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segunda-feira, 8 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25354: Blogues da nossa blogosfera (188): Recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte I: Foto da semana, 5 de julho de 2009 (Produção de Flor-de -Sal)



Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desemvolvimento > Foto da semana: Título da foto: Aumenta a produção de Flor-de-Sal | Data de Publicação: 5 de Julho de 2009 | Data da foto: 20 de Março de 2009 | Palavras-chave: Novas Tecnologias

Legenda:

"Ermelinda Medina é a técnica responsável pela difusão desta tecnologia amiga do ambiente que está a fazer um enorme sucesso em todas as zonas litorais da Guiné-Bissau, com crescentes pedidos da parte das mulheres habituadas a produzir sal segundo os moldes antigos, isto é, com recurso à lenha e ao lume.

"Enquanto vulgarizadora que bem conhece e domina a produção de sal de excelente qualidade, a flor-de-sal, ela começou a difusão na zona de Ingoré, seguindo-se Barro, S.Domingos e Canchungo, preparando-se para cobrir as zonas de Cacine e Bedanda, logo que comece a próxima época seca.

"Recorrendo apenas à energia solar, em vez da habitual queima de lenha, as mulheres passam a dispor de um produto de melhor qualidade (sal iodado), de aparência mais comercial e com uma procura assegurada, o que lhes permite aumentar os seus recursos financeiros, gastando menos tempo e não agredindo a sua saúde." 

Fonte: Arquivo.pt > ADBissau.org (com a devida vénia...)


1. No tempo do nosso amigo Pepito, engº agrº Carlos Schwarz da Silva (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014), cofundador e diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolbimento, tínhamos acesso à excelente fotogaleria da página desta prestigiada e respeitada ONG, com sede em Bissau, Bairro do Quelelé... 

Tínhamos inclusive uma  relação privilegiada com esta organização guineense, que se foi perdendo com a morte do Pepito. Nòs, a Tabanca Grande, a Tabanca Pequena de Matosinhos, e outras tertúlias, incluindo a ONGD Ajuda Amiga. Mas durante anos o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné continuou a figurar como um dos "parceiros" da AD.

Nos últimos  anos, deixámos inclusivamente de ter acesso à antiga página da AD - Acção Para o Desenvolvimento: o sítio (http://www.adbissau.org/ )   terá sido reformulado e descontinuado (por  volta de  2020/2021). 

Só muito recentemente, através do Arquivo.pt, conseguimos recuperar parte dos seus conteúdos, nomeadamente do perído que vai do  seu início, em 2005, até 2010. Outros conteúdos  perderam-se como a multimédia (vídeos e áudios) e a fotogaleria (a série "Foto da semana"). 

Com sorte e pacicência, lá vamos recuperando alguma "foto da semana", como esta que reproduzimos acima. 

A maior parte das fotos eram da autoria do Pepito, que incansavelmente percorria a Guiné onde quer  que estivessem em curso,  ou em estudo,   projetos da AD...  Cada foto tinha um título, uma data, uma palavra-chave ou "descritor", e uma legenda, resumo analítico ou sinopse.

Tratava-se de um sítio que fazia parte da nossa blogosfera (*), que nos disponibilizava recursos (em imagem, texto, etc.)   importantes para se ir acompanhando quer projetos relevantes para o desenvolvimento socioeconómico sustentado da Guiné-Bissau (como é o caso, por exemplo, da produção de sal), quer para se conhecer melhor a socioantropologia guineense  (a arte, a música,  a cultura,   etc.) e a sua história recente.

A ONG AD - Ação para o Desenvolvimento passou, a partir de maio de 2011, a ter outro endereço, mas  a URL é ligeiramente diferente da do sítio antigo.  Estranhamente, não tem sido capturada pelo Arquivo.pt: https://ad-bissau.org/ . Já sugerimos que o façam.

De entre os membros da equipa da AD (40, dos quais já morreram três, incluindo o Pepito em 2014), o Mamadu Ali Jaló é atualmente (e desde maio de 2011),   o responsável pela actualização da página na Web e pela redacção dos folhetos e informações da organização.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Guiné 6/74 - P25217: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte V: Angola 'versus' Guiné


Gen Bettencourt Rodrigues (Funchal, 1918 - Lisboa, 2011)


1. Há documentos que devem merecer a nossa atenção e ser divulgados neste blogue de antigos combatentes da Guiné... É o caso do depoimento do gen Bettencourt Rodrigues (Funchal, 1918 - Lisboa, 2011), o último governador e com-chefe da Guiné, antes do 25 de Abril, prestado em 1997, no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida. 

O sítio original na Net foi descontinuado. Só há pouco tempo o conseguimos recuperar através do Arquivo.pt.  Devido à sua entensão,  será reproduzido,  com negritos nossos (e itálicos), em duas parte (com a devida vénia, ao ICS - Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa). 

A primeira parte é dedicada a Angola, onde o general Bettencourt Rodrigues foi o "herói da região militar leste" (1971-1973). A segunda, à Guiné.

Os entrevistadores, já falecidos, Manuel Lucena, cientista político (1938-2015)  e Luís Salgado de Matos, sociólogo (1946-2021), foram dois brilhantes investigadores do ICS - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Este documento também está disponível no Arquivo de História Social do ICS. Faz parte do espólio de Manuel Lucena.

Estudos Gerais da Arrábida > 
A DESCOLONIZAÇÃO PORTUGUESA

Painel dedicado à Guiné (29 de Julho de 1997) 


Manuel de Lucena

Antes da eclosão da guerra Angola - e baseando-me no depoimento que concedeu a José Freire Antunes  (2) - sei que estagiou em unidades norte-americanas e esteve integrado na Divisão SHAPE. Quer falar-nos um pouco dessa experiência? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Em 1952, depois de ter feito o curso de Estado Maior no Instituto de Altos Estudos Militares, o então Chefe de Estado Maior, general Barros Rodrigues, destacou-me para tirar o curso de Comando e de Estado Maior nos EUA (Kansas). Seguidamente, estagiei na 1ª Divisão de Infantaria norte-americana instalada no campo de Graffenworhr, na Alemanha Ocidental. 

Passado algum tempo, constituiu-se a Divisão SHAPE, que actuou em numerosos exercícios e manobras, dentro e fora do país, Nessa unidade, fui adjunto da 3* Repartição do Quartel General durante o período de manobras de 1953 e anos seguintes. 

Quando regressei a Portugal, estive durante algum tempo colocado em Santa Margarida, onde se começaram a aplicar os modelos e técnicas americanas ao Exército português: foi em Santa Margarida que nasceu o moderno Exército portuguesa. 

Foi talvez em 1958 que começámos a ter a percepção de que algo iria acontecer em África, fundamentalmente devido ao exemplo da guerra da Argélia e às primeiras independências na África negra. 

Por essa  altura tomaram-se certas providências tendo em vista a adaptação do Exército ao tipo de inimigo que poderia ter de vir a enfrentar. 

Enviaram-se alguns oficiais para a Argélia (Hernes de Oliveira, Almiro Canelhas, Franco Pinheiro, entre outros), a fim de se familiarizarem com os métodos de luta anti-guerrilha; mudaram-se os planos de instrução; no Instituto de Altos Estudos Militares, na Academia Militar e nas Escolas Práticas começou leccionar-se a teoria da «guerra subversiva»; em Lamego, foi criado o Centro de Instrução de Operações Especiais, especialmente vocacionado para a luta antissubversiva 

Em 1960 - o ano da independência do Congo belga -, o coronel Almeida Fernandes, então ministro do Exército, mandou uma missão do curso de Estado-Maior a Angola. Fiz parte dessa missão - era então professor no curso Estado Maior - tendo levado comigo os alunos da parte complementar do curso, Percorremos toda a fronteira Norte de Angola em duas station wagons sem que tivéssemos dado conta de algo de anormal. Angola parecia estar perfeitamente pacificada. 

Quando a grande bronca rebenta, - os massacres da UPA de 14 de Março -, eu estava lá em missão, juntamente com os generais Beleza Ferraz e Câmara, respectivamente CEMGFA e CEME. Em Buco-Zau (Cabinda), onde nos encontrávamos, chamaram-nos de urgência para a Luanda. Depois daqueles dois responsáveis terem regressado a Lisboa, na companhia do ministro do Ultramar, Vasco Lopes Alves, ainda lá fiquei uns dias. 

Manuel de Lucena: 

Qual era o propósito dessa última missão? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Tratava-se de uma simples missão de rotina, tanto quanto me recordo. Simplesmente, calhou estarmos lá aquando da eclosão da guerrilha. Depois dessa ocasião, voltei repetidas vezes a Angola, uma delas com o então major Pedro Cardoso, adjunto do Secretário-Geral da Defesa Nacional, por ocasião do cerco a Carmona. 

Em Novembro de 1961 teve lugar um acontecimento dramático: o desastre do Chitado, onde pereceu o general Silva Freire, então comandante da região militar de Angola. Pouco tempo depois, o general Holbeche Fino, designado para suceder a Silva Freire, telefona-me dizendo que gostaria de me levar para Angola como seu chefe de gabinete. 

À minha maneira, respondi-lhe que tinha dois patrões; o general Gomes de Araújo e o general Câmara Pina; se ele se entendesse com eles, muito bem, iria para Angola, Comigo foi sempre assim: basta apresentarem-me a guia de marcha e eu vou para qualquer lado. 

Luís Salgado de Matos: 

Quando em Março de 1961 rebenta a «bernarda» em Angola, o dr. Salazar não quis falar com as pessoas que lá estavam?

 General Bettencourt Rodrigues: 

Não sei. Pela minha parte, só falei com o Costa Gomes e o Almeida Fernandes. 

Luís Salgado de Matos: 

Não é no regresso daquela visita que os generais Beleza Ferraz e Câmara Pina classificam os incidentes em Angola como um simples caso de polícia e depois são muito criticados? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Sim, admitia-se que o general Beleza Ferraz talvez não tivesse medido bem a gravidade da situação; e daí essas declarações menos felizes. 

Luís Salgado de Matos: 

Ainda em relação a esse ano de 1961, como viu o golpe do general Botelho Moniz? 

General Bettencourt Rodrigues: 

O general Botelho Moniz era um homem muito complicado, muito fechado sobre si mesmo. Quem não segue as regras no Exército, acaba sempre por «dar gato»

Ainda hoje não sei bem o que foi a «Abrilada». Que eles queriam derrubar o dr. Salazar e o almirante Américo Tomás é um facto - e o Craveiro Lopes até já tinha a mala feita para se instalar em Belém. Agora o que sucederia depois do golpe, isso permaneceu sempre um mistério para mim. 

Manuel de Lucena: 

Como é que o sr. general sentiu o ambiente das Forças Armadas em Angola, em 1961? Nos escalões que contavam, é evidente. 

General Bettencourt Rodrigues: 

Apesar de uma certa surpresa perante a proporção que as coisas assumiram em Março de 1961, já havia um certo planeamento por parte dos responsáveis militares. O general Silva Freire, um estratega brilhante, tinha alinhavado algumas ideias para enfrentar um possível foco de subversão. 

Infelizmente, no desastre do Chitado faleceram também dois chefes de Repartição do Quartel General. Escaparam, valha-nos isso, o hoje coronel Moreira Rebelo, da 1ª Repartição, e o hoje general Salazar Braga, da 2ª Repartição. 

Em finais de 1961 tínhamos para resolver: a reconstituição Quartel General, as comunicações, a logística e a montagem do sistema de quadrícula. Ou seja, praticamente o essencial. 

O sistema de quadrícula, de inspiração francesa, surgiu-nos como o mais adequado, até porque os massacres tinham eclodido em regiões onde não existiam guarnições militares, deixando os fazendeiros num grande isolamento. 

Luís Salgado de Matos: 

O general Silva Freire era um oficial da escola francesa? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Sim, mas era sem dúvida o nosso melhor general, um dos mais brilhantes estrategas da sua geração. Ele teve a inteligência de perceber que era através da quadrícula que poderíamos contactar com as populações, trazê-las para o nosso lado. 

Repare: a guerra dita subversiva é um conflito assimétrico; uma disputa entre dois adversários desiguais em termos de organização, recursos e implantação no terreno. 

O sistema da quadrícula adaptou-sese bem às características da guerra subversiva. Era a quadrícula que integrava o médico que fornecia os cuidados de saúde básicos, o cabo que dava a instrução primária aos indígenas, o soldado que conhecia bem os musseques, a sanzala, enfim, a tropa que ia fazendo o  «trabalhinho». 

Quando se queria bater com força, então chamavam-se as forças de intervenção. Foram ambas indispensáveis e complementares uma da outra. 

Luís Salgado de Matos: 

Diz-se que a quadrícula deixou de combater em 1965. 

General Bettencourt Rodrigues: 

Não tenho essa ideia. Sinceramente. Quando voltei a Angola em 1971 (a minha missão com o general Holbeche Fino terminou em 1964), para chefiar a Zona Militar Leste, combatia-se com determinação. Tanto assim que ainda nesse ano voltou a ser possível circular à vontade nessa região.

 Manuel de Lucena: 

Entre 1961 e 1964, a ideia era cooperar e pacificar, por um lado, e bater quando necessário, por outro? 

General Bettencourt Rodrigues: 

A ideia do apaziguamento era primordial. Era a razão de ser da nossa guerra. Nunca se perseguiu uma estratégia de aniquilamento do inimigo. O nosso lema era «a conquista pelas mentes». 

Luís Salgado de Matos: 

Voltando um pouco atrás. O general Beleza Ferraz tinha ou não razão quando dizia que a situação em Angola se pacificava num ápice? Porque em 1962 as coisas estavam aparentemente controladas... 

General Bettencourt Rodrigues: 

Não é tanto assim. Aquela gente era determinada, batia-se bem, tinha armamento, apoios internacionais. 

Manuel de Lucena: 

A guerrilha era então vista como um inimigo a longo prazo?

 General Bettencourt Rodrigues: 

Era impossível liquidá-la de uma só vez. Repare: qual é a finalidade da guerra subversiva? Substituir uma autoridade por outra, naquele caso, portugueses por angolanos. 

Nesse aspecto, a subversão falhou: foi o 25 de Abril que nos derrubou. 

Como a finalidade era aquela, não podia haver soluções de compromisso. Como é que se faz um cessar-fogo no âmbito de uma guerra subversiva? Nunca ninguém mo soube explicar até hoje. 

Utilizando uma imagem conhecida: uma mulher está grávida ou não; não pode estar apenas um bocadinho grávida…

Manuel de Lucena: 

O que o sr. general pretende dizer é que na guerra subversiva o compromisso é sempre o prelúdio da derrota de um dos lados. É isso? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Eu vou mais longe: qualquer compromisso equivale sempre a uma derrota incondicional

À guerrilha nunca interessam partilhas territoriais, soluções intermédias. É a vitória total ou nada. 

Manuel de Lucena: 

E em relação ao compromisso, quando é que se percebe que um dos lados se está a precipitar no abismo? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Veja esta hipótese: o general Spínola chegava a um entendimento com o Amílcar Cabral e conseguia chamá-lo para o Governo, oferecendo-lhe o cargo de secretário-geral ou coisa que o valha. Neste caso, quem vencia era o general Spínola porque o Governo, a autoridade, mantinha-se portuguesa. 

Luís Salgado de Matos: 

A esse respeito tenho uma espécie de teoria sentimental sobre a descolonização portuguesa. Ganhámos a guerra militarmente - com a possível excepção Guiné - mas o pais decidiu que se retirava, que não valia a pena continuar em África. 

Manuel de Lucena: 

Depois do trabalho com o general Holbeche Fino, entre 1961 e 1964, e até voltar a Angola, por onde andou o sr. general? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Estive três anos em Londres como adido militar e depois fui ministro do Exército, já com o professor Marcelo Caetano. Em 1971 fui então nomeado Comandante da Zona Militar Leste.

 Manuel de Lucena: 

Como surgiu essa sua última nomeação? 

General Bettencourt Rodrigues: Creio que foi o general Costa Gomes, meu grande amigo, que me propôs. 

Luís Salgado de Matos: 

Com quem tinha grandes afinidades tácticas, segundo julgo saber… 

General Bettencourt Rodrigues: 

Direi que partilhávamos de uma certa unidade de vistas. Em 1970-71 a situação em Angola apresentava sinais de deterioração. A subversão alastrou do Norte até ao Leste, à Lunda, ao Mochico e, o que era verdadeiramente preocupante, começara a ameaçar Nova Lisboa, o centro nevrálgico de Angola. 

Nessa altura, o general Costa Gomes decidiu remodelar o dispositivo e criar a Zona Militar Leste, que abrangia os distritos do Bié, Lunda, Mochico e Cuando Cubango. Essa sua iniciativa coincidiu com uma viagem do general Sá Viana Rebelo, ministro da Defesa a Angola. 

Em conversa, o general Costa Gomes sugeriu o meu nome para a chefia do novo comando, tendo obtido a anuência do ministro. 

Manuel de Lucena: 

Entretanto, falou também com o professor Marcelo Caetano? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Exactamente. De resto, eu sempre estive muito à vontade com o professor Marcelo. Tinha sido seu ministro, conhecíamo-nos bem... Ele até dizia que eu usava uma linguagem muito pitoresca... 

Luís Salgado de Matos: 

O professor Marcelo alguma vez se confessou consigo sobre os contados secretos com o PAIGC? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Não acredite nisso... Eu não duvido que o Villas-Boas tenha ido a Londres, mas foi só ver o que é que os tipos queriam, mais nada. Havia um toque do Foreign Office e não se podia dizer que não. 

Manuel de Lucena: 

Quando falou com o professor Marcelo antes de ir para o Leste,  havia mais alguma coisa na manga, ou era apenas uma conversa normal entre o Presidente do Conselho e um antigo ministro que ia desempenhar uma importante missão militar? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Prefiro essa segunda hipótese. Para ser sincero, a conversa foi até relativamente inócua. Discutimos a delicadeza da situação militar, particularmente dramática à volta de Nova Lisboa; falámos das acções que se poderiam desenvolver junto das populações. 

Este último desiderato era, não me canso de sublinhá-lo, muito importante para nós. Nisso, o dr. Salazar e o prof. Marcelo não eram muito diferentes. 

Nas três frentes em que estivemos envolvidos, não arrasámos nada, não recorremos a bombardeamentos maciços, não seguimos uma política de terra queimada

É claro que, numa situação de conflito, há sempre uns tipos desequilibrados que podem praticar abusos. 

Luís Salgado de Matos: 

Na Argélia o uso da tortura em uma directiva explícita do Estado-Maior. O comando de pára-quedistas de Argel estava especificamente treinado para aterrorizar. 

Manuel de Lucena: 

Bem, a esse respeito há até quem fale de uma excessiva brandura por parte da tropa portuguesa. Quer comentar,  sr. general? 

General Bettencourt Rodrigues: 

É claro que quando era preciso bater, nós batíamos. No entanto, é sempre muito difícil dosear essas coisas... 

Mas fomos sempre formados para não cometer excessos. 

Manuel de Lucena: 

Sobre a sua acção no Leste, pode dizer-nos alguma coisa sobre os seus acordos com Jonas Savimbi? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Relativamente a esse assunto, entendo que não devo falar, uma vez que a pessoa em questão ainda está viva e politicamente activa. 

No entanto, esclareço que após o 25 de Abril nunca tive nada a ver nem com a UNITA, nem com o MPLA. 

Manuel de Lucena: 

O brigadeiro Passos Ramos, que nos prestou dois depoimentos em 1995 e 1996, levantou um pouco a ponta do véu sobre esses acordos. Disse-nos, nomeadamente, que houve um entendimento entre o Exército português e a UNITA com vista à formação de um santuário, que, naturalmente, funcionava contra o MPLA. 

Disse-nos também que a UNITA não era um movimento fantoche: estava bem implantada, cobrava impostos aos madeireiros, controlava áreas muito vastas - em suma, dava-nos trabalho. 

General Bettencourt Rodrigues: 

A única coisa que posso dizer é que o general Costa Gomes estava dentro desse entendimento, tal como o professor Marcelo Caetano. O que não equivale a atribuir-lhes a paternidade da ideia. 

Luís Salgado de Matos: 

O fim do 'modus vivendi' com Savimbi ficou a dever-se à inabilidade do seu sucessor? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Em certa medida. A guerra subversiva é uma guerra - como direi? - suja, pouco ortodoxa. 

Se sigo com demasiada intransigência os meus princípios - e essa foi a opção meu sucessor - não estou a jogar pelas regras do jogo. 

Luís Salgado de Matos: 

Mas essa inflexão face à UNITA terá tido o assentimento do ministro, não?

 General Bettencourt Rodrigues: 

Não sei. Mas note que o Leste de Angola é um sítio remoto. Naquele conflito gozávamos de uma grande margem de autonomia. 

Manuel de Lucena: 

Quando estive exilado, falei uma vez com um homem do MPLA, um mestiço, Castro Lopo, que se confessou muito impressionado com as dificuldades que o movimento então experimentava na Frente Leste. Dificuldades sobretudo ao nível dos abastecimentos - vinha tudo de muito longe, da Zâmbia, por exemplo, forçando-os a longas caminhadas…

 General Bettencourt Rodrigues: 

Precisamente. Por outro lado, eram essas as vantagens dos terroristas na Guiné. Mas o Governo Zâmbia não regateava apoios à subversão. À semelhança, aliás, de alguns lobbys norte-americanos, como o American Comitte for Africa

Quem tocava no Caminho de Ferro de Benguela era a UNITA, o que não convinha nada à Zâmbia, um país de hinterland com acesso ao mar bloqueado. Isso dava-nos um grande trunfo sobre o Kaunda. É por isso que chamei à guerra subversiva uma guerra suja: cada um dos lados combatia com manhas e artimanhas. 

Manuel de Lucena: 

Nesse sentido, o acordo com a UNITA revestía-se de um carácter eminentemente prático; quanto muito implicaria uma integração de quadros dirigentes daquele movimento na administração portuguesa. É isso? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Sim, é mais ou menos isso. 

Luís Salgado de Matos: 

Passando agora para a Guiné (...)

(Continua em próximo poste)

__________

Notas dos entrevistadores:

1 José Manuel Bettencourt Rodrigues (n. 1918): Oficial de Infantaria. Ministro do Exército (1968-70). Comandante da Zona Militar Leste de Angola (1971-73). Sucedeu a Spínola como governador da Guiné (1973-74). 

(2) José Freire Antunes, A Guerra de África, 1° vo1. Lisboa; Círculo de Leitores, 1996. 

(Revisão / fixação de texto, negritos, itálicos, para efeitos de publicação neste blogue: LG)

__________

Nota do editor:

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25105: Blogues da nossa blogosfera (185): O que é feito do "Vidas Lusófonas", sítio fundado e animado por Fernando Correia da Silva (1931-2014) ? Fomos revisitá-lo no Arquivo.pt e encontrámos revelações surpreendentes na biografia de Vasco Cabral...

 

1. Há um ano atrás fomos "revisitar" a nossa lista de  "blogues da nossa blogosfera" (*),  blogues e outras páginas (c. 110) que  constavam da coluna estática do nosso blogue, no lado esquerdo (a "aba", como lhe chama o Carlos Vinhal). Há muito  que não era atualizada, essa lista.


Numa verificação por amostragem demos conta  que mais de metade dos blogue e outras sítios (ou "sites")  tinham sido  descontinuadas, já não existiam ou tinham mudado de URL. 

Comentámos então que era o preço que se pagava por uma existência virtual, que é sempre precária, dependente da boa vontade ou dos caprichos dos servidores, das contingências da vida dos fundadores e animadores, etc.

Uma das páginas que seguíamos era a da  "Vidas Lusófonas" (vd. logo acima): 

O sítio era animado por  Fernando Correia da Silva (1931-2014), e outros jornalistas e escritores de língua portuguesa (mais de 3 dezenas de colaboradores). Infelizmente o sítio já não existe... Entretanto, e felizmente,  foi capturado pelo robô do Arquivo.pt (a última captura de écrã terá sido feita em 21 de fevereiro de 2017):



2. O "Vidas Lusófonas" ainda se mudou para a página "A Viagem  dos Argonautas" (onde também é argonauta o nosso camarada Adão Cruz). Aí escreveu o seguinte, em 21 de julho de 2015, a filha do Fernando Correia da Silva, Ethel Feldman:

(...) Queridos colaboradores,

No início, em 1998, tudo indicava que seria mais um projeto utópico de pouca dura. Um site cultural, onde todos os colaboradores estavam empenhados, cujo o intuito era o de partilhar a vida de personagens que fizeram história, cuja língua materna é o português.

O dinheiro não fez parte da equação. A dedicada teimosia de todos mostra que o Vidas Lusófonas só morrerá depois de todos termos partido.

No dia do aniversário da morte do seu fundador, meu pai, cumpro a promessa de um site renovado. A todos quero agradecer a paciência e confiança. O site continua tendo um número de visitas extraordinário.

Que se mantenha assim e sob o lema do Fernando: "Acho que cada vida tem que ser contada como se fosse um romance. Portanto, morra a prosa de notário! Morra a chatice do verbete enciclopédico!” (...)
 

Em quase duas centenas de biografias de gente lusófona,  de A a Z  (de Portugal, Brasil, Cabo Verde, Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé Príncipe, Galiza, etc.) temos também a de Vasco Cabral (**), assinada pelo próprio Fernando Correia da Silva de quem foi colega da faculdade e amigo en Lisboa e depois ao longo da vida fora.  

Com o exílio de ambos, andaram desencontrados mais de vinte anos. Depois de regressar do Brasil, na sequência do 25 de Abril de 1974, o escritor e exilado político Fernando Correia da Silva integra a Federação das Cooperativas de Produção e +e numa viagem a Cabo Verde que reencontra o Vasco Cabral. Aqui vão excertos, com a devida vénia, do que ele escreveu sobre o seu amigo, e figura histórica do PAIGC.


3. Vidas Lusófonas > Biografia de Vasco Cabral  (Farim, 1926- Bissau, 2005)

por Fernando Correia da Silva


 (...) Achamos que o mais correcto seria convencer os operários a tomar conta dos meios de produção abandonados pós 25 de Abril. A ideia vinga e os trabalhadores de umas cinquenta pequenas e médias indústrias aceitam a proposta e assim nasce a Federação das Cooperativas de Produção.

Uma das metas da Federação é promover a compra de matérias primas e a venda de produtos manufacturados. Com a independência das ex-colónias portuguesas o mercado tende a alargar-se. Ainda em 1975 sou mandatado pela Federação para viajar até à Guiné-Bissau, já que Vasco Cabral, o Ministro da Economia da jovem nação, é meu amigo pessoal. 

Foi assim: em 1949 ambos participámos na campanha de Norton de Matos, candidato da Oposição anti-salazarista à presidência da República Portuguesa; em 1950 fomos colegas em Ciências Económicas e Financeiras, ele no 5.º e último ano, eu no 1.º; em 1953 participámos, em Bucareste, no IV Festival Mundial da Juventude (ele como militante comunista, eu apenas como aderente do MUD Juvenil, movimento unitário antifascista). Tanto bastou para firmar a nossa amizade. 

E agora passo a recordar o que vim a saber depois: Vasco é preso em 53 e libertado cinco anos depois. Em 62, numa fuga organizada pelo PCP, Vasco, juntamente com o angolano Agostinho Neto, de barco alcança Tânger. Ruma depois para o sul e vai procurar Amílcar Cabral para formalizar a sua adesão ao PAIGC e, junto com o fundador do Partido, lutar pela independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Cabral é pura coincidência de sobrenomes porque entre ambos não há qualquer parentesco. Em 63 começa a luta armada.

NA CIDADE DA PRAIA

Por telegrama, combino encontro com o Vasco Cabral em Cabo Verde, onde ele está transitoriamente. Desço na ilha do Sal, um longo, plano e calvo rochedo em alto mar. Dali, num pequeno bimotor sigo para a Cidade da Praia, na ilha de Santiago, esta já arqueada, cumes e vales, litoral recortado, arvoredo à beira-mar.

Na Alfândega, ao apresentar o meu passaporte, dizem-me que há um carro do Estado à minha espera. Sento-me ao lado do motorista. Atravessamos a Cidade da Praia e seguimos pela Marginal rumo à Prainha.

Paramos frente a uma vivenda e no alpendre está o Vasco Cabral à minha espera. Levanta-se e abre os braços, eu corro para ele, o grande e apertado abraço, há mais de 20 anos que a gente não se via. Em 54 eu fugira para o Brasil antes que a PIDE me deitasse a luva, o que parecia estar prestes a acontecer. Porém, sob a euforia do Vasco pressinto um alçapão. A ver vamos aonde é que ele vai dar…

Lá do fundo da vivenda surge então o Mário Pinto de Andrade, angolano meu amigo desde os tempos do Café Chiado, em Lisboa. Mais um longo e apertado abraço. O Mário fora um dos dirigentes da luta pela libertação de Angola. Mas depois da independência saíra do seu país por não suportar a prepotência do seu camarada Agostinho Neto e, na condição de refugiado, viera para Cabo Verde trabalhar na área da Cultura.

Anoitece, deito-me, durmo. No dia seguinte, de manhã, o Vasco convida-me a ir até à Cidade da Praia. Vou. Num clube local disputa umas partidas de ténis. Não tenho jeito para esse desporto e fico na bancada a assistir. Uma hora depois, já cansado, o Vasco vem sentar-se a meu lado enquanto, lá em baixo, outros pares continuam a bater bola. 

Evoco o IV Festival Mundial da Juventude. Sorrindo com malícia, o Vasco pergunta-me pela brasileirinha que eu andava a namorar em Bucareste. Óptimo! , se ele quer brincar talvez consinta que eu abra o seu alçapão secreto… 

Conto-lhe que em datas diferentes eu e a brasileirinha saímos de Bucareste porém marcámos reencontro em Paris. E de Paris rumámos para Lisboa onde viemos a casar em Janeiro de 54. O Vasco espantado com esta aventura mas não paro. Digo-lhe que ela era filha de judeus polacos emigrados para o Brasil e que o seu casamento com um não judeu causara traumas na família, apesar de progressistas serem eles. 

Digo ainda que, de navio, seguimos depois para o Brasil (eu já a furar o cerco da PIDE…) Ao descermos no porto de Santos lá estava toda a sua família, pais, irmão, avó, tios e primos. A avó, que teria mais de oitenta anos, dá-me um beijo e um abraço e, para a neta, diz qualquer coisa que me traduzem:

– Quando se cai de um cavalo, que seja de raça!

Aproximo-me da matriarca, dou-lhe um outro beijo e relincho.

O Vasco mata-se a rir com a história. Aproveito a galhofa para tentar abrir o alçapão. Pergunto-lhe como é que fora assassinado o Amílcar Cabral. Apesar de renitente, conta-me que um grupo de ex-guerrilheiros do PAIGC, controlados pela tropa colonial e pela PIDE, assaltara a sede do PAIGC na Guiné-Conacry, matara o Amílcar e preparava-se para matar outros dirigentes como o Aristides Pereira, o Pedro Pires e o próprio Vasco, quando Seku Touré, presidente da Guiné-Conacry interviera e frustara a tentativa. Pergunto depois se o bando de assassinos tinha sido caçado e justiçado. Responde-me o Vasco:

– Não quero falar disso.

E não fala, ponto final. Mas não desisto. No fim de tarde, ao regressar à vivenda na Marginal, puxo o Mário para o pátio e peço-lhe que me explique a agonia do Vasco. E ele explica ou tenta explicar:

Fernando, tu não sabes o que é a luta armada. Nem podes imaginar o que é ser traído por antigos companheiros de armas, a pretexto do tu seres cabo-verdiano e eles serem guineenses.

– Compreendo, ou tento compreender. E o Vasco caçou os assassinos?

– Todos.

– Quantos eram?

Mais ou menos cinquenta entre matadores e cúmplices. Caçou e executou ou mandou executá-los. É por isso que ele anda sorumbático, porque cada um dos executados tinha sido seu companheiro de armas, portanto tinha sido seu amigo. Compreendes?

Sim, compreendo. Magoado, mas compreendo…

No princípio da noite um carro, acompanhado por quatro motociclistas, pára frente à vivenda. É Pedro Pires, o primeiro-ministro de Cabo Verde que vem despedir-se do Vasco, o qual viaja amanhã para Bissau. Eu também viajarei amanhã, mas num voo diferente. Não quero ser intrometido e recolho-me lá para os fundos da vivenda. Porém, pouco tempo depois o Vasco vai buscar-me e apresenta-me o Pedro Pires. É uma simpatia de homem. Entre outras coisas pergunta-me:

– Como é que vai a Reforma Agrária portuguesa? Vinga?

E eu respondo:

– Se o folclore revolucionário for substituído por uma eficiente gestão económica, não há quem possa destruí-la. (...)

(Seleção, transcrição, revisão / fixação de texto, negritos, para efeitos de edição deste poste, com a devida vénia, e à memória do autor: LG. )

4. Outras vidas lusófonas (apemas uma amostra) que podem ser lidas, no sítio agora recuperado pelo Arquivo.pt:

Amílcar Cabral (1924-1973) (Guiné-Bissau), por Carlos Pinto Santos

Eugénio Tavares (1867 - 1930), (Cabo Verde) por Carlos Lopes

Fernando Correia da Silva (1931 - 2014) (Portugal), por José Brandão

Joaquim José da Silva Xavier, "O TIraddentes" (17446 - 1792) (Brasil), por João Sodré 

Joshua Benoliel (1873-1932) (Portugal), por Fernando Correia da Silva

Mário Pinto de Andrade  (1928 - 1990) (Angola(, por Fernando Correia da Silva

NGungunhane (c.1850 - 1906) (Moçambique),por Carlos Pinto Santos

Rainha Jinga (1582 - 1663) (Angola), por Fernando Correia da Silva

Salgueiro Maia (1944 . 1992) (Portugal), por Carlos Lopes

Samora Moisés Machel (1933 - 1986) (Moçambique), por Fernando Correia da Silva)

domingo, 7 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25044: O nosso blogue em números (88): 690 mil páginas visualizadas em 2023, o que dá uma média de 1890 por dia... Total acumulado: 14,6 milhões,


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

1. C
ontinuamos a publicar alguns números sobre a nossa atividade bloguística em 2023 (*). 

O nosso blogue atingiu, no final do último ano, cerca de 14,6 milhões de visualizações de páginas (grosso modo, de "visitas", o que não é exatamente igual a "visitantes"...) (Gráfico n.º 3). 

Esta contagem é apurada da seguinte maneira:   

(i) 1,8 milhões desde o início do blogue, em 23/4/2004 até final de maio de 2010 (de acordo com o nosso primeiro contador);

e (ii) c. 12,8  milhões, desde então até 31/12/2023 (segundo o contador do Blogger).

Importa recordar que, no início do blogue, no período de abril de 2004 a maio de 2010, tínhamos um outro contador (o Bravenet); o saldo acumulado de visualizações de páginas não transitou automaticamente, a partir de 1 de junho de 2010. Quando o Blogger disponibilizou um contador, começou a contagem no zero...

Em 2023 tivemos 690 mil visualizações (da parte de 4,64 mil visitantes). Houve um aumento  de  cerca de 10 % relativamente ao ano anterior, relativamente à vizualização de páginas (**). 

O número de "visitas de página" foi ligeiramente maior no  2.º semestre (n=360 mil visualizações) do que no 1º (n=330 mil visualizações). 

Em média, tivemos 1890 visualizações por dia (mais 190 do que no ano anterior).


Gráfico nº 4 - Evolução das visualizações de página ao longo do ano de 2023
Fonte: Blogger (2024)


2. Achamos que não vale a pena desagregar este número pelos meses do ano. Mas sabemos, de acordo com a experiência passado, que o movimento é variável conforme os meses, as semanas e os dias:  por exemplo, houve vários picos, em 2023, com valores acima das 12,5 mil  visualizações diárias:
  • 14,8 mil (em 20 de janeiro);
  • 13,7 mil (em 21 de novembro);
  • 13,0 mil (em 8 de dezembro)
  • 12,6 mil em 30 de janeiro).
Mas estes  picos não têm qualquer significado estatístico (são "outliers"): em geral estão associados à atividade de robôs que fazem capturas de página. O nosso blogue é seguido, regularmente, por exemplo, pelo Arquivo.pt (que em 2023 fez 4 capturas de páginas, em janeiro, fevereiro e março).  

Como é sabido, "o Arquivo.pt  é uma infraestrutura de investigação que permite pesquisar e aceder a páginas da web arquivadas desde 1996. O principal objetivo é a preservação da informação publicada na Web para fins de investigação".

Também o Internet Archive, desde 11 de junho de 2007 e 3 de dezembro de 2023 fez 194 "capturas" do nosso blogue. (É o maior da Web, já guardou 855 mil milhões de páginas; temos lá recuperado páginas, em português, que desapareceram).

Por outro lado, o nosso servidor, o Blogger, faz hoje mais controlo, do que no passado, sobre o SPAM e outras visitas indesejáveis na caixa de comentários.
________

Nota do editor LG:

terça-feira, 14 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24142. Blogues da nossa blogosfera (181): Lista de provérbios crioulo-guineenses (página do professor Hildo Honório do Couto, departamento de Linguística, Universidade de Brasília) - II (e última) Parte (M a U)



Guiné-Bissau > Região do Óio > Maqué > 20 de Novembro de 2006 > Poilão, árvore sagrada, habitada pelos irãs, imponente, secular, frondosa, impressionante... mas que deixa de estar ao alcance do machado, da motosserra, do buldózer... Está presente nos provérbios guieenses... Mais uma foto do famoso poilão de Maqué, tirada pelo nosso camarada Carlos Fortunato, ex-fur ml da CCAÇ 13 (Os Leões Negros) (1969/71), na sua viagem de 2006 à Guiné-Bissau e à região do Óio.

Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação do poste P24140 (*):
 recuperação da página do professor Hildo Honório do Couto (Departamento de Lingüística, Universidade de Brasília), sobre provérbios crioulo-guineenses.  Foi capturada pelo Arquivo.pt, podendo ser vista aqui:

https://arquivo.pt/wayback/20090520131527/http://www.unb.br/il/liv/crioul/prov.htm




LISTA DE PROVÉRBIOS - II (e úlima) Parte  (de M a U)


NOTA: As seguintes letras têm valor especial:

N = "ng" do inglês (como em "song")  
 [veja-se: 
Deus fala: pui mon, N judau (= Deus disse: faça sua parte que eu lhe ajudo)]

c = "ch" em inglês (church) [Cuba lê-se "tchuba"]

j = também como em inglês (judge) [Jagudi lê-se "Djagudi]

ñ = como no português "nh" ou "ñ" em espanhol 
 [Galiña lê-se "galinha"]

s = "s" mesmo (saco), nunca como [z] de "casa" [Sibi lê-se "cibi";  sancu lê-se "santchu"]

Nota do editor LG: O leitor português de Portugal pode adaptar a tradução que é em português do Brasil: Si bu misti kume fruta, bu ten ku regua (=se queres comer fruta, precisas primeiro de regar a árvore)... Não quisemos mexer na tradução do autor, por respeito ao seu trabalho)

(139) 

(i) Mandadu ta frianta pe, ma i ka ta frianta korson; 

(ii) Mandadu i ta frianta pe, ma i ka ta frianta korson (= mandar alguém dá descanso ao pé mas não ao coração)

(140) 

(i) Manpatas kru ta kai, kusidu ta kai; 

(ii) Manpatas ta kai kusidu, kai kru (= o fruto do mampatás cai tanto maduro quanto verde)

(141) Mentros ka ta sinti fedos di si boka (= o mentiroso não sente o mau cheiro da própria boca)

(142) 

(i) Mesiñu ki bu ka ta pui na bu caga, ka bu pul na caga di bu kunpañeru; 

(ii) Mesiñu ku bu sibi kuma bu ka na pul na bu caga ka bu pul na caga di utru (= curativo que você não põe em sua ferida, não o ponha na ferida do outro)

(143) 

(i) Mininu koredor, lebal na kabu di reia; 

(ii) Mininu kuridur lebal na ka u di reia;

 (iii) Mininu si falau i ma bu kuri, lebal na kau di reia (= se o menino corre muito, é só levá-lo a terreno arenoso)

(144) Mursegu kuma i na misa Deus, riba di si kabesa k' si urina ta kai (= o morcego mija para cima, a urina cai em sua cabeça)

N

(145) Na no kombersa, ka bu pui boka, pui oreja (= em nossa conversa, não ponha a boca mas o ouvido)

(146) N dadu N da, N ka ta kria kacur (= se dou o que ganhei, não crio cachorro)

(147) Noba ka ta pidi pasaju (= novidades não pedem licença)

(148) Ñambi iasadu, i ka sabi sibi si ta kusidu (= nunca se sabe se o inhame assado está bem cozido)

(149) Ñulidura di pis ka ta tuji barku pasa (= o olhar de esguelha do peixe não impede que o barco passe)

O

(150) Onsa, tudu brabu ki brabu, i ka ta sibi pe di kabasera (= Por mais brava que seja a onça, não sobeno imbondeiro)

P

(151) Paja di kasa, tudu kunpridu ki kunpridu, i ka ta ciga di asna pa bas (= a palha do teto, por mais comprida que seja, não ultrapassa a asna)

(152) Palabra di tras, i uanjan di kosta (= palavras ditas na ausência de alguém ferem)

(153) Panela na fala kaleron: ka bu tisnan (a panela diz à caldeira: não me chamusque)

(154) Panga bariga ka ta kontra ku bunda largu (= caganeira nunca dá em quem tem cu grande)

(155) Papagaiu ta kume miju, pirikitu ta paga fama (= papagaio come milho, periquito leva a fama)

(156) Pati ku pati ka ta kria kacur (= dar e dar de novo não cria cachorro)

(157) Pekador pode kunpridu o kunpridu ma garafa mas iel (= por maior que o homem seja, a garrafa é sempre maior)

(158) Pekadur dalgadu i ta dana moransa (= alguém de maus costumes estraga toda a comunidade)

(159) Pinton cupti galiña, galiña ka paña raiba, pinton k' paña raiba (= o pintinho bica a galinha, que não se zanga; quem se zanga é ele)

(160) Piskadur k' torkia si kanua pa kabalu, i sibi ke k' manda (o pescador que troca a canoa por cavalo sabe porquê)

(161) 

(i) Po pudi tarda o tarda na iagu, i ka ta bida lagartu; 

(ii) Po, tudu tarda ki tarda na iagu, i ka ta bida lagartu (= por mais que fique na água, o pau não vira crocodilo)

(162) 

(i) Praga di buru ka ta subi na seu;

(ii) Praga di buru ka ta ciga na seu (= praga de burro não sobe ao céu)

(163) Puru ka ta kume si ramasa (= o nobre não come o que vomita)

(164) Puti furadu ka ta enci iagu (= pote furado não se enche de água)

R

(165) 

(i) Rabu di sancu i kunpridu, ma si bu rikitil i ta sinti dur; 

(ii) Rabu di sancu i kunpridu, ma si bu na rikitil i ta sinti (= o rabo do macaco é comprido, mas se você o beliscar ele sentirá)

(166) Ratu si ka fila ku si kunpeñeru, i ka ta cama gatu pa raparti elis (= se o rato não se entende com os companheiros, não chama o gato para intermediar)

(167) Ris di lokokon ta nobela ton (= a raiz do lokokon se enrola sobre si mesma)

(168) Riu ka ta inci mar, mar ku ta inci riu (= não é o rio que enche o mar, é o mar que enche o rio)

S

(169) Sabi di ordija kamiñu di fonti (= o caminho da fonte tem cheiro de rodilha)

(170) Saku linpu ka ta firma (= saco vazio não fica em pé)

(171) Sancu beju, gelgelidora ka ta manda i kuspi manpatas ki ieki (= o macaco velho, o coceguento não manda cuspir no mampatás que enche a boca)

(172) 

(i) Sancu ka ta fala kuma si fiju fiu; 

(ii) Tudu fiu ki fiu, nunka bu ka ta fala kuma bu fiju fiu; 

(iii) Tudu fiu ku bu fiu, bu ka ta fala kuma bu fiju fiu (= o macaco nunca diz que seu filho é feio)

(173) 

(i) Sancu ka ta jukta i fika si rabu; 

(ii) Sancu ka ta jukuta pa i fika si rabu (= o macaco não pula sem levar o rabo consigo)

(174) 

(i) Sancu kunsi po ki ta fural uju;

(ii) Kon kuma i ka kunsi po ku ta matal, ma i kunsi kil ku ta fural uju (= o macaco conhece o pau que lhe furou o olho)

(175) Sancu nega papia pa ka paga dasa (= o macaco não fala para não pagar imposto)

(176) Saniñu dana lugar di mankara, ma i ka ta sinti kansera i regua (= o esquilo estragou a plantação de amendoim, mas teve o trabalho de regá-lo)

(176) Sapatu beju ka ta perta si dunu (= sapato velho não aperta o dono)

(177) Seta ka ta de kabesa (= aceitar não dói a cabeça)

(178) 

(i) Si bu banbu na kosta di lifanti, bu ka ta masa paja; 

(ii) Kin ku banbu na kosta di lifanti, i ka ta rosa urbaju; 

(iii) I bambu na kosta di lifanti (= quem anda nas costas do elefante não roça o orvalho)

(179) Si bu da tapada, ka bu suta kau ku bu bati pitu nel (= se você tropeçar, não bata o peito onde tropeçou)

(180) Si bu misti kanblec, bu na kebra kabas (= se você quer cacos, quebre a cabaça)

(181) 

(i) Si bu misti konta, bu ten ku misti liña; 

(ii) Bu misti konta, bu ten k' misti liña; 

(iii) Si bu misti konta bu ten ku misti liña, pa bia, si ka el, di bó i ta dana (= se você quer a conta tem que aceitar a linha)

(182) Si bu misti kume fruta, bu ten ku regua (=se você quer comer fruta, precisa regar [a planta])

(183) Si bu misti obi morna, suta fiju di kantadera (= se você quer ouvir morna, açoite o filho da cantadeira)

(184) Si bu misti obi pasada di bajudesa di bu mame, suta fiju di dona kasa (= se você quiser saber histórias do passado de sua mãe, bata no filho da dona da casa)

(185) Si bu na kuji manpatas, bu ta jubi riba prumedu, pa ka utru bin kai na bu kabesa (= se você colhe mampatás, olhe para cima primeiro a fim de não cair sobre sua cabeça)

(186) (i) Si bu oja dukut muri, dakat ku matal; (ii) Si bu oja kusa muri, sibi kusa ku matal (= se alguém morreu, alguém o matou)

(187) Si bu oja kabesa pirdi, punta bariga (= se a cabeça dói, pergunte à barriga)

(188) Si bu oja karna na pinga, sibi kuma i gurdu (= se você perceber que a caren respinga, saiba que é gorda)

(189) Si bu oja lebri brinka ku lubu, sibi kuma onsa sta pertu (= se você vê a lebre brincar com a hiena, saiba que a onça está por perto)

(190) Si bu oja sancu ba fonti, sibi kuma i ka leba kalma (= se você vir o macaco indo à fonte, saiba que não leva cabaça)

(191) 

(i) Si bu pidi galiña di matu siti, i ta falau pa bu jubi na si kabesa, si tene kabelu, i pa bia i tene siti; 

(ii) Galiña di matu kuma: ora ku bu na pidil siti, bu ta jubi prumedu na si metadi di kabesa; 

(iii) Galiña di matu kuma, antu di bu pidil siti, bu ta jobe nda si si kabisa moju; 

(iii) Galiña di matu kuma, ora ku bu na pidil siti, bu ta jubi prumedu na si metadi di kabesa (= se você pedir óleo de palma à galinha, ela diz para você olhar para a cabeça dela: se tiver penas é porque tem óleo)

(192) Si bu sibi kuma bu ka ten bon porta, ka bu Nguli kuku di tanbakunba (= se você sabe que não tem saída larga, não engula coco de tambacumba)

(193) Si bu sibi kuma bu tene karanga, ka bu bai na metadi di jinti (= se você sabe que tem piolho, não se misture com as pessoas)

(194) 

(i) Sigridu di boka nunka i ka ta kanba dinti; 

(ii) Sigridu di boka ka ta kanba dinti (= segredo de boca não deve ultrapassar os dentes)

(195) Sila ku Prera, dus kurpu nun korson (= Sila e Pereira, dois corpos em coração)

(196) Sintidu di minjer kurtu suma ponta di si mama (= a inteligência da mulher é curta como a ponta de seu seio)

(197) Siti riba con di bijago (= o óleo de palma volta à terra dos bijagós)

(198) Sonbra di pe di kuku, i ka ta taja si fiju (= a sombra do coqueiro não proteje seus filhos)

(199) 

(i) Sonbra di sibi ka ta sonbria bas del, son la fora; 

(ii) Sonbra di sibi ka ta sonbra bas del, son la fora (= a sombra do cibe não sombreia seu pé, mas fora dele)

(200) 

(i) Sorti na pe ki sta; 

(ii) Sorti di pekador sta na si sola di pe (= a sorte está no pé)

(201) 

(i) Sufridor ki ta padi fudalgu; 

(ii) Sufridur ta padi fidalgu (= o sofrimento nos faz nobres)

(202) Sukundi sukundi ka ta para na kamiñu (= o esconde-esconde não pára no caminho)

(203) Susa boka te bu ka kume siti (= sujar a boca com óleo de palma sem comê-lo)

(204) 

T

(i) Tapada ta tuji baka kume fison; 

(ii) Tapadu altu ta tuji baka kumi fison (= a cerca impede a vaca de comer o feijão)

(205) Tartaruga kuma kil ki na bin, sinta bu pera (= a tartaruga diz: sente-se e espere o que virá)

(206)

 (i) Tartaruga misti baja, ma rabada ka ten; 

(ii) Teteriga meste baja mas i ka tene rabada; 

(iii) Tataruga kuma i misti baja, ma i ka ten rabada (= a tartaruga quer dançar, mas não tem ancas)

(207) Tataruga kuma si pe i kurtu ma i ta lebal tudu kau ki misti (= a tartaruga diz que suas pernas são pequenas mas a levam onde ela quer)

(208) Teteriga tene kaska, ma e sabe kabu k' e ta morde Nutru (= as tartarugas têm casco, mas sabem onde morder umas às outras)

(209) 

(i) Tudu beju ku algin beju i ka ta mati bajudesa di si mame; 

(ii) Tudu beju ku [bu] beju, bu ka ta mati bajudesa di bu mame (= por mais velho que alguém seja, não alcança a juventude de sua mãe)

(210) Tudu jiru ku bu jiru bu ka ta pila iagu (= por mais esperto que você seja, não pode pilar a água)

(211) Tudu koitadi ku N koitadi nunka N ka ba parau pratu (= por mais pobre que eu seja, nunca lhe estendi o prato)

(212) Tudu riku ku bu riku bu ka pudi kunpu kasa di feru (= por mais rico que você seja, não pode construir uma casa de ferro)

U

(213) Uju di sancu dalgadu, ma ningen ka ta pui la dedu (= o olho do macaco é pequeno, mas ninguém põe o dedo nele)

(214) Uju ka ta kume, ma i kunsi kusa sabi (= o olho não come, mas sabe o que é saboroso)

(215) Uju sta burmeju, ma i ka ta kema lala (= o olho está vermelho, mas não queima a relva)

(216) 

(i) Un dedu un dedu i ta kaba puti di mel; 

(ii) Un dedu un dedu ta kaba puti di mel (= de dedada em dedada acaba o pote de mel)

(217) Un son mon ka ta toka palmu (= uma mão sozinha não bate palmas)


BIBLIOGRAFIA (*)

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Biasutti, pe. Arturo. 1987. Vokabulari kriol-portugis. Bubaque: Missão Católica (Apêndice)

Bull, Benjamim Pinto. 1989. O crioulo da Guiné-Bissau: filosofia e sabedoria. Lisboa/Bissau: Mininistério da Educação / INEP.

Chataigner, Abel. 1963. Le créole portugais du Sénégal: observations et textes. Journal of African languages 2,1.44-71.

Couto, Hildo Honório do. 1996. Os provérbios crioulos da Guinee-Bissau. Revista internacional de língua portuguesa 16.100-114.

----------------------------------. 1999. O uso de provérbios nas regiões crioulófonas. Lenguas criollas de base lexical española y portuguesa. Frankfurt/Madri: Vervuert/Iberoamericana, p. 321-334.

Montenegro, Teresa. 1994a. Um mundo de provérbios. Tcholona 1,2/3.55-57.

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