terça-feira, 30 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6069: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (5): Os dias da batalha de Guidaje, 19 de Maio de 1973

1. Parte V do relato da Batalha de Guidaje, de autoria do nosso camarada Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74), enviado ao nosso Blogue em 6 de Março de 2010:


Os Marados de Gadamael

e os dias da

Batalha de Guidaje


Parte V

Daniel de Matos

Os Dias da Batalha


19 de Maio

De madrugada, depois de breve paragem em Bigene, de onde sairam por volta da meia-noite, os comandos africanos alcançam os caminhos de Koumbamory e aguardam pelo ataque aéreo e em força dos Fiat G91, cujo bombardeamento à base, por volta das oito horas e vinte minutos, consegue destruir paióis do PAIGC. A operação nem começa mal, pois sabe-se que a base IN se situa algures naquela região, mas a sua localização exacta é desconhecida. Nós, na aldeia de Guidaje, os que conhecemos mal os azimutes do terreno, ouvimos rebentamentos sobre rebentamentos e de início pensámos ser Bigene a “embrulhar”. A antiga sede do COP3 fica longe, a dezanove quilómetros, e as bernardas rebentam à margem do Cacheu. As bernardas que ali rebentam ouvem-se muito longinquamente, desde que o vento sopre de feição. Afinal, quem desta vez embrulha mesmo são as forças IN!

Tropas portuguesas a entrar em território estrangeiro não estaria muito de acordo com as normas do Direito Internacional, nem mesmo invocando o muito controverso “direito de perseguição”. Militarmente, se os acessos a Guidaje estavam vedados por todos os lados menos pela linha de fronteira (norte), tinha toda a lógica esta incursão à retaguarda do IN. Dir-se-á que também o PAIGC tinha as bases do outro lado, mas aos olhos do Mundo (entenda-se, das Nações Unidas) trata-se de um movimento de guerrilha e não de um Estado soberano (pelo menos até 24 de Setembro de 1973, em que a proclamação de independência em Madina do Boé viria a ser reconhecida internacionalmente, de imediato, por 86 países, não apenas os aliados mais tradicionais do PAIGC, como os países socialistas, africanos, a China e até europeus, – casos da Suécia e da vizinha Noruega, cujo governo aprovou um subsídio solidário à guerrilha em 27 de Março de 1973, – mas em especial os países “não alinhados”. E ter bases em território estrangeiro, não é a mesma coisa do que desferir ataques a partir das mesmas, embora por vezes déssemos conta disso mesmo. O isolamento de Portugal era tão grande no Mundo que os líderes da guerrilha na Guiné, Angola e Moçambique haviam sido recebidos no Vaticano, em Junho de 1970, pelo Papa Paulo VI, o mesmo que três anos antes viera a Fátima e se recusara a aterrar em Lisboa para não participar em cerimónias oficiais ao lado de governantes da ditadura, preferindo aterrar em Monte Real. Em Roma, realizava-se nesses dias (27 a 29 de Junho) a Conferência Internacional de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas. A delegação que Paulo VI recebeu era composta pelo angolano Agostinho Neto, o moçambicano Marcelino dos Santos e o guineense/cabo-verdiano Amílcar Cabral. Este foi o porta-voz que, entre outras coisas, disse: “pedimos a Sua Santidade que interceda junto do Governo de Portugal para que respeite as leis internacionais e a posição da Igreja definida na Encíclica ‘Populorum Progressio’ para que os colonialistas portugueses, que se afirmam católicos, cessem os massacres das nossas populações, principalmente dos velhos, mulheres e crianças”. O Papa respondeu, “estamos do lado daqueles que sofrem”, “somos pela Paz, a liberdade e a independência de todos os povos, em especial, dos africanos”. Tudo isto à revelia da hierarquia da igreja católica portuguesa, que muito maioritariamente (não foi só o cardeal Cerejeira, longe disso), sempre se evidenciou servil ao poder, raras vezes se demarcou da ideologia e das atrocidades da ditadura, quer em Portugal quer nas colónias. Talvez seja essa a principal razão porque muitos da minha geração saíram agnósticos, – termo adocicado para não dizer ateu… E pensarmos, muitos de nós, que o “argumento” da defesa do colonialismo é o de espalhar a fé e a “civilização cristã”!? Para o ilustrar, recordemos um excerto de uma mensagem do Presidente da República, general Óscar Carmona, no V Centenário do Descobrimento da Guiné: “quinhentos anos de presença nessa região representam uma sobre-humana soma de esforços despendidos, primeiro, no reconhecimento da costa, depois na penetração no Continente, no comércio e na evangelização; por fim, na ocupação e pacificação, abrindo ao trânsito seguro de todos os homens os caminhos do mato e levando à população indígena as luzes da cultura europeia e cristã” (sublinhados meus). Palavras para quê!?

Numa curta flagelação morre num abrigo subterrâneo, vítima de granada perfurante, um soldado da CCaç 19 que ali tinha sido posto já muito desalentado, crivado com estilhaços de uma morteirada que o atingiu dias antes, quando ia a atravessar a parada.

Passa das nove quando os Comandos (o agrupamento Bombox na frente) efectuam o assalto, – como se fosse um golpe-de-mão, – provocando o primeiro contacto com o PAIGC, logrando destruir grande quantidade de material e provocar baixas importantes. Os combates duram a manhã inteira, numa verdadeira batalha com explosões incessantes de granadas-de-mão, tiros e rajadas de todo o calibre. A certa altura têm de se retirar, também em consequência da reacção do IN que, de surpresa, investe com blindados que nem disparos de bazuca conseguem destruir. A retirada é penosa, têm de transportar dez corpos de camaradas abatidos e progredir no terreno com mais de uma vintena de feridos graves. Perdem três camaradas pelo caminho. No termo do dia o batalhão de Comandos chega ordenadamente a território português e recolhe-se em Guidaje, tal como estava programado.

As baixas causadas ao IN foram em número bem superior, estimando-se em 67 mortos (entre os quais se contariam uma médica e um cirurgião cubanos e quatro mauritanos), e um incontável número de feridos. Quanto ao material destruído: vinte e dois depósitos de material de guerra, duas metralhadoras anti-aéreas, cinquenta mil munições de armas ligeiras, cento e doze costureirinhas (pistolas PPSH), quinhentas e sessenta granadas-de-mão, quatrocentas minas antipessoal, trezentas espingardas Kalashnikov, vinte e uma rampas de Foguetes 122, onze Morteiros 82 e mil e cem granadas para os mesmos, cem Morteiros 60, cento e trinta e oito RPG-7 e quatrocentos e cinquenta RPG-2.

A base de Koumbamory ainda recentemente recebera seis dezenas de combatentes recém-formados na Argélia e em Cuba e era confirmadamente o ponto principal de abastecimento aonde os guerrilheiros se iam municiar. Veremos, doravante, até que ponto este rombo causado pela investida dos comandos fará diminuir a sua importância.

O PAIGC possui outras bases de reabastecimento no país do paladino da teoria da negritude Léopold Senghor (em parceria com o também poeta martiniquense Aimé Césaire), como a localizada em Zinguinchor, a dez quilómetros da fronteira, mas mais para o litoral, e onde ainda se fala fundamentalmente o crioulo “português” e são frequentes apelidos como Barbosa, Silva, Fonseca… A cidade é a capital de Casamance, território que outrora foi pertença da Guiné Portuguesa e que se estende até ao mar e a todo o comprido da língua da Gâmbia. Na sequência da Conferência de Berlim, em que as potências coloniais ditaram entre si a partilha de África, – com as sangrentas consequências que não se sabe se encontrarão solução nem ao longo do século XXI, – essa região guineense foi trocada com a França por uma parcela do sul (zona de Cacine), a 13 de Maio de 1886. Casamance, graças às margens do rio com o mesmo nome, produz grandes quantidades de arroz, e não só, sendo considerada o celeiro do Senegal, zona agrícola e de potencial turístico, cujo território para norte se vai tornando cada vez mais árido devido à progressão do deserto do Sahel. Graças à troca, a França reconheceria a Portugal o “direito” de exercer a sua influência nos territórios do chamado Mapa Cor-de-Rosa, (a ambição dos colonialistas portugueses de então, de unir Angola a Moçambique, de costa a costa do continente negro). Bastou aos dois estados uma simples reunião a nível de embaixadores para efectuar o negócio! Falar português à volta de Zinguinchor é um acto de resistência. Ainda hoje, à beira de trinta e sete anos sobre a proclamação da independência da Guiné-Bissau, o povo de Casamanse (“Casa di Mansa”, em crioulo), étnica, social e culturalmente mais próxima de guineenses do que de senegaleses, luta pela autonomia, havendo também quem sustente a ideia da reintegração no território da Guiné-Bissau; e ainda hoje a Guiné-Bissau e o Senegal se dirimem em fóruns e tribunais internacionais pela posse do território, se bem que por razões bem mais interesseiras: veio a descobrir-se no respectivo solo a existência de bauxites e de outras riquezas capazes de reduzir a pobreza e a falta de recursos de ambos os países, e até nas águas territoriais, – que se alteraram em resultado da troca, mas cuja delimitação as antigas potências nunca chegaram a definir com clareza, – há “garantias” da existência de reservas de petróleo. E é aí que entram em jogo interesses como os dos franceses, que no Senegal se opõem ao direito do povo de Casamanse à autodeterminação e à independência, mas que fazem precisamente o oposto em Angola, através de “lobbies”, manobras e financiamentos, – atribuídos, nomeadamente, à ELF Aquitaine, – no que concerne ao incentivo aos separatistas no enclave de Cabinda (aonde, por mera coincidência, há petróleo a jorros)… Ora, esta “consanguinidade” entre as populações do norte da Guiné e do sul do Senegal cimenta laços fortes e mesmo familiares entre povos de idênticas etnias, hábitos e costumes (balantas, mancanhas, felupes (diolas), manjacos e mesmo fulas e mandingas). Nestes anos de guerra imensos refugiados instalaram-se em Casamanse com o apoio dos residentes locais. Ao contrário, o presidente Senghor, teme o que possa acontecer, pois falhado o projecto “Senegâmbia” (anexação da Gâmbia pelo Senegal) quer manter o país com as fronteiras actuais. Com efeito, Casamanse nunca foi integrada legalmente e nem desde a independência senegalesa em 1960 reconhece a soberania de Dakar. Estamos em 1973 e neste momento vigora um acordo de coabitação por um período de 20 anos, só que em conflito permanente. Não espanta que o PAIGC se movimente tão bem na região… Porém, nem sempre foi assim. A linha política de Senghor simboliza uma aposta de alguma social-democracia europeia para África (da própria “Internacional Socialista”, já que o seu modelo é único no continente, permite eleições periódicas, embora a democracia seja limitada, pois partidos que cheirem a marxismo são excluídos de nelas participar, como o PAI do actual presidente Abdulai Wade)! A grande questão é que ao longo dos anos o Senegal nunca evoluiu nem resolveu melhor os problemas da fome e do subdesenvolvimento do que qualquer outro regime em África que não estivesse em guerra interna ou externamente. Ora, além de Zinguinhor o PAIGC tem as bases de Yeran e Kolda que, por via rodoviária, rapidamente dão apoio às forças que no terreno fazem a vida negra a Bigene e Guidaje, pelo menos... Mas nem sempre foi assim. Durante muito tempo os apoios de Senghor ao PAIGC foram tímidos. Outrora, o presidente do Senegal via com mais simpatia a chamada FLING, movimento impulsionado por ele próprio com o beneplácito do sistema colonial português, cuja fundação visou dividir os “independentistas”, aproveitando ter à frente um par de ambiciosos intelectuais que se manifestavam claramente contra Amílcar Cabral. Senghor temia que um novo país liderado por Cabral se aliasse militarmente ao de Sekou Touré (Conakry) e juntos consumassem uma ideia antiga do lado francófono, de criar uma grande Guiné, potência regional. Mas o correr do tempo desmentiu tal propósito. Também lhe fazia confusão a diversidade de apoios que o PAIGC tinha no Globo inteiro, da China aos países socialistas e africanos, passando por muitas forças progressistas europeias e sul-americanas. Apesar de tudo há muito que o PAIGC tinha sede em Dakar (Rue Félix Faure) e neste período havia adquirido novos edifícios no centro da cidade para ampliar a sua representação. As mais recentes tentativas de diálogo entre Senghor e Spínola, para eventualmente patrocinarem uma solução política do tipo neo-colonial, fracassaram devido à liminar recusa de Marcelo Caetano, que preferia uma derrota militar a um entendimento com os “terroristas”. O radicalismo do ditador contribui para que Senghor abra, noutros moldes, as portas à actividade dos guerrilheiros no território senegalês. As pressões internacionais (ONU, OUA, Organização dos Países Não-Alinhados, etc.), e também a clarificação das dúvidas que Senghor tinha em relação à sua política futura quanto a uma eventual tentativa de anexação de Casamance, ou um entendimento sobre esta matéria, o terão feito mudar de ideias. Foi elaborado um protocolo de acordo quanto ao estacionamento e transporte de armamentos no território. No entanto, o que está demonstrado é que houve quase sempre colaboração entre militares do Senegal e a tropa portuguesa. Alguns exemplos: o comandante do destacamento do exército senegalês em Nianao contribuía para a normalidade da situação militar em Pirada; o comandante de Setikénie jurava a pés juntos que pelo seu território os guerrilheiros nunca passariam para atacar a Guiné (Cambaju); e o comandante da CCaç 4147 (Sare Bacar) escrevia à PIDE a enaltecer o papel do agente Raul Alfredo Silva “nas relações estabelecidas com as autoridades do Senegal” (bla bla bla).

Nesse mesmo dia os dois pelotões da CCaç 3518, mais os militares da companhia africana e o grupo de milícias de Jumbembém, que connosco chegaram no dia 15, organizamos uma tentativa de regresso “a casa”. Na frente, na cola dos picadores, segue também pessoal dos DFE-3 e DFE-4. À partida, a escolha da data não poderia ser melhor, julgamos que as forças da guerrilha estão prioritariamente envolvidas na defesa de Koumbamory. Puro engano: arcámos com uma emboscada violentíssima ao alcançarmos a fatídica casa amarela no Cufeu, onde diversos combates se tinham travado desde a primeira semana do mês. O campo de minas alargou-se e diversas foram accionadas, até por membros da população que, querendo fugir ao inferno que se vivia também na tabanca de Guidaje, se tinham agarrado às viaturas, forçando a boleia, para irem procurar refúgio em Binta, Farim, ou o mais longe possível.

Quando a emboscada rebentou, uma “roquetada” lateral cortou ramos da árvore sob a qual me abrigava e que me caíram nos ombros. Assustei-me, olhei para o lado de onde veio o disparo e precipitei-me a disparar às cegas, desperdiçando mais de meio carregador de munições. Outras ogivas de lança-granadas foguete RPG vieram da frente da coluna, gemidos sibilantes que pareciam passar à tangente das nossas cabeças e troar pela estrada fora, não dava para ver aonde. A essas não podia responder, sob pena de pôr em risco o físico de outros camaradas, na linha de fogo. De súbito, dou com uma jovem mulher a saltar da MG estacionada à força trinta metros à minha frente, desatar a correr e pisar de seguida uma mina, dando um pinote tremendo e vindo estatelar-se não muito afastada do local onde me encontro. Ali ficou, imóvel, olhos em pânico, mas sem visíveis ferimentos além do sangramento do pé e alguns rasgões no pano-de-saia. Já não me lembro quem foi o soldado que com a faca de mato lhe rasgou um pedaço desse pano e lhe atou o pé a ver se o sangue estancava, enquanto outro gritava pelo enfermeiro, que já andava a acudir noutras paragens. As balas inimigas não param de silvar sobre nós e cada qual rastejou e abrigou-se o melhor que pôde, buscando com a mira da G3 um alvo que mexesse no horizonte próximo, mas daquele local não havia inimigos à vista. Um pedaço de capim que pareceu mexer-se logo foi imobilizado por uma M-62 (granada ofensiva) que um dos nossos soldados arremessou com notáveis impulso de braço e pontaria. Mas não se confirmou que tivesse causado ferimentos a quem quer que fosse.

O sopro da mina pareceu-me de “efeito dirigido”, ou seja, amputou-lhe metade dum pé e deixou um corte tão perfeito como se desferido por uma catana afiada (um “terçado”, na Guiné). Apesar da minha especialidade ser “minas e armadilhas”, não pude certificar-me pessoalmente se o modelo dos novos engenhos utilizados pelo PAIGC na região era o que se dizia: minas anti-picagem, – quer as antipessoal quer as anticarro. Teriam uma pequena bateria, ou pilha, no interior, e a detonação era provocada por duas folhas de estanho paralelas, uma usada como pólo positivo e outra negativo, disfarçavam-nas com uma finíssima camada de terra por cima e a mais leve pressão da “pica” provocaria o rebentamento imediato. À testa da coluna, um picador, curvado para a frente no desempenho da sua tarefa, accionara instantes antes uma “coisa” idêntica e o “corte” que ficou no corpo apresentou-se nos mesmos moldes. Só que, – isso sim, fui confirmar quando terminou a troca de fogachal, – o suposto efeito de sopro fez-lhe desaparecer o queixo e o rosto; o que restou da cabeça ficou espantosamente guilhotinado, na vertical. Tal como na “badjuda” nenhum outro ferimento se via no corpo, nem uma beliscadura, já que a mina provocou um cilindro vertical de deslocação de ar, mas não produziu estilhaços… Ainda assim, o soldado Vieira saltou para cima da MG onde sabia estar um Morteiro M2 60 mm e caixas de granadas, acartou o que pôde para a berma da picada (regos abertos pelos rodados das viaturas), afastou-se da ramaria das árvores e lançou uma série de projécteis na direcção de onde lhe parecia que o ataque tinha mais força.

Quando a situação parecia mais calma, – pois já não sentíamos tiros na nossa direcção, – através do rádio-banana que o nosso cabo das Transmissões lhe cedeu, o alferes Igreja recebeu ordens para que os dois pelotões d’Os Marados de Gadamael mudassem de posição, formando um “L” em relação à posição da coluna, isto para evitar tentativas de envolvimento por parte do IN. Quem mostrou má cara por ter que se erguer e arrastar para outro lado foi o alferes Cruz. Estava branco (provavelmente tão branco como eu estaria, mas faltou-me ali o espelho para comparar), enjoado com o cheiro intenso dos explosivos. Tinha chegado recentemente à companhia, vindo da metrópole em rendição do Dino Álvaro Mendes Duarte, também alferes miliciano “Marado” mas, quem sabe se em boa ou má hora?, transferido para a companhia africana sediada em Bedanda (CCaç 6), – onde também passou as “passas do Algarve”, o mesmo sucedendo ao furriel miliciano Manuel Fernando Urbano Neves e, mais tarde, ao furriel Manuel Baptista Fidalgo, – pelo que, na sua condição de, relativamente, periquito (o Cruz chegou a Os Marados a 12 de Outubro de 1972 e no início de 1973 foi temporariamente deslocado para Bambadinca como instrutor do 1.º turno de milícias), estava a “tirar os três” no mato, e logo daquela maneira…

Na frente da coluna, o combate foi violento, o ataque frontal em linha do PAIGC causou muitos danos logo de início, ferindo alguns camaradas. Não foi fácil ao pessoal recompor-se e reagrupar-se. Passados vinte e tantos minutos, deixámos de ouvir o matraquear das Costureirinhas e das G3, pois assomam-se dois Fiat que cortam o ar em voo rasante sobre as árvores, bombardeiam duas vezes, – e de que maneira!, – a cento e cinquenta metros de nós, ou talvez um pouco mais. Depois passam novamente em sentido contrário e o chão volta a estremecer por duas vezes, a cada embate das “ameixas” que deviam ser das de 200 quilos! Logo a seguir, – a dois, três quilómetros? – ouvem-se disparos secos e estranhos assobios. No céu, os mísseis Strela (Flecha, em russo) perseguem os aviões e deixam um estreito rasto de fumo branco a marcar o itinerário. Para se defenderem, os Fiat sobem a pique, o mais rápida e verticalmente que podem, até que os mísseis perseguidores rebentam lá nas alturas. Os aviões, desta vez não são atingidos, mas escusado será dizer que o nosso apoio aéreo termina neste momento. E respondendo ao ímpeto inicial da emboscada e à tentativa de envolvimento que efectivamente se seguiu, muitos de nós ficamos sem munições de G3. Também o pessoal das metralhadoras e de armas pesadas precisava de se reabastecer com granadas. Embora sem se temer nova investida do IN, pelo menos de imediato (as bojardas da aviação provocaram estragos em quem nos atacou) o pronto retorno a Guidaje foi inevitável.

Houve o registo do morto (picador) e de sete feridos, mas suponho que sem contar com os elementos da população, principalmente a jovem guineense que perdeu o pé. Entre Os Marados de Gadamael nenhuma baixa há a lamentar. Mas todo o pessoal envolvido na coluna, que tinha por objectivo atingir Farim e zarpar dali para fora, mas que agora é obrigado a recuar, fica ainda mais desmoralizado por não conseguir abandonar a tormentosa guarnição de Guidaje e por não ter perspectivas de como e quando conseguirá romper o cerco movido pelo PAIGC. Com o apoio limitado da aviação e com os acessos cortados, os feridos sem evacuação possível e corpos a agonizar, a situação é já de algum desespero. Psicologicamente abatidos, com munições a escassear, começamos a temer um ataque ao arame.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6041: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (4): Os dias da batalha de Guidaje, 15 a 18 de Maio de 1973

Guiné 63/74 - P6068: Parabéns a você (95): António Graça de Abreu, "sínico mas não cínico", 63 anos, ex-Alf Mil, CAOP1 (Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar, 1972/74)

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República Popular da China > Agosto de 2009 > O António Graça de Abreu  com a esposa, Hai Yan (aqui ao seu lado direito) e com uns primos da província de Huan... Na segunda fila, de pé, à esquerda, um jovem casal com um filho pequeno, que são seus cunhados; à direita, os seus dois filhos, Pedro e João.

Foto:  © António Graça de Abreu (2010). Direitos reservados


1. “Sínico, mas não cínico": a frase de um missionário português, amigo do nosso aniversariante de hoje... Foi título da crónica ou coluna do Padre Manuel Teixeira, “Cálice do Fino”, publicada no jornal Macau Hoje, edição de 15 de Julho de 1998. Eis alguns excertos:

“A 16-4-1998, veio visitar-me um velho amigo, o Dr. António Graça de Abreu. Hoje é ele o único sínico português. Gosta de ser chamado sínico. É um prazer ouvi-lo falar. (…) Depois da sua primeira estadia na China, volta-se para a China, sonha com a China, fala da China e adora a chinesa – a mulher de jade com quem casou e de quem teve dois filhos”.

O colunista acrescenta os seguintes dados biográficos sobre o seu amigo:

“Nasceu no Porto a 30 de Março de 1947, tirou o curso liceal no Colégio Moderno de Lisboa; estudou alemão na Alemanha; formou-se em letras na Universidade de Lisboa. Combateu na Guiné. Veio para a China em 1977; foi professor de Português na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim. Regressando a Lisboa, casou, em 1987, na igreja de N. Senhora dos Anjos com uma chinesa budista, que se converteu e baptizou. Hoje é católica fervorosa”.

Uns meses antes, em 6 de Fevereiro de 1998, António Graça de Abreu, “sinólogo” (isto, especialista em cultura chinesa), fazia assim o seu "auto-retrato", no Diário de Notícias:

(i) Partiu para Pequim, via Paris, em Setembro de 1977; pouco ou nada sabia da China;

(ii) Ainda era “meio maoísta” (sic), tinha entrada na China por via do PC de P (m-l), de Eduíno Vilar, “o único partido português que mantinha contactos institucionais com o PC Chinês”;

(iii) Durante 4 anos será professor de Português e trabalha nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras;

(iv) Até ao seu regresso definitivo, em Maio de 1983, viajou pela China, aprendeu o mandarim, descobriu a China profunda e antiquíssima, conheceu Macau, foi correspondente em Pequim do Diário de Notícias;

(v) Voltaria a China diversas vezes, só ou com amigos, e em 1995, integrado na comitiva do Presidente da República Portuguesa, Mário Soares, na sua visita oficial à República Popular da China.

Recorda o seu primeiro mês de vida na China, o seu amor à primeira vista por um sociedade em ebulição que lhe parecia “cultural e politicamente correcta” (sic). Passado o estado de confusão entre o desejo e a realidade – coisa que é muito frequente entre os humanos - , o António “caiu na real”, como dizem os nossos amigos brasileiros. Perdeu as ilusões sobre a construção do “homem novo”… E foi aí que se tornou “sínico, mas não cínico”:

“Precisava de estudar, de aprender a língua, a história, a civilização, a cultura. Havia um fabuloso império a descobrir. Não a China actual (…), a China clássica, do ‘homem velho’, sempre novop, dos poetas e dos pintores, dos filósfoso e sábios,. Dos mongs e artistas”… E depois, havia Macau, esse lugar único, singular, “inventado por portugueses e chineses, a três mil quilómetros de Pequim”… Essa descoberta (que dará origem a outra paixão) far-se-á em Novembro de 1979…


2. O António autorizou-nos a espreitar as primeiras notas que escreveu, no seu diário da China, em 1977 (ele continuou a ter o bom hábito de anotar as suas impressões do dia-a-dia)

Pequim, 8 de Setembro de 1977

Emoção ao chegar à China. O aeroporto pequeno numa manhã de sol, o grande retrato de Mao Zedong,  a garganta presa. O acolhimento afectuoso, fraterno dos camaradas chineses, futuros companheiros de trabalho.


O primeiro contacto com Pequim. Camponeses, carroças, casas pobres. As árvores bordejando a estrada, a vegetação repousante, as gentes que não conheço.

A primeira decepção, a habitação que me destinaram, um apartamento feio, esquisito, mal mobilado. Vai ser preciso mudar esta casa. Estranha sensação do estranho.

A primeira saída até ao centro da cidade. Pequim plana, avenidas largas, milhares e milhares de bicicletas, poucos automóveis sempre a buzinar. Trânsito desorganizado mas que funciona, reina uma grande ordem nesta desordem.

Ainda hortas e terras cultivadas, os campos entram por dentro da cidade. Sempre muita gente. Transparece uma ideia de pobreza, não de miséria.

A Praça Tian’anmen, a da Paz Celestial, enorme, vazia, majestosa. Amanhã faz um ano que morreu Mao Zedong. Cortejos com milhares de pessoas vêm depositar coroas de flores, de papel, nas tribunas da Praça e junto ao monumento dos Mártires da Revolução porque haverá cerimónias oficiais comemorativas do primeiro aniversário da morte de Mao.


No primeiro dia ainda uma visita e algumas compras na Loja da Amizade. Creio  ser um dos grandes armazéns de Pequim, destina-se a estrangeiros e tem  montanhas de coisas bonitas e baratas.

Ao jantar, neste hotel que tal como a loja também se chama “da Amizade”e é uma Babilónia de línguas e gentes de todo o mundo, conversa com um velho  casal brasileiro e outro colombiano, todos refugiados políticos.

Cansaço, um dia pleno.


Pequim, 9 de Setembro de 1977

Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras ou melhor Waiwen Shudian, (chama-se assim em chinês, perguntei esta manhã), um dos meus locais de trabalho. Edifício pesado, um caixote com seis andares, espartano, tipo convento  marxista-leninista-maoísta. Mas funcional. Os companheiros de trabalho que  vão fazer as traduções que depois corrigirei e a quem vou ensinar mais português, todos risonhos, simpáticos falando razoavelmente a língua de Camões. A  camarada Bai e o camarada Fu estudaram português em Macau.

Na cave das Edições, cerimónia fúnebre muito simples em honra de Mao Zedong. Tudo a preto e branco, as cores do luto, mas com aparência de missa comunista. O retrato do revolucionário, as pessoas a curvarem-se diante da  figura, muitas coroas de flores de papel, dois discursos longos de que não entendi uma palavra.

De tarde, visita ao Palácio de Verão. Um estupendo conjunto de construções no estilo tradicional chinês, não muito antigo - parece que é tudo dos séculos XVIII e sobretudo XIX - junto a um  belo lago, com pavilhões, torreões, pagodes e, ao fundo, as montanhas a oeste da cidade.


Hei-de voltar muitas vezes ao Palácio de Verão, não fica longe do Hotel da Amizade, talvez uns cinco quilómetros, e hoje vi apenas de relance, com os olhos.

Eu quero conhecer, quero começar a meter a China dentro de mim. Viajei muito pela China, da Mongólia Interior a Yunnan, de Sichuan a Macau, diluí-me pelo país, como gosto de fazer. Também aprendi alguns chinês.

Pequim, 14 de Setembro de 1977

O presidente Mao Zedong repousa no mausoléu que acabou de ser inaugurado, a sul da praça Tian’anmen.  Fui ver o corpo do homem que mais contribuiu para mudar a face da China.  Grupos compactos de pessoas, organizadas por entidades de trabalho, filas silenciosas de soldados, os rostos parados, compungidos, aguardavam a vez de entrar na construção de mármore, rectangular, nem bonita, nem feia onde  jaz Mao.

Juntei-me à fila ininterrupta que avançava num lento ritmo fúnebre. Lá dentro, na vasta antecâmara, uma grande estátua também de mármore de Mao Zedong, sentado, branco, irradiando a altivez e segurança do melhor período da sua vida. Logo depois o salão com o sarcófago de cristal.

À minha frente, o peruano Guillermo Delly, que pertence àquele grupo maoísta do Sendero Luminoso chegado também agora à China e que trabalha comigo nas Edições de Pequim - ele no semanário Beijing Zhoubao, o que dá  Pekin Informe na língua de Cervantes -, pois o Guillermo levantou o braço e,  de punho fechado, saudou Mao Zedong.

Em 1970, já no ocaso dos dias mas ainda todo-poderoso, o grande timoneiro confessou numa entrevista a Edgar Snow que entre as multidões imensas  que gritavam Mao Zhuqi Wansui!, ou seja “Viva o Presidente Mao”, um terço das pessoas eram sinceras, outro terço fazia o que via os outros fazer e  o último terço era hipócrita. Em qual destes grupos entrará Guillermo Delly?  E eu, que não ergui punho nenhum nem nunca gritei Mao Zhuqi Wansui? (...)

Fonte: Ponto Final, jornal de Macau (19/1/2010)



Dedicatória manuscrita do António, no livro  Poemas de Li Bai: tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu, 2ª edição  (Macau, Instituto Cultural de Macau, 1996), que lhe valeu o Grande Prémio de Tradução da Associação Portuguesa de Tradutores e do Pen Club, 1991).


 3. Alferes miliciano dos serviços gerais, afecto ao CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, Junho de 1972 / Abril de 1974), António Graça de Abreu escrevia no seu diário há 37 anos:

Mansoa, 30 de Março de 1973


Faço hoje vinte e seis anos, de certeza também complementarei os vinte e sete nesta santa Guiné. Tantos dias ainda a percorrer, tanto vazio a preencher! Se tudo correr bem, daqui a um ano estarei em Bissau à espera do aviãon para regressar a casa e deixar de vez a guerra.


Ninguém sabe que eu faço anos e não foi para recordar a data que às seis da manhã os obuses começaram a bater a zona, a mandar granadas de canhão para os possíveis locais onde os os guerrilheiros se estariam a levantar da cama. Às oito, foram os combatentes do PAIGC a flagelar à distância a frente de atrabalho da estrada Jugudul-Porto Gole – Bambadinca, sem resultados. É a quarta vez nestes últimos três dias, o que só serve para criar insegurança e fazer barulho. Os nossos obuses começaram a ripostar e lá se vai o sossego, o nosso e o do IN.


O meu coronel [, pára, Rafael Durão,], o meu major P. e um tenente-coronel que está aqui emprestado ao CAOP, foram, esta manhã de jipe, com uma pequena escolta, a Bula e Binar, tratar de assuntos relacionados com ofensivas sobre o IN. Os guerrilheiros sabiam que gente importante ia chegar a Binar e estavam à espera, emboscados junto à pista de aviação. Falharam a recepção porque os ‘homens grandes’ brancos não chegaram de avião, viajaram por estrada.. Foram e regressaram em paz”.(pp. 91-92).

Na véspera, 29/3/1973, o António comentava a notícia da queda do Fiat G91 sob os céus de Guileje, pilotado por um tenente (hoje nosso camarada e amigo, o Miguel Pessoa), que “foi abençoado pelos céus” (p. 91). Como se sabe, isto ocorreu em 25 de Março…

E acrescentava:

 “Ontem repetiu-se o incidente, foi abatido outro Fiat G 91. Desta vez, o piloto não teve sorte, o avião desintegrou-se e morreu o tenente-coronel Almeida Brito, o comandante das esquadrilha de aviões na Guiné” (…).


“Esta manhã esteve cá o furriel piloto Baltazar da Silva, (…) meu conhecido e amigo desde aquela primeira aterragem estranha, alvoraçada em Cachungo. Trouxe a sua DO, pareceu-me preocupado, assustado (…). (Será abatido, por um Strela, dias depois, “entre Bigene e Guidage”, conforme anotação no diário, em 8 de Abril de 1973)…”Trouxe-o até ao meu quarto, bebemos um whisky velho, animei-o tanto quanto fui capaz. Regressou a Bissau com a morte na alma”.

Um ano depois, não há nenhum registo no diário, com data de 30/3/1974. A 20 de Março, o António parte para Bissau, aproveitando a boleia de um Nordatlas que foi a Cufar buscar feridos. A sua comissão termina dali a três dias.

A sua obsessão agora é descobrir e reencaminhar para Cufar o seu periquito. A tarefa não se revela fácil. A 22, escreve, de Bissau, que “oficialmente para mim a guerra acabou”… A 25, houve um atentado á bomba no “Quartel-General, na Amura (…) e num café no centro da cidade”, provocando a morte de um civil e três militares (incluindo um da 38 CCmds) (p. 208).

Nesse dia descobre o seu periquito, não mais o larga…. A 31 regressa a Cufar, “depois de ter resolvido o problema do meu subsituto”: o Alf Lopes, com a especialdiade de secretariada, destinado originalmente à.â 1ª Rep, em Bissau…

“Ou porque têm gente a mais ou porque eu os chateei demasiado nestes últimos dez dias,  desviaram-no para Cufar”. A 5 de Abril, é a explosão de alegria: “Já cá está. Já cá canta o alferes Lopes, o meu substituto. Agora são mais uns dias para fazera  sobreposição (…) Depois, adeus Guiné, bye, bye Guiné (pp. 211).

A 20 de Abril, tomava o avião dos TAM, a caminho de Portugal. Teve tempo, em Cufar e depois em Bissau se despedir definitivamente da Guiné: “Caminhei pela paisagem das gentes negras de Bissau. Eles não sabem de mim mas eu estava  ali para me despedir, para os levar comigo nas arcadas da alma, para sempre” (Bissau, 15 de Abril de 1974, p.214).


4. Algumas das 30 perguntas ao António (e as respectivas respostas) "a partir do questionário de Proust",   inseridas na página do Pen Club Português, e que nos ajudar a conhecer e compreender um pouco melhor este camrada cuja presença muito nos honra na nossa Tabanca Grande:

1. O que é para si a felicidade absoluta?
R- Paz, serenidade, amor


2. Qual considera ser o seu maior feito?
R- A minha tradução dos Poemas de Li Bai (701-762), Prémio Nacional de Tradução1990.


3. Qual a sua maior extravagância?
R- Amar. (...)

5. Qual o traço principal do seu carácter?
R- Generosidade, ingenuidade.


6. O seu pior defeito?
R- Teimosia. (...)


10. Qual a sua máxima preferida?
R- Se conheces, actua como homem que conhece, se não conheces, reconhece que não conheces. Isso é conhecer. (Confúcio disse!)


11. Onde (e como) gostaria de viver?
R- Canedo, Vila da Feira, numa casa sobranceira a um regato, na floresta com a mulher daminha vida. (...)


 15. Que compositores prefere?
R- Beethoven, Mozart, Débussy.


16. Pintores de eleição?
R- Greco, Leonardo, Miguel Ângelo, Goya, Ingres.


17. Quais são os seus escritores favoritos?
R- Eça, Camilo, Cao Xueqin,


18. Quais os poetas da sua eleição?
R- Camões, Li Bai, Du Fu, Wang Wei.


19. O que mais aprecia nos seus amigos?
R - Honestidade, alegria de viver.


20. Quais são os seus heróis?
R- Os soldados que morreram a meu lado na guerra da Guiné. (...)


 22. Qual a sua personagem histórica favorita?
R- D.João II.


23. E qual é a sua personagem favorita na vida real?
R- Wang Hai Yuan. (...)


 26.Que dom da natureza gostaria de possuir?
R- Uma enorme aptidão para ler e falar bem chinês.

27. Qual é para si a maior virtude?
R- A honestidade.


28. Como gostaria de morrer?
R- Em paz, de repente, concluídos todos os grandes trabalhos.


29. Se pudesse escolher como regressar, quem gostaria de ser?
R- Um grande mandarim chinês do século XVIII.


30. Qual é o seu lema de vida?
R- Amar, trabalhar, descansar.


5.  Comentário de L.G.:

Meu caro António:

Afinal, quem és tu ?... Não tenho o direito de te fazer essa pergunta. Afinal, vamo-nos conhecendo. Temos a obrigação de conhecermo-nos. E o prazer de irmo-nos conhecendo... Damo-nos a conhecer uns aos outros, todos dias ou quase. Damos a cara. Não faz sentido fazer perguntas voyeuristas, do género "Pensa português com o coração e chinês com a razão... Ou vice-versa ?"... Alguns chamar-te-ão estrangeirado, o português que melhor conhece a China (a frase é dum jornalista de Macau, João Paulo Meneses,  que te entrevistou recentemente, Ponto Final, 19/1/2010) ou,  até em tom provocatório e quiçá xenófobo, o homem que já não sabe o que é, dividido entre dois grandes amores, a pátria lusa e a mátria chinesa (enquanto Macau será a fátria luso-chinesa)...Para mim, simplesmente,  és um cidadão do mundo, um homem das Luzes do Séc. XXI, cosmopolita, global, culto, open-minded, prestável, perseverante, disciplinado, humilde, amigo, camarada...

Os adjectivos são sempre redutores... Para mim, é simplesmente um privilégio conhecer-te. E eu creio poder interpertar os sentimentos de muitos dos amigos e camaradas da Guiné, dizendo-te que todos te querem bem, e te estimam, e se sentem honrados por  te sentares, connosco,  à nossa beira, à sombra do nosso poilão da nossa Tabanca Grande...

Desejo-te, em meu nome e dos demais editores (o Carlos, o Eduardo e o Virgínio), um dia em grande, para ti, tua esposa Hai Yan e teus filhos. Não bebo ao luar, como o pobre Li Bai, ergo a minha taça, em pleno terreiro da Tabanca Grande, e peço aos demais que me acompanhem nos votos festivos à tua saúde, longevidade e talento. Luís Graça

Guiné 63/74 - P6067: As tropas Pára-quedistas preparavam-se para a guerra como para uma cerimónia em Parada (José da Câmara/Hoss)

1. O nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), no texto que deu origem ao poste de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6018: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (15): Um erro de periquitos e o piar dos nossos camaradas, dizia a certa altura:

Os pára-quedistas, com as suas G3 de coronha rebatível, impressionavam pela forma como fardavam e pela disciplina, ao ponto de, ainda hoje, estar sem saber se eles se preparavam para a guerra ou para uma cerimónia em parada.



2. O nosso camarada Sílvio Abrantes (Hoss), ex-Soldado Pára-quedistado BCP 12, Guiné, 1970/1971, reagia assim num comentário feito no referido poste:

Se me permitem vou fazer uma pequena correcção ao que escreveu o Ex-Furriel José Câmara da companhia de CCAÇ 3327.

No seu comentário o Srº José Câmara diz que nos Pára-quedistas não havia açorianos. Como Pára-quedista que fui posso dizer que havia açorianos, não eram muitos, mas havia.

Mais à frente no mesmo texto o Srº José Câmara escreve "OS PÁRA-QUEDISTAS COM AS SUAS G3 DE CORONHA RABATIVEL IMPRESSIONAVAM PELA FORMA COMO FARDAVAM E PELA DISCIPLINA AO PONTO DE AINDA HOJE ESTAR SEM SABER SE ELES SE PREPARAVAM PARA A GUERRA OU PARA UMA CERIMONIA EM PARADA"

É verdade Srº José Câmara e isso deve-se à disciplina rígida, dura que nós tinha-mos. Não era exibicionismo. Posso dizer-lhe que tenho lido muito sobre a guerra ultramarina de diversos autores e alguns dizem que a certa altura as nossas tropas estavam desmoralizadas e não obedeciam aos seus superiores, os únicos que obedeciam eram os Pára-quedistas. Aqui já pode ver como nós obedecíamos aos nossos superiores, isso deve-se à disciplina e à forma como fomos treinados. Quando andávamos na instrução, que não era nada fácil, em especial o curso de pára-quedismo e nos queixávamos aos nossos instrutores, a resposta era INSTRUÇÃO DURA, COMBATE FÁCIL. Era este o lema e a isso se deve o nosso êxito nos confrontos com o IN.

Nós não éramos melhores do que A ou B éramos assim, foi para ser assim que nos treinaram. Ainda hoje os Pára-quedistas são uma grande família e aproveito para convidar o Srº José Câmara para ir no dia 23 de Maio a Tancos ao Ex-Regimento de Caçadores Pára-quedistas e ver as centenas de ex-páras que lá se juntam para confraternizar e matar saudades de outros tempos. Pode almoçar na messe que não paga nada ou pode optar por se juntar a qualquer grupo de Pára-quedistas e almoçar com eles que será bem vindo.

Não sei se lá vou no dia 23 de Maio, tudo depende do meu trabalho se estiver disponível vou e aproveitava conhecer o Srº José Câmara pessoalmente.

Um abraço,
HOSS01010101



3. No dia 26 de Março, José da Câmara em comentário no mesmo poste reagia assim:

Camaradas,
Agradeço-vos os comentários. A minha memória é como uma manta de retalhos. O Esteves lá vai conseguindo "cozer" umas coisinhas. Afinal era a especialidade dele.
O Amigo Vinhal, sempre atento, conseguiu mais uma terraplanagem, onde todos podemos saltar em paz e harmonia.

HOSS,
Li, com agrado, o cometário que escreveu ao meu último Post. A forma como fala da sua dama, só confirma aquilo que há muito tempo eu sabia: o espírito de corpo entre os pára-quedistas, sem ser melhor ou pior que o de outras forças, era e é diferente e perdura para além do tempo normal de serviço.
Honra vos seja feita, e a todas aquelas forças que conseguem ser diferentes pela positiva.

Ontem, 19 de Março, e ainda antes de ler o seu comentário, em conversa com o Jorge Sousa, ex-fuzileiro do Destacamento 13, ele disse-me que a Companhia de Pára-quedistas que estava em Teixeira Pinto, e que o meu texto refere, tinha açorianos. Entretanto esqueceu os seus nomes.

No meu texto estava apenas a referir-me àquela Companhia. O Jorge disse-me que os Pára-quedistas quando entravam em serviço, esqueciam-se de tudo à sua volta, para se concentrarem na sua missão. Por estas palavras compreendi porque é que não descobrimos açorianos naquela Companhia. Aquela Companhia chegava junto do nosso acampamento, e de imediato entrava na mata. Nunca parava para conversarem connosco. Daí o meu lapso.

O Capitão Cordeiro, irmão do nosso camarada Carlos Cordeiro, foi certamente um dos açorianos que terá ido mais longe na hierarquia dos Pára-quedistas. Ele, ao honrar a Arma que abraçou, também honrou a região que o viu nascer. Certamente houve outros açorianos que, igualmente, se distinguiram ao serviço daquela arma e da Pátria.
E já agora confirma que era a 122 que estava em Teixeira Pinto (Abril, Maio, Junho, Julho de 1971)?

O Hoss pertenceu a essa companhia?

Senti no seu comentário um pouco de mágoa pela forma como eu observei os Pára-quedistas na Mata dos Madeiros. Se o magoei peço-lhe desculpa. A minha intenção foi boa.

Eu reconheço que podia ter ido um pouco mais longe, e ter sido mais incisivo.
Farda completa, boina verde, lenço no pescoço, botas a luzir... os Pára-quedistas eram um espectáculo no meio daquela miséria toda, que era a Mata dos Madeiros. Daí a minha observação (que teria sido melhor assim): os Pára-quedistas íam para a guerra com o mesmo cuidado e disciplina com que se preparavam para uma cerimónia em parada.

Mas a melhor homenagem que eu poderia ter feito aos Pára-quedistas, e a todas as forças que se afirmavam pelo mesmo diapasão, é aquele parágrafo onde afirmo, e que passou a ser o lema de toda a minha actividade na Guiné, o seguinte:

"...a sobrevivência, seria tanto maior quanto maior fosse o grau de disciplina baseada no respeito, na lealdade, na camaradagem e na amizade entre todos nós. O reconhecimento colectivo dos poderes de cada um desses predicados não era mais que o perfeito reconhecimento consciente entre comandos e comandados."

Quanto ao seu convite, para estar presente em Tancos, pode ter a certeza que o aceitaria com muito gosto, não fora o facto de viver nos Estados Unidos da América desde 1973. Por esse mesmo facto também lhe peço que compreenda que, aqui e ali, falho no que escrevo. Quero-lhe assegurar que os meus erros acontecem porque não sei fazer melhor, nunca por maldade ou por desrespeito para com os camaradas ou para as forças que combateram na Guiné, quiçá nas ex-províncias ultramarinas.
No entanto fica marcado o encontro para um dia, se Deus quizer. Terei imenso prazer em dar-lhe um abraço.

Muitos anos depois da guerra terminar, fui encontrando os meus camaradas de Secção. Todos eles me trataram por Sr. ou por Furriel. Pedi-lhes que me tratassem pelo meu nome: José!

Hoje peço ao Hoss que faça o mesmo, e me trate por José. Eu acredito que o respeito passa pela forma como sentimos os outros.

O Hoss, com o seu comentário, conquistou um admirador e o meu respeito.
Como dizíamos nos Açores: haja saúde (para si e para os seus entes queridos).

Um abraço amigo,
José Câmara


4. No dia 26 de Março, José da Câmara dava-nos a conhecer uma mensagem que tinha recebido do camarada Hoss, que com a sua autorização tornamos pública.

Caro amigo José Câmara:
As suas palavras são para mim de grande apreço, fico desde já muito obrigado. Vamos voltar aos tempos áureos da nossa juventude que nos foi arrebatada por aquela maldita guerra, que por culpa de alguém nós tivemos de enfrentar e que ainda hoje faz sofrer muitos dos nossos camaradas.

Nos Pára-quedistas havia uma disciplina muito rígida, dura mesmo. Os nossos quartéis eram verdadeiros jardins. Fomos treinados duramente e sempre nos incutiram o espírito de camaradagem que ainda hoje, passados tantos anos predura.
Quando por vezes nos queixávamos aos nossos chefes da instrução tão dura a resposta era (instrução dura combate fácil), mais tarde verificámos que tinham razão.

Em 2006 comemorou-se o cinquentenário das tropas Pára-quedistas.

Juntaram-se centenas de ex-páras. Veio dos U.S.A., de Jersey, um grupo de ex-páras exclusivamente para assistir aos 50 anos, onde encontrei o meu grande amigo António Ribeiro, residente em Jersey. Desculpe se eu escrevo mal a palavra Jersey.

Nas cerimónias estava presente o Comandante Chefe das Forças Armadas General, do qual não me lembro o nome e diz para o Brigadeiro Pára Taliscas:

- É impressionante como se juntou tanto Pára-quedista. Diz o Taliscas: - Não se esqueça meu General, que no 11 de Março os Pára-quedistas foram mobilizados em 24 horas para fazer o golpe. Eu dou três semanas de instrução a esta gente e à quarta estão no ar, quer dizer a saltar.

Isto retrata a obediência que nós temos ainda hoje aos nossos chefes.

Tínhamos um lema que dizia (ninguém fica para trás). Ficaram três colegas sepultados no mato em Binta na Guiné, que devido ao forte ataque não foi possível evacuar, mas já se encontram sepultados nas suas terras desde o ano passado, devido à grande pressão feita por um colega que foi à Guiné fazer uma reportagem com a cadeia de televisão SIC e pagou as despesas de bolso dele.

Segundo informações que tenho, não há um Pára-quedista sepultado no ultramar. O meu amigo pode pensar que é balela, mas não é, é a realidade. Quando nós formávamos fosse para que fosse, as nossas botas eram sempre engraxadas, camuflado lavado e barba desfeita. Ainda hoje a primeira coisa que faço quando me levanto é desfazer a barba, está gravado a fogo no meu cérebro.

No quartel e junto aos nossos chefes éramos disciplinados, mas quando nos apanhávamos livres era um pandemónio. A PM em Bissau sofreu muito connosco, em especial comigo e com o meu amigo Jaime o "80", fazíamos-lhes as maiores patifarias.

Quanto aos açorianos tenho grandes amigos por lá, só que é difícil encontrarmo-nos.

Gostaria de estar com o meu amigo no dia 23 em Tancos, mas como posso constatar não é possível. Também ainda não sei se posso ir.

Não vou fazer perder mais tempo, espero que esteja de boa saúde, assim como os seus mais queridos.

Um abraço,
Hoss


5. Comentário de CV

Aqui fica registada uma troca de impressões entre dois camaradas. Muitos dos tertulianos poderão achar não muito interessantes, mas mostram que com cordialidade se desfazem alguns malentendidos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5754: (Ex) citações (52): Falando de descolonização com Filomena Sampaio (José Brás)

Guiné 63/74 - P6066: Parabéns a você (94): Benjamim Durães, ex-Fur Mil Op Esp e Rec Info, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72 (Os editores)

»»»» F*E*L*I*Z A*N*I*V*E*R*S*Á*R*I*O ««««
1. Completa hoje mais um aniversário o nosso Camarada Benjamim Durães, que foi ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do Pel Rec Inf, CCS/BART 2917 – Bambadinca, 1970/72:
O Durães apresentou-se à Tabanca Grande, pedindo a adesão às tropas aqui perfiladas em 21 de Março de 2007, através do poste P1618:

“Luís: Com um abraço forte. Conforme a tua solicitação, em anexo seguem duas fotos minhas tiradas em Bambadinca, além de uma actual, para acompanhar a actualização dos meus dados na página da nossa tertúlia, e que são os seguintes:

Nome - Benjamim Silva Durães
Posto - Furriel miliciano
Especialidade - Reconhecimento e Informação e Operações Especiais
Unidade - CCS do BART 2917
Local - Bambadinca (Zona Leste / Sector l1)
Tempo de comissão - Maio de 1970 / Março de 1972”.

2. Para melhor tentarmos avaliar o perfil do Durães, fomos mais uma vez consultar o seu signo de zodíaco que é “Carneiro, para nativos entre 21/03 e 20/04”, num site que se tem vindo a tornar muito popular nesta matéria e ao qual se tem acesso atarvés do endereço: KAZULO (http://horoscopo.kazulo.pt/4866/signos-do-zodiaco.htm).
Carneiro
21/03 a 20/04

Com os nativos de Carneiro e os que o têm com ascendente, a primeira impressão é a de uma pessoa egocêntrica e de um signo independente, assertivo e impulsivo. Os Carneiros não perdem tempo e quando tomam uma decisão, agem sobre ela de forma habitualmente rápida.

São energéticos e excelentes lideres mas nem sempre o melhor «seguidor». São óptimos a iniciar as coisas mas deixam-nas frequentemente para um dos signos fixos acabar. Altamente competitivos, gostam de se colocar à prova constantemente.

Apesar de governados por Marte e bastante temperamentais, a fúria é passageira e são em regra acolhedores e inspiradores. Apresentam qualidades como a coragem e lealdade mas também a impaciência e têm um forte sentido de individualidade.

Atraem e realçam estas qualidades também nos outros e o dia de um nativo de Carneiro começa normalmente com um entusiástico estrondo. Aparentam uma certa ingenuidade, por confiarem e acreditarem que os outros são tão directos e honestos como eles. Marte na primeira casa astrológica influência a personalidade de forma similar.

A frase chave para nativos de Carneiro é «eu sou». Com ascendente de Carneiro, as atracções viram-se para Balanças, governado na sétima casa, a dos parceiros.

Carneiro é um dos quatro signos Cardeais, por estar ligado à mudança de estação e do solstício, tendo como elemento o Fogo.

Anjo: O Arcanjo Cassiel é o protector dos nativos do Signo Carneiro. Cassiel é chamado Anjo Guerreiro e aqueles que nascem sob a sua influência são pessoas criativas, destemidas e determinadas. Líderes natos, gostam de ocupar cargos de chefia e de desempenhar funções de elevada responsabilidade.

Possuidores de um carisma e encanto naturais, são amados por todos e até mesmo as suas atitudes irreflectidas são perdoadas e encaradas como uma encantadora particularidade da sua personalidade.

O Arcanjo Cassiel desenvolve a coragem e a imaginação. Ajuda a moderar a ambição, o espírito de competição e o egocentrismo.
3. Independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos, neste poste, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca que por vários motivos não puderem enviar as suas mensagens, cantar-te a seguinte cantiguinha muito tradicional:
PARABÉNS A VOCÊ,
NESTA DATA QUERIDA,
MUITAS FELICIDADES,
MUITOS ANOS DE VIDA.
HOJE É DIA DE FESTA,
CANTAM AS NOSSAS ALMAS PARA O AMIGO BENJAMINZINHO,
UMA SALVA DE PALMAS!

E mais acrescentamos:

O nosso maior desejo, neste teu aniversário, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.

E mais te desejamos, que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos da Guiné te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no cantinho reservado aos comentários.

Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que como tu, um dia, carregaram uma G3 por matas e bolanhas da Guiné.

Com montanhas de abraços fraternos


Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > 27 de Março de 2010 > Da direita para a esquerda, o Durães, o Guimarães e o Puim... O nosso aniversariante tem sido a "alma mater" destes encontros... Este ano juntou mais de 120 camaradas e familiares, o que é obra. Entre muitos outros que eu não fixei o nome (ou não recomnheci de imediato), estavam alguns camaradas da nossa Tabanca Grande, como é o caso deste trio... O David Guimarães, um dos velhinhos do nosso blogue, foi Fuir Mil Art MA da CART 2716 / BART 2917, que esteve no Xitole (1970/72)... O Arsénio Puim, por seu turno, era o Alf Mil Capelão, do batalhão (ninguém do comando apareceu, com muita pena minha, que participei pela primeira vez no convívio deste pessoal onde tenham bons amigos).



Coruche > IV Convívio da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > 27 de Março de 2010 > O Durães, à conversa com dois camaradas da CCS, cujos nomes lamentavelmente não fixei... O camarada foi esteve integrado na equipa de construção do reordenamento de Nhabijões... Tivemos ocasião de falar sobre este faraónico e polémico projecto, que implicou a construção de cerca de 350 casas (e a destruição de outras tantas...).


Coruche > IV Convívio da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > 27 de Março de 2010 > O Durães, sempre enérgico, activo e bem-disposto, o Puim e o Jorge Cabral, comandante do Pel Caç Nat 63, já habitué destes encontros... À direita do Durães, de perfil, pode ver-se o Rocha, o Fur Mil Sapador Isaías Alves da Rocha, que eu tive o prazer de reconhecer... Ele fazia também parte da equipa do reordenamento de Nhabijões, juntamente o Luís R. Moreira, o António Carlão, o Joaquim Fernandes, o Soares (morto em 13 de Janeiro de 1971), entre outros.

Fotos: © Luís Graça (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

segunda-feira, 29 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6065: Não-estórias de guerra (5): O Furriel Dog e o cão Furriel (Manuel Amaro)

1. Mensagem de Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971), com data de 17 de Março de 2010:

Caros Editores,
Terminado o período de rigorosa invernia. Agora que regressaram os dias de sol, aqui vai mais uma Não-estória de guerra.

Um Abraço
Manuel Amaro



Não-estórias de guerra – 5

O Furriel “Dog” e o cão “furriel”

O Furriel Dog não se chamava Dog, mas sim Orlando Nunes.


Era Furriel Miliciano Atirador de Infantaria, da CCAÇ 2615. Aliás ele afirmava que os serviços de psicologia do Exército funcionavam na perfeição, pois com a formação obtida na escola comercial do Barreiro, ele só poderia ser atirador de infantaria.

O Dog fez quase toda a comissão com o braço esquerdo engessado, devido a uma fractura (ou luxação?) do escafoide. E aquele gesso, que lhe pesava e lhe reduzia o volume da massa muscular, também lhe era de uma grande utilidade, pois libertava-o da maior parte da actividade operacional.

No entanto, por mero acaso, não o libertou no dia 20 de Março de 1970, em que numa emboscada o seu grupo de combate teve um morto (milícia) e alguns feridos ligeiros.

Nesse dia o Dog disse ter descoberto que, debaixo de fogo, um simples pé de capim, parece ter a dimensão de um imbondeiro e a consistência de um baga-baga.

Mas, à conta do gesso no braço, ainda foi durante largos meses, delegado do Batalhão, em Bissau. E à noite, quase todas as noites, como bom conversador e contador de estórias, era um dos principais protagonistas da famosa 5.ª REP.

Um dia adoptou um cão. Um cão que de imediato baptizou de Furriel. E acertou na escolha do nome, porque agradou a toda a gente. Os furriéis não se incomodaram e chamar furriel a um cão, era um motivo de orgulho dos Primeiros Sargentos e até de alguns Praças.

O Furriel não era propriamente um cão artista, mas conseguia comer à mesa, na Messe de Sargentos e beber cerveja e whisky, este com muita água. E com estas qualidades, tinha algum protagonismo.

Além de ser amigo dos cães e de todos os animais, o Furriel Dog era um exímio cantor. Antes do serviço militar tinha feito parte de um conjunto de música de baile, onde se divertia e ainda conseguia arranjar algum dinheiro de bolso.

Mas era essencialmente um baladeiro.

E possuía uma sólida formação política, a maior parte feita na clandestinidade.

Cantava todo o reportório do Zeca Afonso, do Adriano e de outros cantores aventureiros dos anos sessenta.

Normalmente terminava as suas intervenções, cantado Catarina Eufémia… Por vezes, quase sempre, com as lágrimas a correrem-lhe pela face, o queixo a tremer, mas a voz não vacilava… “ quem viu morrer Catarina, não perdoa a quem matou….”

Um grupo de quatro ou cinco camaradas faziam coro.

Quando ele se entusiasmava e gritava “hip… hip… URSS”, uns acompanhavam-no, outros encolhiam-se.

Depois do regresso, o nosso grupo ainda fez umas noitadas nos restaurantes, bares e discotecas de Lisboa, mas a rotina, as exigências profissionais e também os divórcios, foram reduzindo os contactos.

Até que surgiu a fase da organização de convívios dos ex-combatentes.

E aí estávamos de novo juntos. Mais velhos, mais maduros, mas sempre com a boa disposição que nos levou a apelidar, quase em segredo, a CCAÇ 2615, a nossa Companhia, como a “Companhia de Circo”.

Creio que o último convívio em que participou, foi em 2000, em Campo Maior.

Pouco tempo depois, quando cuidava do pequeno barco de recreio que tinha ancorado no Tejo, o coração traiu-o. Não resistiu.

Nem imbondeiro, nem baga-baga, nem ao menos um simples pé de capim...

Hoje, a propósito de “qualquer coisa”, pareceu-me ouvir aquela frase, que lhe ouvi, tantas vezes, desde o RAL3, em Évora, até aos locais de convívio dos veteranos.

Fazia-se anunciar sempre com a frase “…Aqui o Dog chega sempre cedo”.

Não vai chegar mais... Porque já partiu.

E o Dog partiu cedo, muito cedo.

Manuel Amaro

O Furriel Dog dá de beber ao cão furriel

O cão furriel, à mesa...

Manuel Amaro e Orlando Nunes, a bordo do Uíge
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5462: Não-estórias de guerra (4): O Parto, essa grande (a)ventura (Manuel Amaro)

Guiné 63/74 - P6064: Notas de leitura (83): Livro do Cor. Costa Campos – Guiné, Bigene 1974 (Mário Fitas)


1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, “Os Lassas”, Cufar, 1965/66, enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 27 de Março de 2010:

Camaradas,

Julgando de interesse para publicação no blogue, envio, em anexo, a recensão do livro "GUINÉ" que é uma raridade e me foi dado a ler pelo filho do autor - Cap. Luís Carlos da Costa Campos.
Na lombada em pele aparece a gravação sobre o livro. É uma raridade, o livro foi dactilografado e fotocopiado, sendo distribuído apenas a familiares e uns poucos amigos. Um dos felizardos foi o Miguel Pessoa que também o possui.

Antes do Cor. Costa Campos falecer, ainda vi o único exemplar que ele possuía. Entretanto surgiu esta oportunidade de o filho me o emprestar, e me permitir fazer o que achasse melhor. Só que são 230 páginas.

Ainda se está a pensar na edição, mas só a digitação de tudo isto é uma loucura. Tem de ser aos poucos. Vamos ver o que se consegue fazer, pois em termos históricos e conhecimentos sobre a Guiné é uma maravilha.

Se houver interesse, estou autorizado pelo Sr. Capitão, atrás referido, a digitar e enviar, para divulgação na íntegra, ou em capítulos, o livro de seu pai.


Costa Campos (Ten. Coronel)
G u i n é
Guiné Bigene
1974

(Dactilografado por João Neutel)

Eis a primeira página do livro que tenho em mãos.

Após uma citação de Eça de Queirós, sucedem-se nas folhas seguintes a dedicação e legado da obra, de que saliento: “Aos meus Pais que tanto deram e continuam a dar ao povo africano”. Só será possível chegar ao entendimento deste legado, aos que por qualquer forma chegaram ou tiveram acesso à obra da família Costa Campos em África.

Esta obra, que julgo ser uma grande perda não estar editada, dando assim a oportunidade de um conhecimento realístico do que era à altura denominada Província da Guiné e de júri reconhecida internacionalmente como parte integrante de Portugal, mas com a condicionante da sua emancipação como país independente, resultante dos fenómenos geopolíticos da altura, que não nos cabe aqui comentar.

Carlos Alberto W. M. da Costa Campos à altura tenente-coronel, comandante do COP3 em Bigene, oferece-nos as razões deste trabalho. Assumindo que ao longo de duas comissões na Guiné, embora houvesse algo escrito sobre esta terra, tudo se encontrava muito disperso em grande diversificação de publicações, se deparou com a falta de elementos que dessem uma ideia realista e concisa da terra e gentes da Guiné.

Referenciando essa lacuna, resolveu colmatá-la através de rigorosa investigação juntando em um só livro, o maior número possível de dados de tudo o que respeitasse quanto à história, geografia, economia e etnia, da Guiné. Tentando dar uma informação o quanto mais completa e fiável possível a todos que nesta terra desembarcassem.

Assim:

Após uma súmula, bastante interessante do passado e actual história da Guiné no primeiro capítulo. Somos confrontados com a sua descrição geográfica física, climática, fauna e flora, no segundo capítulo.

No terceiro capítulo, o coronel Costa Campos, faz uma abordagem muito interessante à economia da Província. Sendo de extraordinário relevo a descrição, da Estrutura Social na economia rural descrevendo numa linguagem muito agradável as actividades desenvolvidas na agricultura, pecuária e envolvimento das diversas etnias autóctones, nestas áreas. ~

Somos brindados no capítulo quarto com uma rica e valiosa descrição, do quadro humano, sobre a grande variedade étnica com multiplicidade de seus usos e costumes.

Seguindo a cronologia, no quinto capítulo é-nos oferecida uma abordagem teológica magnífica, sobre todas as religiões existentes, bem como a sua introdução, penetração e evolução nas diferentes etnias.

A Organização Política e Aadministrativa da Província é-nos facultada no sexto capítulo. Onde nos é dada a visão do funcionamento dessa organização desde os órgãos de Governo Próprio, aos Regulados e Congressos do Povo.

No sétimo capítulo é abordado o tema da Subversão na Guiné, com o historial dos Partidos emancipalistas até ao aparecimento da supremacia do PAIGC através do seu carismático líder Amílcar Cabral. Terminando este capitulo com uma síntese dos principais acontecimentos da subversão até àquela data.

O conhecimento do presente, (na altura) bem como as politicas em curso do Governo da Província. Participação da população, Forças Armadas e o fomento Socioeconómico e Cultural, assim como o tema Africanização dá corpo ao capítulo oitavo.

Esta obra termina com uma interessante descrição sobre as térmitas Baga-Baga, transcrição de um artigo de António Correia, no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.

Após a leitura deste valioso documento, fica-nos a certeza que deveria o mesmo, ser editado e divulgado, pois nos parece de grande valia para conhecimento e análise da História da Guiné-Bissau.

Com as melhores saudações tabanqueiras,
Mário Fitas
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

26 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6052: Notas de leitura (82): Império, Nação, Revolução de Riccardo Marchi (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6063: Recortes de imprensa (23): O desastre do Cheche, no Rio Corubal: excertos de artigo de Teresa Firmino, Público, 6/12/2009

 Guiné > Zona leste > Rio Corubal >  Cheche  > Ancoradouro > "Esta imagem veio publicada num número de 1971 do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. O que há de macabro é tínhamos abandonado esta região em 1969, foi exactamente aqui que se deu o horrível sinistro que levou à morte 47 dos nossos militares durante a travessia de uma jangada preparada para a operação da evacuação de Madina de Boé. Dizem que é um ponto de indizível beleza, com mata luxuriante".

Imagem digitaliazada e legenda: Beja Santos (2008).


1. A tragédia de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 , foi  evocada, de novo,  na imprensa portuguesa, através de um trabalho de reportagem da jornalista Teresa Firmino, do jornal Público (*), que já em tempos nos tinha contactado, a nós, editores do blogue, por causa de uma foto da jangada da autoria do nosso camarada Paulo Raposo (**). Ela acompanhou, na Guiné-Bissau, os trabalhos da 4ª  missão da Liga dos Combatentes, que teve por objectivo a localização e a exumação dos restos mortais de militares portugueses, espalhados por cemitérios de ocasião no sul.  Desta vez, a equipa,  chefiada pelo major-general Fernando Aguda,  esteve em sítios como Bolama, Bedanda, Cacine, Catió, Fulacunda, Quebo e ilha das Galinhas.  Em Cheche, na região de Gabu, nas margens do Rio Corubal, a equipa liderada pela antropóloga forense da Universidade de Coimbra, Eugénia Cunha, e com a colaboração do geofísico da Universidade de Aveiro, Hélder Hermosilha, terá  localizado uma vala comum onde se supõe estarem os ossos de oito das 47 vítímas mortais do desastre do fatídico dia 6 de Fevereiro de 1969. Será o o próximo local de intervenção da missão (a 5ª) da Liga dos Combatentes... Nas missões anteriores, a Guidage, Farim e Gabú, foram levantados 55 corpos. (Vd. notícia constante da revista Combatente, nº350, Dezembro de 2009.

 Neste artigo do Público, Teresa Firmino cita o nosso blogue, dizendo:

"O desastre de Cheche é hoje motivo de inúmeros relatos na Internet, nomeadamente no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Os antigos combatentes encontraram essa forma de fazer o luto colectivo da tragédia que viveram. Outros emocionam-se tanto que recusam falar disso".

2. Público 'on line' > 26.03.2010 > À procura dos militares afogados no rio Corubal

Por Teresa Firmino

[Texto originalmente publicado na edição do Público, de 6 de Dezembro de 2009. Reproduzimos aqui alguns excertos com a devida vénia...]


Durante horas a fio, as duas jangadas no rio Corubal fizeram vezes sem conta a travessia para a margem norte. A companhia de caçadores 1790 estava a abandonar o quartel de Madina do Boé, onde tinha sido constantemente flagelada pelo inimigo ao longo de 13 meses, e era apoiada por homens de outras companhias. (...)

Até ali, tudo tinha decorrido sem incidentes. Para trás, tinham ficado os 30 quilómetros entre Madina de Boé e Cheche, e o rio começou a ser transposto na margem sul ao fim da tarde de 5 de Fevereiro de 1969. Passaram toda a noite naquilo. Só podia seguir uma viatura pesada de cada vez. Eram 28, mais 100 toneladas de munições e equipamentos, três auto-metralhadoras Daimler e à volta de 500 militares, conta-nos o então capitão José Aparício, comandante da companhia 1790 em Madina do Boé.

Ao início da manhã de 6 de Fevereiro, só restava na margem sul um grupo de homens: dois pelotões da companhia 2405, outros dois daquela que estava em retirada. "Eram entre 100 a 120 pessoas", diz José Aparício.

Toda a gente entrou na última jangada, que assim levava o dobro da sua lotação de segurança. Era feita por um estrado de madeira, assente em canoas e bidões de gasóleo vazios, puxada por um barco com motor fora de borda. José Aparício ia naquele grupo de homens. O alferes miliciano Rui Felício (que comandava um pelotão da companhia 2405) também.

De repente, a jangada adornou para um lado, atirando vários homens à água. Depois, balançou para o outro e cuspiu outros tanto. Ficou meio submersa, mas não foi ao fundo. José Aparício conseguiu manter-se na embarcação. Rui Felício caiu no rio.

"Estava a ir ao fundo. Percebi - se calhar muitos não perceberam - que tinha muito peso. Atirei a espingarda fora, que pesava cinco ou seis quilos, e a cartucheira à cintura, com outros cinco ou seis quilos. Descalcei as botas e nadei para a jangada." Ouviam-se gritos? "Não, não ouvi ninguém a pedir socorro, a gritar. Nada."

(...) Paulo Lage Raposo, alferes miliciano da companhia 2405, atravessou o rio na viagem anterior. "Vimos que caíram uns para um lado e outros para o outro. Não houve gritos, nem esbracejares, nem coisa nenhuma. Carregados com as armas, as granadas, as botas, iam para o fundo como um prego." Muitos não sabiam nadar, o que agravou tudo. Mas naquele momento a dimensão do acidente passou despercebida.

"Só soube que tinha morrido gente - estou a arrepiar-me a contar isto - quando cheguei à margem e pedi a um furriel para formar o pelotão. Ao fim de dez minutos, fui ralhar com ele porque achava tempo demasiado para ainda faltar gente. Só percebi que se passava alguma coisa porque vi vários a chorar. Aí é que me apercebi que morreu gente. Do meu pelotão, foram 13", recorda Rui Felício.

"É uma coisa que marca para toda a vida. Tive coisas infelizes que já esqueci, mas esta não se esquece nunca. Lembro-me da data. Foi entre as nove as dez da manhã. Há pormenores que nunca mais saem da cabeça. Sei que estava um dia de sol."

(...) [47 é o número de mortos] referido, por exemplo, por José Aparício, tendo em conta os elementos que recolheu: "Morreram no desastre 25 militares da minha companhia e 22 da companhia de caçadores 2405, o que perfaz um total de 47 europeus. Morreram ainda na travessia mais cinco guineenses de um pelotão de milícias que fazia parte da guarnição de Madina do Boé. Felizmente, não morreu nenhum dos cerca de 100 elementos da população que ali viviam connosco e que foram evacuados para a então Nova Lamego, hoje Gabú. Fizeram a travessia em viagens anteriores."

(...) Duas semanas depois do naufrágio, foi organizada uma operação de recolha dos corpos por fuzileiros e mergulhadores. Muitos desapareceram para sempre. Na série de documentários A Guerra, de Joaquim Furtado, podem ver-se imagens aéreas de alguns corpos a boiar, recolhidas pelo piloto da Força Aérea José Nico. "Os [corpos] recuperados foram sepultados nas margens do rio, com as honras militares próprias", relata Joaquim Furtado. (...)

(...) Que a jangada naufragada no rio Corubal tinha excesso de peso,  não suscita grandes dúvidas. Mas o que desencadeou a queda à água de soldados é alvo de versões desencontradas. Os alferes milicianos Rui Felício e Paulo Lage Raposo (o primeiro ia na jangada, o segundo fez a travessia na viagem anterior) dizem que foi o peso a mais, tendo ficado desequilibrada. Com capacidade para dois pelotões (uns 60 homens), fazia a travessia com os últimos quatro pelotões, de duas companhias. "Às vezes facilitamos demais", diz Paulo Raposo. "Para mim, a jangada virou-se porque tinha excesso de peso, embora haja relatos diferentes", diz Rui Felício.

Um desses relatos é o do capitão José Aparício (comandante da companhia 1790, em retirada do quartel de Madina do Boé), também na jangada. Diz que se ouviram tiros de morteiros e, em reacção, o barco a motor que puxava a jangada acelerou demais e fez cair homens.

Não houve tiros de morteiro, dizem Raposo e Felício. "Havia uma paz absoluta naquele rio", lembra Felício. "Estávamos habituados a ouvir tiros. Não era com uns tiros que nos assustávamos", junta Raposo. No documentário A Guerra, de Joaquim Furtado, dá-se voz às diversas versões e suas nuances. "Os morteiros existiram. Não tenho dúvidas", diz José Aparício a Furtado. "Há pessoas que disparam armas e sabe-se quem foi. Esta gente foi ouvida." Estava previsto dispararem-se morteiros para a margem sul do rio, quando todos tivessem deixado essa margem, no fim da operação.

É mostrado um filme feito pelo piloto José Nico, que filmava a penúltima travessia mas recebeu indicações para ir filmar os morteiros. Vêem-se os disparos das armas: "É durante esta filmagem que recebe a notícia do naufrágio da última jangada", ouve-se Furtado a dizer. "Imediatamente a seguir, José Nico filma estas imagens que mostram a jangada acidentada no meio do rio, enquanto alguns militares tentam as primeiras operações de socorro." Este acidente deixou a operação Mabecos Bravios (cães selvagens) tristemente célebre. (...)
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Notas de L.G.:

(*) Além do artigo, parcialmente transcrito aqui, vd.  também:  A última jangada no rioCorubal. Público, 25.03.2010.
Por Teresa Firmino, em Cheche

(...) Quatro décadas depois, continua a existir uma jangada em frente a Cheche. É agora moderna, tem motor próprio e serve para a travessia de carros apenas. O resto, pessoas, bicicletas, motas, vai de piroga, e há várias. Imperturbável, o Corubal é tranquilo nesta época do ano, a mesma do acidente, e a água, um tanto esverdeada, é ladeada por margens íngremes cobertas por árvores e vegetação densa. Ao sítio da travessia, com Cheche do lado de lá, chega-se por uma estrada larga, depois de uma sucessão de tabancas na berma de um caminho de terra, ponto de encontro de quem está à pesca, de quem lava a roupa e a estende no chão, de quem toma banho ou de quem simplesmente passa por ali.


 (**) Vd. postes recentes publicados no nosso blogue:
2 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5920: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (6): Missão da Liga dos Combatentes resgata corpos (Beja Santos)

22 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5866: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (5): uma versão historiográfica (?) (Luis Graça)

21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5861: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (4): Cem anos que viva nunca esquecerei as imagens da catástrofe e o diálogo entre o Alf Diniz e o Cap Aparício (Rui Felício)

21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5859: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (3): O oficial mais graduado que ia na jangada era o Cap Aparício, comandante da CCAÇ 1790 (Paulo Raposo)

21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5858: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (2): Acima do Alf Diniz, só havia 2 homens, os Cap Aparício (CCAÇ 1790) e Jerónimo (CCAÇ 2405) (Armandino Alves)

20 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5851: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (1): Silvina Claudino, de 26 anos, uma sobrinha que o 1º Cabo José Antunes Claudino, da CCAÇ 2405, natural de Alcanhões, Santarém, nunca conheceu

Guiné 63/74 - P6062: Blogpoesia (70): Sete fotopoemas da (e)terna China (António Graça de Abreu)

República Popular da China > Província de Hunan > Parque Nacional de Zhangjiajie, no sul da China: criado em 1982, tornou-se mundialmente famoso  com o filme Avatar, do realizador canadiano James Cameron





República Popular da China > Pequim > Parque Beihai: a noroeste da Cidade Proibida: tem 69 hectares, e remonta o início da sua construção ao Séc. X.




República Popular da China >  A Grande Muralha...






Fotos e pooemas; © António Graça de Abreu (2010). Direitos reservados (*)

[ Edição  / legendas /  título do poste: L.G.]

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Nota de L.G.:

Vd. último poste do António Graça de Abreu, poemas de Macau e Hong Kong  > 1 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5915: Blogpoesia (66): Poemas de Macau e Hong Kong - Parte II (António Graça de Abreu)

domingo, 28 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6061: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (5): A mina A/P que estropiou o Vasconcelos na estrada para Cambajú

1. Mais um texto, singelo mas comovente,  do José Cortes, que vive em Coimbra (*):


Data: 7 de Março de 2010

Assunto: Narrativas de Fajonquito

Como prometi na minha entrada para a tertúlia, aqui vai a narrativa de um acontecimento, durante a comissão na Guiné.

A mina que estropiou o Vasconcelos.

Estamos em Outubro de 1972, mais ou menos 6 meses de comissão, dia 12 ou 13.

Ao fim da tarde daquele dia, três viaturas civis estão estacionadas na parada do aquartelamento, junto ao parque auto, a carregar pessoal. Como sabes,  a lotação das viaturas era mais que lotada.

Partiram logo de seguida com destino ao Senegal,  via nosso destacamento de Cambajú, que ficava junto á fronteira.

Passado pouco tempo de terem partido, talvez uma hora, ouvimos rebentamentos. Contactados os destacamentos, Cambajú dizia que era na estrada de acesso ao destacamento, mas que não havia NT no local.

Informamos que iam a caminho três viaturas civis com destino ao Senegal.

Saiu o grupo do furriel Deus, e ao chegar à picada,  o que demorou algum tempo pois tiveram que cumprir as normas de segurança entre as quais picar a estrada, depararam com as três viaturas incendiadas dentro do mato e com os civis alguns mortos e outros feridos,  principalmente queimados. Foram atacados a roquetada.

Foram levados para o destacamento e foi pedida a evacuação dos feridos.

A evacuação só podia ser feita no dia seguinte pois entretanto escureceu e os helis não voavam de noite.

No dia seguinte logo cedo é formada uma coluna de apoio ao destacamento, tanto para reabastecimento como para ajudar a cuidar dos feridos civis.

A coluna partiu, e a partir da Bolanha de Nhacra, começa-se a pôr em prática os processos de segurança entre os quais a picagem da estrada. A velocidade da coluna é reduzida e avançamos a passo de caracol, como era necessário.

Eu seguia na Mercedes,  uma viatura pesada de carga,  que transportava colchões para os civis que não precisavam de evacuação mas ficavam no destacamento para serem tratados. E outros artigos de reabastecimento. A meu lado seguia o condutor,  salvo erro era o Celestino, apoiado no guarda lamas e em cima do pára-choques ia o Vasconcelos,  soldado mecânico,  que era a primeira vez que saía do aquartelamento.

Como a velocidade das viaturas era reduzida devido à picagem, e a segurança até ao local do acidente no sentido Cambajú - Fajonquito estava feita pelo pessoal do destacamento, quando nos aproximamos do local onde as viaturas tinham sido atacadas, a coluna parou, para que a segurança que estava na estrada seguisse nas viaturas para o destacamento e deixávmos os nossos na estrada.

O Vasconcelos,  pela sua inexperiência, mal viu as viaturas queimadas,  saltou do pára choques da Mercedes, para ir ver as viaturas que estavam dentro da mata aí uns 20-30 metros. Ao dar os primeiros passos,.  ouviu-se um rebentamento... Tudo no chão... Quando o pó começou a assentar,  os gritos do Vasconcelos quebram o silêncio que entretanto se estabeleceu pelo susto. O Vasconcelos tinha pisado uma mina A/P que estava colocada no trilho de acesso às viaturas civis.

A experiência do comandante do pelotão de milícia de Cambajú,  e talvez não só, não se safou de ser apontado como sabedor da localização das minas, tal foi a rapidez com que detectou a segunda mina e procedeu ao seu levantamento.

Depois de levantada a mina,  fomos buscar o Vasconcelos que não parava de gritar. A sua perna direita tinha desaparecido até á coxa, o fémur estava sem carne até ao joelho e a sua perna esquerda tinha fractura exposta do perónio e no joelho.

Colocado o Vasconcelos num colchão dos que vinham na viatura, a mesma partiu em direcção ao destacamento, onde tinha acabado de chegar heli que ia fazer a evacuação dos civis feridos no ataque do dia anterior.

No destacamento foi outra guerra,  porque os civis não queriam deixar que o nosso homem fosse evacuado e eles não. Os ferido mais graves acompanharam o Vasconcelos e os mais ligeiros ficaram, mas foi preciso o furriel Deus impor a sua autoridade de arma em punho.

Isto passou-se salvo erro (pelo dia) no dia 14 de  Outubro de 1972. Nunca mais soubemos nada do Vasconcelos.

Em Novembro de 1998, 26 anos depois, ouvi na Rádio Renascença uma mensagem onde só apanhei a palavra Deixóspoisar, liguei para a RR onde me foi dado o contacto de quem tinha deixado a mensagem. Quando liguei e do outro lado me responderam que quem falava era o Vasconcelos,  as lágrimas caíram pela cara abaixo,  a minha mulher de volta de mim a perguntar o que era, eu sem poder falar, tal era a emoção de estar a falar com a pessoa que eu nunca mais pensava encontrar. No fim de semana seguinte o Vasconcelos almoçou em minha casa comigo,  começamos a trocar alguns contactos que tínhamos e a partir daí os encontros da companhia fizeram-se anualmente, coisa que nunca tinha acontecido nos 27 anos antes.

Pronto,  esta foi uma das ocorrências em que estive envolvido, depois hão-de seguir outras.

Um abraço, José Cortes

2. No mesmo dia o José mandou a seguinte mensagem do seu camarada José Bebiano, com conhecimento ao nosso blogue:



Caro amigo José Bebiano: Espero não te maçar com os meus emails,  nem sei se queres recordar os tempos da Guiné.

 Queria-te perguntar se te lembras de um furriel da companhia 2742, que era de Coimbra.  Só o conheco lá e mesmo assim falámos pucas vezes, porque eu andava a ser enganado pelo sargento que a companhia tinha,.  do material de guerra. Entregou-me listas com armas que já não existiam e depois vi-me enrascado para me safar no fim da comissão. Valeu-me um sargento ajudante do Batalhão do Serviço de Material, que era pai do nosso alferes Filipe.

 Caso te lembres do nome do Furriel, que salvo erro se chamava Borges mas não tenho a certeza, agradecia pode ser que o encontre por cá. 

Já agora ainda não te disse mas eu sou de Coimbra,  nascido e criado. Sou funcionáriodo SUCH (Serviço de Utilização Comum dos Hospitais), faço serviço já vinte e seis anos, como técnico de manutenção nos Hospitais da Universidade de Coimbra, ainda estou no activo pelo menos mais dois anos não quero ir já para casa. Tenho dois filhos, uma com 34 anos e um com 32 anos e um neto de cada um, que são a alegria dos avós.