sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10713: Memória dos lugares (196): Bolama, Agosto de 1966 (José António Viegas)



 


Monumento aos Pilotos italianos (**)

Bolama, Agosto de 1966


1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas* (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68), com data de 17 de Novembro de 2012:


Da minha estadia em Bolama, antes de ser colocado com o meu Pel Caç Nat 54 em Mansabá, lembro-me bem daquela cidade já em degradação mas ainda com várias edificações em bom estado, como os correios, junto à piscina do Cabo Augusto onde se passavam os bons tempos de lazer, a casa do Governador e o Hotel, que estava em boas condições, onde muitos camaradas vinham descansar e passar férias.

No fim de Agosto, depois de ter terminado o treino operacional, seguimos para Bissau e depois para Mansoa, numa coluna enorme, onde se juntaram mais militares com destino a Mansabá.

A coluna até Cutia decorreu com normalidade, mas a partir daqui foram tomadas todas as precauções até Mansabá, onde se ouviram alguns tiros e aviso.

Em Mansabá estivemos 45 dias com a CCAÇ 1421. Aqui começa a nossa entrada na guerra. Logo nos primeiros dias fomos fazer um golpe de mão e, como tal, foi posta à prova a nossa impreparação para reagirmos debaixo de fogo. Quando se chegou ao objectivo, foi lançado o ataque pelo homem da bazuca e, debaixo daquele fogachal, eu de pé com as balas a assobiar sem saber o que fazer.

Aqui começa a minha preparação com os melhores operacionais, os meus soldados nativos, o meu Cabo Ananias Pereira Fernandes, o homem que não gostava de G3 e só usava a Madsen, que me joga para o chão e me ensina a organizar e dispersar debaixo de fogo.

Lembro-me o que aprendemos em Vendas Novas com aqueles filmes da guerra da Argélia, no meio de dunas, e nós íamos para a selva, enfim ainda havia poucos formadores com experiência de combate.

Acabo aqui a primeira fase de Mansabá voltarei às peripécias destes 45 dias. (***)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10626: Tabanca Grande (368): José António Viegas, natural de Faro, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54 (1966/68), grã tabanqueiro nº 587

(**) Homenagem de Mussolini aos 5 aviadores italianos, vitimas de queda dos seus aparelhos em 5 de Janeiro de 1931 quando faziam a ligação Itália/Brasil com escala por Bolama.

Vd. também excerto publicado na I Serie do nosso blogue:

(...) Finalmente: Bolama que tem em si um dos raros monumentos ao esforço fascista de paz, quando Mussolini e Ítalo Balbo tentaram o cruzeiro aéreo para unir Roma ao Brasil. Com efeito, dois dos aparelhos despenharam-se em Bolama e a missão esteve em riscos de se malograr. Tal não aconteceu porque a tenacidade de Ítalo Balbo a isso se opôs. Resta desse desastre o belo monumento aos «Caduti di Bolama» no qual se reproduz um aspecto dos destroços dos aviões — duas asas, uma das quais ainda erguida aos céus e a outra quebrada e caída em terra.

O monumento foi feito por italianos e com pedra italiana, vinda de Itália, para esse fim. Mandou-o erguer Mussolini e na sua base lá se encontra a coroa de bronze por ele oferecida, com estes dizeres — Mussolini ai cadutti di Bolama. Ao lado, a águia da fábrica de hidroaviões Savoia, uma coroa com fáscios da Isotta-Fraschini e a coroa de louros da Fiat. É curioso notar que este será um dos raros monumentos do fascismo, no mundo, que no fim de 1945 não foi apeado. Virado para diante e no alto, o distintivo dos fáscios olha ainda com alienaria o futuro, no seu feixe de varas e no seu machado, a lembrar a grandeza da Roma do passado. (...)

Fonte: Extractos de: César, A. - Guiné 1965: contra-ataque. Braga: Pax, 1965.

Guiné 63/74 - P10712: Meu pai, meu velho, meu camarada (34): Tropas expedicionárias portuguesas, em São Vicente, Cabo Verde, 1941/45, mostram solidariedade com o povo sofrido da ilha (Adriano Miranda Lima, cor inf ref, Tomar; cortesia de Praia de Bote)


Reprodução (parcial) do poste nº 8 da série Tropas expedicionárias portuguesas em Cabo Verde durante a II Guerra Mundial, da autoria de Adriano Miranda Lima, publicado no blogue Praia de Bote


1. Já aqui falámos do blogue Praia de Bote e do nosso leitor Adriano Miranda Lima, cor inf ref, residente em Tomar, e natural de São Vicente, Cabo Verde. O cor Miranda Lima serviu, durante muitos anos, no RI 15, o prestigiado RI 15, donde saíram, ao longo da nossa história, milhares e milhares de combatentes. E tem um especial carinho não só pela sua terra de origem, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, como pelos "nossos pais" que estiveram lá, em missão de soberania durante a II Guerra Mundial... 


Sobre esses "expedicionários" ele tem vindo a escrever no blogue Praia de Bote, estando de resto autorizado a utilizar textos, vídeos e fotos do nosso blogue, e nomeadamente da série "Meu pai, meu velho, meu camarada"... Com data de ontem, 22, saiu mais um poste, que traz um sugestivo título: "Levaram na mochila o espírito de solidariedade"... Tenho pena que o "meu velho" já não esteja vivo para lhe poder ler alguns excertos... 

 Aqui vão eles, de qualquer modo, para conhecimento dos nossos leitores, enquanto ao mesmo tempo reitero o meu convite ao Adriano Miranda Lima para aceitar o meu convite para ingressar na Tabanca Grande (ambos temos no coração Cabo Verde, e esta terra está intimamente ligada à história da Guiné e da guerra colonial) (*): 

(i) (...) " Até as praças do contingente expedicionário arranjaram o seu 'impedido', glosando-se aqui, claro, o significado militar do vocábulo. E quem eram esses 'impedidos'? Nada mais que a miudagem que se acercava dos portões dos quartéis à procura de um pouco de alimentação. As praças precisavam de alguém que lhes levasse a roupa a uma lavadeira, que lhes desse um recado ou até que lhes engraxasse as botas".

(ii) (...) "Em relatos que ouvi a muitos desses ex-militares, raros são os que não conservaram para sempre na memória o triste episódio da fome que assolava o arquipélago e dizimava impiedosamente vidas humanas (cerca de 50.000 mortos entre 1943 e 1945). É por esta razão que o coração dos militares não era insensível ao espectro da fome estampado nos rostos dos rapazinhos que se abeiravam dos quartéis. Muitos reservavam um pouco da sua alimentação diária aos seus 'impedidos', quer fosse pão quer fosse comida confeccionada nos caldeiros do rancho geral. Só quem nunca sentiu a tortura da fome não imagina o valor que teria naquela altura uma simples côdea de pão ou uma tijela com uns restos de sopa". (...)




Cabo Verde, Ilha de São Vicente > "Luís Henriques, em 10 de maio de 1942. Na praia do M. [Monte] Branco, Lazareto, São Vicente". Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012). No verso, além da legenda transcrita, há  um carimbo com os dizeres: "MELO Foto. Secção de amadores. São Vicente".

 Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados



Cabo Verde, São Vicente, Mindelo (?) > "Festa em San Vicente, nosse terre. Nativos em festa. Recordação da minha estada em C. Verde, expedidição 1941-1943. Luís Henriques". Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012).

Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados


(iii) (...) "De entre muitos testemunhos, vale a pena registar aqui o do antigo expedicionário 1º cabo Luís Henrique, do Batalhão de Infantaria 5, aquartelado em Lazareto, que me foi transmitido em mail pessoal pelo seu filho (,..), editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, espaço no qual o mesmo testemunho foi reportado há alguns anos, assim como factos relevantes da vida militar do seu pai em terra cabo-verdiana. 

Textualmente, transcreve-se esta seguinte passagem do citado mail: 'O meu pai lembra-se da epidemia de fome que assolou as ilhas, no tempo em que lá esteve (1941/43). O seu 'impedido', o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e doença, em meados de 1943. Comove-se ao dizer que deu à família do miúdo todo o dinheiro que tinha em seu poder (cerca de 16$00), para ajudá-la nas despesas do funeral'. Luís Graça explicou que o seu pai estava na altura hospitalizado mas que acompanhou o triste episódio da morte do seu 'impedido' .(...) 

 Não há exemplo mais tocante e mais grandioso do que o daquele que dá o pouco que tem para mitigar a fome e o sofrimento do seu semelhante. Foi o caso do senhor Luís Henrique e de muitas praças dos contingentes militares expedicionários" (...).

(iv) (...) "Em narrativas anteriores, referi a importância particular que para mim reveste o Batalhão de Infantaria 15, nomeadamente a sua 3.ª Companhia de Atiradores, a que ficou em S. Vicente enquanto o grosso do Batalhão foi destacado para a ilha vizinha. Vamos ver o porquê desse meu sentimento. Essa companhia, sob o comando do capitão Fernando de Magalhães Abreu Marques e Oliveira, ficou aquartelada no centro do Mindelo (...). Aquele capitão era venerado pelos seus antigos subordinados, que o recordavam pela sua competência profissional e pelo espírito humanitário oculto atrás do seu ar sóbrio e grave. (...)

(v) (...) "Condoído com aquela dramática situação [, a fome que lavrava na ilha], o capitão Oliveira ordenou ainda a montagem de um mais organizado serviço de distribuição de sobras de rancho, autorizando que aqueles pobres civis entrassem mesmo para dentro da área militar. À certa altura, reparando que o número de necessitados crescia a olhos vistos, disse ao furriel que tinham de arranjar um processo de maximizar as sobras de alimentação de forma a responder melhor àquela situação. Perante as dúvidas do subordinado, explicou-lhe que era preciso recorrer a todas as situações administrativas e meios possíveis". (...)





" Foto pertencente à família do capitão Paiva Nunes e por ela cedida ao autor [, Adriano Miranda Lima]. Os oficiais presentes são todos capitães. (...) À frente, e da esquerda para a direita, o capitão Mário de Paiva Nunes e o capitão Fernando de Magalhães Abreu Marques e Oliveira (aos 40 anos de idade), benfeitor do povo faminto do Mindelo", assinalado com elipse a vermelho. 




(vi) (...) "Recorda-se ainda [, aquele antigo furriel,] de o seu comandante de companhia ter ido falar com o comandante do Regimento de Infantaria 23, designação da unidade que englobava os batalhões de infantaria de S. Vicente, no sentido de sugerir ao seu superior hierárquico que todas as companhias procedessem de igual forma, e dentro dos possíveis, para ajudar as pessoas carentes de alimentação. E a verdade é que o gesto humanitário do capitão Oliveira em prol dos necessitados de S. Vicente não tardou a ser seguido nas outras companhias e baterias destacadas na ilha de S. Vicente". (...)

(vii) (...) "Mas o apoio e o espírito de solidariedade das forças militares tiveram uma expressão alargada e transversal, passando por actos individuais e colectivos e por diferentes sectores das estruturas militares. Destaca-se a acção médica e medicamentosa que a população recebeu durante a permanência das tropas de uma forma sem precedentes na história colonial das ilhas, sobretudo em S. Vicente. Essa acção permitiu salvar inúmeras vidas mediante intervenções cirúrgicas e uso de meios terapêuticos que não teriam sido 
possíveis sem a presença dos militares". (...)


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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10496 Meu pai, meu velho, meu camarada (33): Mais notícias das forças expedicionárias da ilha de São Vicente, Cabo Verde (1941/45) (Adriano Miranda Lima, cor inf ref)


Guiné 63/74 - P10711: Blogues da nossa blogosfera (58): "O Homem sem cérebro" no Blogue "Coisas da Vida" (Jorge Teixeira - Portojo)

1. Em mensagem do dia 17 de Novembro de 2012, o nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo), (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), enviou-nos este seu trabalho dedicado ao seu camarada Dias Pinheiro, mais um dos mortos/vivos da nossa guerra, publicado no seu Blogue Coisas da Vida:








O Homem sem cérebro*

Presumo ser normal lembrarmo-nos com frequência de amigos, muitos deles já idos deste mundo, principalmente quando encontramos outros amigos que na nossa juventude tratámos como camaradas, pois assim nos ensinaram.

Refiro-me à "Juventude de África" dos anos 60 e 70 do século passado. Muitos desses camaradas de outrora só passados dezenas anos se conheceram ou se reencontraram. E por aí vão convivendo em tertúlias, lembrando aventuras, amores, desilusões. E continuam a tratar-se por camaradas.

Num dia sensível em que um de nós nos deixou, neste caso, uma, a camarada Enfermeira-Paraquedista Reimão, recebi várias notícias e emails tocando a alma. Umas vindo através do Paraquedista Mampego e do Blogue da Tabanca Grande sobre a Reimão e os outros vindo através da Cirea, do Brasil, assinado pelo A. Ramalhete, Memórias do tempo; e do Santos Oliveira, por causa da feliz novidade lida e falada na Rádio Liberdade de Argel pelo traidor Alegre. Reenviei esses emails, porque aqui é impossível colocá-los. Mas fica este link fácil de encontrar. http://ultramar.terraweb.biz/Livros/SantosOliveira/PelMort912_upd3.pdf

A Pátria sou eu és tu..., Celebração de Amigos, Efemérides, Poemas de Guerra.

Por um acaso, chegou-me outro email do programa do Jô entrevistando um reputado médico Mineiro o Dr. Murilo Ranulfo. (http://tvg.globo.com/programas/programa-do-jo/programa/platb/2012/11/05/muri

Entre os minutos 28 e 30, refere-se o Dr. Murilo a um pormenor que me fez vir à memória, mais uma vez, os meus camaradas Vítor Condeço - já falecido - e o Dias Pinheiro.

Ambos já eram residentes em Catió há cerca de um ano quando lá cheguei. O Condeço especialista em Armamento, o Pinheiro, Sapador, isto é, especialista em Minas e Armadilhas. Numa coluna a Cufar em que participei na segurança da picada, junto ao célebre cruzamento de Camaiupa, após várias minas detectadas, a última da do Pinheiro explodiu. Evacuação pedida, retrocede para Catió uma viatura com o Pinheiro "sem vida". Assim julgamos nós e no relatório do BART 1913, dá-se baixa aos efectivos do Furriel Pinheiro, evacuado para o HM 241 em Bissau. Só isso.

Passados uns anos e por causa de um amigo comum, o Barrinhos, (que foi assassinado por alguém duma facção do PAIGC, presume-se e já muito depois da guerra terminada, e sobre o qual escrevi aqui um artigo em Novembro de 2006, que pura e simplesmente desapareceu, ficando apenas um retalho, sem foto, de uma recapitulação que fiz em 30.Junho.2009. Nessa altura estava tudo direitinho ainda. Mas agora que fui bisbilhotar o que escrevi deparei com esta cena.) o Vítor Condeço encontrou-me e começamos a conversar. Entre as várias lembranças veio a do Pinheiro. Ele não morreu, disse-me o Condeço. Então foi uma das ressuscitações de Catió, disse-lhe, pois um dos condutores das Daimlers ficou cheio de buraquinhos num dos ataques em final de comissão, foi evacuado morto e encontrei-o uma vez na Avenida da Liberdade em Lisboa, são como um pero, embora cheio de recauchutagens.

Em 20 de Maio de 2007, na confraternização da CCS do BART 1913, encontro pessoalmente o Condeço. E peço-lhe, diz-me se está cá o Pinheiro. E estava sim. E ouvi uma das histórias de guerra ao vivo e na primeira pessoa.

Estava a armadilhar a mina depois de escavar, a meter o fio, mas essa puta estava também armadilhada o que a fez explodir. Não me lembro de mais nada a não ser que ia pelo ar e a ver tudo vermelho.


E então como conseguiste sobreviver?
- Não sei, sei que fiz uma dúzia de operações e plásticas e fiquei sem uma parte do cérebro. Felizmente é aquela parte de que não precisamos. - E disseste isso muito sério.

Ri muito na altura, bem como alguma rapaziada que ouviu a nossa conversa. Também houve uns comentários giros na postagem que o Blogue da Tabanca Grande publicou do nosso encontro.

Hoje ao ouvir a entrevista do Dr. Ranulfo (nome de Santo) ao Jô, lembrei-me de ti, Pinheiro. Falavas verdade e afinal não era para rir. Demonstras à Ciência que o nosso corpo tem excessos.

Na foto, o Pinheiro, que me disse, quando lhe pedi autorização para fotografar e contar a história dele:
- Não me mandes outra vez pelo ar.

 (Maio de 2007)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10603: Blogues da nossa blogosfera (57): Amante da Rosa, de Carla Amante, calou-se de vez, mas continua em linha, oferecendo-nos histórias deliciosas como a do primo Constant que foi morrer a Bissau, vomitando coisa preta depois de ter comido coisa branca...

Guiné 63/74 - P10710: Notas de leitura (431): "Crónica dos (Des)Feitos da Guiné", por Francisco Henriques da Silva (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,
Para os investigadores, estas Crónicas dos (Des)feitos da Guiné serão um manual de consulta obrigatória, não havia nada de tão detalhado, trata-se do testemunho de um participante direto, o diplomata que ia alertando as autoridades de Lisboa, estiveram sempre a assobiar para o lado até à eclosão do conflito. Estão aqui as peças principais que levam a perceber como o PAIGC tinha entrado numa deriva, Nino Vieira perdera autoridade e se tornara, aos olhos da população, como o responsável pela imensa corrupção e inércia a que chegara o país, e, simultaneamente, assiste-se à ascensão de um poder militar que posteriormente passou a ser dominado pela etnia Balanta.

Um abraço do
Mário


Crónica dos (Des)feitos da Guiné (2)

Beja Santos

O levantamento militar desencadeado em 7 de Junho de 1998, vai deixar Bissau sitiada e transformada numa interminável carreira de tiro. Um pouco ao jeito da “guerra do Solnado”, havia pausas negociadas pelas partes beligerantes no sentido de haver mobilidade com um mínimo de segurança. A embaixada de Portugal, a partir de 8 de Junho, está a abarrotar com refugiados, há pessoas a pedir o impossível, felizmente um cargueiro pôs-se à disposição para evacuar os cidadãos portugueses. No seu relato dos acontecimentos, o livro “Crónicas dos (Des)feitos da Guiné”, Edições Almedina, 2012, Francisco Henriques da Silva confessa-se: “Foi o pior dia de toda a minha vida”.

Nos dois dias anteriores à evacuação, que decorreu em 11 de Junho, procura-se acertar com o comandante Hélder Almeida, do cargueiro “Ponta de Sagres” o mais relevante para que a evacuação se pudesse efetuar com o mínimo de segurança e organização. Henriques da Silva conta ao detalhe como se preparou a evacuação e como, na prática, tudo acabou por ser extremamente difícil de gerir, temia-se perdas de vidas humanas, caso se bombardeasse o porto de Bissau. Escrevo num estado de ansiedade indescritível: “Bastava a explosão de um só míssil ou morteiro no cais de Bissau, abarrotado de pessoas, para termos uma tragédia de dimensões incomensuráveis, leia-se, pelo menos 50 mortos e mais de 120 feridos”. O primeiro-ministro telefona-lhe a assumir a responsabilidade pelo que viera suceder e pede-lhe para se manter em contacto permanente com o seu gabinete. Os refugiados e ele atravessam uma cidade em pé de guerra: tropa senegalesa recém-desembarcada a instalar ninhos de metralhadoras, a bandeira portuguesa tremula à frente do desfile, segue-se o embarque com a turbamulta frenética para ter lugar no cargueiro. Um tipo sem vergonha tenta embarcar vestido de mulher e com lenço na cabeça. Ele escreve: “Nestas situações, a natureza humana revela-se em todas as suas dimensões. Por vezes, no meu íntimo, interrogava-se quanto ao pânico de certas pessoas, porque eu não o sentia da mesma forma, nem tão pouco o compreendia”.

Vai suceder-se um período de intoxicação da informação, os próprios jornais portugueses caíam facilmente nas manobras de contrainformação. As missões diplomáticas da China, França, Comissão Europeia, Rússia e EUA foram fortemente atingidas por mísseis, morteiros e fogo de artilharia, nos dias 13 e 14. A França dava a rebelião como perdida, fazia a leitura de que a intervenção estrangeira faria recuar as tropas fiéis de Ansumane Mané, e as evacuações continuaram, incluindo os diplomatas da Rússia, Egito Líbia e Palestina. Numa breve trégua entre combates, um carro foi recolher o embaixador russo e três membros do seu pessoal, a situação na embaixada tornara-se crítica: sem eletricidade, sem alimentação decente, sem água, viviam todos refugiados na cave.

Há episódios indiscritíveis das evacuações que envolveram transportes portugueses, franceses e senegaleses. Calcula-se que cerca de 200 mil habitantes de Bissau terão abandonado a capital, foi um êxodo por etapas, as povoações na periferia de Bissau rebentavam pelas costuras. Henriques da Silva pega num trecho do romance “Jardim Botânico”, de Luís Naves (de que já aqui s fez recensão), lapidar dessas fugas numa atmosfera de tragédia: “Na cidade, nas primeiras horas, instalou-se uma espécie de estupefação geral marcada por um silêncio trágico. Então, como se obedecessem a uma ordem automática, as pessoas começaram a avançar na direção da estrada e formaram-se espessas colunas de civis em fuga. Tudo o que tinha rodas avançou rumo ao interior (jipes, camiões, toca-tocas, bicicletas e carrinhos de bebé). Mas o grosso da coluna marchava. Havia mulheres de trouxa à cabeça e crianças agarradas às saias; um formigueiro em marcha, com fanatismo de insecto: os do meio sem saberem porque seguem aquele caminho, os da frente nunca se sentindo os da frente; pois que cada um vai atrás do outro, esse outro de ainda outro, e assim sucessivamente, numa correnteza. Viam-se pernas finas e pés descalços, braços empunhando objetos inúteis, um rádio, a ruína de um motor, ripas de madeira, colchões, pedaços soltos, a cadeira viajando no topo do monte de roupa, como se fosse um trono”.

Com o decorrer da guerra, tornou-se claro que o presidente da República dispunha de um frágil apoio, a maioria do país apoiava os rebeldes. Nino Vieira e os seus apoiantes dispunham do controlo do centro de Bissau, de parte do Leste e o arquipélago dos Bijagós, o resto do país tinha caído sobre o controlo da junta militar. A 22 de Julho, na chamada “batalha de Mansoa”, as forças senegalesas inimistas sofreram uma pesada derrota, a partir daí o caminho para Leste estava aberto. O avanço só foi contido pela assinatura de um Memorando de Entendimento entre o Executivo de Nino e a Junta Militar, a bordo da fragata “Corte Real”. No princípio de Agosto o chefe do Estado-Maior da Armada e uma dezena de soldados senegaleses que tentavam desembarcar no Xime foram mortos. Em Outubro, Bafatá caía sem combate e a seguir o Gabu. A situação estava realmente caótica para Nino Vieira e nisto o ministro dos Negócios Estrangeiros português chega a Bissau e propõe um novo encontro entre Nino e Ansumane Mané que virá a ter lugar no final do mês em Banjul, na Gâmbia, a que se seguiu, pouco depois, o Acordo de Abuja.

Todo este vasto e complexo processo negocial é detalhado por Henriques da Silva, descreve igualmente as violações do cessar-fogo e comenta criticamente as fragilidades do Acordo de Abuja. A embaixada é atingida por um míssil em 21 de Julho, dia que o presidente Jorge Sampaio lhe escreve manifestando a expressão do maior apreço pela coragem e serenidade do embaixador e do pessoal da missão. Então, a imprensa portuguesa desdobra-se em elogios, tratam-no por um homem abnegado, o resistente, o embaixador que resolveu ficar.

"Crónica dos (Des)feitos da Guiné" é um documento indispensável para os estudiosos e sobretudo os historiadores. Fica-se com uma visão sobre a ajuda humanitária, o processamento das evacuações, o quotidiano de Bissau durante a guerra civil, a paz intermitente em que se viveu depois do Acordo de Abuja, a pesporrência da diplomacia francesa, os problemas colocados ao novo governo dirigido por Francisco Fadul.

E temos a derradeira etapa, a contraofensiva de 31 de Janeiro a 3 de Fevereiro de 1998, a artilharia pesada fazia-se ouvir em toda a cidade de Bissau. Em 9 de Fevereiro chegou a força da ECOMOG prevista no Acordo de Abuja, as tentativas de desmilitarização falharam e no início de Maio a Junta Militar procedeu ao assalto final ao Bissauzinho que levou à rendição incondicional de Nino Vieira que se refugiou na embaixada de Portugal. Estes meses de guerra deram azo a que Henriques da Silva se espraiasse a contar historietas e instantâneos da guerra.

Enfim, temos aqui um depoimento avassalador sobre um conflito dramático que, por um lado, revelou a tenacidade e o heroísmo dos habitantes da Guiné-Bissau que repeliram as forças estrangeiras e que, por outro lado, deixou fracturas que chegam à sociedade atual.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10694: Notas de leitura (430): "Crónica dos (Des)Feitos da Guiné", por Francisco Henriques da Silva (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10709: Parabéns a você (499): José Romeiro Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10693: Parabéns a você (498): Mário Miguéis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Guiné 63774 - P10708: (In)citações (45): O Cão, o Geba, o melhor amigo da tropa de Mansambo... o meu amigo Geba (Torcato Mendonça)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > "Eu e o Geba"...

Foto:  © Torcato Mendonça (2012). Todos os direitos reservados.















Fundão > 27 de janeiro de 2007 > O Torcato Mendonça é um incrível contador de histórias... Escreve bem mas ainda fala melhor... Sobre o seu cão, o Geba, descreve-o magistralmente em três linhas... "O meu amigo, o Geba, amigo da tropa e militar, pois ia cheirando o chão junto dos homens da pica"... Sobre as peripécias da grande operação Lança Afiada (10 dias, uma eternidade, em março de 2009), ele perde-se, a falar, a falar ... de tal maneira que desde 2007 que eu estou à espera de um depoimento dele, sucinto, claro, conciso, preciso, que caiba numa folha... A4. (Esta sequência fotográfica foi obtida em 27/1/2007, na casa da minha irmã caçula, enfermeira no Fundão)...

É um dos raros grã-tabanqueiros que participou  nesta megaoperação, a Lança Afiada,  que varreu o triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, como um verdadeiro rolo compressor... Aproveito para homenagear, no nosso blogue, este camarada de coração grande, que é arraçado de algarvio, alentejano e beirão, mas que acima de tudo é um grande português e um orgulhoso "viriato" da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Finalmente ele prometeu, ao Carlos e a mim, que vai escrever, está mesmo a escrever, um comentário sobre a tal "Lança, mais romba do que afiada"... (LG)

Fotos:  © Luís Graça  (2007). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do Torcato Mendonça, com data de ontem:

Assunto: Os cães

Carlos acabei de ver A Guerra e fiquei apardalado. O Amadú Djaló falou bem e eu não sei como ele está de saúde. Mas eu escrevi para te enviar o Geba, cão de quatro patas e amigo di tropa, pá... Se continuarem a escrever sobre cães,  põe lá este meu amigo, o Geba. Amigo da tropa e militar,  pois ia cheirando o chão junto dos homens da pica...

Abraço T

[Comentário de L.G.: O Carlos Marques dos Santos, talvez para não ficar atrás do T., arranjou também um farejador de minas, o Xime... " Op Cabeça Rapada I... Em 25 de Março de 1969, uma semana depois da Op Lança Afiada, inicia-se a primeira Op Cabeça Rapada, com a duração de 2 dias, no itinerário Bambadinca/Mansambo. Picagens, seguranças de flanco, etc. Trabalhos de nativos em desmatação das bermas da estrada. Estava dado o pontapé de saída, para maior segurança nas deslocações na estrada Bambadinca/ Xitole. Mas, do nosso ponto de vista, maior exposição à observação IN. Só o meu cão, Xime de nome, porque o herdei da anterior Companhia aí aquartelada, era capaz de fazer a segurança completa. À nossa frente na picada, farejando, entrando e saindo da mata, flanqueando em zig-zag, detectando minas, dormindo quando eu estava de olhos abertos, de olhos, nariz e orelhas atentas quando eu dormia. Um verdadeiro guerrilheiro responsável das suas missões. Não me lembro se ficou em Mansambo, se o levei de volta ao Xime, quando regressei. Dias sem incidentes. (...)]


2. Mensagem, off record, que o T mandou ao Carlos Vinhal, em 19 do corrente:

Sou chato,  meu caro Carlos, chato mas não baribi [?] que é o chato que se aloja nos testículos do chato... pára o chato...

O Luís,  de sua Graça,  comentou e com razão. Quer a "Lança..." e eu em comentário respondi. Vai ele ler? I don´t known e não sei o mail dele. Se fizeres favor - que chato - quando ele aparecer à tua "beira",  dizes para ver o comentário e estou a escrever 'A Lança... mais romba do que afiada'...

Um abraço do T. (está no Poste das Fotos com capacete...porra que os miolos deviam ficar liquefeitos...)


Torcato Mendonça disse...

Se calhar ou, como se diz lá para o meu Sul, calhando tens razão...tanta molhadela...até na picada que em dez minutos virava rio, ir para a Operação e o "céu" a desabar em água, na emboscada e "desatar" a chover (uma tromba daiágua como se diz por aqui) e os ossos sinto-os hoje...mas servia, as primeiras chuvas de Maio, para tomar um valente banho com Lifebuoy - encarnado a cheirar a "valha-me deus" e a lica a desaparecer...

Estou a escrever, docemente, sobre o Fiofioli do meu descontentamento e um pouco do que vi, me fizeram e fiz, deviam ter feito e não o foi...ai, ai, tantos ais e há-de sair...escrever é um acto (com c porra) solitário e, por vezes, doloroso, inquietante, denunciante de isto ou aquilo, questionador, hoje e ontem (?), de tanta malvadez, de tanta solidariedade ou camaradagem, de tanto ódio gerador de tanta destruição física e não só... aquilo nunca podia ser vencido pela força das armas e, a ser, seria caso único. 

Mesmo assim, lá, queria emboscadas com tropa especial na margem esquerda do Corubal... Eu escrevo o que me for lembrando,  quarenta e tal anos passados. Era um puto,  pá, era um puto em idade pois por dentro tudo estava já quebrado, escaqueirado, e hoje mesmo remendado, não está bem... ninguém que passou por aquilo está bem. Se estiver é porque não viu, não viveu, não sentiu e tinha "ar condicionado"...estive meses sem beber água decente, sem ver casa caiada, mulher loura, morena ou ruiva, comer um pão, pá, ou beber algo fresco... Eu escrevo Ab, caro Luís. T

Segunda-feira, Novembro 19, 2012 4:52:00 p.m. 
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10674: (In)citações (44): Imagens da minha terra, tão bela e tão sofrida (Cherno Baldé)

Guiné 63/74 - P10707: Mensagem do nosso camarada José da Câmara aos amigos, a propósito do dia de Acção de Graças, hoje festejado nos Estados Unidos da América

Thanksgiving Day is a federal holiday in the United States. 
© iStockphoto.com/Olga Lyubkina

1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73) datada de 22 de Novembro de 2012, a propósito do Thanksgiving Day que hoje se celebra nos Estados Unidos da América:

Caros familiares e amigos,
Hoje, nos EUA, celebramos o dia de Acção de Graças, o chamado Thanksgiving Day.

Nós, aqueles que temos o privilégio de viver e fazer parte desta grande Nação Americana, sabemos o que este dia significa nas nossas vidas e na dos nossos familiares e amigos. Damos Graças, não tanto por estarmos mais ou menos bem na vida, mas pelas oportunidades que nos foram oferecidas e que aproveitámos para também realizarmos o grande sonho americano: ter casa, carro e, acima de tudo, ajudar na melhor educação escolar possível dos nossos filhos.

Esta é, ao fim e ao cabo, a melhor herança que lhe s podemos deixar. Muitos de nós aproveitámos os anos para cultivarmos as nossas hortas de amizades. Tomamos conta delas e fazemo-las crescer e produzir bons frutos. Eu também consegui uma fantástica horta de amizades. Nela as raízes e os ramnos dos seus membros entrelaçam-se numa sã convivência, porque têm a certeza que são todos importantes no meu coração. A minha horta é muito importante na minha vida. Ajuda-me a viver e a acreditar que os meus melhores anos de vida ainda estão para vir. Pelos familiares que tenho, por aqueles que me deixaram ser seus amigos e pelas oportunidades que recebi na vida dou Graças a Deus.

Para os que celebram o Dia do Thansgiving os meus sinceros votos de que seja passado com muita alegria na companhia dos vossos entes queridos.
Para aqueles que não celebram este dia, fiquem com a certeza que não ficarão esquecidos nas minhas preces. Sim, eu tenho muitas razões para dar Graças a Deus e celebrar o Thanksgiving Day.

Um abraço do
José Câmara
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Nota de CV:

Para saber mais sobre o Dia de Acção de Graças vd. http://www.timeanddate.com/holidays/us/thanksgiving-day

Guiné 63/74 - P10706: Memória dos lugares (195): Alcoitão, o CMRA - Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, inaugurado em 1966, para dar resposta aos grandes incapacitados da guerra colonial



Antigo sítio institucional da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, hoje alojado aqui.


O CRMA está localizado em Alcoitão, uma localidade, no eixo Estoril/Sintra/Cascais. Dista a 4 Kms do Estoril, a 6 Kms de Cascais e cerca de 7 Kms de Sintra. Está servida de transportes públicos rodoviários a partir do Estoril, Cascais e Sintra. A Auto-estrada A5, com saída no Estoril ou Alcabideche, coloca o CMR a 20 minutos de Lisboa. Contactos: Morada: CMRA – Rua Conde Barão – Alcoitão 2649-506,  Alcabideche / Tel.: 21 460 83 00

1. Com a devida vénia transcrevemos, da antiga página da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o seguinte apontamento sobre o Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão (CMRA) (Realce nosso, a amarelo). Solicitamos fotos, testemunhos e outros documentos a quem teve  o azar (e a sorte) de por lá passar no decurso da guerra colonial (, de 1966 a 1975). Infelizmente não temos (ainda) dados históricos sobre o movimento assistencial do CMRA aos deficientes das Forças Armadas... Quantos dos nossos camarados terão por lá passado ? E pelo hospital de Hamburgo ?

CMRA > História 

Em 1956, sendo Provedor o Dr. José Guilherme de Melo e Castro, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) decidiu dar início à construção de um Centro de Reabilitação.

O contexto social e político nacional ditou a criação de um centro com estas características, sendo a principal motivação dar resposta às necessidades dos lesionados da Guerra do Ultramar.

O autor do projecto foi o Arquitecto José Maria Ferreira da Cunha.

De referir ainda a colaboração do Escultor Martins Correia, autor da escultura que embeleza o jardim e cuja imagem foi escolhida para logótipo da instituição. Todas as despesas foram suportadas pelas verbas provenientes dos lucros do Totobola (então principal jogo social da SCML).

Em 2 de Julho de 1966, o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA) foi solenemente inaugurado com a presença do Presidente da República, Almirante Américo Tomás, definindo dois objectivos principais: (i) ba reabilitação de pessoas com incapacidade motora; e (ii) a formação de pessoal especializado.

A preparação de pessoal, compreendeu cursos segundo programas de nível internacional e teve substancial cooperação de entidades internacionais, particularmente do World Rehabilitation Fund. Os cursos funcionaram de Janeiro de 1957 a Outubro de 1965 em colaboração com as Casas de S. Vicente de Paulo, em Lisboa, tendo sido formadas 47 alunas nas áreas de enfermagem, fisioterapia e ortoprotesia, entre outras.

À data da sua criação este Centro foi desde logo aclamado como uma das melhores instituições na área da medicina de reabilitação no mundo.

Nas últimas três décadas tem-se assistido a uma adaptação da estrutura organizacional, de forma a ir acompanhando as necessidades dos profissionais e dos destinatários. Disto são exemplos paradigmáticos os cuidados de reabilitação prestados a doentes com Acidentes Vasculares Cerebrais, com Sequelas de Politraumatismos e com Traumatismos Craneo-encefálico graves.

Empenho na diferenciação técnica e científica dos profissionais

Modernização das instalações e do equipamento de diagnóstico e terapêutica

Tem-se verificado igualmente um crescente empenho na diferenciação técnica e científica dos profissionais e assistido à modernização das instalações e do equipamento de diagnóstico e terapêutica, mantendo elevados padrões de qualidade, inovação e excelência.

Actualização contínua dos equipamentos e tecnologias

É na associação de uma política de actualização contínua dos equipamentos e tecnologias, com a constante promoção do desenvolvimento científico, profissional e humano dos seus colaboradores que o CMRA dá substância à sua assinatura de marca "Excelência em Reabilitação", e assim se mantém uma referência desde a sua fundação.

Guiné 63/74 - P10705: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (13): 14.º episódio: A estranha ausência da guerra e dos camaradas do K3


 Guiné > Bissau > Passeio junto ao cais > s/d



Ponte Sor, 1960> Veríssimo Ferreira (à esquerda, de pé) com Zé Luis Veigas, Anibal (?) e Luís Bonito em Ponte de Sor, Portalegre.


Fotos do álbum da página do Facebook do Veríssimo Ferreira, Loures (Com a devida vénia...)



1. Em mensagem do dia 19 de Novembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos mais um episódio dos melhores 40 meses da sua vida.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

14º episódio - A estranha ausência da guerra e dos camaradas do K3

Se houve festa lá em casa? Claro... porque primeiro foi a surpresa... depois a alegria... depois todas as emoções e algumas lágrimas não contidas fizeram-na ainda melhor e da rija.

Assaram-se uns barbos apanhados no rio Sôr ali ao lado, com rede e à socapa, que a época era no defeso... prepararam-se,  da capoeira, umas galinhas de fricassé... outras suaram ao lume de brasas de azinheira, mais uns coelhitos à verdadeira caçadora... e com a presença de alguns convidados, aqueles que iam perguntando por mim, lá deitámos abaixo aquela fartura toda e nem o Senhor Prior faltou, qu'até me ofereceu uma medalha, afiançando-me a pés juntos, ter rezado por mim. Convenceu-me e de tal forma que esqueci o caso dos cinco tostões que me obrigou a pagar, aquando da disputa duma ping-pongada que lhe ganhei lá na JOC. Lembro-me, que na época fiquei tão ou mais danado do que um raivoso canino. Porém e dada a circunstância do acto e porque sou (ou era?) bom, não quis ficar atrás de quem até perdoou à Madalena e pois claro... perdoei.

Mas sim... estiveram comigo grandes e verdadeiras amizades, que não me fizeram esquecer, contudo, aqueles amigalhaços que lá no KAPA 3, estariam decerto a sofrer, quando mereciam acamaradar neste convívio e com este manjar digno DELES.

No dia seguinte, passeando, dei por mim a gritar em surdina:

Ena tanta bajuda branca! E até falam com'a mim! E será que são lavadeiras? E será qu'até lavam roupa? Pôssaras... apenas um ano passado e já nem m'alembrava qu'aqui as mágoas da alma são lavadas no rio e já me esquecera também, que haviam mulheres brancas, manga delas mesmo... e tão boas... e tantas... ai eu, ai eu, AI EU, ponto final parágrafo, modera-te... acalma-te... domina-te que já não és nenhum cachopo, mas sim um homem com 23 anos.

Fiquei com os olhos em bico... estrábico qb... gago senão mudo... mas também o que fazer, sendo tão abraçado, tão apaparicado por tanta gente que m'amava? Numa noite ou outra acordaram-me e diziam-me:
- Esquece a Guiné... agora estás em casa... descansa... gritaste - aí vêm eles!.

E foi assim o dia a dia até que começou a ficar próximo o ansiado regresso ao local onde eu queria estar, ali mesmo onde conheci a alegria de acordar vivo, ali onde aprendi a arte de receber ou dar sem nada ter que dar ou receber, bastava estar, ali onde éramos cento e cinquenta irmãos, partilhando o bom ou sofrendo com milhares de primos a quererem saber de nós e nós deles.

Antevi a minha volta aqui à vida civil e de novo daqui a dez meses e perguntei-me:

Como e de que forma vou conseguir integrar-me nesta pasmaceira tão boa? Neste doce nada acontecer? Amarrado a horários, com o mesmo café e bagaço à mesma hora? Os mesmos encontros nos mesmos sítios? O mesmo cinema nos mesmos dias? Os bailes com os mesmos pares? Sim como serei capaz, se aqui as maiores dificuldades que tenho são o nó da gravata e o engraxar os sapatos?
Como viver sem os amigos da minha 1422? E o dia sem planos, mas com as amizades destes meus de agora? Como viver sem aquela desbragada linguagem da caserna? Sem as memórias dos ausentes, presentes? Como viver sem ter que decidir quando o perigo surge? Sem o ruído das hélices dos helicópteros que já deviam ter chegado antes? Como viver sem ouvir os T6 lá no alto? Sem as avionetas do correio?

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10691: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (12): 13.º episódio: Como 5 dias de licença em Bissau se transformaram em 30 na Metrópole

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10704: Histórias do nosso blogue que merecem ser republicadas (1): O Lobo e a sua matilha de rafeiros, heróis com direito a cruz de guerra, na defesa Bambadinca (Alberto Nascimento, ex-sold cond auto, CCAÇ 83, 1961/63)

1. Poste do Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 83 (Bambadinca, 1961/63), já aqui publicado em 10 de julho de 2008, sob o nº 3044.

Em comentário ao poste P10701, o nosso editor L.G. escreveu o seguinte, sugerindo e justificando a criação desta nova série:

 " Há aqui, no blogue, uma história de cães, passada em Bambadinca, que merece ser lida e relida... Acho mesmo que merece ser republicada, depois da 'maldade'que fizemos ao Boby e, pior ainda, ao Chichas, o nosso cão de estimação, a nossa mascote, que dormia à porta do nosso quarto (!), morto com um tiro na cabeça... Numa floresta com mais de 10 mil árvores, há preciosidades como esta que um dia farão parte da nossa 'antologia'... Já tem 4 anos, a 'estória avulsa' dos 'cães, nossos amigos, de Bambadinca'... O 'Lobo' e sua matilha de rafeiros deveriam ter sido condecorados com cruz de guerra, se o mundo fosse justo e se os homens fossem dotados de 'inteligência emocional'... Um abraço para o 'velhinho' Alberto Nascimento (de 1961/63!!!), dos tempos de brasa de Bambadincam, no início da guerra"...

A Matilha de Bambadinca
por Alberto Nascimento


Alguém apareceu um dia no quartel com dois cachorros recém desmamados, que foram imediatamente adoptados e baptizados com os nomes de Gorco, ele, e Djiu, ela.

Adaptaram-se facilmente ao hotel e, quando começaram a vadiar pelas imediações, devem ter feito grande publicidade porque passado pouco tempo veio outro e mais outro e mais uns quantos, até perto da dezena de rafeiros que, agora bem nutridos, não mostravam vontade nenhuma de voltar à antiga vida de privações e maus tratos.

Mais tarde, o tenente Castro, comandante do destacamento, juntou à matilha um boxer, o Lobo que, pelo seu pedigree, foi aceite como comandante da tropa canina, que passou a segui-lo para todo o lado.

Embora alguns dos rafeiros se desenfiassem durante algumas horas de dia, a hora das refeições e a pernoita eram sagradas e após a última refeição esparramavam-se num espaço entre as duas construções que constituíam o quartel, formando uma roda de cães no meio da qual, não sei se por estratégia, se acomodava o Lobo.

Uma noite, estava eu num posto de guarda a trocar umas palavras com o sargento Leote Mendes, quando o Lobo se levantou subitamente e saiu a grande velocidade, seguido com grande algazarra pelo resto da matilha. Atravessaram a estrada e durante algum tempo continuámos a ouvir um barulho infernal, sem conseguirmos compreender o que se estava a passar, até que os latidos cessaram e pudemos vislumbrar o regresso da matilha.

Ficámos preocupados a pensar que a reacção dos cães se devia à passagem de algum viajante, já que era hábito,  quando a distância a percorrer era grande, fazerem os percursos de noite a pé enquanto mastigavam noz de cola;  e mais preocupados ficámos quando vimos que o Lobo trazia na boca um cantil de plástico cheio de leite. Deduzimos e desejámos que alguém tivesse tido a ideia de desviar a atenção dos cães, das suas canelas para o cantil de leite, largando-o enquanto fugia.

Depois da operação de Samba Silate (*), alguns prisioneiros disseram que nessa noite o quartel estava já cercado e seria atacado, não fora o alarme dado pelos cães, o que os levou a pensar que o factor surpresa já não surtiria efeito.

Felizmente para nós, enganaram-se. Não sei que armas traziam mas a nossa surpresa ia com certeza ser grande. Nunca se soube com certeza absoluta, eu pelo menos não soube, com que apoios esta operação contava do exterior e do interior do quartel, mas,  um dia depois, um cabo indígena de Bafatá que reforçava o nosso destacamento, desertou.

Depois deste episódio, que recordamos sempre nos nossos encontros anuais, a matilha começou a desaparecer. Uns nunca mais voltaram ao quartel, outros voltaram doentes, acabando por morrer por envenenamento e nós passámos a redobrar a nossa atenção aos sistemas de vigilância e defesa, que dependiam mais de nós que do equipamento que possuíamos, na altura limitado às G3, granadas e uma metralhadora fixa num ponto estratégico.

Todos os camaradas que estavam na altura em Bambadinca sabem, julgo eu, o que ficaram a dever àqueles animais que, por acção indirecta, acabaram por ser as únicas vítimas, pelo seu natural instinto de guardiães e defensores de um território, que também era seu.

Alberto Nascimento

[Foto acima, à direita: O Cadete, um dos famosos "cães de guerra", da CCAÇ 763, Cufar, 1965/66. Crédito fotográfico: Mário Fitas]
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 11 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2930: Bambadinca, 1963: Terror em Samba Silate e Poindom (Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84, 1961/63)

Guiné 63/74 - P10703: Convívios (483): A Magnífica Tabanca da Linha: la vie en rose... Ainda dizem que há crise, pá!... (Fotos: Manuel Resende; legendas: JD/LG)


Foto nº 1 > Da esquerda para a direita, o comandante Rosales e o Tirano



Foto nº 2. (i) sentados da esquerda para a direita: Gina, Zé Manel Dinis, Armando Pires, Carlos Silva, Manuel Joaquim e Carioca; (ii) de pé, também da esquerda para a direita: Marques (o meu querido Marquês sem acento circunflexo, da CCAÇ 12), Palma, Tirano, Paiva, Helder Sousa (encoberto), Zeca Caetano, Jorge Rosales, Marcelino da Mata, Horta, Mário Fitas, António Silva e Luís R. Moreira I, meu infortunado camarada de Bambadinca).


Foto nº 3 > Tête à tête: Humberto Reis e Helder Sousa; Francisco Palma, à esquerda do Humberto.


Foto nº 4 > Um amanuense e um TSF... Do Marquês, vê-se a cabecinha que ficou agarrada ao pescoço, apesar da mina A/C de 13 de janeiro de 1971, à saída dos Nhabijões... 


Foto nº 5 > O Horta (de camisola vermelha) e a sua frente, mas de costas, o Armando Pires (esse mesmo, enfermeiro, ribatejano, fadista, radialista); à sua esquerda, o Fitas, o Dinis e o Rosales (os "patrões" da Tabanca)


Foto nº 6 >   O  Armando Pires  e o magnífico comandante  da Magnífica...



Foto nº 7 > Em primeiro plano, o Marcelino da Mata e o Fitas (de costas); em segundo plano, o Rosales. 


Foto nº 8 > Zeca Caetano, AGA,  Rogê Guerreiro  e  Tirano.

Créditos fotográficos: Manuel Resende (2012).


1. O Camarada Manel Resende, fotógrafo oficial, fez a devida cobertura do último convívio da Magnífica Tabanca da Linha... e mandou-nos as fotos (muitas)... Tomámos a liberdade de selecionar algumas e editá-las... Não conhecendo a malta toda, uma vez que nem  todos são (ainda) "grã-tabanqueiros" (ou membros da Tabanca Grande, que é a tabanca das tabancas, ou a tabanca-mãe), pedi ao Manel para os  identificar, com a ajuda do comandante Rosales e do seu amanuense Dinis.

Mais expedito e desembaraçado do que os dois primeiros, o amanuense respondeu-me de imediato, na volta do correio. Aqui vão os nomes dos magníficos tabanqueiros (aproveita-se para "refrescar" o nome de alguns dos "artistas"):

Na fotografia nº 1 estão o Rosales e o Tirano, pessoas da região e contemporâneos na guerra;

Na foto nº 2 estão sentados: Gina, Dinis, Pires, Carlos Silva, Manuel Joaquim e Zé Carioca; de pé: Marques, Palma, Tirano, Paiva, Helder (encoberto), Zeca Caetano, Rosales, Marcelino, Horta, Fitas, António Silva e Moreira.

Na fotografia nº 8 estão visíveis: Zeca Caetano, AGA, Rogê e Tirano.

Abraços

2. Segundo informação do Zé Manel Dinis, "a Magnífica reúne-se em todas as estações do ano, por isso proponho que escolhas uma ocasião lá para Fevereiro, se não for Janeiro, ou Março. Não juro, mas vou tentar lembrar-te, e vou pedir ao Miguel, que é um tipo organizado, que me lembre para te lembrar. Entre nós não hé desculpas esfarrapadas, ou se pode, ou não. E nem é preciso justificar os nãos"....

Tudo isto vem/vinha a propósito da minha intenção de ir ao "próximo" convívio da Magnífica e Real Tabanca da Linha: "Zé, tenho mesmo que marcar, com alguma antecedência, na minha agenda essa tão desejada (acredita!) data de 'batismo' na Magnífica Tabanca da Linha... Os gajos da Tabanca do Centro já têm uma rotina mensal, vocês - tanto quanto sei - ainda não fazem 'planeamento estratégico', a navegação é à vista... Vamos 'badalar' a coisa, no blogue, com antecedência, para juntar as ovelhas todas, as ranhosas (como eu) e as outras... Combina aí com os teus comandantes... e o resto da maralha. Com que regularidade se reunem ?"...
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Guiné 63/74 - P10702: Tabanca de Candoz: Há a bazuca e a... mazurca; ou aqui não há festa sem música, sem dança no terreiro, sem contradança, valsa, fado, baile mandado..., ou seja, sem as velhas, novas, tunas rurais de Entre Douro e Minho...



Marco de Canaveses > Uma tuna rural dos anos 40 do séc. XX... (Fonte: AGUIAR, P. M. Vieira de - Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses. Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947). (Reproduzido com a devida vénia...)




Vídeo (2' 10'): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. (Clicar aqui para visualizar o vídeo, alojado no You Tube > Nhabijões)

 Quinta de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, 20 de outubro de 2012... Festa de família, festa nortenha, festa portuguesa!... Esta é uma mazurca, daquelas que o povo de Candoz adora dançar!... Músicos: João e Júlio (violinos) + Nelo e Tiago (violas). O 1º violino é o nosso camarada Júlio Vieira Marques, que esteve na Guiné em meados dos anos 60 (O segundo a contar da esquerda). O 2º violino é o João Graça,  nosso grã-tabanqueiro (O primeiro  contar da esquerda)... (O Júlio e o João nunca ensaiaram juntos, e é a segunda vez que tocam juntos; a última foi também numa festa de família, há ano e meio).


1. A Tabanca de Candoz pode não ter ainda direito(s) de cidadania... no âmbito da Federação das Tabancas da Tabanca Grande (Matosinhos,  Melros, Centro, Linha,  Guilamilo, São Martinho do Porto, Lapónia ...) mas de tempos a tempos gosta de dar notícia de si, evidenciar-se, enfim, mostrar-se um bocadinho na montra do blogue. 

Até há pouco tempo, havia dois gatos pingados da Guiné, associados  a esta modesta Tabanca que fica lá para as bandas do Douro, com vistas para o rio Douro e  as serras do Marão, Aboboreira e Montemuro: o fundador deste blogue (e  um  dos seus editores), Luís Graça, e um tal Manuel Carneiro de quem o primeiro escreveu o seguinte no blogue A Nossa Quinta de Candoz, em 7 de outubro de 2007:

Foto à esquerda:  Manuel Carneiro, festa de N. Sra. Socorro, Paredes de Viadores, 27 de julho de 2008. (Crédito fotográfico: L.G.)


"Costuma-se dizer que o mundo é pequeno quando encontramos alguém, em circunstâncias, inesperadas ou insólitas. Alguém que já não vemos há muito, alguém de quem ouvimos falar mas que não conhecemos, enfim, alguém que gostaríamos de (re)encontrar.

Foi o que aconteceu com o Manuel Carneiro, ex-pára-quedista da CCP 121/BCP 12, que esteve na Guiné entre 1972 e 1974. Quem, primeiro, me falou do Manuel Carneiro foi o Victor Tavares, à mesa do Restaurante Vidal, em Aguada de Cima, Águeda, em 2 de Março último, tendo a nosso lado o Paulo Santiago, que jogava em casa…

"Como então tive ocasião de escrever, o Victor é um digno representante dessa escola de virtudes humanas e militares que foram (e são) os paraquedistas. Ele foi sobretudo um valoroso elemento da CCP 121 /BCP 12 que, na Guiné, entre 1972 e 1974, sofreu nove baixas mortais: seis na Operação Pato Azul (Gampará, Março de 1972) e três na valorosa 5ª coluna que, entre 23 e 29 de Maio de 1973, rompeu o cerco a Guidaje. Estes espisódios já aqui foram evocados pelo Victor, com dramatismo, autenticidade e rigor (*). (...)

"À mesa, na conversa que com ele tive, ao almoço, deu também para perceber que ele é também um grande homem, um grande português e um grande camarada, que foi um notável operacional mas que não se envaidecia pelo seu brilhante currículo como combatente e pelo facto de ainda hoje privar com os seus antigos oficiais, incluindo aquele que foi seu comandante e que atingiu o posto de major-general (se não erro, Bação da Costa Lemos, hoje na reforma), posto esse que é dificilmente alcançável entre as tropas pára-quedistas... O Victor foi e continua a ser muito respeitado pela família paraquedista, camaradas e superiores hierárquicos... A sua presença, na nossa Tabanca Grande, também nos honra, sobretudo pela sua grande experiência, camaragem e lealdade.

"Foi também nessa ocasião que eu vim a saber que um grande camarada e amigo do Victor foi um tal Manuel Carneiro, conterrâneo da minha mulher, Maria Alice Ferreira Carneiro, natural de Paredes de Viadores, concelho do Marco de Canaveses… Não têm qualquer parentesco entre si, apesar do apelido Carneiro…

"No dia 2 de Setembro de 2007, seis meses depois, acabo por conhecer o Manuel Carneiro. Estava eu a acabar as minhas férias de Verão, passando os últimos dias na pacatez e frescura de Candoz, com vista para a albufeira da barragem do Carrapatelo… No dia 2 era a festa do São Romão, orago da freguesia, Paredes de Viadores. Por volta das 16h, decidimos ir dar uma volta até ao sítio onde se realizava a festa do São Romão que não se compara, nem de longe nem de perto, com a grande festa anual da freguesia e do concelho, que é a Senhora do Socorro, na última semana do mês de Junho de cada ano…

"São Romão resume-se, em boa verdade, a um pequena procissão e pouco mais. Mas nesse dia actuava o Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores…. Assisti  à (e filmei a) segunda parte deste simpático e jovem rancho, fundado em 1997. No final, entendi dever dar uma palavrinha reconhecimento e de estímulo ao respectivo director, que eu não sabia quem era…

"Levaram-me até ele e, qual não é a minha surpresa, quando lá chegado ele dispara, rápido, a seguinte exclamação:
- Mas... é o Dr. Luís Graça!
- Já nos conhecemos de algum lado ?
- Do blogue, pois, claro! Do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné! Sou camarada do Victor Tavares, paraquedista da 121…
- Podes então dispensar o doutor… Dá-me cá um abraço, que os camaradas da Guiné tratam-se todos por tu!

"Fiquei então a saber que o Manuel Carneiro, de 55 anos, pai de três filhas, era nosso vizinho, conhecia muito bem a família da minha mulher, os Carneiro de Candoz, que era refomado da CP, que residia no Juncal, mesmo junto à estação do Juncal (Linha do Douro, entre Marco de Canaveses e Mosteiró) e que assumira há pouco tempo funções de director do Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores

"A conversa inevitavelmente foi parar ao blogue, à Guiné e aos paraquedistas. O Manuel Carneiro está amiúdas vezes com o Victor, nos convívios periódicos da Companhia (CCP 121) e do Batalhão (BCP 12). Prometi-lhe apadrinhar a sua entrada na nossa Tabanca Grande. Disse-me que ainda não tinha email mas que ía com frequência visitar o nosso blogue, a partir do computador da filha mais nova…

"Prometi-lhe também divulgar o rancho por quem ele tem muito amor e a que dedica um boa parte do seu tempo, tanto no nosso blogue como no blogue da família, a Nossa Quinta de Candoz… Aqui fica, hoje, e com o atraso de mais de um mês, uma parte do prometido… A voz que se ouve no vídeo [ A Nossa Quinta de Candoz, poste de  7 de outubro de 2007 é do Manuel Carneiro a quem eu saúdo, como novo membro da nossa tertúlia". 

Na realidade, o Manuel Carneiro nunca chegou a ingressar, formalmente, na nossa Tabanca Grande, por falta de endereço de email e da foto da praxe, do tempo dos páras, mais a história que faz parte da joia de entrada; mas ainda estamos a tempo de corrigir essa anomalia, se ele continuar hoje a interessar-se pelo nosso blogue. Ultimamente não nos temos visto.

2. Outros dois são tabanqueiros, por direito próprio, jogam em casa, são da família Carneiro, foram ex-combatentes, mas não passaram pela Guiné:  os meus cunhados António Carneiro (o irmão mais velho da Alice) e o Zé Carneiro, o caçula, o mais novo. Há um, terceiro mancebo, o Manuel, hoje com 69 anos, que ficou livre da tropa.

O António, o mais velho, depois de regressar do Brasil, aos 24 anos, teve de cumprir o serviço militar. Era refratário... Estamos em meados dos anos sessenta. Com a especialidade de 1º cabo magarefe, da Manutenção Militar, foi mobilizado para Moçambique.

Em Tete, o António sofreu um grave acidente com uma pistola-metralhadora ligeira, uma UZI, disparada acidentalmente por um camarada... Milagrosamente salvou-se. tem um fecho "éclair", de alto a abaixo, do peito à barriga... O tiro perfurou-lhe sete órgãos. Hoje é um DFA - Deficiente das Forças Armadas (com cerca de 2/3 de incapacidade).

O mais novo, o Zé, por seu turno, foi parar a Angola... Foi 1º cabo trms inf, de rendição individual. Já  não se lembra a que companhia esteve ligado. Nem nunca encontrei ninguém desse tempo. Só se lembra de assentar arraiais em Camabatela, e andar a guardar cafezais lá para os lados de Negage e Quitexe. Não tem saudades nem da tropa nem de Angola.

Sobre a família, mesmo sendo suspeito, o que eu posso dizer é que  é gente danada para trabalhar, em casa e no campo, arrumar, lavar, cozinhar, organizar, fazer bolinhos, enfeitar, pôr os melhores panos na mesa, mesmo que no melhor pano às vezes caia a nódoa; é gente gregária, solidária, com valores cristãos; é, enfim, gente danada para a festa, a folia,  a brincadeira, a brejeirice, a dança, a música... Tanto elas como eles, ou ainda mais elas do que eles...

3. Agora junta-se à  pequena Tabanca de Candoz mais um camarada, esse, sim,  da Guiné, nada mais nada menos do que um corneteiro, de uma companhia que eu só fixei ser qualquer coisa como mil quatrocentos ou mil quinhentos e tal. e que terá andado por Madina do Boé... Tudo isto passa-se em meados da década de 60. Tenho que saber mais pormenores, mas ontem à noite não consegui apanhá-lo em casa (Mora em Matosinhos e tem oficina na Maia).



Quinta de Candoz, 20 de outubro de 2012 . Júlio Vieira Marques, violino (da tuna rural  Os Baiões)

Vídeo (2' 01''): Luís Graça (2012)

O Júlio faz parte do grupo musical Os Baiões, e é um entusiástico representante da tradição das tunas rurais que tiveram, nomeadamente na região do Marão, o seu apogeu nos anos 50. Até por volta dos seus 40 anos, o Júlio  também era um excelente tocador de violão. Um acidente com uma máquina de cortar madeira (ele é marceneiro de profissão), levou-lhe a falange do indicador da mão direita, obrigando-o a trocar o violão pelo violino (Repare-se na mão que segura o arco do violino,  no vídeo que aqui pode ser visualizado )... 

O Júlio é um exemplo extraordinário de força de vontade, talento, sensibilidade, coragem, disciplina e persistência. É, além disso, um homem afável e amigo do seu amigo. A morte, há uns anos atrás, de um companheiro e amigo, tocador de violão, levou-o a fazer um prolongado processo de luto, de vários anos, em que deixou pura e simplesmente de tocar. Para felicidade dele e nossa, acabou o luto, e hoje é capaz de estar um dia ou uma noite a tocar violino, sozinho ou acompanhado. 


O seu reportório é impressionante. Autodidata, também é construtor de violinos. Tem afinidades com a família de Candoz, é cunhado da Rosa, a irmã mais velha da Alice. A sua atuação em Candoz, em 20/10/2012, juntamente com outros músicos (tudo prata da casa!, tudo primos: João, Tiago, Luís Filipe, Miguel, Nelo, Joãozinho, violas, violões, bandolins, cavaquinhos, etc.), foi no âmbito das Bodas de Ouro de Casamento da Rosa & do Quim (, que é também, ele, um excelente "mandador de baile mandado", como se comprova neste outro vídeo disponível na nossa conta You Tube > Nhabijoes).

Espero, entretanto,  que o meu (e nosso) camarada Júlio aceite o meu convite para integrar formalmente a Tabanca de Candoz e a tabanca-mãe, a Tabanca Grande. Ficamos seguramente mais ricos com a sua presença humana e o seu talento musical.
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Nota do editor:


(*) Vd. postes  de:

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida