1. Mensagem de José Martins (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 23 de Janeiro de 2010:
Caros camaradas e amigos
Junto mais um texto sobre os sem abrigo.
Posso estar a bater em ferro frio, mas alguma coisa há-de ficar.
Bom resto de fim de semana.
Abraço
José Martins
Que muitas RUNAS se levantem!
Lar dos Veteranos Militares
Porquê RUNA [coordenadas 39º03’55” N - 9º12’32” O], aquela pequena localidade com 6,71 kms² e pouco mais de mil habitantes, situada a 8 km de Torres Vedras, a cujo concelho pertence?
Vamos encontrar a resposta, ou melhor, encontrar o seu início no ano de 1827, quando Portugal saía (?) dum período bastante conturbado:
- As Invasões Francesas ou Guerra Peninsular, entre 1807 e 1811, com toda a destruição do estado de guerra ou destruição táctica, e
- A mobilização de portugueses, e a consequente saída do país, integrando a Legião Portuguesa.
Em Runa ficava localizada uma quinta, propriedade da infanta D. Maria Francisca Benedita de Bragança, nascida em 25 de Julho de 1746, quarta e última filha do Rei D. José I e de D. Mariana Vitória de Espanha, que foi baptizada na Sé Patriarcal de Lisboa pelo Cardeal D. Tomás de Almeida. A título de curiosidade, e de acordo com a tradição, a princesa recebeu o nome de
Maria Francisca Benedita Ana Isabel Antónia Lourença Inácia Gertrudes Rita Joana Rosa.
Em 21 de Fevereiro de 1777, com trinta anos, contraiu casamento com o seu sobrinho D. José, Príncipe da Beira, e presumível herdeiro da coroa, passando D. Maria Benedita a ser nora de sua irmã D. Maria, que ascenderia a rainha em Março seguinte, com o nome de D. Maria I.
Entre os esponsais havia uma diferença de idade de quinze anos. Não tiveram filhos, vindo D. José a morrer, prematuramente, em 1788, após onze anos de casamento, tendo D. Maria Francisca ficado conhecida como a Princesa-viúva. Iniciou um longo período de luto.
Senhora inteligente, com dotes artísticos [existe um painel na Basílica da Estrela, pintado de parceria com a sua irmã D. Maria Ana] e de uma cultura rara, poderia ter gasto o seu próprio dinheiro com a construção de uma igreja ou de um convento, o que lhe traria prestigio entre os nobres e o reconhecimento dos clérigos, mas assim não procedeu.
A 27 de Junho de 1799, sob o projecto do arquitecto José da Costa e Silva, são iniciadas as obras do
Lar dos Veteranos Militares, destinado a acolher militares pobres e inválidos, pelo que também é conhecido por
Asilo de Inválidos Militares de Runa.
O edifício no estilo neoclássico da época, cuja construção custou mais de seiscentos contos de reis, tem uma frente de 99 metros, orientada no sentido Norte/Sul, com 61 metros de fundo e uma altura de 13 metros. Ao centro do edifício foi construída a igreja de uma nave e transepto rematado em semicírculo, sendo o conjunto dominado por uma cúpula. Foi inaugurado em 25 de Julho de 1827, quando D. Maria Francisca comemorava o seu octogésimo primeiro aniversário, tendo destinado neste conjunto uma ala para sua residência, ficando conhecidos como “Aposentos da Rainha”.
O Edifício do Asilo de Inválidos Militares de Runa.
No acto da inauguração ficaram as palavras da sua fundadora: “
Estimo ter podido concluir o Hospital que mandei construir para descansardes dos vosso honrosos trabalhos. Em recompensa só vos peço a paz e o temor a Deus ".
D. Maria Francisca de Bragança morreu em Lisboa no dia 18 de Agosto de 1829, tendo sido sepultada no Panteão dos Braganças, no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa, junto do seu marido, D. José, em singelas arcas tumulares.
Actualmente o edifício é propriedade do Ministério da Defesa Nacional, e é dirigido pelo Instituto de Acção Social das Forças Armadas.
Abrigos de Combatentes
Após esta resenha histórica sobre o Lar dos Veteranos Militares que, senão único é pelo menos pioneiro, vamos entrar no motivo principal deste escrito:
ABRIGOS DE COMBATENTES.
Quando D. Maria Francisca de Bragança se lançou na construção do Lar de Runa, os meios de assistência, quer médica quer social, eram reduzidos. Assim se justifica a concentração de meios, técnicos e humanos, naquela unidade.
Na actualidade, apesar de terem sido encerrados vários centros de saúde em diversas localidades, o país dispõe de meios de assistência que permite criar estruturas de assistência descentralizados.
Agora, que passadas as eleições de Outubro de 2009, com as autarquias eleitas e já em funções, e cujos programas manifestavam a intenção de tentar resolver a situação dos sem-abrigo, podem e devem dar início a essa campanha.
Qualquer Município ou Freguesia deste país terá, certamente, um imóvel que facilmente poderá ser adaptado a Abrigo a tempo parcial, caso não seja possível a tempo inteiro Esse local passaria a ser ponto de encontro entre amigos e conterrâneos, mantendo assim, além dos laços familiares e de amizade, a ligação às suas raízes de origem ou de adopção. Devemo-nos lembrar que há autarcas que são, apesar de muitas vezes o não revelarem, antigos combatentes, o que os torna nossos camaradas de armas.
Temos que ter em conta que os “
sem-abrigo” não são só aqueles que, pelas mais diversas razões, estão desprovidos de local de habitação. São também aqueles que, tendo família, a vêem sair de manhã e só regressar ao final do dia, passando essas largas horas, quase intermináveis, olhando a rua através das vidraças, isto quando as janelas dos seus aposentos, normalmente os mais modestos da casa, dão para a rua.
Alguns, muitos ou poucos, vão até ao largo ou ao jardim, onde foram instaladas umas mesas e bancos, que servem de local de encontro para “um jogo de cartas”. Mas, nesses jogos, apenas só jogam quatro, limitando-se os outros a ver, quando não se retiram por se sentirem marginalizados. Quando chove e não podem ir ao encontro do jogo, única distracção possível, aumentam o exército dos “solitários”, aumentam o número daqueles que nem olham o relógio, porque sabem que esse aparelho de medida do tempo, nestas alturas ainda se arrasta mais lento.
Muitas frases ficaram na história sobre os combatentes, assim como a forma como, sempre, foram tratados:
- “
Os soldados portugueses combateram para não ficarem mortos na alma.” [Professor Doutor Adriano José Alves Moreira, nasceu em Grijó de Vale Benfeito (Macedo de Cavaleiros) em 6 de Setembro de 1922];
- “
O carácter duma nação vê-se pela forma como trata os seus combatentes.” [Wiston Churchil, nasceu em Oxforshire (Inglaterra) em 30 de Novembro de 1874, † Londres 24 de Janeiro de 1965];
- “
Se serviste a Pátria e ela te foi ingrata, tu fizeste o que devias ela o que sempre faz.” [Padre António Vieira, nasceu em Lisboa em 6 de Fevereiro de 1608, † Bahia (Brasil) 18 de Julho de 1698].
Estamos cientes de que qualquer antigo combatente não deixará de colaborar e comparticipar dentro das suas disponibilidades, em tempo e materialmente, na concretização destas pequenas “organizações”; a própria comunidade local, individual ou colectivamente, colaborará para minorar os últimos tempos daqueles que, na sua juventude já longínqua, puseram á disposição da Pátria a sua própria vida, num juramento, mesmo que silencioso, à nossa Bandeira, e não veremos repetir-se a denúncia feita por Alexandre Herculano [nasceu em Lisboa 28 de Maio de 1810, † Santarém 13 de Setembro de 1877] na revista Panorama de 15 de Setembro de 1838, acerca do Real Hospital dos Veteranos, que dizia “…
dentro em pouco os inválidos que lá existem terão de ir mendigar o pão, que a pátria tem obrigação de lhes dar, havendo eles ganho o direito a recebê-lo com o seu sangue, e com os perigos e fadigas da guerra, que só sabem avaliar aqueles que os têm passado.”
Urge começar …!
As festas natalícias já terminaram e o novo ano já se iniciou. Quer isto dizer que as pessoas voltaram a sua “vida normal”.
As festas organizadas pelas diversas organizações, juntando à volta de uma banda musical ou em espectáculos mais organizados, já se esfumaram, até na memória dos que foram o objecto delas, porque o país voltou à sua “velocidade de cruzeiro”.
Os subtítulos, “
Lar dos Veteranos Militares” e “
Abrigos de Combatentes”, que antecedem este novo subtítulo, foram terminados no dia 22 de Dezembro. Três dias depois, exactamente a 25 – no próprio dia de Natal – dei inicio à recolha de material para este texto de finalização.
Maquinalmente o carro levou-me para o centro de Odivelas, para o local onde os nossos camaradas José e António, conhecidos como os “sem-abrigo de Odivelas”, tinham passado a noite de consoada, que é como quem diz, mais uma noite expostos às intempéries: à chuva e ao frio.
Mantinham-se na sua posição e local habituais, indiferentes ao vento e à chuva que caía e ao que se passava à sua volta, porque era “apenas” mais um dia, que por acaso era dia de Natal.
Os antigos combatentes sem-abrigo, no “seu território”
Uns metros mais à frente, e num espaço de poucos metros, “encontrei” alguns locais que, apesar de puderem ter uma utilização social, mesmo desconhecendo se são propriedade particular ou propriedade do estado.
Rumei à Rua Guilherme Gomes Fernandes, acedendo pela Rua do Souto, junto do ex-líbris da cidade – o Cruzeiro - fica um casarão com o número 70.
Edifício da Rua Guilherme Gomes Fernandes, n.º 70
Este edifício encontra-se bastante degradado. Os vidros das janelas estão partidos e os caixilhos já estão deteriorados. Mas existem sinais de que não esteja completamente abandonada; o portão principal, e provavelmente único, está fechado com uma corrente e cadeado, dispondo, ainda, de uma placa indicando ser proibido estacionar em frente da mesma.
Uns metros adiante, frente ao Largo Dom Dinis, onde se encontra o Mosteiro de São Dinis e São Bernardo e funciona o Instituto de Odivelas tutelado pelo Ministério da Defesa Nacional, curiosamente o mesmo ministério que tutela os Ex-Combatentes, no número 104 letra B, fica um edifício que, pela tabuleta que ostenta, se encontra para alugar “ou” venda (?)”, uma vez que a placa se encontra partida.
Edifício da Rua Guilherme Gomes Fernandes, n.º 104-B
Continuando e entrando na Rua Combatentes da Grande Guerra, que termina na Rua Combatentes de Ultramar (nova e curiosa coincidência), junto da antiga Quinta de Nossa Senhora do Monte do Carmo, em cuja casa capela e anexos se encontra a Biblioteca Municipal Dom Dinis, encontram-se uma construções, que lembra os blocos operários do inicio da “era industrial” , sendo que algumas habitações apresentam sinais de “tentativa” de conservação, mas outras estão degradadas.
Rua Combatentes da Grande Guerra, n.º 6 e seguintes
Na entrada para o pátio que dá acesso as traseiras, encontra-se uma placa metálica que diz “DO MONTE DO CARMO”. Falamos do número seis e seguintes.
Do outro lado da rua, com o número 5, encontra-se outro imóvel de estilo diferente do anterior.
Apresenta resquícios de “
art nouveau” ou um estilo mais modernista, em função da arquitectura do espaço em que se encontra implantado.
Como os anteriormente mencionados, o seu estado de degradação é notório, motivado, provavelmente, pela desocupação a que foi votado.
Rua Combatentes da Grande Guerra, n.º 5
Independentemente de se tratar de imóveis de propriedade particular ou do Estado, e independentemente de existir ou não qualquer utilização para outros fins, previstos ou não no PDM (Plano Director Municipal), somos da opinião de que estes imóveis deveriam manter a sua traça original, adaptados, como é obvio, aos fins a que vierem a ser destinados.
Mantemos a ideia de que Odivelas deveria ter um “
Abrigo de Combatentes” com as funções que as organizações participantes (oficiais e/ou particulares) entenderam por bem pôr em prática, para o bem estar daqueles que, na sua juventude colocaram ao serviço da pátria, e hoje, com um futuro cada vez mais minguado, ainda enfrentam a incerteza do dia de “amanhã”.
Com esse espírito de solidariedade para com os desvalidos, governantes, autarcas, combatentes, gente anónima, ou seja, todos e cada um de nós, deveremos atentar na frase do Padre António Vieira, com quer finalizo este texto:
Nós somos o que fazemos.
O que não se faz, não existe.
Portanto, só existimos nos dias em que fazemos!
José Marcelino Martins
Ex-combatente da Guiné
josesmmartins@sapo.pt
Odivelas, 20 de Janeiro de 2010
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 5 de Janeiro de 2010 >
Guiné 63/74 – P5595: Fichas de Unidades (6): COP 4 - Comando Operacional nº 4 (José Martins)
e
22 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P4992: Ser solidário (37): Carta Aberta em prol dos ex-combatentes sem abrigo do Concelho de Odivelas (José Martins)
Vd. último poste da série de 28 de Janeiro de 2010 >
Guiné 63/74 - P5720: Ser solidário (52): Campanha da Tabanca de Matosinhos: Ajudemos a minorar as carências do povo da Guiné-Bissau (José Teixeira)