terça-feira, 16 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25396: Humor de caserna (58): O anedotário da Spinolândia... O "Fugitivo", por Manel Mesquita ("Os Resistentes de Nhala, 1969/71", s/l, ed. autor, 2005, pp. 130/132)


Capa do livro do Manel Mesquita, 
"Os Resistentes de Nhala", ed. de autor, 2005, s/l, 2055, 144 pp. 
(Gráfica: Quadra - Produções Gráficas Lda, Vila Nova de Gaia.)
(Contactos do autor: tel 22 762 07 36 | telem 963 525 912)


1. Não havia só as anedotas do "Caco Baldé", ou do "Gasparinho"... Havia uma Spinolândia, do Cacheu ao Cacine... Naquela guerra, todos os bons pretextos para um gajo se rir ajudavam a passar o tempo e amenizar as agruras do arame farpado e das operações no mato (*)... 

Há "cromos" que ficam para a eternidade, "grafados" no papel. Outros vão desaparecer dos neurónios da nossa memória.  Já aqui citámos alguns dos "heróis" do livro do Manel Mesquita,   "Os Resistentes de Nhala, 1969/71" (ed. de autor,  s/l, 2005, 144 pp.), como por exemplo o Mário...

O Mário já estava farto de estar na Guiné e um dia encheu-se de coragem e interrompeu o general, em plena parada, em Aldeia Formosa, para expor a sua situação: "Vossa Excelência, meu general, dá-me licença ?" (**)...

O general deu-lhe "licença" e o Mário ganhou um "bilhete" para regressar a casa  no primeiro barco... A história foi contada pelo Manel Mesquita, o autor dos "Resistentes de Nhala",  soldado da CCAÇ 2614 / BCAÇ 2892 (Bissau, Nhala e Aldeia Formosa, 1969/71). 

O nosso crítico literário já lhe dedicou em tempos, ao livro e ao seu autor (que conheceu a caminho de Fátima), duas saborosas e generosoas "notas de leitura" (***)

(...) "Este testemunho deixa-me emudecido, o Manel é um coração pacífico, nunca mais esquecerá Nhala. E o que ele vai registar de tipos humanos, camaradas que encontrou, gente inesquecível, é surpreendente." (...) 

Nessa galeria de figuras humanas, do tempo da Spinolândia, está o "Fugitivo"... Merece figurar aqui num poste, na montra grande do nosso blogue. Não sei se o Spínola o conheceu, mas deveria, por certo, de gostar de o conhecer. Nós gostámos e pedimos licença ao Manel Mesquita para partilhar o seu retrato-robô com os nossos leitores. É um retrato feito a traço grosso, convenhamos. Mas o leitor vai-se rir a bandeiras despregadas, como nós rimos. 

É uma figura bem típica da "literatura  pícara" da nossa guerra. Como é nosso timbre, não fazemos juízos de valor sobre os nossos camaradas... A verdade é que "a tropa mandava desenrascar"... E o "Fugitivo" era um militar desenrascado... À letra, desenrascado é alguém que se sabe "livrar de um perigo, de apuros, de dificuldades."...

Reproduzimos aqui, com a devida vénia, essas duas páginas do livro. É também uma homenagem aos "resistentes de Nhala", os bravos da CCAÇ 2614.


O "Fugitivo"

por Manel Mesquita

O "Fugitivo" era natural e residente no concelho de Sintra. Era fisicamente muito baixo e entroncado, um artista a jogar futebol, preferia o lugar de médio atacante.

Quando fomos para a recruta, rodava na televisão uma série com o nome "O Fugitivo". Ele assentou praça com um braço ao peito por fratura. Como havia outro, o outro levou com a alcunha de "Maneta". E o nosso Manuel Pedro M... levou com a alcunha de "Fugitivo". 

Nunca se importou. Era uma pessoa alegre e com sentido de humor. 

(i) A tomar banho, um dia, deu nas vistas o seu curto pénis, foi motivo de chacota durante toda a comissão, principalmente na presença de mulheres africanas. Ele não desarmava, dizia que era proporcional ao corpo.

(ii) Quando veio de férias, gabou-se e passou a constar-se que andava com uma determinada moça jeitosa e com dote. Tinha barba muito forte, uma manhã foi ao barbeiro, todos os cumprimentaram o recém-chegado e deram-lhe a vez. 

Quando o barbeiro lhe passava a navalha de barba pela parte da frente do pescoço, perguntou-lhe:

− Então você é que é o tal que se gaba que anda a comer a minha filha?!

O Manel Pedro (como é lá conhecido) perdeu o sentido de humor, quase perdia a fala:

− Eu?!..., na, na, eu não!... É mentira. Isso é uma grande mentira..., eu até nem gosto de mulheres!!!...

O barbeiro voltou-se para a sua mesa de trabalho, passando a navalha pelo assentador.

O "Fugitivo" mostrou  por que lhe chamavam tal nome: levanta-se da cadeira, larga as toalhas e, junto da porta, grita para dentro:

− Eu... eu até sou paneleiro!

Fugiu da barbearia com a barba meia feita e meia por fazer e toda por pagar, nunca mais  por ali ele quis passar. 

Mostrou, mais uma vez,  que não foi por acaso  que o batizaram como "Fugitivo". Ficou então a saber a que a tal Maria do Carmo era a filha do barbeiro...

(iii) Quando convidado para um petisco, era sempre o primeiro a aparecer. Era um bom garfo! Para trabalhar e para as saídas (para o mato) era sempre o último. Quando preparávamos a saída, o alferes perguntava se estava o "Fugitivo"; se sim, estava tudo, podíamos sair.

Escapava-se,  sempre que podia,  às faxinas e outros serviços de quartel.

(iv) Um dia segredou a um de nós que a namorada se queixava que nos aerogramas e cartas não lhe mandava palavras doces... Então o "Fugitivo" encheu-lhe uma aerograma de palavras como: marmelada, geleia, mel, açúcar, compostas, etc., isto para o pequeno-almoço;  para o almoço: laranjas, tangerinas, etc.; para  o lanche, marmelada, mel, geleias, etc.; para o jantar:  uvas, figos, maçãs, pêras, etc. 

(v) Um colega estava com uma máquina fotográficas na mão, ele meteu-se  todo dentro de um bidão e... pediu-lhe:

− Tira-me uma fotografia de corpo inteiro para mandar à moça.

(vi) Num dos patrulhamentos, parámos para descansar junto à "Bolanha dos Passarinhos". Tirou a carga para descansar e,  quando levantámos, nunca mais se lembrou que deixara ali no chão o cano suplente da HK 21. 

Quando chegou oa aquartelamento deu pela falta. Preocupado, disse a todos a enrascada  em que estava envolvido, que tinha que ir lá  buscar o cano. 

Como raramente falava a sério, ninguém se acreditou. Era noite, preparou-se e começou a ir sozinho. Foi aí que o pessoal se acreditou, e apareceram voluntários a comunicar e a pedir autorização ao capitão para ir ao local.

O "chefe" comprendeu a aflição do soldado e mandou uma viatura. Soubemos que havia correio em Buba, aproveitámos  e fomos lá buscar o que para nós era importante receber. A viatura avariou, e não havia mecânico. Desenrascámo-nos, mas chegámos ao aquartelamento era quase meia-noite, sem jantar e sem comunicações com ninguém, mas já com o cano que era considerado material de guerra.

(vii) Dizem que um dia mandou dizer à mãe (não sei esta é verdade, ele nega; "lerpar" era um calão que queria dizer, para nós, morrer)... Ter-se-á referido a um colega duma aldeia vizinha, nestes termos:

− Minha mãe, o ... (nome do fulano) lerpou. Vai antes do tempo. Um dia destes ele vai chegar aí, num barco.

Na volta do correio, a mãe respondeu-lhe:

− Meu filho, vê se lerpas também, para vires mais cedo daí! 

(Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG)

Fonte: in Manel Mesquita, "Os Resistentes de Nhala", ed. autor. s/l, 2005, pp. 130/132.
(Gráfica: Quadra - Produções Gráficas Lda, Vila Nova de Gaia.)

 ______________

Notas do editor:

(**) Vd. poste de 26 de março de  2024 > Guiné 61/74 - P25308: O Spínola que eu conheci (36): A história do Mário, da CART 2478, contada pelo Manuel Mesquita, da CCAÇ 2614 ("Os Resistentes de Nhala: 1969/71", ed. autor, 2005)

Guiné 61/74 - P25395: Consultório Militar do José Martins (80): Dia 16 de Março de 1974 - Parte V - O dia


Parte V de "Dia 16 de Março de 1974", um trabalho da autoria do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviado ao Blog em 10 de Abril de 2024. Neste dia ensaiou-se a primeira tentativa de derrube do regime vigente, conhecida por Levantamento ou Golpe das Caldas, por ter sido protagonizada por militares do antigo RI 5 das Caldas da Rainha.


Dia 16 de Março de 1974 - Parte V

Porta de Armas do extinto RI5
Foto com a devida vénia a heportugal

O dia

12:00
● O Quartel-General da Região Militar de Tomar reporta que, a Companhia do Regimento de Cavalaria n.º 4 (Castelo Branco), assim como a saída de 2 ambulâncias do Hospital Militar Regional n.º 3, de Tomar, com Major Médico Aguinaldo, já saíram em direcção a Leiria, devendo ficar a aguardar ordens naquela unidade. [RMT]

● Informa o Batalhão n.º 2 da GNR que um avião militar sobrevoou a coluna da Escola Prática de Cavalaria. O helicóptero estacionado em Monsanto/Lisboa, retirou apenas com a tripulação. [B2g]

12:05
● O Chefe da DGS informou que uma Companhia da GNR seguiu no encalço da coluna do Regimento de Infantaria n.º 5. [RI7a]

● 
O Comando da Região Militar de Tomar reporta que o Coronel Lage, Comandante da Escola Prática de Cavalaria, vai mandar rações de combate, para o pessoal deslocado. [RMT]

12:06
● O Comando-Geral da GNR informa, o Chefe de Gabinete do Ministério do Interior, do decorrer da acção. Na mesma altura solicita a libertação da Companhia da GNR que se encontra em Monsanto/Lisboa. [CGg]

12:07
● Do Quartel-General, da Região Militar de Tomar, telefonam para o Tenente Vitorino, Comandante da PSP de Tomar, pedindo ligação com o Comando da PSP de Caldas da Rainha, para este encontrar o Brigadeiro Pedro Serrano. [RMT]

12:10
● De Mafra, e por intermédio de um "confidente", foi colhida informação de que dois civis, deslocando-se num veículo, estiveram conversar com uma patrulha da EPI, auto transportada num Unimog. Encontraram-se em Barreiralva, e chegaram a atitude discordante, denunciada pelos gestos observados. Seguidamente, os civis procederam a uma comunicação telefónica em código, através de posto público daquela localidade. O Unimog prosseguiu para Torres Vedras, sendo desconhecida a direcção empreendida pelos civis. O Comandante da GNR da Malveira transmitiu, que lhe havia sido comunicada, pelo Posto da GNR de Bucelas, a apresentação de um Tenente-Coronel avisando-o do estacionamento de uma força à saída desta localidade para o lado de Bemposta, que se encontra em missão de reconhecimento. Entretanto, soube-se que tal força era comandada pelo Capitão Sousa Santos e que recebeu ordens para recolher à Escola Prática de Infantaria. O Comandante da GNR de Caldas da Rainha comunicou que, a coluna rebelde saída do Regimento de Infantaria n.º 5 para Lisboa, fora seguida a curta distância pelo inspector da DGS de Peniche até assistir à sua inversão de marcha perto desta cidade, após o que prosseguiu com destina à mesma. [B2g]

12:12
● O Quartel-General, da Região Militar de Tomar, informa comando da PSP de Tomar, que já foi estabelecido contacto entre o Comandante da Região Militar de Tomar e o Brigadeiro Pedro Serrano. [RMT]

12:13
● Comunicação, do Quartel-General da Região Militar de Tomar, para Coronel Lobato Faria, Comandante do Regimento de Cavalaria n.º 4, perguntando qual o número de viaturas da coluna deste Regimento. [RMT] 

● É recebida comunicação do Major Guimarães, informando que o Brigadeiro Pedro Serrano, 2.º Comandante da Região Militar de Tomar, já se encontra nas Caldas da Rainha e que, obedecendo a uma indicação do Comandante da Região Militar de Tomar, transmitida através do Regimento de Infantaria n.º 7, procurava contactar com o Quartel-General da Região Militar de Tomar. Deste facto foi dado conhecimento ao Quartel-General da Região Militar de Tomar. Ao quartel do Regimento de Infantaria n.º 7 chegam duas ambulâncias do Hospital Militar Regional n.º 3 (Tomar), acompanhadas de pessoal de enfermagem e o Major Médico Aguinaldo. O Quartel-General da Região Militar de Tomar avisou-me previamente da vinda desta equipa sanitária. [RI7]

12:17
● O Quartel-General da Região Militar de Tomar solicita, ao Quartel-General da Região Militar de Lisboa, que mande recolher a viatura abandonada, pela coluna do Regimento de Infantaria n.º 5, na auto-estrada. O Tenente-Coronel Sobral, disse que ia tentar tratar do assunto. [RMT]

12:20
● Foi recebida e transmitida ao Chefe do Estado-Maior da GNR, a informação de que chegou o Brigadeiro Pedro Serrano, 2.º Comandante da Região Militar de Tomar, a fim de assumir o comando das operações. Simultaneamente chegam também um Esquadrão da Escola Prática de Cavalaria e a Companhia desta GNR, sob o comando do Capitão Conceição. [PCR] 

● O Brigadeiro Serrano falou com o Comandante da Região Militar de Tomar, informando estar a 2 quilómetros de Caldas da Rainha. Já mandou o dispositivo, para a Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 7, que tinha montado emboscada dos lados da estrada. [RMT]

12:21
● O Batalhão n.º 2 da GNR informa que a Guarda à Assembleia Nacional, recebeu um telefonema, anónimo, comunicando que, elementos do Exército, assaltariam a Assembleia Nacional. Foi mandado reforçar a guarda.

12:25
● Comunicação do Quartel-General da Região Militar de Tomar para Chefe do Estado-Maior do Exército, perguntando de onde vinha a Companhia da GNR. Sugerindo que, se possível, não mostrar a unidade da GNR. [RMT] 

● Consta no relatório do Batalhão n.º 2 da GNR que o Sargento comandante da Guarda à Assembleia Nacional, informou ter recebido telefonema anónimo a comunicar-lhe a ocupação próxima do edifício, pelo Exército. Por tal motivo foi o mesmo reforçado e passou a ser comando por um oficial. [B2g]

12:30
● Recebido telefonema, no Comando da Região Militar de Tomar, do Presidente da Câmara de Caldas da Rainha, informando de que foi possível cortar a luz e a água no quartel, sem implicação no resto da cidade. [RMT] 

● O Comandante da Brigada de Trânsito informa que, está estabelecido o cerco às instalações do Regimento de Infantaria n.º 5, ocupando a Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 7 a zona Norte e a força da Escola Prática de Cavalaria a região a Sul. A GNR patrulha vias de acesso de Norte e Companhia do Batalhão n.º 1 da GNR de Sul. [CGg]
Fotos: © Luís Sacadura / Juvenal Amado: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

12:32
● O Major Vilar Nunes, do Centro de Mensagens da Região Militar de Tomar, informa já se ter ligação, através do emissor/receptor TR 28, com o Brigadeiro Pedro Serrano. [RMT]

12:35
● Em resposta à questão colocada pelo Quartel-General da Região Militar de Tomar, às 12:25, ao Chefe do Estado-Maior, este informa que, a Companhia da GNR, era a que tinha feito a perseguição e que, às 11:50, estava 2 ou 3 quilómetros da cidade. A Companhia vai ser utilizada o mais discretamente possível. Primeiro as nossas tropas, depois a GNR. [RMT]

12:37
● Instrução do Comandante da Região Militar de Tomar, para o Major Vilar Nunes, do Centro de Mensagens, para enviar uma mensagem ao Brigadeiro Pedro Serrano, seguinte texto: "Companhia GNR que perseguiu Companhia está a sul das Caldas. N/ Brigadeiro utiliza-la dando o mínimo nas vistas possivelmente reserva”. [RMT]

12:39
● Informação do Major da Manutenção Militar do Entroncamento, informando que o pão já tinha sido levantado na estação de Caldas da Rainha, pelo Regimento de Infantaria n.º 5. É necessário pedir, para a Manutenção Militar de Lisboa, a suspensão do normal fornecimento. [RMT]

12:40
● O Quartel-General da Região Militar de Tomar reporta que o Coronel Pimentel informou que, pelas 12:00, um Pelotão de Paraquedistas foi para a Base Aérea n.º 3 de Tancos, nos moldes «quando há saltos». [RMT]

12:43
● O Quartel-General da Região Militar de Tomar contacta o Comando do Regimento de Infantaria n.º 7, a informar que, às 12:00, saiu do Regimento de Cavalaria n.º 4 o esquadrão comandado pelo Major Batista, com 1 Capitão, 3 Oficiais subalternos, 13 Sargentos e 120 Praças. São transportados em 6 Jeeps, 5 Unimogs, 3 Ford Canadá, 2 Berliets e 1 ambulância. [RMT]

12:48
● Indicação do Comandante da Região Militar de Tomar, para Tenente-Coronel Brás, da 3.ª Repartição do Estado-Maior do Exército, a dizer para suspenderem o fornecimento de pão, da Manutenção Militar de Lisboa, ao pessoal de Caldas da Rainha. Informa, também que os Páras estão a armar-se. [RMT] 

● O Comando-Geral da GNR informa, Comandante da PSP, do dispositivo do cerco em Caldas da Rainha. [CGg]

12:50
● O Comandante da Região Militar de Tomar é informado, pelo General Nascimento, que chegou um ofício aos CTT de Caldas da Rainha, dizendo para restabelecer, de imediato, as comunicações do Regimento de Infantaria n.º 5, senão seriam tomadas as providências convenientes. Era assinado pelo Capitão Varela. [RMT] 

● Foi recebida e transmitida ao Chefe do Estado-Maior da GNR a informação de que o chefe da estação dos CTT, nesta cidade, tinha comunicado que, por ordem superior, cortara as comunicações telefónicas com o Regimento de Infantaria n.º 5, e que, por este motivo, tinha recebido um oficio daquela Unidade, assinada por um capitão, a intimá-lo a restabelecer as mesmas até às 13:00, porque, de contrário, obrigaria a uma intervenção. Na mesma altura, o Comandante da PSP de Caldas da Rainha, informa que já tinha montado um forte dispositivo de segurança junto da estação dos CTT. [PCR] 

● O Comando-Geral da GNR informa Comando-Geral de Segurança Interna (CGSI)) do estabelecimento de contacto da força da GNR com a coluna da Escola Prática de Cavalaria e do dispositivo adoptado. De seguida, informa também o Ministério do Interior que, informa que, as forças da Companhia da GNR, podem retirar de Monsanto/Lisboa, quando chegarem os Paraquedistas, idos de Tancos, por via aérea. [CGg]

12:57
● A instrução que o Comandante da Região Militar de Tomar dá ao Major Vilar Nunes, do Centro de Mensagens, da Região Militar de Tomar é para enviar uma mensagem ao Brigadeiro Pedro Serrano, com o seguinte texto: "Cercar imediatamente. Embora possa ser ténue, para evitar saída de qualquer pessoal, pois foi entregue um ofício nos CTT locais intimando restabelecimento comunicações levado por um elemento vindo do interior". [RMT]

13:00
● Chegou ao conhecimento do Major Virgílio Guimarães, do Posto de Comando Avançado/RI 7, que o telefone do Regimento de Infantaria n.º 5 tinha sido cortado. O Chefe da Estação da CTT de Caldas da Rainha informou, telefonicamente, o Comandante da GNR que tinha recebido um ofício, vindo do Regimento de Infantaria n.º 5, assinado “O Comandante” por um Capitão parecendo ser Varela, que intimou os CTT de Caldas da Rainha para ligar o telefone pois, caso contrário, teria de intervir. [RI7a] 
Foto: © Luís Sacadura / Juvenal Amado: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

● Após a instalação das forças da Escola Prática de Cavalaria no terreno, de acordo com o relatório desta, o 2.º Comandante deslocou-se, numa das viaturas, para junto da Porta de Armas do Regimento de Infantaria n.º 5, apenas com o condutor, que se ofereceu para essa missão. [EPC]

13:05
● Recebida comunicação do Chefe do Estado-Maior do Exército, insistindo, pelo cerco, para não sair ninguém do quartel. [RMT] 

● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha, informa o Comando-Geral da GNR, do dispositivo adoptado para o cerco ao Regimento de Infantaria n.º 5. [CGg]

13:10
● Comunicação do Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7, para Quartel-General da Região Militar de Tomar: "Capitão Afonso do Regimento de Infantaria n.º 7, que se encontrava no Norte, de regresso à unidade, passou por Lamego para meter gasolina no CIOE onde lhe disseram: “O CIOE recusa-se a receber ordens da Região Militar do Porto”. “Estão dispostos a continuar até ao fim”. “Só recebem ordens do General Spínola”. “Não deixaram seguir o Comandante do CIOE que tinha recebido ordem de transferência”. “Que todas as unidades da RMP estão com eles solidários". Esta Comunicado seguiu com conhecimento à 3.ª Repartição do Estado-Maior do Exército, Tenente-Coronel Braz. [RMT]

13:17
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informa, o Chefe do Estado-Maior da GNR, de que o Brigadeiro Serrano tinha completado o envolvimento ao quartel com as tropas de seu comando. A Escola Prática de Cavalaria guarneceu o topo Sul; Regimento de Infantaria n.º 7 o topo Oeste e parte do Norte e Regimento de Infantaria n.º 15 o topo Norte e EN 8. [PCR]

13:30
● Um agente da PSP de Caldas da Rainha, destacado na estrada nas imediações do quartel do Regimento de Infantaria n.º 5, informou que o 2.º Comandante da Região Militar de Tomar mandou completar o cerco ao Quartel, por elementos da Escola Prática de Cavalaria, e ordenou que fosse estabelecido o cerco completo ao Regimento de Infantaria n.º 5. [RI7a] 

● Do relatório do Batalhão n.º 2 da GNR consta que, uma patrulha GNR passou a policiar o Aeródromo de Tires. Pousou outro helicóptero, só com a tripulação, junto à 1.ª Região Aérea, em Monsanto/Lisboa. [B2g]

13:35
● O Relatório da Região Militar de Tomar reporta que, o General Vietti, em reconhecimento aéreo, informa que na estrada que liga Cercal a Matoeira uma coluna com 8 Berliets, 1 Jeep e 2 Blindados. Uma das Berliet e 1 Jeep, foram para Bombarral. Todas as viaturas estão voltadas para Sul. O que é? [RMT]

13:40
● Chega ao quartel do Regimento de Infantaria n.º 7, regressado de Caldas da Rainha, o Tenente Lapão que fornece informação do que se estava a passar. [RI7]

13:45
● A Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 7 tomou a seu cargo o cerco, do Regimento de Infantaria n.º 5, pelo Norte, Sul e Oeste, que ficou terminado às 15h00, ficando esta subunidade enquadrada pela Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 15, à esquerda e a Escola Prática de Cavalaria, à direita. [RI7a] 
Foto: © Luís Sacadura / Juvenal Amado: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

● O Brigadeiro Serrano chegou à fala com um Capitão, convidando-os a renderem-se. Disseram que não se rendiam, salvo ordens do General Spínola. O Brigadeiro comunicou o facto, telefonicamente ao Quartel-General da Região Militar de Tomar. [RMT] 

● Reporta o Batalhão n.º 2 da GNR que, o Brigadeiro Pedro Serrano 2.º Comandante da Região Militar de Tomar, se encontra junto forças da Companhia do Batalhão n.º 1 da GNR, Regimento de Infantaria n.º 7 e Escola Prática de Cavalaria localizadas atrás do quartel do Regimento de Infantaria n.º 5, coordenando a sua actuação. Tendo sido determinado o corte das ligações telefónicas com o Regimento de Infantaria n.º 5, o Chefe dos CTT daquela cidade comunicou, ao Posto da GNR, a recepção de um oficio assinado por um Capitão Varela, na qualidade de Comandante, em que lhe era feita uma intimação para proceder ao seu restabelecimento até às 15H00. Tal documento foi levado por uma viatura em que se transportavam 3 elementos e cuja capota tinha sido recolhida para a retaguarda. O Presidente da Câmara Municipal determinou, igualmente, o corte da energia eléctrica e água ao respectivo aquartelamento. [B2g]

13:50
● O Comandante da Região Militar de Tomar transmite, ao Chefe do Estado-Maior do Exército, a conversa havida com o Capitão do Regimento de Infantaria n.º 5. O Chefe do Estado-Maior ficou de dar resposta. [RMT] 

● O Sargento Couto, do Centro de Mensagens da Região Militar de Tomar, informa o seu Comandante que, a comunicação referida em 12:57, já foi transmitida. [RMT]

13:55
● Recebida a resposta do Chefe do Estado-Maior, o Quartel-General da Região Militar de Tomar transmite ao Alferes Martinho, para informar Brigadeiro Serrano, que: "A unidade (RI 5) tem de ser reduzida. Ou se rende ou será reduzida pela força. Não se aceitam quaisquer condições para rendição”. [RMT]

13:58
● O Sargento Couto, do Centro de Mensagens da Região Militar de Tomar, informa superiormente, que tiveram conhecimento que a Escola Prática de Cavalaria não levou rações de combate. Este Sargento recebe informação de que as rações de combate, vão a caminho. [RMT]

14:00
● A Região Militar de Tomar dá instruções para ser aprontada e ficar a aguardar ordens, uma bateria artilharia de 10,5 cm, não indicando a unidade contactada. (Nota: Unidades de Artilharia no Região Militar de Tomar: Regimento de Artilharia Ligeira n.º 4, Leiria; e Grupo de Artilharia Contra Aeronaves n.º 2, Torres Novas). [RMT] 

● O Coronel Salazar Braga, Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7, pergunta ao Quartel-General da Região Militar de Tomar, qual a dependência do Esquadrão do Regimento de Cavalaria n.º 4, que iria para aquela unidade. [RMT] 

● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha entra em contacto com o Capitão Conceição, do Batalhão n.º 1 da GNR (B 1 da GNR) e, a seu pedido, informar o Chefe do Estado-Maior da GNR que a Companhia se encontrava em reserva e à ordem do Brigadeiro Serrano e, pelas 14:10, informou o Chefe do Estado-Maior da GNR que a Companhia Móvel da PSP já se encontra na cidade de Caldas da Rainha. [PCR]

14:11
● O Quartel-General da Região Militar de Tomar comunica com o Major Garcia da Silva, a solicitar informação sobre a plataforma. (Nota: Não há informação de quem é o Oficial e do que é entendido como “a plataforma”) [RMT]

14:12
● O Quartel-General da Região Militar de Tomar comunica com o Coronel Lobato Faria, texto corrigido para nosso Major, Chefe do Estado-Maior, para saber a situação dos carros de combate M-24 e dos M-47, assim como da plataforma (Nota: Esta comunicação é possível que tenha sido para o Regimento de Cavalaria n.º 4, onde o Coronel Lobato Faria, era comandante). [RMT]

14:17
● Comunicação do Coronel Pimentel da Base Aérea n.º 3 (Tancos), para Comandante da Região Militar de Tomar, a saber dos dois aviões T6, que foram para Lisboa. [RMT]

14:20
● O relatório do Quartel-General da Região Militar de Tomar, reporta a comunicação do Brigadeiro Serrano: “Enquanto estive a fazer a comunicação das 13:45, Capitão Faria saiu do quartel e foi ter com o Capitão Comandante do Esquadrão Atiradores/EPC, pois queria falar com Brigadeiro Serrano”. “Este [Brigadeiro Serrano] apareceu e então o Capitão Faria pediu-lhe para ir à Porta de Armas, onde falaria com o Major Casanova”. “Brigadeiro quis ficar com o Capitão Faria como refém, mas não o fez, e muito bem”. “O Brigadeiro Serrano invectivou o Major Casanova e este acabou por dizer que não ofereceria resistência se soubesse que o General Spínola não aprovava o procedimento dos amotinados”. “Foram postos fora do quartel os oficiais superiores do RI 15: Tenentes-coronéis L. Rodrigues, Tavares e Majores Monroy e Vagos”. [Nota: O texto refere RI 15, quando devia ser RI 5]. “O Major Serrano também vinha mas face às declarações do Major Casanova ficou no quartel para fiscalizar o desarmamento de todos os militares”. [RMT] 

● O relatório do Quartel-General da Região Militar de Tomar, indica que comunicou para Lisboa, (mais à frente supõe-se ter sido com o Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército): “Depois do Brigadeiro sair da área, saiu do RI 5, entretanto, o Capitão Faria que queria falar com o Brigadeiro Serrano”. “Largaram o Tenente-Coronel Rodrigues, Tenente-Coronel Tavares, Major Monroy, Major Vagos, Major Serrano. Depois veio Major Casanova (Chefe)”. “Disse primeiro que estava na disposição de se entregarem se o General Spínola não aprovar o procedimento deles”. “Vou mandar apertar o cerco, sem tiros”. [RMT] 

● Do Batalhão n.º 2 da GNR: Um bimotor da Base Aérea n.º 1, Sintra, levantou voo rumo a Lisboa e, simultaneamente, apercebia-se uma formatura de pessoal junto dos hangares [B2g]

14:25
● O Sargento Couto, do Centro de Mensagens da Região Militar de Tomar, informa que estão à espera de confirmação. Parece que já chegou a Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 15 (Tomar). Confirmam dentro de pouco tempo, à questão colocada pelo Quartel-General da Região Militar de Tomar. [RMT] 

● O relatório do Batalhão n.º 2 da GNR reporta que uma Companhia Móvel da PSP chegou a Caldas da Rainha, cerca das 14H10, e tomou posições junto do edifício dos CTT, segundo comunicação telefónica do Comandante da GNR local. [B2g]

14:30
● O relatório do Comandante da Região Militar de Tomar refere que, o Vice-Chefe do Estado-Maior, lhe transmitiu a decisão, quanto à comunicação das 14:20 ou seja: Convidar novamente à rendição sem condições e, se tal não for aceite, iniciar um aperto de cerco e começar a fazer alguns tiros, sobretudo para obter uns ricochetes. [RMT] 

● O Quartel-General da Região Militar de Tomar comunica ao Tenente-Coronel Tavares, que o cerco se vai apertar, em princípio sem tiros, mas não se aceitam quaisquer condições. [RMT]

14:40
● O Comandante da Região Militar de Tomar fala com o Brigadeiro Serrano, a quem transmite a decisão indicando: “Se se renderam deverão pôr à Porta de Armas, as armas colectivas: bazucas e canhões sem recuo; os oficiais, sargentos e praças desarmados, na biblioteca e nas casernas; aí se manterão enquanto com as tropas fieis montarão guarda ao quartel e a estes militares”. “Se não se renderam, então procurem que saia o Major Serrano e avisá-los que irá iniciar a realização de fogo. Este deve cair sobretudo nas instalações onde estão serviços (depósito de géneros, cozinhas e tiros altos para provocar ricochetes)”. [RMT] 

● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informou o Chefe do Estado-Maior da GNR que, o Brigadeiro Serrano, foi à Porta de Armas do Regimento de Infantaria n.º 5, mas não lhe foi facultada a entrada. No entanto, tinham sido soltos o Comandante e o 2.º Comandante daquela Unidade. [PCR] 

● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informa que, cerca das 14:25, o Brigadeiro Serrano chegou à porta do Regimento de Infantaria n.º 5, onde o detiveram, entregando-lhe, porém, o Comandante e o 2.º Comandante do Regimento. [CGg]

14:45
● O Batalhão n.º 2 da GNR informa que, às 14:10, uma Companhia Móvel da PSP tomou conta dos correios de Caldas da Rainha. Aproveita para informar que grande número de panfletos, foram lançados em Castanheira de Pêra (marxistas-leninistas). [CGg]

14:50
● Informação, para o Chefe do Estado-Maior da GNR, que o portão do Regimento de Infantaria n.º 5 já se encontrava aberto. [PCR] 

● O Comandante da Região Militar de Tomar, dá instruções, não referindo a unidade mas possivelmente o Grupo de Artilharia Contra Aeronaves n.º 3 (GACA 3), para o deslocamento de uma Bateria Antiaérea, 4 peças de 4 cm, para o Regimento de Infantaria n.º 7. [RMT]

● O Comando das Forças do Exército da Segurança Interna (COMFESI) confirma a entrega do Comandante, do 2.º Comandante e 2 dos Majores, permanecendo ainda dentro do quartel Majores Casanova e Monge. Os revoltados impõem, como condição para a rendição, uma afirmação por parte do General Spínola de que não concorda com a sua atitude. [CGg]

15:00
● O 2.º Comandante da Região Militar de Tomar, acompanhado de um Major, entrou nas instalações do Regimento de Infantaria n.º 5. [RI7a] 

● O Comando-Geral da GNR informa, o Ministério do Interior, da libertação dos Oficiais Superiores e da posição dos oficiais do Regimento de Infantaria n.º 5. O Comandante da Brigada de Trânsito da GNR informa que uma coluna saída do Regimento de Cavalaria n.º 4 (RC 4 - Santa Margarida) com 17 viaturas, e outra do Grupo de Artilharia Contra Aeronaves (GACA 2 - Torres Novas), prestes a sair, sendo o destina destas unidades, a cidade de Leiria. [CGg]

15:05
● A pedido do Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7, desloca-se àquela unidade, o Coronel Frazão, Comandante do Regimento de Artilharia Ligeira n.º 4, para troca de opiniões com vista a uma eventual defesa de Leiria, no caso da situação se deteriorar e se confirmarem os boatos de estarem em marcha colunas revoltosas de Norte para o Sul do País. Assentes algumas ideias básicas, dentro do melhor espírito de colaboração, que sempre tem orientado as relações entre as duas Unidades de Leiria. [RI7]

15:10
● O Comandante do Batalhão n.º 2 da GNR informa que a origem da notícia da deslocação das duas colunas para Leiria, reportada às 15:00 pelo Comando-Geral da GNR, é de um soldado GNR. [CGg]

15:15
● O Comandante da GNR das Caldas da Rainha informa que já chegaram os militares da Companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria n.º 15, e que foram abertas as portas do quartel, vendo-se pessoal armado na parada. [CGg]

15:20
● O Batalhão n.º 2 da GNR reporta que já abriram o Portão das Armas do Regimento de Infantaria n.º 5, sendo guardado por duas praças da Polícia da Unidade postadas no interior e de pistola-metralhadora. No átrio do Comando encontravam-se muitos soldados com armas, não sendo possível determinar a finalidade. O Brigadeiro, 2.º Comandante da Região Militar de Tomar, estava junto do antigo hospital e próximo das tropas do Regimento de Infantaria n.º 15, que ocupava a entrada da cidade. As forças da Escola Prática de Cavalaria situavam-se nas imediações da bifurcação da estrada para Óbidos e nos flancos e retaguarda encontrava-se parte do Regimento de Infantaria n.º 7 e parte do Regimento de Infantaria n.º 15. A Companhia do Batalhão n.º 1 da GNR fora deslocada para o alto das Gaeiras. Segundo informação da PSP das Caldas da Rainha, foram libertados os dois Tenentes-coronéis (Comandante e 2.º Comandante), e mais tarde o Major Monroy Garcia. Em frente do Regimento de Infantaria n.º 5 e próximo do habitual posto de sentinela passeavam um Major e um Alferes, ambos não identificados e que parecem ser da unidade. [B2g]

15:30
● Avioneta, que se supõe ser militar, continua a sobrevoar o Regimento de Infantaria n.º 5 a grande altitude. Visto militares, do Regimento de Infantaria n.º 5, em cima dos muros do Quartel completamente desarmados e os postos de sentinela guarnecidos supõe-se que no mínimo. O Major Guimarães encontra-se perto do Capitão Crespo. [RI7a] 

● O Comandante da Região Militar de Tomar pede informação sobre situação, ao Alferes Martinho que, ao telefone, disse que o Brigadeiro Serrano já está dentro quartel. Que ia seguir para lá para que o Brigadeiro Serrano informe o Quartel-General da Região Militar de Tomar. [RMT] 

● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informou o Chefe do Estado-Maior da GNR que fora novamente avistada a avioneta, tipo DO, e que a mesma andava a sobrevoar a cidade. [PCR] 

● O Comando das Forças do Exército da Segurança Interna (COMFESI), confirma a saída das colunas de Santa Margarida e Torres Novas, em direcção ao quartel do Regimento de Infantaria n.º 7, em Leiria. [CGg]

15:35
● A Brigada de Trânsito da GNR informa ter-se completado o cerco, ao quartel do Regimento de Infantaria n.º 5, com forças do Regimento de Infantaria n.º 15, Regimento de Infantaria n.º 7 e Escola Prática de Cavalaria. [CGg]

15:45 
● Informação do Comandante da GNR de Caldas da Rainha, para o Chefe do Estado-Maior da GNR, que o Brigadeiro Serrano entrou no quartel do Regimento de Infantaria n.º 5 acompanhado do Tenente-Coronel Ernesto Farinha Tavares, tendo as tropas sublevadas deposto as armas. [PCR]

15:50
● O Brigadeiro Serrano e o Tenente-Coronel Farinha Tavares entram, no quartel do Regimento de Infantaria n.º 5. [CGg]

16:00 
● O relatório da Escola Prática de Cavalaria reporta que a situação começa a ficar resolvida, continuando as forças nas posições pré estabelecidas. Pouco tempo depois, uma viatura, de Infantaria n.º 15, entra para recolher as armas colectivas colocadas junto à Porta de Armas, sendo o quartel ocupado pelas forças do Regimento de Infantaria n.º 7 e Regimento de Infantaria n.º 15. [EPC]

16:10
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informou superiormente que o Brigadeiro Serrano já tinha saído do quartel do Regimento de Infantaria n.º 5 e entrou uma viatura militar GMC, de marcha-atrás, para onde começou a ser carregado todo o material abandonado pelas tropas sublevadas. [PCR]

16:20
● Chegada, a Monsanto/Lisboa, da Companhia de Paraquedistas, que substitui a Companhia do Batalhão n.º 2 da GNR. [CGg]

16:23
● O Comandante do Batalhão n.º 2 da GNR dá ordem para a Companhia, que se encontra em Monsanto/Lisboa, recolher ao quartel. [CGg]

16:30
● O Comandante da Região Militar de Tomar é informado de que se deu a rendição sem condições. As instalações militares já se encontram guardadas pelas forças de cerco. [RMT] 

● O Brigadeiro Serrano, 2.º Comandante da Região Militar de Tomar, saiu do quartel, tendo ficado, no mesmo, o Tenente-Coronel 2.º Comandante. Entrou uma viatura GMC no quartel, e está sendo carregada com armamento. [CGg] 

● Reporta o Batalhão n.º 2 da GNR, que o Brigadeiro 2.º Comandante Região Militar de Tomar, saiu do Regimento de Infantaria n.º 5 deixando ali o Tenente-Coronel Farinha Tavares que havia entrado consigo. Entrou no quartel uma viatura GMC, de Infantaria 7 ou do 15, e procedeu ao carregamento do material de guerra dos rebeldes. [B2g]

16:35
 ● A pedido da PSP local e com autorização superior, foi dada ordem para a saída de duas patrulhas da GNR para desviarem o trânsito para Norte, nas EN 8 e EN 115 para a EN 114, via Matoeira - Caldas da Rainha ou Lagoa Parceira - Caldas da Rainha. [PCR]

16:38
● É recebido um telefonema, dum suposto Coronel Tavares, para o Chefe do Estado-Maior da GNR (Nota: Seria o Comandante do RI 5?). [CGg]

16:40
● É comunicado ao Ministério do Interior, a substituição da Companhia da GNR por uma força Paraquedista, às 16:20, [CGg] 

● Apresenta-se no Regimento de Infantaria n.º 7 uma força, cuja vinda fora anunciada pelo Quartel-General da Região Militar de Tomar. Era o Esquadrão do Regimento de Cavalaria n.º 4 (RC 4 - Santa Margarida), sob o comando do Capitão Pais de Faria que vinha acompanhado pelo Major Baptista. A força revelava esplêndida apresentação e muito bom espírito o que demonstrava a qualidade do oficial comandante. Embora as circunstâncias fossem de molde a que se não confiasse em forças não pertencentes à unidade, fiquei totalmente seguro ao ver o Esquadrão do RC 4 e ao reconhecer os dois oficiais mais graduados. Nada sabiam da sublevação de forças do Regimento de Infantaria n.º 5. [RI7]

16:41
● É recebida a informação de que cessou toda a resistência do pessoal revoltado no aquartelamento do Regimento de Infantaria n.º 5. Simultaneamente, o Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7 recebe instruções para: (I) Mandar regressar a Tomar as ambulâncias e o pessoal do HRM 3; (II) Mandar apresentar, nas Caldas da Rainha, o 2.º Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7, Tenente-Coronel Peres Brandão, acompanhado do Major Renato do RAL 4, para acompanhamento dos oficiais detidos. [RI7]

16:43
● O Comando-Geral da GNR reporta a rendição do Regimento de Infantaria n.º 5. Os Oficiais do Regimento de Infantaria n.º 5 vêm de autocarro para o RAL 1, onde ficam internados. [CGg]

16:44
● O Ministério do Interior manda guardar as residências de Altas Entidades. O Comando-Geral da GNR manda reforçar a guarda à Assembleia Nacional. [CGg]

16:45
● Comunicou o Comandante da GNR das Caldas da Rainha que, por informação do Alferes Martinho, ajudante de campo do Brigadeiro Pedro Serrano, 2.º Comandante da Região Militar de Tomar, os rebeldes já se haviam rendido, desconhecendo ainda o nome dos implicados, mas que estimava em cerca de 40 oficiais, 120 Furriéis, Cabos Milicianos e outras praças. [B2g]

17:00
● O Comandante da GNR de Caldas da Rainha informa o Comandante-Geral da GNR que a situação já se encontrava normalizada e que a vida na cidade decorre normalmente. [PCR]

17:20
● O Chefe do Estado-Maior do Quartel-General da Região Militar de Évora envia, com precedência “IMEDIATO” e grau de segurança “CONFIDENCIAL”, uma mensagem para o COMFESE – Comando das Forças do Exército da Segurança Interna, com conhecimento à 2.ª Repartição do Estado Maior do Exército, e aos Chefes do Estado-Maior das Regiões Militares de Tomar e Lisboa, em que refere que, pelas 16:10, que o Chefe do Estado-Maior do Comando Territorial do Algarve reportou que o Capitão Lopes, do Centro de Instrução e Condução Auto n.º 5 (CICA 5 - Lagos), telefonou para o Capitão Azevedo, do Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria (CISMI – Tavira), dizendo que unidades do Norte estavam ao lado do General Costa Gomes, tendo o Capitão Azevedo informado, de imediato, o Comandante do CISMI. Mais informou que, o Capitão Lopes, recusou indicar ao Comandante do Comando Territorial do Algarve, quem lhe deu a informação. [CEM]

17:30
● O Batalhão n.º 2 da GNR relata que, regressou a quartéis a Companhia da GNR que se encontrava em Monsanto/Lisboa, após ter sido rendida por uma companhia de Páras, tendo chegado às 18H00. [B2g]

(continua)

____________

Nota do editor

Post anterior de 15 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25392: Consultório Militar do José Martins (79): Dia 16 de Março de 1974 - Parte IV - O dia

Guiné 61/74 - P25394: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (26): um país de gente porreira - II (e última) parte

 Palácio Nacional de Mafra: uma visão romãntica, em litografia de 1853, da autoria de João MacPhail (que morreu em 1856). Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal: http://purl.pt/12043

Imagem do domínio público, Cortesia de Wikimedia Common


Contos com mural ao fundo >  II (e última) Parte

por Luís Graça (*)


6B. Não te assustaste com o 25 de Abril.
Bem, não foi bem assim.
Não estavas a contar, deves dizê-lo.
O Ravasco também não,
e era bem mais imformado do que tu.
Tu tinhas algo a perder e, se calhar, algo mais a ganhar.
Claro, foi um desgosto para a tua mãezinha.
Para mais, o seu filho mais velho (esse é que era o "morgado",
e que também era professor  como ela),
apareceu-lhe um dia, em casa.
De barbas, cabelo comprido e cravo ao peito.
E com uma "flausina", uma namorada, de calças, e sem sutiã...
A pobre da tua mãezinha ia morrendo, de apoplexia.


A verdade se diga: ninguém a chateou por ser do Movimento Nacional Feminino, que acabou logo, dali a uns dias, por decreto da Junta de Salvação Nacional, onde estava o Spínola com quem tu, aliás,  até simpatizavas um bocado. Os outros não te diziam nada, com exceção do Costa Gomes, que fora teu comandante-chefe em Angola, e que também era nortenho como tu. Flaviense.

 E, de resto, a tua mãe já não dava aulas, tinha funções meramente burocráticas, na área da administração escolar. Logo que teve condições, pediu a aposentação. Percebeu que o seu tempo (e quiçá o seu mundo) havia acabado. 

Infelizmente ainda não tinha netos para cuidar. Mas dedicou-se ao seu jardim. Tinha uma cultura de camélias. E abriu a capela  da família, do séc. XVIII,  ao povo da freguesia. Sempre ornada de flores... Achaste um gesto bonito. E, afinal, inteligente. Democrático.  A capela até então estava vedada ao povo da aldeia, ali nos arredores de Ponte de Lima. O que era mal visto. Até para fazer um velório ou outro, as pessoas às vezes pediam-lhe e ela recusava.

Tinha muito orgulo, a tua mãe,  na capela onde repousavam os restos mortais de alguns dos seus queridos antepassados. Claro que já nenhum padre lá ia  dizer missa. Os padres também aprenderam com a história passada, e, para o clero, sobretudo o mais jovem, era bom ser democrata (ou pelo menos aparentá-lo). Como o teu amigo de Mafra, mas esse já era democrata antes do 25 de Abril. Quer dizer, era do "contra".

A chatice maior que a família teve, no pós-25 de Abril,  foi com os rendeiros. Poucos mas ingratos e velhacos, como já dizia o teu pai.  Recusaram-se a pagar a renda em géneros. Ainda se usava, e vinha desde há séculos,  o sistema da parceria agrícola (pagamento a meias ou ao terço, conforme os produtos eram da terra ou do ar). 

O teu irmão deu um jeito, resolveu o conflito. Chagou a cabeça a toda a gente da família.  Disse que "não, senhora,  minha mãe, que aquilo era senhorial, semi-feudal, pré-capitalista, que daqui a uns tempos  já se estava no ano 2000, e ainda  se lavrava a terra com os bois!"... 

O teu mano era o "comuna" da família. Naquele tempo até dava jeito ter um "comuna" na família. Depois veio a lei do arrendamento rural e tudo se normalizou. Mas não foi preciso esperar muito para as terras ficaram sem rendeiros, nem bois, nem podadores, cobertas de mato. E a tua mãezinha voltou a ter que comprar batatas e cebolas no mercado. Mal dela se tivesse que viver das rendas dos rendeiros. E em anos ruins perdoava-lhes as rendas, depois da morte do marido. Nisso, era afinal um coração bondoso. 

O teu pai, um amanuense,  também dera a volta ao texto. Extintos os organismos corporativos, foi "reconvertido". Os grémios deram origem a cooperativas. E tudo ficou como dantes. Ou quase. Não perdeu os seus hábitos, muito menos a sua tertúlia dos copos e dos petiscos. " E nunca quis mais saber da política!", confidenciou-te ele um dia. Mas morrerá cedo, coitado,  passados uns anos. 

Tu próprio também acabaste por apanhar o barco. Deixaste crescer o cabelo e passaste a usar uma boina basca.  Preta. Descobriste o teu lado (adormecido) de anarquista. E, confessavas, soube-te bem respirar o ar da liberdade que tu, em boa verdade, não tinhas tido quando nasceste no seio de uma família tradicional.  Apesar de toda a gente ter um rótulo, tu recusaste-te  a revelar as tuas opções político-ideológicas, quer dizer, o partido em que votavas nas primeiras eleições.

O Ravasco, muito mais à esquerda do que tu, quis meter-te no sindicalismo, mas tu disseste-lhe  logo que "não senhor, muito obrigado, há coisas para as quais um limiano como eu não tem jeito nem feitio nem vocação". Fizeras a tropa, já chegara esse tempo em que andaras "arregimentado".

A princípio, depois do 25 de Abril,  ele era o terror do "adjunto" e do "grupo das meninas", lá  na repartição  de finanças de Mafra.  Tens que o reconhecer, foi um gajo decente,  não houve saneamentos nem correu sangue, que era uma situação que tu detestarias, no caso de as coisas terem descambado para aí... Talvez pro feito uma guerra, o Ravasco mostrou-se aos teus olhos surpreendentemente maduro e responsável.  

 A tua consideração por ele subiu mais uns pontos. Mas secretamente deu-te gozo ver aqueles sacanas baixar a bolinha. De um dia para o outro, a sorte mudara. Não vale a pena um gajo cantar de galo e montar as galinhas,  esquecendo-se que quem faz pintos também faz galuchos e garnizés. Mas não tiveste tratamento recíproco. A ti, continuaram a desprezar-te como "filho de Ansião"...

Ainda foste, com ele, no teu carro, a Peniche, ver a saída dos presos políticos, em 27 de abril. Não tinhas lá ninguém teu conhecido. Mas também não concordavas com as prisões políticas nem com a  censura à imprensa nem com os pides ... Nunca se discutia política lá em casa, mesmo que os teus pais fossem simpatisantes do Estado Novo (pelo menos votavam na União Naconal e depois na ANP, a tal Acção Nacional Popular, sem convicção, por dever de  ofício. ) 

Levaste também no teu Mini o Ravasco ao 1º de Maio, em Lisboa... Viste ao longe o Mário Soares e o Álvaro Cunhal.  Ficaste com um certo respeito por eles. Pelo menos, foram homens que lutaram pela liberdade dos outros, dando o corpo ao manifesto.  Mas nunca tinhas visto tanta gente junta, gritando palavras de ordem, de punho erguido.  Sempre tiveste a fobia das multidões. E daí nunca teres ido a desafios de futebol ou a touradas e, muito menos, a comícios.

Percebeste cedo que "aquela não era a tua praia", preferias a Ericeira e a Foz do Lisandro... Foi mais para fazer companhia ao Ravasco, um gajo de quem a pouco a pouco começaste, sem saber bem porquê,  a gostar como amigo, ou até talvez como o irmão que te fazia falta, a algumas centenas de quilómetros de casa... 

Foi ele que te começou a tratar por tu, a seguir ao 25 de Abril. A princípio, custou-te, repugnava-te até, mas lá te foste habituando,  a pouco e pouco. Na família sempre houvera a norma do tratamento por você.  O respeitinho sempre fora muito bonito entre os teus. Chamava-te agora "pequeno-burguês", com hífen, qualificativo que tu nunca sabias muito bem o que queria dizer. Interpelavas o safado do Ravasco: "É por gostar das coisas boas da vida ? De gajas ? Ou ter um velho Mini com jantes especiais?"... 

Nunca to esclareceu... Sempre o achaste, nesse aspeto,  um bocado moralista. Rígido, em certas coisas.

Em Braga irás conhecer o verão quente de 1975. Mas desse tempo não gostarias de   falar. Ficaste desgostoso com as posições radicais que alguns amigos e conhecidos teus, de um lado e do outro, tomaram, na altura do PREC.  A começar por católicos que se sentavam na missa, ao teu lado. Aí, sim, temeste que a coisa pudesse degenerar em guerra civil. 

A tua mãe, que sabia muito da História de Portugal,  falava-te dos horrores que haviam sido as guerras liberais, fratricidas. Na tua família parece que houve tanto "malhados" ou "jacobinos", partidários do Dom Pedro, como "corcundas", seguidores do Dom Miguel, estes talvez em maior número. E só se juntaram na "Patuleia", em 1847,  os "realistas" e os "setembristas" ou "progressistas", da Junta do Porto. Daí tu não te admirares de o teu mano ser "comuna do 26 de Abril". Houve muitos vira-casacas. Acontece em todas as mudanças de regime. E em todas as famílias.

Mais tarde voltaste a Ponte de Lima onde o teu mui amado tio-avô, materno, solteiro,  e que não tinha herdeiros diretos, te deixou em doação uma quinta. Uma pequena quinta, maneirinha, boa de se fazer. Tu eras o seu sobrinho-neto querido. Por causa da política, cortara relações com o teu mano, professor primário, esse, sim, o "senhor morgado", que ficou com as fracas terras da família, estoirando-as em pouco tempo...

Reformaste-te da função pública, no bom tempo. Fizeste uma formação em vitivinicultura. Descobriste os encantos da vida no campo.  E, para surpresa do Ravasco, não te casaste nem fizeste filhos, nem sequer escreveste um livro, mas plantaste árvores  e vinhas. E disso podes orgulhar-te.


7A. Uns tempos antes do 25 de Abril, ainda em Mafra,
o Bacelar havia-te apresentado ao padre, seu amigo,
de que espantosamente já não recordas o nome.
Simpatizaste, de imediato, com ele.
E depressa encontraste nele um homem
capaz de ouvir (e sobretudo de saber ouvir)
o relato dos teus “fantasmas” da guerra de África.



No fundo, ele acabou por ser o “confessor”, mais do que o simples confidente ou ouvinte passivo, de que tu estavas a precisar, ali, desterrado e amargurado. Na realidade, e até então, nunca falaras da guerra a ninguém, não tinhas sequer amigos íntimos com quem pudesse partilhar as tuas confusas e doridas memórias, da infância, do seminário, da guerra... A não ser, afinal, com o Bacelar.

Ao fim da tarde, antes do jantar, a meio da semana, tinhas por hábito juntarem-se, tu, o Bacelar e às vezes o padre, na tal "tasca dos jaquinzinhos" (na realidade era já um bar a virar para  modernaço)...  Tomavam a bica ou uma cerveja, davam dois dedos de conversa, comentavam as notícias dos jornais. Era uma espécie de tertúlia. Às vezes juntava-se à mesa um ou outro jovem estudante,  conhecido do grupo, ou das relações do padre. E noutras meses aparte, um ou outro cadete.

Talvez já em março de 1974, não sabes se antes ou depois do 16 de março, a revolta das Caldas, que  alvoraçou a malta do "reviralho" (incluindo o Bacelar que lá estivera uns anos antes como 1º cabo miliciano), a conversa foi parar, sem tu  dares conta, à Guiné e à guerra. Sabes que te perdeste e me abstraiste do que se passava à tua volta. Não te apercebeste sequer de quem estava na mesa do lado. 

O padre, mais velho do que tu uns anos, gostava de te ouvir e raramente te interrompia com um pedido para esclarecer este ou aquele ponto, e muito menos para manifestar a sua concordância ou discordância. Revelava, isso, sim, uma grande empatia, o que veio reforçar a confiança que ele te inspirava, logo desde o início. Em suma, sabia ouvir, o que era, quanto a ti, uma qualidade essencial num confessor. Os que tu tiveras, até perder a fé, eram mais inquisidores do que confessores….

Ficaste também com a ideia de que ele estava minimamente familiarizado com o meio castrense. Não te admiravas, estava  habituado  a lidar com a tropa numa terra como aquela. Talvez até ele tivesse sido capelão militar, antes de vir para aqui, conjeturavas tu.  Ou talvez ainda quisesse vir a sê-lo, a guerra do ultramar estava para dar e durar, pensava muito boa gente.  Estava, de resto, em idade para isso, para ser capelão. Teria cinco anos a mais do que tu, já a roçar os 30. Nunca lhe perguntaste a idade, por delicadeza. Vieste depois a saber que alguns dos seus paroquianos eram militares da EPI ou seus familiares.

Se bem recordas hoje, a quase meio século de distância, o teor da conversa (na realidade, um longo monólogo) girava à volta dos prisioneiros na Guiné. Ali não havia prisioneiros de guerra, garantias tu, ou se os havia não eram tratados como tal. Portugal não estava, técnica e legalmente, em guerra com nenhum país soberano, pelo que não podia haver prisioneiros de guerra. Mas tu nunca tinhas lido a Convenção de Genebra. Os guerrilheiros ou simpatisantes  do PAIGC quando aprisionados, no decurso da actividade operacional das nossas tropas, eram tratados como simples presos de delito comum. Ou seja, eram "turras". 

Sob tortura, davam informações relevantes sobre o dispositivo militar do PAIGC no setor ou região, bases ou “barracas” (acampamentos temporários), população, nome dos comandantes e dos comissários políticos, bigrupos, armamento, trilhos, depósitos de armamento, lojas do povo, locais de cambança, etc. Eram um "livro aberto"... E, claro, eram forçados a servir de guias para levarem a tropa até ao “objetivo”. 

Sempre fora assim, ainda antes do teu tempo,  e tu, como todos os outros graduados, quer do quadro, quer milicianos,  fechavam os olhos ou assobiavam para o lado. “Siga a marinha!", dizia o capitão. Nunca torturaste ninguém. Mas alguém tinha que fazer o trabalho sujo. Afinal, à guerra não era para meninos de coro.

Estavas a contar-lhes, ao padre e ao Bacelar (a tua atenta audiência),  as peripécias de uma operação em que tu comandavas a tua companhia, já com o teu capitão de baixa no hospital militar de Bissau. Havia outras forças envolvidas, e nomeadamente um pelotão de caçadores nativos e um pelotão de milícias que faziam parte do teu destacamento. 

A milícia seguia à frente a abrir caminho e  com o prisioneiro a servir de guia. Éram dois destacamentos, A e B, a avançar, numa manobra de envolvimento, “em tenaz”, para o “objetivo”, uma “barraca”, um acampamento onde estaria um bigrupo, ou menos (talvez cerca de 40 homens), situado a montante de um rio e na orla de uma mata espessa, de tipo floresta-galeria, ao longo da margem de um rio. Estavam bem armados, incluindo morteiro 81.

O prisioneiro era balanta, não falando uma única palavra de português. Era muito  jovem e bem constituído. O alferes de 2ª linha, que comandava o pelotão de milícias, mantinha com ele um difícil diálogo em crioulo. Tu seguias no seu encalce, dez metros atrás, com o teu guarda-costas, e o homem da bazuca. Percebest que o prisioneiro há mais de uma hora fazia tudo para despistar a tropa ou denunciar a sua presença, à medida que se aproximavam do objetivo.

Às tantas, foram detetados (o que era normal) por uma sentinela avançada, no alto de um bissilão,  que deu o sinal de alarme… O teu guarda-costas abateu-o, com um tiro certeiro, mas acabaram  por ser flagelados por fogo de armas pesadas.  De imediato, foram  vítimas de um brutal ataque de abelhas. 

Na confusão que logo ali se instalou, o prisioneiro ensaiou uma tentativa de fuga, mesmo algemado e preso a uma corda. O  milícia, que o conduzia foi suficientemente lesto para o impedir de se internar na mata, acabando por o alvejar no último segundo, já no fim de um dos  trilhos que levavam à “barraca”, e que ele devia conhecer, de olhos fechados.

Pelo PCV (Posto de Comando Volante), a avioneta onde estava o major de operações, receberam  ordens para abortar o assalto, uma vez gorado o efeito surpresa e o aparente desnorte das nossas tropas, dispersas pelo ataque de abelhas e a “morteirada” do inimigo. 

Reagruparam-se  na orla de uma bolanha, com o ferido a sangrar, enquanto os T-6 entraram em ação despejando bombas sobre o “objetivo”. E regressaram sob proteção do helicanhão.  

Foi nessa altura que o comandante da milícia, espumando de raiva, saltou sobre as costas do prisioneiro, como um verdadeiro felino, e rasgou-lhe a coluna vertebral de alto a baixo, com a sua faca de mato bem afiada. O prisioneiro caiu redondo no chão mas não teve morte fulminante. Ainda viste alguém, da milícia,  dar-lhe um tiro de misericórdia na nuca e cortar-lhe as orelhas, prática que, de resto, não era invulgar em circunstâncias com estas… Dizia-se que era um ritual guerreiro dos fulas, mas o Spínola deixou de achar graça, quando lhe meteram na cabeça que a guerra também se ganhava pelo charme, a "psico", o respeito pelo inimigo, blá-blá, blá-blá...


Ficaste sem pinga de sangue, nunca tinhas presenciado uma cena de guerra daquelas, nem nos filmes do faroeste onde era pressuposto os índios e os os cobóis tirarem o escalpe aos mortos. E não tiveste sequer tempo nem reflexos para impedir uma barbaridade daquelas. 

O mais grave é que, por cobardia ou para não arranjar chatices, omitiste esta cena no relatório que ajudaste a fazer com o comandante do outro destacamento, que era capitão.  Oficialmente, o prisioneiro-guia fora morto quando intentava fugir… E o alferes de 2ª linha  era um grande operacional, muito bem visto (e protegido) pelo comando do batalhão do setor. Falava-se já na sua próxima gradução em tenente, indo ao encontro da política de Spínola de "africanizar" cada vez mais a guerra. 

Estavas tu a acabar o relato deste triste episódio da tua guerra, quando da mesa ao lado salta um jovem que se dirige ao padre e diz com veemência:

 É tudo mentira, senhor padre!... Uma infâmia, uma calúnia!... Isso nunca poderia ter acontecido na nossa querida Guiné e muito menos por homens que envergam e honram a nossa farda. O senhor meu pai, oficial superior em Bissau [disse o nome, o posto , a unidade, etc.] , está lá, neste momento, rezo por ele todas s noites e  sei que ele nunca pactuaria com práticas indignas de um exército que defende a nossa pátria e os valores da nossa civilização cristã e ocidental!...

O padre, reconhecendo de imediato o jovem (ou talvez ainda adolescente)  e temendo pela tua integridade física, arrastou-o com força para um canto da sala e fez tudo para o acalmar… Não contaste os minutos, tu próprio estavas perplexo e chocado com toda aquela violência verbal, intempestiva e  gratuita… 

Passaram-se talvez uns bons vinte minutos,  foi longa (e áspera) a conversa do padre com o jovem… De copo de água na mão, o jovem parecia, no entanto,  estar a acatar a autoridade do padre, que o tentava acalmar… Por fim, lá saiu da sala, em passo estugado, mas não sem antes te voltar a fulminar com o olhar. Por certo que ficaste marcado, pensaste tu com os teus botões. Ficaste com a ideia de que, a partir daquele momento, tinhas ganho mais um inimigo naquela maldita terra.

O padre regressou à mesa, limpando o suor da testa, aliviando a pressão do cabeção no pescoço, ao mesmo tempo que pedia desculpa e tentava ensaiar uma explicação para aquele assomo de violência juvenil:


 É um paroquiano meu, excelente rapaz mas muito impulsivo. Conheço-o há uns boms anos. É filho de uma ilustre família de militares... Mas podemos considerá-lo “órfão de pai”, cresceu com o pai em África. Tem uma enorme admiração pela figura paterna e prepara-se para ingressar na Academia Militar, daqui a dois anos...

O Bacelar saiu contigo, mudo e calado. Mas incomado, tanto ou mais do que tu e o padre. Nunca mais os três falaram do  assunto.


8A. Epílogo


Infelizmente, o  Bacelar já não está cá, entre os vivos, para se poder continuar a manter esta espécie de monólogo a dois... 

 Como o tempo passou, meu Deus!

O Bacelar morreu num estúpido acidente de trator agrícola, há uns anos atrás, trinta e muitos anos depois de 1974. Numa vinha, nova, em socalco, que ele plantara e amanhara com uma paixão e um carinho que te comoveram, até às lágrimas, quando lá foste participar numa vindima, talvez por volta de 1997, se não erras, altura em que ele fez 50 anos. Tinha uma bela vinha com castas loureiro e alvarinho. "Era a menina bonita dos seus olhos"... Não tinha filhos, ficara solteiro...

“Contra todas as probabilidades”, como dizia ele, os dois ficaram  amigos para o resto da vida. E, no entanto, só conviveram em Mafra, menos de dois anos, separando-se já no final do verão de 1974, talvez em outubro.  Conseguiram a tão almejada transferência, tu para a Repartição Central do Imposto Complementar, em Lisboa, na Rua Braamcamp, e ele, para mais perto de casa, na cidade dos arcebispos e, mais tarde, para a sua terra.

Acabaste por tirar o curso de direito, em Lisboa, graças ao teu estatuto de trabalhador-estudante e beneficiando igualmente das regalias de antigo combatente. Cinco ou seis anos depois, no início dos anos 80, concorreste a um lugar de técnico superior de 2ª classe no Ministério do Trabalho e Segurança Social. Foste para uma área de que gostavas, e tinha a ver com as condições de trabalho, incluindo a higiene e segurança e matérias afins. Ajudaste  a elaborar diversos materiais de divulgação e sensibilização, fichas técnicas, brochuras, cartazes, etc. Interessaste-te, em especial, por sectores de elevada sinistralidade como as minas e pedreiras, a construção e obras pública, a agricultura e pescas, a metalomecânica.

Era um trabalho de algum modo pioneiro em Portugal, acabaste mais tarde por ir parar, com as sucessivas reestruturações do Ministério, sito na Praça de Londres, a um instituto que antecedeu a atual ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho.

Do sindicalismo das contribuições e impostos, já não tinhas saudades nenhumas. Ainda ajudaras a criar e a alimentar um boletim, "A Forja", que era tirado a "stencil". Aquilo acabou por descambar num sindicalismo corporativo, populista,  que é o que há hoje em Portugal, ainda com alguma força reivindicativa, dos professores aos magistrados, dos estivadores aos condutores de longo curso, maquinistas de comboios, pilotos da TAP, polícias e quejandos... São essas corporações, algo mafiosas (como os gajos da estiva),  que podem parar um país... Podem usar a bomba atómica, é certo, que é a greve e  a paralização de sectores-chave da economia, mas também têm que saber muito bem calcular e prevenir os seus efeitos de "boomerang"...

Com o tempo de tropa, e os 36 anos de função pública,  reformaste-te. E passste a  dedicar-te aos cães e aos netos. Tinhas um pequeno monte, não longe da terra onde foste parido, na freguesia de São João dos Caldeireiros, lá no cu de Judas, no "país profundo", com diziam os gajos politicamente corretos, e que tu não sabias o que queria dizer... Devia ser a forma eufemística ou cínica de chamar-lhe a periferia das periferias, onde só havia coutadas,  de meia dúzia de granjolas, e onde já chegara o pré-Saara, o deserto...que nos há de cobrir a todos.

Tens pena, hoje,  de nunca ter feito o estágio de advocacia, de modo a teres podido exercer a profissão a tempo inteiro. Entraste para a função pública, tramaste-te, não quiseste trocar o certo pelo incerto, tu que chamavas "pequeno-burguês" ao pobre diabo do Bacelar.  Mas, pelo que vês hoje, a profissão de advogado já não é o que era. São os grandes escritórios que fazem a lei... E o idealismo de outrora desvaneceu-se. Como tudo, de quando eu eras jovem e ainda sonhavas com um mundo totalmente diferente daquele em que nasceras, tu que eras filho de mineiro e neto de ganhão. 

Só esperas que não te dê tão cedo o badagaio. Querias morrer lúcido, em paz contigo e, se possível, com os outros, o que se calhar é pedir demais. Vais ter que negociar com o teu gestor de conta do além.

Não, não casaste com a rapariga de Beja, que estava à tua espera. Fartou-se de esperar e fez ela muito bem. Um dia encontrou na rua, ao virar da esquina, o primeiro namorado, do tempo de escola, e lá juntaram os trapinhos. Nada como a primeira grande paixão,  sempre ouviste dizer.  Só esperas que ela tenha sido mais feliz do que tu foste.

Já do Bacelar não sabias tantos pormenores do resto da  sua história de vida. Andou atrelado a uma francesa, no verão de 1974. Chegou a levá-la à sua terra, para escândalo da mãezinha. 

Aliás, andaram atrelados, os dois. Ela tinha uma amiga ou irmã,já não não te lembras bem. Despacharam os “copains”, que vinham com elas, e que foram atrás das portuguesinhas de Lisboa. Vieram, num “dois cavalos”, ver a “révolution des oeillets”, a revolução dos cravos, ao vivo e a cores. Portugal, país liliputiano,  que não cabia na geografia do mundo, passou a ser, nesse tempo,  uma espécie de jardim zoológico da Europa. Chegaram cá fotógrafos famosos, tiraram umas chapas e depois esqueceram Portugal e os portugueses por mais umas boas dezenas de anos.

O Bacelar, esse,  acabou por dar um salto até aos Alpes Franceses, já em setembro de 1974, na “rentrée”. As raparigas eram da região de Grenoble. Foi uma espécie de “summer school”, completa, mas sem direito a certificado em papel timbrado, com o “Capital” do Karl Marx, o “Kama Sutra”, os maços de cigarros “Gitanes”, e a garrafa de vinho do Porto Ferreirinha, enrolados nos lençóis encardidos. 

As tipas, finalistas de liceu, eram muito mais politizadas e "sabidas"  do que ambos. O Bacelar era obrigado a recitar o “livrinho vermelho”, a bíblia do maoísmo, antes de ir para a cama com a sua “copine”. A que te calhou na rifa era mais dada à poesia e à música de contestação, o Brel, Moustaki, o Leo Ferré… Nada de Dassin ou Bécaud, que eram pirosos, mas os únicos que o Bacelar e tu conheciam … 

Enfim, melhoraste substancialmente o teu francês de praia nesse tardio verão de 1974. Mas não acompanhaste o Bacelar nas aventuras em França, país de resto que tu já conhecias, do trabalho duro, de sol a sol nas vinhas de Bordéus… Trabalho de escravo branco, diga-se de passagem.

O argumento era o do costume, e fez-te recuar até à Guiné: 

− Bacelar, alguém tem de ter a cabeça fresca e  ir trabalhar… 

Na realidade, tu sentias-te mal por andarem os dois  com miúdas muito mais novas. Caiste na realidade. Aquilo não tinha nada a ver contigo. E lá foram os três no Mini! O "dom Juan" do Bacelar e as catraias... Não sabes como o Bacelar conseguiu a proeza, de ir e vir… num Mini já com muitos milhares de quilómetros no contador…

O “açoriano”, o chefe, levantou-lhe um processo disciplinar por faltas injustificadas. Nesse tempo ainda havia livro de ponto. Intercedeste pelo teu “amigo improvável”, usando (e talvez abusando de) as tuas funções, 
na altura, de delegado sindical, "eleito democraticamente", em lista única, de braço no ar (e com três ou quatro votos contra, como seria de esperar). E sobretudo fartaste-me de esgalhar para compensar o trabalho em falta do Bacelar. 

O tio-avô dele, já reformadíssimo, arranjou-lhe um atestado médico. E, com a “boa vontade de todos”, o caso foi abafado e a “ficha” do Bacelar voltou a ficar limpinha… 

O Portugal do pós-25 de Abril era  um país de gente porreira… Perguntas-te hoje por que razão é que o fizeste, por um tipo que afinal tinha poucas afinidades contigo… 

És capaz de responder que foi simplesmente por amizade (e quiçá por camaradagem), que veio na sequência da situação de “companheiros de infortúnio”,  quando colocados como "mangas da alpaca" na repartição de finanças de Mafra… Afinal, a política, a religião, a ideologia... não eram tudo na vida, foi a conclusão a que tu chegaste, da tua vivência desses tempos.

Nesse final de verão de 1974, ou já princícpio de outono,  descobriste de repente que, ao despedirem-se,  tinhas ganho um amigo, na realidade o primeiro amigo do peito que ganhavas em vida… Despediram-se com um valente  "quebra-costelas"  e uma indisfarçável lágrima ao canto do olho... Prometeram visitar-se um ao outro,  em próxima oportunidade. O que só viria a acontecer em 1977, três anos depois, por ocasião do seu (e dele) 30º aniversário natalício. Ele veio até Lisboa, dessa vez.

Entretanto, em 1974, depois do 25 de Abril, o  "grupinho do adjunto e das meninas" andava de crista murcha, mas não escondia a sua hostilidade crescente para com o “sindicalista”, que eras tu. O Bacelar apanhava por tabela, apenas por ser teu amigo...  

Disseram-te depois que, a partir do verão de 1975, voltaram a sentir-se de novo em casa, com a baiuca por sua conta. A paz voltou a reinar no convento, se bem que as alegres noitadas de da última sexta feira de cada mês já não se voltaram a repetir, tal como as "ceias de Natal do fisco"… A "madama" sumiu-se, os empresários tinham mais com que se preocupar...

Com o início da informatização das contribuições e impostos e da modernização administrativa, incluindo uma nova gestão de recursos  humanos, começou a imperar uma certa moralidade, rigor e transparência... 

Entretanto o “açoriano” fora promovido e regressara à sua ilha natal.   O jovem candidato  à Academia Militar  não sabes se chegou a concorrer e  a entrar, já com a "guerra de África" arrumada.  E do padre, teu amigo e do Bacelar,  também não nunca mais soubeste nada. E a história deste país, já quase com 900 anos,  lá seguiu o seu curso a caminho do novo milénio.

Em Mafra, não deixaste amigos, infelizmente, mas queres aqui reconhecer que era terra de boa gente, e sobretudo trabalhadora. Embora tu nunca te tenhas reconciliado com a "Máfrica", mas isso é outra história.

O mais triste de tudo  foi  a perda, afinal, de um grande amigo, morto estupidamente debaixo de um tractor que ele comprara, em segunda mão  e, por ironia, não obedecia às normas nacionais e europeias de segurança, faltando-lhe por exemplo as estruturas de segurança (nomeadamemte, o arco de segurança, rebatível)...

E tu que, da única vez que lá foste, à sua casa nos arredores de Ponte de Lima, a chamar-lhe a atenção: "Oh!, Bacelar, olha que um dia destes ainda cais de um socalco e ficas debaixo do trator!"... 

Meu dito, meu feito!... Tal como ao do teu pai, não foste ao seu funeral... Só soubeste da triste notícia uns largos tempos depois. Por um mero acaso. Quando passaste por Ponte de Lima e lembraste-te de perguntar a alguém por ele.


© Luís Graça (2021). Revisto em 15 de abril de 2024.


Nota do autor: Neste conto, os nomes (de pessoas e lugares) são fictícios, mas os factos são verdadeiros. Acontece que este país é demasiado pequeno.

___________

Nota do editor:

(*) Poste anterior da série > 15 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25391: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (25): Um país de gente porreira - Parte I

Guiné 61/74 - P25393: Efemérides (433): Ainda a recente homenagem em Nova Iorque a dois grandes humanistas lusofónos, diplomatas da II Guerra Mundial, que faleceram há 70 anos, neste mês de abril, o português Aristides de Sousa Mendes (a 3) e o brasileiro Luís Martins de Sousa Dantas (a 16) (João Crisóstomo)



Nova Iorque > Igreja Eslovena de São Ciro > Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos > 7 de abril de 2024 >    Aspeto parcial da assistência


Nova Iorque >  Igreja Eslovena de São Ciro > Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos > 7 de abril de 2024 >    Vilma e João Crisóstomo,  padre franciscano frei Krisolog,  embaixadora Ana Paula Zacarias e dom Gabriele Caccia.


Nova Iorque > Igreja Eslovena de São Ciro > Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos  > 7 de abril de 2024 >  Arcebispo dom Gabriele Caccia e padre franciscano frei Krisolog durante a Missa.


Nova Iorque >  Igreja Eslovena de São Ciro >  Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos >   7 de abril de 2024 >  João Crisóstomo, do Day of Consciense Committee, um dos promotores do evento


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo  (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem do nosso amigo e camarada João Crisóstomo (Nova Iorque):

Data - 14/04/2024 23:15
Assunto - Ainda a homenagem a dois humanistas em Nova Iorque


Caro Luís Graça,

Obrigado pela cobertura que fizeste antes de 7 de Abril e depois ainda sobre a mensagem enviada para a ocasião pelo Senhor Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.(*)

Permito-me fazer um follow-up (ou o que lhe quiserem chamar) para os que tiverem algum interesse no assunto. Já sabes que não sei ser sucinto do que peço desculpa. Se achares que vale a pena um outro post sobre isto, talvez queiras cortar o que achares menos pertinente, para ser menos tedioso.

A razão deste follow-up é sobretudo para falar sobre o outro humanista homenageado, o brasileiro Luís Martins de Sousa Dantas, cuja morte lembramos depois de amanhã , dia 16 de Abril .

Quando em 2004 com a ajuda da IRWF,   organizei a celebração do 50º aniversário da morte de Aristides de Sousa Mendes, vim a ter conhecimento dum outro grande humanista . E com grande surpresa verifiquei que eles pareciam gémeos. 

Reparem: 

  • são ambos de língua portuguesa;
  • ambos diplomatas servindo os seus países em França durante a II Guerra Mundial; 
  • ambos se encontram na mesma posição de terem de atender a refugiados fugindo dos nazis e de morte certa em camaras de gaz e fornos de incineração nos campos de concentração ; ambos decidiram ajudar estes refugiados; 
  • ambos agiram contra as ordens de seus governos que os proibiam de ajudar refugiados especialmente judeus; 
  • ambos foram acusados em tribunal e condenados ; 
  • ambos, talvez nem se conhecessem, explicaram ter agido assim porque tinham de seguir a sua consciência de cristãos;
  •  depois da sua morte foram ambos reconhecidos por Yad Vashem ; 
  • e como se carimbados com um selo de comum destino vieram a morrer a escassos dias um do outro, ambos em Abril do mesmo ano de 1954.

Decidi então que quando falasse de Aristides de Sousa Mendes não iria esquecer o outro humanista brasileiro Luís Martins de Sousa Dantas. E nos acontecimentos sobre o “Dia da Consciêcia” comecei a falar sempre dos dois.

O evento, dito para celebrar o 70º aniversario da morte de Aristides de Sousa Mendes e de Luís Martins de Sousa Dantas que ocorreu no dia 7,    correu muito bem. A Igreja e salão onde o evento teve lugar são pequenos, que a comunidade eslovena em Nova Iorque também é pequena. Mas era o suficiente para receber acima de 110 pessoas , representando 24 organizações que se fizeram representar. 

Como constava do convite o evento foi na verdade um triplo evento. 

A primeira parte foi uma Missa celebrada pelo Senhor Arcebispo Dom Gabriele Caccia, representante do Vaticano na ONU.

Depois seguiu-se um receção no salão onde o orador principal foi a Sra. Embaixadora Ana Paula Zacarias , nossa represenetnate diplomática  nas Nações Unidas.

Falaram também:
  • Embaixador Noberto Moretti, representando o Brasil e ainda o professor luso-americano Paulo Pereira, Presidente da Camara da cidade de Mineola;
  • Sandra Mendonça Pires representava o nosso embaixador nos US; 
  • Portugal US Chamber of Commerce;
  • All4Integrity;
  • Lions Club;
  • Sousa Mendes Foundation, US;
  • IRWF ( International Raoul Wallenberg Foundation:
  • Columbia University;
  • NYpalc (Associação de clubes de Nova Iorque);
  • Academias de Bacalhau de Nova Iorque e de Long Island;
  • Várias escolas e clubes de Nova Iorque e New Jersey,
... e ainda diversas outras associações num total de 24, enchiam o salão, onde além de bar eram servidos canapés passados em travessas.

A terceira parte foi a projeção do filme “O Consul de Bordeús” (Portugal, 2011). 

O seu sucesso era evidente pelo número de pessoas que não podiam esconder a sua emoção, enquanto outros teimavam em esconder teimosas lágrimas, e dezenas de pessoas , incluindo vários dignitários presentes me perguntavam onde podiam encontrar uma cópia do filme que acabávamos de ver. O evento foi objecto de cobertura pela SIC internacional e por outros jornalistas aí presentes.

Têm-me perguntado por vezes a razão porque continuo a lembrar e organizar eventos sobre Aristides de Sousa Mendes. O nosso grande humanista, argumentam , já deixou de ser um ilustre desconhecido , como atestam a sua introdução no Panteão Nacional e o seu reconhecimento pelo Papa Fancisco, que dele e do “Dia da Consciência” falou em Junho de 2020.

É que a memória humana parece ser por vezes de muito curta duração. Quando em 1996 ouvi falar de Aristides pela primeira vez, para logo decidir apresentá-lo ao mundo, dada a grande figura que descobri, em toda a Nova Iorque, de grandes jornais a rabinos e muitos simples indivíduos que contactei, ninguém ,salvo Elie Wiesel e Baruch Tenembaum, sabia quem ele era. 

 Depois da grande exibição nas Nações Unidas em que consegui que ele fosse homenageado com grande destaque, não deixei mais que ele voltasse ao esquecimento, organizando eventos nos Estados Unidos, em Portugal e outros países. E constatei com muita satisfação que o meu esforço era igualado por alguns membros da sua família e outras pessoas mundo fora como foram Jacques Riviere e Manuel Dias em França, Paulo Martins no Brasil enquanto Rui Afonso publicava o livro ‘Um Homem bom “ e Diana Andriga e outros da media se debruçavam sobre ele.

É importante que ele e outros não voltem a ser ignorados e esquecidos. Mas o mais importante é que lembrando-o, nós lembremos a sua consciência e a sua coragem em fazer o que devia ser feito. E, de que hoje, mesmo que isso exija esforço e sacrifício da nossa parte, temos de ter a mesma coragem para fazer o que precisa de ser feito, especialmente quando se trata de ajudar pessoas necessitadas e outras que, sem culpa deles e apesar de esforços, ainda precisam da nossa ajuda. Essa é a razão principal porque devemos continuar a lembrar Aristides de Sousa Mendes.

Um grande abraço
joão

PS - Espero que as fotos, que junto,   ajudem a visualizar o que foi este evento.
 
____________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 7 abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25353: Efemérides (432): Há 70 anos que morreu Aristides de Sousa Mendes (em Lisboa, 3 de abril de 1954): O Presidente da República Portuguesa associou-se à homenagem do dia 7, hoje, em Nova Iorque, na Igreja Eslovena de São Ciro