Não acredito naquilo que fizeram de mim.
Cumprirei a missão. Não vou esquecer. Tentarei amar aquilo que sofro. Disse para mim: Goza enquanto é tempo!
E assim iniciei os 35 dias de Licença, certo que iria cumprir.

A alegria da chegada.
Corri para o “cais 14”, e as fragatas imperiais e as bateiras dos pobres avieiros? Os golfinhos aguardavam a minha chegada. Riram e mais parecia me quererem falar. Após o encontro com a mãe e o pai, vieram os irmãos, cunhadas e sobrinhos.
Iria passar o tempo praticamente em Lisboa.
Estava preocupado, os 35 dias tinham de ser gozados e não gastos. Entretanto a minha mãe pede que vá com o meu pai a Casegas, à sua terra, Beira Baixa. Tinha combinado com o Jorge irmos à Feira de Vila Franca de Xira que começava no sábado, dia 30 de Setembro. Teríamos de regressar a 29.
Viajámos num Renault, mas contra a minha vontade. Acabara de sair do mato e ia para o mato.
Meu pai imensamente contente, e aguardava que o meu primo António acordasse, após uma noite de trabalho. Nesse primeiro dia, junto de uma fonte juntavam-se pessoas, umas atrás de outras para encherem as bilhas de água. A terreola é muito pobre.
Espantado ao ver um indivíduo, mais ou menos da minha idade, a apalpar tudo o que havia para apalpar. Acabava de comprar um maço de tabaco e fumava. Depois de o ver apalpar uma mulher – parecia-me que para ele tanto fazia quer fosse solteira, casada, divorciada ou viúva – eu comecei por ficar preocupado. Toda aquela gente que se juntava naquele Largo se calava. Por mero acaso – julgo que foi mesmo um acaso – ele olhou para mim. Mais parecia estar numa operação militar e disse para aquela criatura, que não conhecia:
– Ouve bem o que te digo!...
O indivíduo – pretendendo sorrir – olhou-me bem nos olhos, e deve ter verificado que estava zangado. Com o indicador virado para baixo na direcção da ponte medieval digo em tom agressivo:
– … Só vais parar na ribeira. Corre… Se não correres corro contigo…
Todo aquele pessoal me conhecia, eu ia reconhecendo um ou outro.
Chegou o meu primo António. Ainda não me vira e cumprimentou-me, dizendo em voz alta após saber o que fizera àquela figura da terra:
– Sabem, é o meu primo Mário, somos uns palermas… Foi preciso o meu primo estar aqui para que este imbecil fosse avisado. Coitado, também é uma vítima. Os pais por tanto quererem que estudasse acabou nisto.
Eu e o meu primo – um amante da cerveja – que era igualmente a minha companhia.

O tempo passa. Regressámos. O meu pai para cumprir aquilo que dissera, acelerou, embora a feira fosse no dia seguinte. Feira de Outubro, neste caso iniciada em Setembro.
Encontrei-me com o Jorge que chegara de comboio, seguimos para Vila Franca de Xira e jantámos num restaurante montado todos os anos, no mesmo local. Os empregados já me conheciam. Comemos chocos com tinta e alguma poeira. Começámos a percorrer e ouvia-se, com frequência o rebentar de uns estalinhos colocados na zona da frente de um carro que percorria uns carris e estalava, no impacto contra uma superfície lisa. Uns carros lançados com mais força era o suficiente para nós combatentes nos lançarmos na areia que secava sobre terra molhada. Risotas de todo o lado. Ficava calado e o Jorge corria atrás das pessoas. Entretanto depois do Jorge dormir na casa dos meus pais seguiu para Amadora. Marcámos o local dos encontros.

Passei o fim-de-semana com os familiares, saí e foi o reencontro com os amigos. As oportunidades para beber umas cervejas foram muitas, assim passei os dois dias, não deixando de me juntar com uns amigos no Café Ritejo. A minha tertúlia, lá estava o João Luís, e tive então de falar na estúpida da guerra. Uns velhotes amigos e meus mestres dessa universidade cumprimentaram-me e tive de lhes contar por alto o que passava. Não eram aquelas conversas que me entusiasmavam, pelo contrário, fugia delas. Aproveitei então visitar as madrinhas de guerra, em especial uma. Estava com dúvidas e realmente nem sequer sabia que atitude tomar. Estava a ser incorrecto. Dei um pouco de mim a cada uma, mas estava a agir mal. Tinha de tomar uma posição, não devia enganá-las. Gostava de todas, tal era o labirinto da minha cabeça. Namorava todas… Seria que namorava? Pouco tempo tinha ocupado, sentindo-me incapaz de olhar de frente qualquer delas. Meus dedos ramos de arbustos crescem e apoderam-se de tudo. Insensato. Este meu sonho! Carícia trémula bater de asas. Bebo lágrimas e suores que correm nas fontes dos meus olhos são salpicos. Já nem sei o que dizer. Asneiras! Penso nos poemas que escrevo às toneladas, mas são armas apontadas ao «eu», estilhaços aos bocados.
E nesta terra distante da guerra continuo em guerra, não discuto a guerra que continua. Choro o silêncio inexistente da paz.
E a verdade da liberdade? A liberdade morre na fantasia e harmonia da palavra. A terra enterra e desenterra cruzes que tremem ao vento. Interessava que fossem gozados aqueles últimos dias em terras de Portugal, longa desse Portugal inventado que nos esperava… Que me esperava.

Na segunda-feira fui para Lisboa sozinho. Segui para o Parque Mayer, depois de beber uma bica no Café Lisboa – local de encontro das velhas coristas – fui para o interior do parque. Vestia calças claras e casaco de xadrez. Fui pescado por uma senhora de 55/60 anos. Rosto com uns traços cuidados e pele enrugada. Com uma cana-da-índia, curvada na ponta, puxou-me. Peixe de África, da bolanha. Estava numa barraca dos tiros: “Vai um tiro, freguês?”
Conversámos, chegando entretanto uma rapariga simpática – mais ou menos com a minha idade – fez-nos companhia, e sempre insistiram nos tirinhos.
Um indivíduo musculado aparece e dirige-se à moça, segredando-lhe ao ouvido. Percebi o que pretendia. Elegantemente tira de entre os seios uma nota de 500$00.
Quando estendia a mão com o montante, segurei-a e com mão esquerda e dei à nossa companheira o dinheiro com a direita.
Ele avançou… Eu também. Até que só eu avançava. A criatura paralisada, e disse-lhe:
– Não apareças enquanto cá estiver. Deixa a Senhora em paz. Desaparece!
A rapariga assustada disse que “não deveria meter-me com aquele estúpido, tinha de ter cuidado”. Pediu-me para esperar por ela, após falar com a outra companheira. Decerto pedindo para se ausentar mais cedo. Lanchámos numa Pastelaria, bebi umas cervejas. Levou-me para um quarto, curiosamente limpo. Disse-lhe carinhosamente: “Tu é que vais gozar”! Retirando peça por peça, a nudez encarece e ele entontece e aquece. Aparece, endurece e cresce. Gozo. Império do Rei Gozo. Eu gozei, to não gozaste… Ela gozou. Sempre lhe ia dizendo: “Tu é que vais gozar”!

Retirei-me da cama sem uma palavra e fui ao duche. Enquanto corria, sem ser necessário o púcaro que não o era, mas sim lata mascarada de púcaro, senti umas mãos acarinharem-me o corpo. Após secar enterrei-me na cama e nela. Era um dos 35 dias… Classificado por mim com nota “20”. Saímos, ela não pagou o quarto, era amiga da casa, fomos jantar a uma Cervejaria, bebi algumas cervejas. Levei-a ao Parque Mayer e segui para a Estação do Rossio para apanhar o comboio dos Teatros, das Revistas e dos Filmes.
Em Alhandra – já o sabia – estava aberta a Cervejaria Soltejo. Conversei com o Senhor Manuel, e pedi um copo de 2 decilitros de vinho verde.
Abriu uma nova garrafa “Três-Marias”, e para a despedida mais um copo.
Convite para aparecer sempre.

O primeiro encontro foi nos Restauradores, Palácio do SNI. E uma moça bonita estava encostada à parede. O Jorge diz-me:
– Vou atravessar, entre ela e a parede!
Rindo tento desviá-lo, desvincular-se da ideia. Pediu licença à garota e passou.
Fomos então ao Parque Mayer e existiam as barracas dos tiros, mas só para falar a já entrada na idade. Prostitutas. Salazar tinha proibido. Conversámos e ri para a minha companheira, fazendo-lhe sinal. A oportunidade iria surgir. Combinado entre mim e o Jorge que “amigo não empata amigo”, no momento próprio cada um de nós seguiria seu caminho. Existia sempre o “ponto de encontro”.
Depois de me encontrar com a Cabíria (será este o nome que usarei quando falar da minha menina dos tiros). Cabíria, põe-se o nome de uma personagem que adorei Giulietta Masina do Filme “Noites de Cabíria” do realizador Federico Fellini.
O encontro foi muito semelhante ao primeiro, mais requintado, ainda estávamos no início de uma relação que em princípio teria a duração de menos de um mês. Mais parecia estar a viver um amor, um amor impossível, visto eu ter uma duração de 35 dias, dias que pretendia serem gozados, neste caso com prazer, os últimos. Ela sabia que esses dias iam terminar. Dissera que tinha as minhas madrinhas de guerra – algumas – até uma bonita sueca loira e de olhos azuis com quem escrevia desde os 13 anos.

Naquele dia reencontrei o Jorge, fomos para um bar e demos uma nalgada em cada rabo de mulher, sentada ao balcão. Sentámo-nos e pedimos, decerto cerveja. Aquela que estava mais próxima da nossa mesa pediu licença e sentou-se. Ouvimos:
– Não pagam nada? – O Jorge respondeu:
– Vai uma gasosa?
– Brincalhões! A gasosa é uma seca! Não os conheço, não os costumo ver por aqui.
Respondi:
– Somos africanos, e caçadores
– São ricos?
– Não vês que sim!
– Apalpam bem. Mexeram e aproveitaram o açoite.
Mandámos vir um gim gordon’s, e conversámos enquanto despejávamos umas cervejas e ela chamara já uma colega para acompanhar o Jorge que chamou a atenção:
– Somos caçadores mas outro tipo de caçadores, não caçadores que caçam, mas também os que são caçados…
E todos bem bebidos saímos os quatro para quartos bem perto, e vimos que bem defronte havia um outro Bar, teríamos oportunidade de o visitar. Desta vez estávamos na mesma. Foi divertido, as moças mereciam, sabiam já que éramos simplesmente militares da guerra a pretenderem divertir-se.

O Jorge seguiu para Amadora e eu no comboio dos Teatros, para Alhandra. Fui um pouco à tertúlia do Café Ritejo e conversei, já tarde mas ainda estava o João Luís e uns tipos a jogarem bilhar na Cervejaria Soltejo o Ti Manel. E disse-lhe, hoje trago-lhe uma surpresa, encontrei o livro “Palavras Cínicas”, vamos ler aqui umas curiosidades:
– Escreve este homem, escritor: "Vi que a vida era má e escrevi estas cartas"... – E continua:
 – Se as leres no meio de um festim, as porás de parte com enfado, mas buscarás a sua consolação quando o mundo te fizer chorar; "A vida é a escola do cinismo. Trazes coração? Esmaga-o ao entrar como uma coisa que nos compromete, que nos avilta. Se acaso és bom – tolice – não venhas. Aqui para triunfar, é preciso ser mau, muito mau. Sê mau, cínico, hipócrita, e persistente que vencerás. Serás aclamado, respeitado e invejado. Ri do Bem e da Virtude, da Alma e do Sentir. Ri de tudo, que é preciso querias. Abafa um protesto com um sorriso, uma agonia com uma gargalhada, um estertor com uma praga. Sê polido, meu amigo. Encobre a raiva sob o riso, e o riso sob o pesar. Sê mau, sobretudo. Se a alma compromete estrangula-a, se o riso desmascara sufoca-o, se o choro atraiçoa esfia-o às gargalhadas. Não ames nem creias. Todo o homem que ama é homem perdido, e todo aquele que crê nunca será ninguém. Odeia sempre. Odeia os que sobem e os que pretendem subir, odeia os que subiram e os que um dia subirão. Odeia todos e desconfia. Lembra-te que o Ódio dá mais prazer que o Amor".

Isto são alguns exemplos de “Palavras Cínicas” de Albino Forjaz Sampaio. Fui sempre contra as guerras, mas estou numa e cumpro. Não desertei por dois motivos: o primeiro tem a ver com o amor pela minha mãe e em segundo lugar foi ter à minha responsabilidade homens, e em seu nome parti não de braços descobertos, mas de arma na mão, pronto para tudo, até ter de matar para viver. a um determinado momento lê-se em Palavras Cínicas:
"Tu és filho de uma prostituta pois a tua mãe só foi de teu pai e o teu pai foi o primeiro a quem ela se entregou, que depois o egoísmo do seu amor fez conservar junto de si...".

Depois, é sempre a mesma conversa, até faz a pergunta:
- "Tu crês em Deus? Crês sim, que bem o sei. Pois bem; vai dizer-lhe que eu o odeio com toda a força do meu ódio. Tu que te dás com ele, que crês nele, que és amigo dele, vai dizer-lhe que eu o odeio, porque ele deixou morrer aquela criatura aqui do lado, cujos seis filhos abandonados me vieram comer o meu jantar".

Acrescenta:
 – "... Todos aqueles a quem fazemos bem lá dentro a secreta esperança de um dia nos correrem a pontapé... ". (...) "Em que acredito eu? No crime e no dinheiro. O crime é Deus, o dinheiro é Deus, e de ambos o dinheiro é maior. É por dinheiro que se compram almas, por dinheiro é que as mulheres se vendem".

Existe muita verdade nas palavras. A vida é vida, há-de ser vivida. Os dias passados, não são passados, talvez vividos. O amor surge e evapora-se por vezes, mas não morre, o amor vive connosco os dias todos. Prometo que amarei eternamente. Amo-te, desconhecida, aquela mais à frente amo eternamente, e a outra lá ao fundo amarei neste e noutro mundo. Amar a única maneira de alcançarmos o Amor no Mundo, uma Terra sem Ódios nem Guerras. Tudo isto é negado nas oito cartas de Albino Forjaz Sampaio. Adeus ao Mundo e para todos os amigos, mesmo todos. Meditem, vale a pena, é o que ele pensa, possivelmente que nem sequer em tal tínhamos ouvido falar, surgiu, concordamos ou não. No negativo, não esquecer que na multiplicação o menos por mais dá menos...
O Ti Manel escutou e sorriu. Despediu-se dizendo:
– Não desistas. Ele tem razão em muito do que diz.
Lá estava o copo de verde. Bebera demais. Dirigi-me para o Cais 14 ver o amado Tejo e despejar os vapores.
Fiz a visita a umas madrinhas de guerra e entre encontros e desencontros, alguns encontros – na cama. Noutro caso: – “mim cá nega”! – Tal como nos faziam as bajudas.

Depois de um encontro nos Restauradores, seguimos para a Portugália, e entre cervejas, eram as cervejas. O empregado verificando estarmos os dois metidos por entre copos de imperiais bebidas trazia consigo uma bandeja, com vontade de retirar os copos vazios. Eram muitos. O Jorge disse:
– Daqui não sai nenhum, deixe que os alinho. São todos da mesma altura, é fácil. Já está! Ó amigo espere, mas pode puxar aquela mesa para aqui e ficam os copos melhor. e nós também.
O empregado assim fez, acabámos por beber litros de cerveja e retirámos para o Parque Mayer. Aí pedi à Cabíria que ajudasse o Jorge a arranjar uma companheira. Assim foi. A mesma volta, encontros amorosos e demorados, não sabendo como iam decorrendo o novo amor do Jorge.
Depois de irmos levá-las de retorno, visitámos o Bar de rabos de fora dos bancos, e a tal palmada, escutámos:
– Hoje há outro! – Respondendo outra:
– Esse também já cá esteve!...
Bebemos duas ou três cervejas, como não estavam as moças da primeira vez saímos, deslocámo-nos para o outro Bar. Tinha uma portinhola. Tocámos a campainha, este era diferente. Surgiu um tipo que respondeu pelo postigo:
– Não podem entrar!
– Não podemos entrar? Mas que ideia essa! Temos dinheiro!
– Não entram!...
O Jorge põe a mão no bolso do casaco e tira a Licença dada no Quartel-general, em Bissau e o Bilhete de Identidade Militar e toca a campainha. Surge o mesmo tipo que fecha o postigo. O Jorge, bem bebido, toca novamente a campainha, tento desistir dizendo-lhe termos outros sítios para passarmos algum tempo. Toca consecutivamente até que a porta se abre e vemos um homem grande. Nessa altura já o Jorge tomava balanço para rebentar a porta. Algo impossível visto ser muito forte. O Jorge disse apontando o indicador direito e na esquerda a papelada, enquanto os abanava:
– Estou de licença e vim da guerra na Guiné. Lá mato pretos… Aqui mato brancos!
O grandalhão respondeu:
– Podem entrar!
Puxava pelo braço do Jorge, com força, dizendo:
– Vamos embora!
Acabámos por seguir, a verdade é que se tivéssemos entrado estávamos bem arranjados. Por entre mortos e feridos…
O Jorge e eu fomos na direcção da Estação de Caminhos de Ferro do Rossio. Cada um seguiu o seu caminho.

Em Alhandra, no Ritejo ainda restavam alguns amigos da Tertúlia, já velha. Falei um pouco com o João Luís que foi comigo até ao Soltejo, e a tratar de fechar a caixa, volto a interromper o Manuel. Abre uma garrafa de vinho verde “Três-Marias” e vai um copo. O Manuel diz:
– Queres dar uma volta comigo?
Como ele também sabia não ter nada para fazer, e eu interessado mais em me despedir. E, pensei, com o copo de verde na mão enquanto o Manuel acabava de arrumar o balcão. Pois aquilo vai mal, a passagem por Ganturé não foi famosa e o “corredor”? Para quem não quer guerra, muito menos esta… Cumpro, e comprometo o meu interior. O consciente apoquenta-me, assumi e como responsável só tenho de aguentar. Neste nono mês, se cumprissem, estou a 9 meses… Mais uma vez nove. Quem emprenhou?
Ando em baixo, não me parece que isto dê certo. Aquelas trampas das poesias, pareço estar a brincar denominar de poesias. São sepulturas, isso sim. Mortes!
- Estás a pensar em quê, anda daí! – Disse o Manuel.
Entrámos no carro. Nem perguntei para onde íamos.
– Vamos para Vila Franca?
– Já vais saber!...
Vila Franca mesmo.
– Ó Manuel leva-me para o “Zé Barbeiro”, possivelmente nem sabe que conheço muito bem esta casa de petiscos. E então para aqueles que gostam de comer uma perdiz, codorniz ou coelho bravo… Não falando dos pequenos camarões do Tejo.
Entrámos, ao analisar os rostos vejo conhecer a grande maioria dos presentes. Tinha convivido de perto com alguns. Tudo empregados e donos de restaurantes, cervejarias, tascas e até de pensões.
Todos sentados. Começaram a surgir nas mesas codornizes, depois seguem as imperiais. Inicia-se o repasto.
– Bom apetite a todos! – Disse o Zé Barbeiro, dono da casa.
Não estava ali para comentários, era mais um pedaço dos 35 dias de despedida. Segurei uma codorniz na mão e bebi meio copo de cerveja. Ao fim de dez minutos, olhei para o Manuel ao meu lado, e para toda a sala, ornamentada de utensílios e fotos de caça e caçadores. Verifico que um empregado que bem conhecia tinha umas quatro imperiais à sua frente. E continuo a percorrer a vista pelas mesas – não era preciso ir mais longe, na minha mesa – havia quem tivesse duas, três, quatro imperiais à sua frente. Vou desvendar este mistério. O Manuel arranjou alguma parecida com ele. Tenho meio copo, lá vai… E agora?
– Mais uma rodada? Será mesmo… E é!
Uma golada, outra imperial posta à minha frente. Zás, outra rodada! É isso, se alguém bebe o copo da última rodada, vem outra rodada. Muitos saem bêbedos daqui, mas eu não! A festa continuou, e o Manuel ria. Verdade que ele acompanhava o ritmo, mas existiam alguns com quase uma dúzia à frente. E as codornizes iam seguindo o ritmo. Terminada a maratona, ponho a mão no bolso para pagar o que me cabia, o Manuel segura-me a mão e diz:
– És aquele que nada tem a pagar, vamos embora!
Tropeçavam uns nos outros, e lá saímos e seguimos para Alhandra, o Manuel rindo, disse:
– Pregaste a partida àqueles palermas que se julgam bons bebedouros.
Lá fui para casa, a minha mãe estava acordada, ralada comigo e era bem cedo. O meu pai saíra de casa para o trabalho.

Recomecei novo dia conversando com a minha mãe e logo vou ao encontro do meu pai na Padaria. Era Padeiro, como eu e os meus irmãos não quiséssemos ser padeiros restou ao meu pai entrar para uma Sociedade Panificadora. Chegou mais uma hora da verdade. O dinheiro que ficava cá o meu pai colocava no Banco, e pedi 5 mil escudos, tendo ele respondido:
– Vê bem o que andas a fazer?
Retirou de um cofre o dinheiro e deu-mo na mão. Conversámos, sei que o enganava mas, em relação à minha mãe, tinha a certeza que não ia nas minhas conversas. Isto no que diz respeito à guerra. Enviava fotos sempre à civil mas enganá-la…

Seguiram-se mais uns dias. Namoro; encontros com madrinhas, com cama… E sem cama; “mim cá nega!”; Lisboa e as meninas… Não só a do Parque… Resumindo: Muito amor, até fartar e despejar de cervejas e não só…
Comboio para o Rossio, deixara de me encontrar com o Jorge, mas os locais eram os mesmos, variavam os restaurantes onde almoçava ou jantava.
Junto do Teatro Tivoli um andarilho pediu-me a licença de isqueiro ao me ver acender um cigarro. Ri com um certo aparato e o tipo fica zangado. Pedia e voltava a pedir e eu ria, até que me diz:
– Deite o isqueiro para cima do telhado e não paga imposto!
– Mas não pago imposto, nem deito o meu Ronson para o telhado.
Tinha o “V” de vitória. Tinha-o comprado em Bissau. E o homem insiste:
– Vem esta PIDE – não é outra coisa – chatear-me com a licença do isqueiro! Desampara-me a loja!
Ele sumiu-se. Fui até ao Parque Mayer. Outro dia igual, depois de almoçarmos, mas qual o meu espanto quando a Cabíria me diz:
– Larguei o Júlio, o tipo que ficava com o meu dinheiro, sabes a razão? Se quiseres acredita, tenho de te dizer, gosto de ti… Mas não rias, estou disposta a arranjar trabalho, sou nova, espero por ti…
– Eu não interesso a ninguém, sou peça de caça morta… Vou ser caçado e nunca mais me vês. Até hoje safei-me… Mas no dia 26 de Outubro que se aproxima, irei com uma arma apontada à minha cabeça. Estou como o outro, vamos festejar… O quê? Não sei… Olha! Vamos aquecer a alma! Anda e deita-te, e se me amas prova-o… Sou teu e faz de mim o que quiseres. Aviso-te que cair de focinho, não! Estivemos até à noite, a Cabíria não tirava os olhos de mim, o que me deixava preocupado. Estaria ela mesmo a esperar que regressasse?
Não a vi mais, tinha sido a minha companhia numa boa parte dos 35 dias que se aproximavam do fim.

Regressei de comboio. Fui a Cais 14 e sentei-me num dos degraus. Tomara banho naquele sítio. O Tejo, meu irmão. Tinha de ir visitar os meus amigos golfinhos. Oiço uma voz:
– Então estás bem? – Perguntava um paneleiro da terra.
Respondi-lhe:
– Sabes o que vais fazer? Corres até ao Largo da Praça… Vai, vai…
– Olha-me este se calhar julga que manda em mim… Parvo
– Segue em frente, é sempre a direito.
De manhã acordei e dediquei a manhã à família. Já faltavam poucos dias e dedicara pouco tempo aos amigos. Estivera com o Doutor Armando Diogo, com o Baptista Pereira, mas tive pouca vontade de lhes responder, sempre a guerra.
O Doutor recordava-se da conversa que tivéramos sobre o livro “Palavras Cínicas”, de Albino Forjaz Sampaio.
Pensei visitar a malta em Vila Franca de Xira, com aquela metida na cabeça dos 35 dias, os últimos 35 dias, esquecera-me.
Quando chego ao Maioral, é uma festa e lá estavam alguns dos meus camaradas da Tertúlia semanal com o Escritor Alves Redol. O meu primo que frequentava Direito disse ter uma prenda para mim. Deu-me algo embrulhado, julguei estar escondido. Abri, era um livro sobre Che Guevara. E o meu primo começou:
– A PIDE foi à Faculdade de Direito e apanhou-nos a Edição deste livro, fizeram uma fogueira e deitaram fogo aos livros que iam apanhando, saquei deste e pensei em ti. No livro há um discurso em que o camarada Che Guevara fala da Guerra de Guerrilha na Guiné.
Fiquei contente com tal prenda, mas fugi de falar da guerra. Talvez por isso segui para Alhandra após me despedir de um modo pouco digno da minha parte de amigos de anos. Soubera terem passado por situações que só quem não quer, não vê termos um regime opressor. Após quase 500 anos aquilo que vi nada glorifica os portugueses que nada levaram àqueles povos que nem falam português.
Fui apanhar em Alhandra alguns amigos, falei com o Gineto dos “Esteiros” de Soeiro Pereira Gomes – Joaquim Baptista Pereira que me contou as últimas e com o Doutor Armando Diogo falámos dos Processos que moveram na Guiné, tendo o Processo Militar sido dirigido pelo Capitão da Companhia 1620 e o Processo Civil pela PIDE, isto após ter rebentado uma granada quando os negros civis estavam num Batuque e morrera 10, ficando feridos mais de 20.
Fiquei por Alhandra e na Cervejaria Soltejo falei com o Ti Manel. Recordámos as conversas havidas antes do embarque. Ele quase implorara que eu desertasse. Assumi e estou nestes risonhos e gozados 35 dias á espera de morrer. E perguntei ao sábio Ti Manel:
– Como é possível ter-se o prazer de gozar quando se espera o fim, a marcha final? Pode um homem novo morrer numa guerra que detesta e já mesmo antes de ser um dos protagonistas? Pouco tempo mas se do ventre materno nasce o ser… Trajando o nu, igual, destino de boas e más gentes!
O Ti Manel respondeu:
– E acrescento. Só caminhou pela vida pecadora, e sem pecar rompeu o silêncio com gritos, gemidos e ais. Cresceu, Roberto, títere comandado de atilhos. Aprisionado de mãos opressoras. Libertou-se.
Respondi:
– Livre? Pairo na solidão que me mordeu as entranhas, as vísceras… Caio e não me ergo!
O Ti Manel, ouvindo interrompe:
– A fome transforma os prisioneiros em oprimidos e os donos de searas e de fábricas comandam os cordéis. Este mundo que olhas, por que o vês, repleto de cactos, de ervas daninhas e de homens, semeia algures a paz!
Olhando para o Ti Manel renasci:
– Nascentes nas areias que matam a sede do homem só, um mundo de tal bela natureza! Pássaros de voo livre esvoaçam, por entre castelos celestiais de nuvens desenhadas. O mundo, de todos e pertence a todos? O homem semeia! Oh mundo de tal bela natureza! Por vezes tão satânico. Com seus horrores anormais: sismos e inúmeros cataclismos. Mortes sem conta – sem olhar a quem, o bom e também o mau. Plantando cruzes em cemitérios e covas fundas. Oh homem… Oh homem de tal bela natureza! Planta a Paz, o Amor no Mundo. Apetece-me Ti Manel, mas tenho dificuldades neste momento em acreditar plenamente.

E estava no final da licença. Fui ver o rio Tejo, o meu Tejo. Lá estagnei.
Jantei e voltei ao Soltejo. Bebi e esperei pela noite.
O Manuel olhava-me, todos haviam abandonado a cervejaria.
O velho copo de vinho verde. Outro. Oiço o Manuel com as chaves do carro na mão:
– Queres vir?
Não sabia para onde, respondi de modo risonho e brincalhão:
– É mais uma voltinha… Para aquela menina de amarelo.
Entrei no carro, após uns minutos começo a ver não conhecer aquele percurso. O carro parou. O Manuel entrou num prédio novo e de portas abertas, começou por subir os degraus de uma escada e tocou uma campainha. Aberta a porta e depois de dar o primeiro passo vejo aquilo que nunca vira. Um mundo novo. Bacanal.
Ouvimos de dentro:
– Descalcem-se!
Tirei a camisa, os sapatos, as meias, calças e cuecas. Era uma festa profunda. Eu quero lá saber. Vi uma moça que conheço, estava sozinha, quem sabe… À minha espera. Tinha-a desejado, eis que cai nos meus braços. Pleno século XX. Olhei para o Manuel, das surpresas, que ria e já acompanhado. Bebidas e frescas. Levei uma fresquinha para minha menina, a coelhinha. Na mão levei uma cerveja, dei um gole. Agarrei-a e ela abriu os braços e puxou-me!
Pela noite fora, não esqueço…
Regressámos e no dia seguinte partimos para Bissau após as despedidas do cais.
Havia razões para o meu estado de espírito. Disseram-nos que o Amigo Pestana e o Costa tinham morrido com rebentamento de uma granada. Afinal a morte não me levou – por enquanto – mas percebera que ela andou bem perto.
A morte?
Em Bissau falava-se de uma grande Operação no sul da Guiné, no nosso Sector. Aliás era preferível estar-se em combate do que viver o clima de Bissau. Só se falava em Guerra.

Em Bissau no final da Licença 

Vim de Licença em 1968 pelo Carnaval (Terça-Feira de Carnaval a 19 de Fevereiro), mas foi diferente muito embora tivesse ido a Abitureiras – Santarém entregar alguns haveres à família de Vítor José Correia Pestana, este encontro foi traumático, morto a 12 de Outubro de 1967 no rebentamento de uma granada armadilhada, depois de se ter lançado para cima do engenho explosivo após ter tropeçado no fio, tentando salvar os camaradas. Ficou com a barriga perfurada e membros superiores e inferiores presos por fios. Ainda foi assistido pelo Médico tendo pedido aos camaradas que lhe dessem um tiro na cabeça. O Soldado Costa teve morte imediata.

No topo da Mesa, na Ida para a Guiné, Fur Mil Vítor José Correia Pestana Morto a 12 de Outubro de 1967

Esta Licença foi diferente, não existia o estado de espírito e a presença da morte, muito embora faltasse bastante tempo para o final da Comissão… Em termos Operacionais o Ano de 1968 foi rigorosamente mais farto em Operações. O PAIGC melhor armado, mas estava positivamente mais preparado.

Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Setembro de 2015 > Guiné 63/73 - P15178: O nosso querido mês de férias (11): vim duas vezes... e na segunda casei-me (Hélder Sousa); vim duas vezes... e na segunda já não regressei (António Murta)

Guiné 63/74 - P15182: Inqérito online: Num total de 198 respostas, só 1 em cada 5 não teve férias... Um terço veio uma vez de férias, a meio da comissão... Outros mais sortudos e felizardos (40%) vieram mais do que uma vez, de férias, à metrópole

A. INQUÉRITO ONLINE: "DURANTE A COMISSÃO, NUNCA VIM DE FÉRIAS À METRÓPOLE"

Resultados finais (n=198)

1. Vim uma vez  > 64 (32,3%)

2. Vim duas vezes  > 76 (38,4%)

3. Vim três vezes  > 7 (3,5%)

4. Fiz férias em Bissau  > 7 (3,5%)

5. Fiz férias nos Bijagós  > 1 (0,5%)

6. Fiz férias no interior  > 1 (0,5%)

7. Nunca tive férias  > 42 (21,2%)

Votos apurados: 198

Sondagem fechada, 28/9/2015, 14h05

B. Comentário do editor L.G.:

[, Luís Graça, foto à esquerda, ex-fur mil AP inf, CCAÇ 12, Bambadinca, c. finais de 1969/princípios de 1970; veio de férias uma vez, a meio da comissão, em meados de 1970]


Quase 200 respostas é uma boa marca, tendo em conta que os camaradas da Guiné, pelo menos alguns deles, já nos aturam há quase uma dúzia de anos, e até há quem pense que está tudo dito sobre a nossa guerra da Guiné.  Enfim, há quem não entenda esta teimosia, esta persistência, esta "militância" em manter o blogue...

Mais: há quem pense que estamos a aqui discutir o "sexo dos anjos", numa altura em que o mundo, a Europa e a nossa pequena pátria enfrentam tantos e tão graves problemas...  Que futuro nos espera, individual e coletivamente ?... A nós, e aos nossos filhos, netos e bisnetos ?

A verdade que às vezes dá vontade de desitir... Mas também é verdade que ao longo da vida, a nossa geração, já viu, viveu e testemunhou muita coisa...  Por exemplo, já fez uma guerra, o que está longe de ser um "privilégio", já sobreviveu a várias crises ou momentos críticos... Falo em termos individuais e coletivos...Em boa verdade, somos uma geração "resiliente", se calhar até demasiado "ressiliente", resistente e flexível ao memso tempo, a geração do "ai! aguenta, aguenta!"...

A "resiliência" é uma palavrão da física, que usamos para designar a elasticidade ou a propriedade que têm certos corpos de retomar a forma original, depois de submetidos a uma grande pressão ou deformação... Em sentido figurado, é a capacidade de uma pessoa recobrar ou recuperar com relativamente facilidade, ou de saber lidar com as circunstâncias adversas, a má sorte, a desgraça, o infortúnio, enfim, os "acontecimentos de vida" stressantes (como a morte,o luto, a doença, o desemprego, a mobilização)...

Mas vamos aos resultados do "inquérito de opinião", termo que é mais apropriado do que "sondagem"... Como já temos ocasião de o dizer e repetir, a "sondagem" é uma técnica de pesquisa que permite a previsão, dentro de certos pressupostos metodológicos que não vamos agora analisar e discutir ...

Pois o nosso "inquérito de opinião" sobre as férias na metrópole, apontam para resultados que, de certo modo, me surpreenderam, a mim,, pessoalmente:

(i) a baixa proporção dos que nem sequer tiveram férias (1 em cada 5);

(ii) a relativamente alta proporção dos que vieram à metrópole duas vezes (38,4%) e até três vezes (3,5%)...

(iii) eu que vim uma vez (tal como um 1/3 dos respondentes) já me considerava um sortudo e um felizardo por ter vindo a casa, a meio da comissão, mesmo não tendo felizes recordações por ali além dessas já longínquas férias... (Em boa verdade, fiz tudo para esquecê-las!).

Mais uma vez obrigado pela vossa sincera e empenhada participação neste pequeno trabalho de pesquisa "on line" que não pode nem ser deve ser tomado como uma verdadeira "sondagem" no sentido técnico do termo. LG

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Nota do editor:

Vd, poste anterior:

26 de setembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15161: Sondagem: "Durante a comissão, nunca vim de férias à metrópole"... Votação (direta, "on line", no canto superior esquerdo) termina 2ª feira, 28, às 14h05


Guiné 63/74 - P15181: Convívios (713): O XII Encontro do pessoal da CCAÇ 4540 realizou-se no passado dia 19 de Setembro em Sangalhos (Vasco Ferreira)


Os militares da CCAÇ 4540 que se reuniram no passado dia 19 de Setembro em Sangalhos


1. Mensagem do nosso camarada Vasco Ferreira (ex-Alf Mil da CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra) 1972/74), com data de 23 de Setembro de 2015:

Amigo Carlos Vinhal
Junto em anexo foto dos ex-militares da CCAÇ 4540 do convívio indicado em epígrafe.

Meto uma cunha, solicitando a publicação deste foto no blogue da Tabanca Grande, caso seja possível.

Cumprimentos.
Vasco Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15180: Convívios (712): Almoço comemorativo do 50.º aniversário do regresso da CART 566 à Metrópole, a realizar no próximo dia 17 de Outubro de 2015, em Vila Nova de Gaia (José Augusto Miranda Ribeiro)

Guiné 63/74 - P15180: Convívios (712): Almoço comemorativo do 50.º aniversário do regresso da CART 566 à Metrópole, a realizar no próximo dia 17 de Outubro de 2015, em Vila Nova de Gaia (José Augusto Miranda Ribeiro)

1. Mensagem de José Augusto Miranda Ribeiro (ex-fur mil da CART 566, Ilha do Sal - Cabo Verde, Outubro de 1963 a Julho de 1964, e (Olossato - Guiné, Julho de 1964 a Outubro de 1965), com data de 23 de Setembro de 2015, anunciando o próximo encontro do pessoal da sua Unidade, coincidente com a comemoração dos 50 anos do regresso à Metrópole:



Em 17 de Outubro de 2015, (sábado) vai realizar-se o 21.º Convívio da CART 566 para comemorar o 50.º Aniversário do regresso da Guiné. 


Ex-combatente e amigo, comparece e, se possível, acompanhado de familiares e amigos, para convivermos com os sobreviventes da CArt 566, e homenagearmos os camaradas que já nos deixaram e continuarmos a merecer o esforço e o espírito dinamizador destes encontros. 

O encontro é no Regimento de Artilharia 5 (Ex-RAP 2 na Serra do Pilar). 

PROGRAMA

10h00 - Concentração 
11h30 - Missa na capela da Unidade 
12h15 - Cerimónia aos mortos da Companhia 
13h00 - Início do almoço-convívio no Restaurante Boucinha - EN 222 (Av. Vasco da Gama, 4430 Vila Nova de Gaia. 

PREÇO DO ALMOÇO: 
adultos 27,50 €, 50% para crianças dos 4 aos 8 anos e grátis para crianças até aos 3 anos. 

As inscrições devem ser feitas até 13 de Outubro de 2015, pelo telefone fixo 225 507 038 (dias úteis das 18h00 às 24h00), e pelo telemóvel 917 783 820 (a qualquer dia e hora).

Saudações e um abraço para todos os camaradas. 
José Augusto Miranda Ribeiro
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15175: Convívios (711): Divagações e recordações de um dia de verão em Paços de Sousa (Francisco Baptista)

Guiné 63/74 - P15179: Os nossos seres, saberes e lazeres (117): Un viaggio nel sud Italia (8): Roma, addio

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
Foi um pouco como visitar Roma pelo canudo, e naquela dia, e com aquele estado de alma, até me apetecia mandar a viagem de regresso às malvas, tinha ali programa para quatro ou cinco dias, com muitas ruínas, várias basílicas, os esplendorosos museus do Vaticano, o passear-me pelas ruas, ir ao Panteão, às praças, tudo vagarosamente, e como dia bem passado no Museu Nacional de Arqueologia. As coisas são o que são, fica para a próxima, é uma blasfémia dizer adeus a Roma, ao Tibre, aos prodígios que saíram das mãos de Miguel Ângelo.

Um abraço do
Mário


Un viaggio nel sud Italia (8)

Beja Santos

Roma, addio



Há qualquer coisa nesta arquitetura magnificente que me faz querer que Roma aceitou apresentar-se sem complexos como uma arquitetura palaciana, um gigantesco teatro onde pudessem caber todos os vestígios imperiais, sem chocar a vista, isto a partir do momento em que se criou a Itália, depois do processo de unificação que teve Garibaldi como motriz. É tudo grandioso, a primeira imagem tirada de manhã cedo, saí da Via Palestro, onde me alberguei, dirigi-me à Piazza dei Cinquecento, bem perto de onde ao princípio da tarde apanharei um autocarro para um dos aeroportos de Roma, atraiu-me aquele ar maciço, aquela distinção oficial de grandiosidade, ainda com símbolos da era de Mussolini. A segunda imagem fascinou-me pela mesma dimensão de grandiosidade, um palácio destinado a burgueses abonados, é um edifício que podia caber numa encenação de ópera, aliás, dentro de minutos, vou passar pela ópera de Roma, isto é um pouco viajar à bolina, como se tivesse pegado num guia prático da cidade e escolhido meia-dúzia de itinerários na proximidade, é um retrato à la minuta, e não estou interessado em esfalfar-me, já reprimi a vontade de ir até ao Vaticano, vou ver uma coisinhas para uma despedida cordial.


Por incrível que pareça, o que me traz hoje aqui é agradecer uma gravação da ópera Aida, de Verdi, que me fez tanta companhia em Missirá, era a orquestra e o coro desta ópera, o maestro era um jovem a iniciar uma carreira triunfal, Zubin Mehta, acompanhou várias vezes os concertos dos três tenores. Esta a ouvir esta ópera quando caiu uma granada em cheio no teto do abrigo, ao levantar-me a mão atirou o braço do gira-discos de tal maneira que a agulha riscou toda aquela face. Nunca mais me esqueci. Este teatro não tem a projeção do Scala de Milão nem a popularidade da Arena de Verona nem a imagem de marca do La Fenice, de Veneza, mas é uma casa onde se podem ouvir vozes sublimes, uma orquestra e um coro de primeiríssima plana. E sigo caminho.


Prantei-me aqui em frente numa romagem de saudade, aí pelos anos 1990 vim aqui para um encontro ligado à edução do consumidor no Mediterrânio, à cautela andei à procura de um hotel baratucho, sei que se chamava Eureka e para tomar duche introduzia uma ficha, tinha água para cinco minutos. Era uma destas arcadas. Seguia pela avenida até ao fundo e estava no Altar da Pátria. Esta é a Piazza della Repubblica, também conhecida por Piazza Esedra, outrora estavam aqui as Termas de Diocleciano. Gosto destes palácios com pórticos harmoniosos e a fonte das Náiadas. Sigo caminho, não há tempo para grandes contemplações.



Já passei ao lado de Santa Maria dos Anjos e do Museu Nacional Romano, não me importaria de passar aqui uns dias, é um dos museus mais ricos do mundo em monumentos de arte grega, romana e cristã, paciência, hoje quero dar uma vista de olhos por uma basílica que nunca visitei, Santa Maria Maior, é enorme, tem uma fachada rica e um belíssimo campanário, o interior é deslumbrante, aqui tudo se mistura, tem na sua génese uma basílica paleocristã, daí as colunas atenienses, os mosaicos bizantinos, houve aditamentos de toda a ordem e o teto em caixotão é esplendoroso, tentei sete ou oito imagens, só esta é que satisfez.



À saída da basílica é me feita a proposta de um passeio de autocarro, duas horas, ida e volta, até ao centro histórico de Roma, guia em quatro línguas, qualquer coisa como 12 euros. É pegar ou largar, no regresso é ir pegar a bagagem no albergue e pespegar-me na paragem de autocarro e ir para o aeroporto. E lá vamos pelo trânsito caótico de Roma, passámos pelo Coliseu, andámos à volta dos Foros Imperiais, aqui estala a confusão, o guia fala a uma tal velocidade que eu já não sei se estou a ver o Fórum Trajano ou o Fórum de César ou o de Augusto, despachou-me as frases sobre o Coliseu inaugurado por Tito no ano 80, estava inteiramente recoberto de mármore e tinha lugares para 50 mil espectadores, o autocarro dá mais uma volta e estamos junto do Arco de Constantino. 15 minutos de paragem, não mais, se não os senhores passageiros esperam pelo próximo autocarro.



Naquele extremo do fórum romano, selecionei o Arco de Tito, edificado em honra das vitórias de Vespasiano e de Tito depois de terem submetido a Judeia, confesso que acho este monumento de proporções admiráveis. E vou a correr até um dos ícones, a Coluna de Trajano, é um trabalho admirável, pasma como os estragos do tempo não fizeram desaparecer toda esta beleza escultórica. Está na hora de eu regressar, veja ao fundo a Via del Corso, aqui em vésperas de Natal de 1985 comprei roupas para as minhas filhas, vindo de cinco meses em S. Paulo, a trabalhar para a FAO. Pudesse eu e punha-me ao caminho, ia lentamente a mirar tudo, é uma artéria fabulosa em palácios, igrejas, colunas, há a Fonte de Trevi, e depois regressava à Praça de Espanha, paciência, fica para a próxima, Roma é inesgotável, digo adeus mas sinto que posso vir amanhã, ou depois, este lugar toca-me profundamente, é bom passear a pé, ter tempo para amar Roma e apreciar os seus museus. É verdade que a viagem não acaba, deixo a Itália em suspenso. Vamos ver o que me reserva uma curta estadia em Antuérpia e um fim de semana em Bruxelas, a minha cidade cúmplice. Até breve.
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Nota do editor

Postes da série de:

12 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14995: Os nossos seres, saberes e lazeres (110): Un viaggio nel sud Italia (1): De Roma para Salerno (Mário Beja Santos)

19 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15019: Os nossos seres, saberes e lazeres (111): Un viaggio nel sud Italia (2): De Roma para Salerno (Mário Beja Santos)

26 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15040: Os nossos seres, saberes e lazeres (112): Un viaggio nel sud Italia (3): Ver Nápoles por um canudo (Mário Beja Santos)

1 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15063: Os nossos seres, saberes e lazeres (113): Un viaggio nel sud Italia (4): Ver Nápoles por um canudo (Mário Beja Santos)

9 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15093: Os nossos seres, saberes e lazeres (114): Un viaggio nel sud Italia (5): Em Tivoli, passeio alucinatório em Villa d’Este (Mário Beja Santos)

16 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15117: Os nossos seres, saberes e lazeres (115): Un viaggio nel sud Italia (6): Em Tivoli, Villa Adriana e Villa Gregoriana (Mário Beja Santos)
e
23 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15146: Os nossos seres, saberes e lazeres (116): Un viaggio nel sud Italia (7): Em terra de S. Francisco, Assis é inexcedível

Guiné 63/73 - P15178: O nosso querido mês de férias (11): vim duas vezes... e na segunda casei-me (Hélder Sousa); vim duas vezes... e na segunda já não regressei (António Murta)

Mais dois depoimentos sobre o tema "férias na metrópole" (*)

(i) Hélder Valério [ex-fur mil trms TSF, PicheBissau, 1970/72]

Caros camaradas

Em relação ao inquérito sobre as férias na metrópole (*), tenho a dizer que fiz a minha votação, e que vim duas vezes, a casa, a primeira em julho/agosto de 71 e a outra em março/abril de 72 durante a qual ocorreu o meu casamento.

Eram voos TAP directos Bissau-Lisboa e via Sal na volta. Não me recordo do valor correto mas tenho comigo, em mau estado, documentos da Agência de Viagens Costa em que é referido um valor de 2.190$20 relativo ao "fornecimento de passagens" entre BXO/LIS/BXO para os quais estou a entregar 1.000$00, ficando um saldo de 1.190$20.

No entanto, num outro documento é referido que "entreguei para crédito da conta “ o valor de 4.000$00”. Deste modo, como não tenho mais informação e não me lembro, não chego a nenhuma conclusão sobre o real valor das passagens. [Talvez 6190$20, acrescenta o editor]. (**)

Abraço.
Hélder Sousa


(ii) António Murta [ex-alf mil inf Minas e Armadilhas, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)]

Amigos e camaradas.

Fui dos que puderam vir duas vezes de férias. A primeira em novembro de 1973 após 9 meses de comissão e, a segunda, em agosto de 1974 (sem regresso),  numa altura em que estava nos limites da minha resistência.

Arrependi-me das duas vezes: na 1ª, embora me tivesse sabido bem rever os meus, não tinha contado com o engulho de um regresso sabendo ao que ia. Porque na ida inicial havia expetativa e curiosidade por África que, para mim, era uma paixão (e foi) mas nesse regresso sabia que ia para o inferno.

Ao aproximarmo-nos de Cabo Verde e ao sentir o começo dum suorzinho no corpo, que eu sabia ser para uma eternidade, apoderou-se de mim uma agonia como se o destino fosse o calvário ou o tal inferno. Quando se abriu a porta do avião (da TAP) em Bissau e eu ali mesmo em frente, senti um bafo quente e húmido tão violento no corpo e na alma como se tivesse sido atingido por uma luva de boxe. Não chorei por vergonha.

Da 2ª vez vim por já não aguentar o impasse no nosso destino e no da Guiné. Como já tinha a viagem paga há muito, pensei que vinha desopilar e depois voltava para juntar os tarecos e fazer as malas. Não voltei mais. Também ignoro, ainda hoje, se o meu Batalhão já regressou.

Já agora deixo um alerta ao camarada J. Cabral [que diz que veio duas vezes mas que lhe falta pagar metade da segunda viagem]. Por favor,  não pagues o resto da viagem porque eu já ta paguei e só agora é que me lembrei! É que, como não regressei e a TAP se recusou a restituir-me a metade da viagem, eu disse-lhes que não fazia mal porque ficava para saldar a conta do meu amigo J. Cabral.

E se a dívida era a uma agência de viagens? Não interessa porque eu, furioso, rasguei o bilhete e atirei-o para cima do balcão na sede da TAP... (**)

Um grande abraço a todos.
A. Murta

(**) Último poste da série > 29 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15173: O nosso querido mês de férias (10): Eu fui um dos que nunca teve férias...Razão: por ser o "eterno comandante interino"... No máximo, passei oito dias em Bissau a tratar de assuntos oficiais... e a descansar não ficar de todo "apanhado do clima"! (Manuel Vaz, ex-alf mil, CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67)

Guiné 63/74 - P15177: Fotos à procura de... uma legenda (62): O sol, diz o povo, nasce para todos, mas a lua só para quem merece... Ou ainda, noutra variante do nosso imaginário, quanto mais luz ao luar, mais lhe hão-de os lobisomens uivar...







Fotos (e legendas): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados. 


1. Da janela do meu quarto, na madrugad do dia 28 de setembro, por volta das 4h20,  o firmamento celeste  apresentava o tão esperado acontecimento astronómico do ano,  a ocorrência de Super Lua em simultâneo com um Eclipse Total da Lua... 

Peguei na máquina e obtive estas imagens que quero partilhar com os nossos leitores... Já estava a meio o eclipse, eu devia ter-me levantado mais cedo... Não acordei, acordaram-me...

Dizem que os lobisomens é que uivam à lua cheia, mas também em luas negras, e provavelmente em noites de  eclipse... Quando eu era puto, acreditava em lobisomens... Se acreditava!... E até me diziam que tinha um tio-avô que era lobisomem...  Metiam-nos medo, aos putos, os safados dos graúdos, com essas histórias de lobisomens, bruxas, almas penadas e espíritos maus que cochichavam por detrás das paredes, portas e armários...  Havia amuletos, gestos, rezas e mezinhas para nos defendermos do mau olhado e dos encontros funestos com essa seres do mundo das trevas...

2. Alguns provérbios populares  sobre a lua, recolhidos da Net [, e onde estranhamente o lobisomem está ausente]:

A lua alumia mas não aquece.
A lua e o amor, quando não crescem, diminuem.
A lua é mentirosa: quando diz que desce, cresce; quando diz que cresce, desce.
A lua não fica cheia em um só dia.
Arco na lua, chuva na rua.

Círculo na lua, chuva na rua.
Lua, a de janeiro, e amor, o primeiro.
Lua à tardinha com seu anel, dá chuva à noite ou vento a granel. 
Lua cercada, terra molhada.
Lua cheia, a tudo clareia.
Lua cheia, não cortes pau nem veia.
Lua de outubro sete luas cobre, e se chove, nove.
Lua deitada, marinheiro em pé.
Lua manchada, bonança assegurada.
Lua nova, muita rama e pouca abóbora.
Lua nova setembrina, sete meses determina.
Lua nova trovejada, trinta dias é molhada.
Luar de janeiro não tem parceiro; mas lá vem o de agosto que lhe dá no rosto.

Não há Entrudo sem lua nova, nem Páscoa sem lua cheia.

O amor é como a lua, quando não cresce mingua.
O sol nasce para todos, a lua para quem merece.

Pelas luas se tiram as marés.
Quando a lua minguar, não deves começar.
Quando a lua minguar, não deves regar.
Quando a lua minguar, nada hás-de semear.
Quanto mais luz ao luar, mais lhe hão-de os cães ladrar.

Riqueza e fortuna, mudam com a lua.


3. De acordo com as lendas e crenças populares, um homem foi mordido por um lobo em noite de lua cheia. A partir daí, passou  a transformar-se em lobisomem em todas as noites  de lua cheia. Feio, forte e peludo, aparecia a assustar as pessoas em sítios ermos como colinas, encruzilhadas e cemitérios. Se  o lobisomem mordesse outra pessoa, a vítima transformava-se também em lobisomem...  

A lenda terá origem na mitologia grega... E do continente europeu, e por via da colonização, espalhar-se-ia por quase todo o mundo, ou pelo menos pelo novo mundo (Brasil, etc.).  Portugal sempre foi  fértil em lendas ligadas ao fantástico: mouras encantadas, fadas, bruxas, lobisomens... E de algumas terras, "terras do demo", e nomeadamente das Beiras e de Trás-os-Montes,  se dizia que as mulheres lá... eram homens e os homens lobisomens...

Coisas do nosso imaginário (popular...) , e que hoje só parecem fazer as delícias dos antropólogos ou etnólogos...  Se calhar o imaginário dos nossos filhos e netos, muito mais ligado à fição científica,  é capaz de ser muito mais pobre do que no nosso tempo de meninos e moços...

Estivemos entretanto na Guiné, onde havia os irãs e os espíritos que habitavam as florestas, mas não temos falado muito disso... Fizemos muitas operações e emboscadas à noite, mas nunca demos grande atenção à lua, à lua cheia, ao luar, e menos ainda aos eclipes da lua... Nessa época, eu não fazia poesia, ou tinha deixado de o fazer... Escrevia, mas não eram poemas  à lua... ´

Mas já que falamos da guerra, é bom recordar outro provérbio que diz que "os lobos não se comem" (ou "lobo não come lobo",  não pratica o canibalismo nem se dedica a lutas fratricidas(... Já o homem é o predador de si próprio. "O homem é o lobo do homem" (em latim, "homo homini lupus")... Coitado do lobo, feito medida do homem! ... LG
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Nota do editor:

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15176: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (14): Uma "visita de solidariedade" à Escola Piloto do PAIGC, em Conacri, dos "amigos suecos" Göran Palm e Beril Malmström, em novembro de 1969... Aparentemente não há qualquer relação com o episódio de Sangonhá, em 6/1/1969


Guiné > Região de Tombali > Sangonhá [, ou Sanconha], a sul de Gadamael-Porto > s/d > Vista aérea do destacamento e da sua pista de aviação, na altura em que estava a chegar uma coluna militar [lado esquerdo]. Foto provavelmente tirada de uma aeronave DO 27, c. 1967/68.

Este destacamento, tal como o de Cacoca,  deverá ter sido abandonado pelas NT em meados  de 1968, na sequência de uma decisão do então brigadeiro Spínola, de maio/junho de 1968,  segundo o nosso grã-tabanqueiro António José Pereira da Costa.  Tratou-se de uma "retirada", ou de "retração do nosso dispostivo no terreno", por razões de optimização de defesa... Tal como aconteceu noutros pontos do território (de Mejo a Beli, de Ganturé à Ponta do Inglês)... o Pereira da Costa, na altura alf art QP da CART 1692 / BART 1914 (Cacine, Cameconde, Sangonhá e Cacoca, 1967/69) diz que Sangonhá era sede de companhia e Cacoca destacamento:

(...)  "Em 1968, Cacoca era um daqueles lugares onde parecia não haver guerra. Dependente da Companhia sediada em Sangonhá, era um destacamento de nível Gr Comb, resumindo-se a uma pequena tabanca com pouco mais de duzentos habitantes." (...)

O Mário Gaspar confirma que foi no início de julho de 1969. tendo a população sido levada para Gadamael. [O Mário Gaspar foi fur mil art  MA, CART 1659, Zorba, Gadamael e Ganturé, 1967/68, tendo terminado a sua comissão em outubro de 1968; conheceu bem Sangonhá].

Os acontecimentos referidos no poste P2574,  pelo nosso grã-tabanqueiro José Barros Rocha [, ex-al mil  da CART 2410, Os Dráculas (Gadamael, Junho de 1969 a Março de 1970)], ocorreram em 6 de janeiro de 1969, portanto meio ano depois do "abandono" de Sangonhá pelas NT.

Foto: Autor desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual. Gentileza de: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados (Edição e legendagem: L.G.).


1.  No "Arquivo Amílcar Cabral", alojado no portal "Casa Comum",  há um documento, em português, datilografado, de 16 pp., datado de novembro de 1969, com uma intervenção, não assinada, mas que se presume seja do Amílcar Cabral ("Uma visita de solidariedade"), "por ocasião da visita da delegação da Suécia, constituída por Göran Palm e Bertil Malmstroem (sic), à Escola Piloto do PAIGC" em Conacri"...

Há também um resumo da intervenção,  oral,  dos suecos, não sabendo nós quem foi o intérprete: o Göran Palm (conhecido escritor e ativista político de esquerda, nascido em  Uppsala em 1931, Prémio Selma Lagerlöf em 1998) e o Bertil Malmstöm (jovem professor, ativista do Comité da África do Sul, de Uppsala) falam do que "viram" e "sentiram" na sua visita às "regiões libertadas"... Dizem que estiveram no sul e no leste... 

Em referência ao sul, fala-se de uma tabanca T... que não é identificada pelo autor do documento (que só pode ser o próprio Amílcar Cabral, pela qualidade e estilo da escrita)... Presume-se que ele, Amílcar Cabral,  não tenha querido identificar a tabanca por razões de segurança, já que o documento, com o logo do PAIGC, deveria ter um destino externo... 


Capa do relatório, de 16 pp., datilografadas,  com 
a "intervenção   proferida por ocasião  da visita 
da delegação da Suécia,   constituída por Göran 
Palm e Bertil Malmstroem [sic],  à Escola Piloto 
do PAIGC". 

O Amílcar Cabral é subtil (e sedutor...) quando fala da Suécia, dos amigos suecos, da história recente da Suécia e das contradições da sociedade sueca, que estava longe de ser, em 1969,  uma utópica sociedade sem classes... 

O Amílcar Cabral  trata estes dois suecos como velhos amigos ou conhecidos... O que eu não sei é a que título estavam lá eles, em novembro de 1969, em Conacri? Se era "uma delegação da Suécia",  estavam em representação de quem? Do governo sueco? Do partido social-democrata? De alguma associação de amizade?  A título pessoal? (***)

Nessa altura, e desde 14 de outubro de 1969, o Olof Palm (1927-1986) já era primeiro-ministro.

Outra questão: será que a "delegação sueca" terá feito algum documentário (em 8mm, por exemplo)? Por que razão Luís Cabral lhes chama "cineastas"? (*)

Repare-se na data do documento: novembro de 1969... A história de Sangonhá é de 6 de janeiro de 1969. Estes dois suecos estiveram 3 semanas entre o PAIGC, em outubro e novembro de 1969. Göran Palm dirá depois que foi recebido "principescamente" pelo PAIGC, entusiasmado com a perspetiva de vir a receber ajuda (com substancial expressão monetária...) por parte de um país da Europa ocidental, com o prestígio e o peso da Suécia. Para Amílcar Cabral, era muito importante diversificar os seus apoios internacionais, não ficando apenas dependente da Rússia, China, Cuba e outros países comunistas. Nessa altura, Göran Palm fez um relatório sobre as "necessidades humanitárias" do PAIGC. Não há referência a qualquer filme deste escritor e ativista, no livro de Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa)(**).

Os nossos leitores podem consultar e ler o supracitado documento do PAIGC, página a página,  aqui, no portal Casa Comum:

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04602.051
Título: Uma visita de solidariedade
Assunto: Intervenção proferida por ocasião da visita da delegação da Suécia, constituída por Göran Palm e Bertil Malmstroem, à Escola Piloto do PAIGC.
Data: Novembro de 1969
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral - Iva Cabral
Tipo Documental: Documentos



2. Há também, no Arquivo Amílcar Cabral, uma foto de grupo, a preto e branco, disponível aqui [em formato normal]

Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 05247.000.101
Título: Lilica Boal, Aristides Pereira, Domingos Brito e Hugo dos Reis Borges com uma delegação estrangeira
Assunto: Maria da Luz Boal (Lilica Boal), Aristides Pereira, Domingos Brito, Hugo dos Reis Borges com uma delegação estrangeira, em Conakry [visita da delegação da Suécia, constituída por Göran Palm e Bertil Malmstroem, à Escola Piloto do PAIGC].
Data: c. 1969
Observações: Cfr. Amílcar Cabral, documento 04602.051.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Fotografias


Legenda de LG:

da esquerda para a direita, na foto acima, temos: Göran Palm, Maria da Luz Boal (Lilica Boal),  Bertil Malmström, Aristides Pereira, Domingos Brito, Hugo dos Reis Borges.
Ao fundo, vê-se parte de um automóvel ligeiro de passageiros, um Volkswagen, provavelmente o célebre "carocha" do Amílcar Cabral.

Recorde-se que a Lilica Boal (Maria da Luz Boal) era a mulher do dr. Manuel Boal - outro natural de Angola, que saiu em 1961 para se juntar aos movimentos nacionalistas, A Lilica Boal nasceu em Tarrafal, Santiago, Cabo Verde.
Era ela, a Lilica Boal, quem dirigia a Escola Piloto do PAIGC em Conacri, sendo também ela a responsável pelos conteúdos nos manuais escolares (, publicados na Suécia). (**)

___________________


(...) No seu livro “Crónica da Libertação”, Luís Cabral menciona o "Afrika Group" como aglutinador da solidariedade da sociedade civil sueca ao PAIGC, talvez referência sintética ao “Grupo de África” de Upsala e ao “Grupo de África” de Lund, que se distinguiram na sua ajuda e a enviar os seus mentores e intelectuais de visita às “áreas libertadas” … na República da Guiné-Conacri. E aquele corifeu escreve, na pag. 335: “Os cineastas Goran Palm e Bertil Malmstron apresentaram na Suécia o primeiro documentário cinematográfico sobre a nossa luta, como resultado de uma visita ao interior da Guiné”.

Esse documentário terá a ver com a peripécia de Sangonhá?


Dado que os cineastas eram o maior bem a preservar nessa temeridade que teve Sagonhá como "palco", o experiente e felino Nino Vieira (?) terá providenciado imediatamente a sua segurança. A primeira ameaça dos FIAT precedera mais de uma hora o lançamento das “bilhas” pela malta de Bissalanca.

Alguém já visionou esse documentário? Terá registado o aludido aparato bélico do PAIGC e os “destroços” da sua “conquista” de Sangonhá? (...) 

(**)  Sobre o papel e o estatuto do escritor Göran Palm,  no desenvolvimento das relações externas da Suécia com o PAIGC,  vd. (em especial pp. 74-76, 146, 163-164) SELLTRÖM, Tor - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008. [Em português; tradução: Júlios Monteiros; revisão; António Lourenço e Dulce Aberg], 290 pp. [Disponível aqui, em formato pdf:  http://nai.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

Guiné 63/74 - P15175: Convívios (711): Divagações e recordações de um dia de verão em Paços de Sousa (Francisco Baptista)

1. Em mensagem de 20 de Setembro de 2015, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviou-nos um texto que intitulou Divagações e recordações de um dia de verão em Paços de Sousa.


Divagações e recordações de um dia de verão em Paços de Sousa


Sobra-me o tempo, faltam-me as palavras, na minha cabeça semi-adormecida haverá prazeres e desgostos sem comédias, farsas ou dramas, e há esta música que me embala e me transporta num vaivém que com suavidade, leveza e beleza me cobre o corpo e o espírito como um lençol de linho macio.
Continuarei a viver como quem cumpre um calendário com dias bons e dias maus, os antigos romanos, com mais sabedoria do que eu, tinham os dias fastos e os dias nefastos que eu somente sei distinguir depois de os viver. A alegria de viver está no contraste dos dias e no realce que os melhores momentos vividos atingem. A felicidade contínua não existe na terra e eu confesso que tenho dificuldade em imaginá-la para além da morte. A nostalgia do nada, a melancolia sem razão, o olhar perdido no tempo que passa, a forma de viver pelas sensações mais primárias, que recebemos através dos sentidos, o frio, o calor, a música, o cheiro da terra , a chuva.

Foi desta forma que vivi dois anos na Guiné, bastante indiferente à razão, à dor e ao perigo, ao ódio, ao amor. Os nossos cientistas em antropologia dizem que o nosso antepassado, o homo sapiens nasceu em África. Na África voltei a ser um animal mais bípede do que sábio, e a viver segundo essas emoções primordiais.
Tudo me convidava a viver dessa forma, desde as razões e sem-razões, que se combatiam em mim, por lá ter ido parar, ao paraíso bíblico, dessa terra de bolanhas, florestas, rios e mares, que tinha o cheiro forte e quente do início do mundo quando os nossos antepassados, por serem negros ou não terem pecados, andavam nus, sem frio ou calor, sem vergonha ou pudor.

A acrescentar a tudo isso, a água não era recomendável, podia causar cólera, diarreias e outras doenças, mas arranjava-se cerveja e whisky por bom preço. Um camarada que esteve na Guiné, no meu tempo e não muito longe de mim, contou-me este ano, que o capitão da companhia dele mandava retirar umas pequenas barras de chocolate das rações de combate e as punha à venda no bar dos soldados. Conheci-o lá, sem saber dessa vigarice, por outras razões nunca gostei dele, sei que ainda hoje consegue congregar uma grande parte da companhia em almoços anuais.
Será que se arrependeu e agora anda a devolver os chocolates roubados? Será que os portugueses gostam de ladrões bem-falantes?

Sobre os capitães que comandaram as duas companhias onde estive, não me pronuncio, um já morreu há muitos anos e o outro penso que era um homem honesto. Ainda hoje tenho raiva a esses ladrões, sobretudo graduados de várias patentes, que roubaram tanto alimento essencial às dietas dos soldados. A somar aos trabalhos, sacrifícios e perigos que diariamente sofriam, ainda tinham que ser roubados por quem os devia proteger, do pão necessário e essencial à vida.

Com comandantes destes, qualquer guerra estaria perdida pois um soldado mal alimentado é um soldado desmotivado. Penso que depois do 25 de Abril de 1974, com o fim da guerra, muitos desses heróis, com o registo criminal limpo e com uma folha de serviços gloriosa, arranjaram bons lugares no aparelho do estado e nas autarquias para continuarem a fazer o que bem sabiam, roubar e enganar o povo.

Para que ninguém diga que eu entre queixumes, lamurias e acusações só uso o blogue para lavar a alma do lixo que vai acumulando entre rugas pronunciadas que já não consegue disfarçar, vou enviar algumas fotos dum dia alegre e memorável de sol radioso, que passei, já há quase dois meses com alguns camaradas da Guiné e de outras guerras, num ambiente bucólico, debaixo de uma ramada, com boa comida, bom vinho e boa música popular portuguesa, bem cantada e tocada por camaradas e amigos.

O convívio passou-se na casa da mãe do camarada Vitorino, uma senhora idosa mas alegre e jovial. Tenho encontrado bons camaradas e amigos na Tabanca Grande. Na Tabanca de Matosinhos, o tipo de contacto mais físico, já que almoçamos frequentemente juntos proporciona conversas mais privadas e pessoais entre todos e uma amizade mais personalizada. Foi pelo Vitorino e outros camaradas músicos, que encontrei ocasionalmente num convívio em casa de um amigo comum, que tive conhecimento da Tabanca Pequena ONGD e fui convidado a entrar para sócio e frequentar os almoços semanais.

O Vitorino quase não perde um dos almoços da Tabanca. Eu que nem sempre posso ir (tenho outros amigos para almoçar no mesmo dia) gosto sempre de o encontrar lá. Sou muito amigo dele e ele dá-me a honra de ser também meu. Sou um entre os muitos amigos que ele tem, pois é consensual entre todos os que o conhecem, que ele consegue distribuir a sua simpatia natural e a amizade, entre muitos e consegue estar sempre bem disposto mesmo quando a vida lhe corre menos bem. A casa situada em Paços de Sousa, perto de Penafiel, está isolada numa zona de pinhal com vinha e horta contíguas.

Depois do almoço houve uma grande sessão de música popular portuguesa cantada e tocada pelo Vitorino e 9 ou 10 amigos, uns camaradas da Guiné, outros só amigos.
Dentre os amigos que pertencem à Tabanca Grande estava o José Teixeira, o Xico Allen, o João Rebola, o Barbosa, o coronel Coutinho Lima. O José Teixeira que se sabe distinguir tanto na prosa como na poesia, como muitos sabem, que tem por cá muitos amigos e muitos amigos na Guiné. Amizades obtidas e consolidadas nas deslocações que tem feito lá regularmente.
O Xico Allen que mais do que todos tem feito deslocações à Guiné, por terra, por ar e por mar, um camarada popular conhecido em todas as tabancas de Portugal e da Guiné. A haver cônsul da Guiné no Porto devia ser escolhido entre estes dois camaradas pois conhecem bem as realidades e a história recente da Guiné e sabem estabelecer laços de amizade entre os dois países.
O João Rebola, esse alentejano dum raio, que penso que já regressou à Guiné depois do susto que passou em Bissorã quando o inimigo emboscado o deixou passar a correr na motoreta dele.
O coronel Coutinho e Lima, um camarada sempre bem disposto, que eu não conhecia pessoalmente, um comandante famoso, que sem autorização do general Spínola ordenou e comandou a retirada de Guileje, essa praça forte mais flagelada do que todos os quartéis da Guiné, para poupar a vida dos homens sob o seu comando e a da população. Sobre isso escreveu um livro, que eu vi oferecer aos dois irmãos da casa. Disse-nos ainda que estava a escrever outro sobre as outras duas comissões que fez também na Guiné. Comandante ficamos a aguardar e que os ares de Vila Fria te dêem saúde e te inspirem!

Havia outros que só pertencem à Tabanca de Matosinhos, o Jorge Cruz, o Luís, o Ferreira, o Júlio, o Manuel Galvão que fizeram tropa na Guiné em variados lugares e diferentes especialidades. Todos estes camaradas penso que todos ou quase todos, já voltaram em visita à Guiné.
Seriamos cerca de 23 entre diferentes amigos, tendo ainda faltado alguns que não puderam ir.
Dentre os músicos, lembro-me agora de um deles que canta tão bem como toca, o Arménio, que se safou das guerras por ser mais novo do que a maioria presente.

Graças ao Vitorino e à sua família, passámos um dia muito agradável, com boa comida, bom vinho e boa música. Um grande dia só possível porque o Vitorino é um homem que tem um grande coração e gosta de organizar estas festas alargadas em que se celebra a amizade. Na amizade vivem-se as virtudes mais nobres entre os homens; a confiança, o respeito, a honestidade, a lealdade, a tolerância, a solidariedade.

"Dos sentimentos humanos, o menos egoísta o mais puro e desinteressado é a amizade" 
Cícero

P.S.  
- Agradeço ao Vitorino e ao irmão Emílio, bem como às simpáticas cozinheiras (a comida estava óptima) as esposas deles e à esposa do Carlos Teixeira, pelo grande convívio que nos proporcionaram, sem esquecer a animação feita pelos músicos.
- Agradeço ao Chico Allen pelas muitas fotos que me remeteu e pela boleia que me deu e ao João Rebola pelas fotos que me enviou também.

A todos um abraço.
Francisco Baptista

O Xico Allen em acção

Quase pronto a ser servido


João Rebola, Cor Coutinho e Lima, José Teixeira e Francisco Baptista


Vitorino, o nosso anfitrião, dedilhando a viola

Emílio, irmão do nosso camarada Vitorino, durante um pezinho de dança

A Matriarca, senhora D. Eva Salgado, com uns bonitos 88 anos, feitos há dias, mãe de 9 filhos, entre os quais o Vitorino e o Emílio.

Para ouvir "Videira que dá uvas azuis e brancas" na interpretação dos Musikotas, clicar aqui



Centro de operações


Francisco Baptista, António Barbosa e Xico Allen

  António Barbosa ataca o tacho

Francisco Baptista e Coronel Coutinho e Lima

Fotos: © Xico Allen e João Rebola
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15142: Convívios (710): XVII Encontro do pessoal da CCAÇ 4544, levado a efeito no passado dia 13 de Setembro de 2015, em Alcobaça (António Agreira)