terça-feira, 24 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5332: Álbum fotográfico de Vitor Raposeiro (Bambadinca, 1970/71) (1): Em dia de anos do Tony Levezinho, lembrando o nosso Novembro negro (CCAÇ 12, 1969/71)


 Bambadinca >  Zona Leste > Sector L1   Meados de 1970 >  Furriéis Milicianos das CCAÇ 12, unidade africana de intervenção adida à CCS do BART 2917 (1970/72) >  "Sr. Jaquim, Sr. Humberto, Sr. Tê Roda, Sr. Tony,  reconhecem estes putos com vinte e poucos anos?", pergunta o Humberto Reis... O Joaquim Fernandes é o primeiro a contar da direita, seguido do Humberto Reis, do T. Roda (que já nos deu sinais de vida mas que ainda não pertence ao nosso blogue, com muita pena minha...) e, por fim, o Tony Levezinho (que por sinal faz hoje 62 aninhos)...

Foto: © Vitor Raposeiro (2009). Direitos reservados.




Lisboa > Centro Comercial  Colombo > FNAC > 28 de Junho de 20009 > O Tony e a Alice  à conversa, no dia do lançamento do disco dos Melech Mechaya... Ele está a perguntar à Alice quando é que a gente (eu e ela) os vão visitar a eles (Tony e Isabel) a Sagres, onde são os faroleiros da lua... A Alice deve-lhe ter respondido: - Isso, eu bem queria... mas só quando ele se reformar do blogue...





Lisboa > Centro Comercial  Colombo > FNAC > 28 de Junho de 20009  > O Tony, e em segundo plano a Isabel  à conversa com uma amiga nossa, a Ana, de Alfragide. Retirados do buliço de Lisboa, o Tony e a Isabel vêm cá só por causa dos filhos, do neto e dos amigos... De tempos a tempos.



Lisboa > Centro Comercial  Colombo > FNAC > 28 de Junho de 20009  > O Tony e a Isabel estavam entre os nossos amigos que quiseram assistir à exibição promocional do disco dos Melech Mechaya onde toca João Graça (violino)
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2009). Direitos reservados.


Nunca esqueço esta data, o 24 de Novembro [de 1970], antes de mais por razões de amizade que ficaram para o resto da vida, e depois por razões circunstanciais:

(i) a 22 de Novembro de 1970, é o início da Op Mar Verde, os nossos vizinhos de Fá Mandinga, a 1ª CCmds Africanos, comandada por João Bacar Jaló, integra a força sob o comando de Alpoím Calvão que invade a Guiné-Conacri; todo o T0 da Guiné está em alerta;

(ii) a 24 o Tony fazia anos (23), e além disso era just married, um homem acabadinho de casar - nas férias - com a Isabel, menina prendada que fazia ballet e ginástica, 17 aninhos, um encanto, ams que ele teve o bom senso de não trazer para a Guiné, e muito menos para a buliçosa Bambadinca; o acontecimento é celebrado pelos amigos com libações de caixão à cova;

(iii) a 25 de Novembro, mandam-nos a toque de caixa, apanhar o ar fresco do Geba e da Foz do Corubal, lá para os lados da Ponta do Inglês, sempore de má memória;

(iv) no dia seguinte, 26, de manhã cedo, apanhámos a mais violenta das emboscadas de que havia memória no Sector L1: 6 mortos, à roquetada, 9 feridos graves...

(v) foi o nosso Novembro negro, com 18 meses de Guiné (*)... Mas isso foi há muito, faz parte hoje dos "nossos pesadelos climatizados"... Ao Tony, que é um discretíssimo membro do nosso blogue, mas o mais afável dos amigos, e à Isabel, sempre querida, aí vão os votos de que passem um belo dia, em Lisboa, na companhia da família mais próxima... Tony, mais logo telefono-te... de Bambadinca! (LG)



 Guiné > Zona  Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime >  Cais do Xime, na margem esquerda  Rio Gebam  >  Meados de 1970 > Reconhecem-no ? O nosso Alfero, quando ele quis passar-se para a Marinha... (Em segundo plano, uma LDM). Já agora, rcorde-se que ele também faz aninhos em Novembro, este ano longe, bem longe das bajudas de Fá Mandinga e de Bissaque (**)

Foto: © Vitor Raposeiro (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem de Vitor Raposeiro, com data de 15 de Novembro:

Caro companheiro:


Por mero acaso encontrei o vosso blogue acerca da história do pessoal da tropa que passou por Bambadinca em 1970/71.Ora acontece que eu estive em Bambadinca como fur mil. radiotelegrafista do STM [ - Serviço de Telecomunicações Militares] durante esse período e sou possuidor de um vasto arquivo fotográfico desse período e de quem aí viveu (Fur Mil  Levezinho e companhia)!

O meu problema é a memória que me falta para me lembrar dos nomes, de quem conheci, pois eu num processo de autodefesa varri completamente da memória esse período que eu considero que foi muito triste para muita gente.

Posto isto, lembrei-me que talvez lhe enviando as fotografias que eu encontrar, alguém se reconheça nelas o que seria interessante para a história daquele período da nossa vida comum. Aqui fica a minha ideia esperando que seja do vosso agrado.

saudações

Ex-Fur Mil STM Vitor Raposeiro



Bambadinca >  Zona Leste > Sector L1 >  Bambadinca > CCS do BART 29171 (1970/72)  > Em primeiro plano, de máquina na mão, o Vitor Raposeiro, cara que recordo mas que seria incapaz de associar ao seu nome...



Rio Geba, abaixo a caminho de Bissau > c. 1970/71 >  O Vitor Raposeiro, em primeiro plano, e por detrás dele parece-me ser o 1º Cabo At Inf José Marques Alves, de alcunha o Afredo (pertencia ao 2º Gr Comb, da CCAÇ 12, o mesmo do Tony Levezinho e do Humberto Reis; o Alves mora em Gondomar)...


2. Comentário de Luís Graça (ex-Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf, CCAÇ 12, Bambadinca, Julho de 1969/Março de 1971):

Meu caro Vitor:

Como eu costumo dizer, sem qualquer ponta de exagero nem de vaidade, o mundo é pequeno e o nosso blogue é... grande. É para isso que, de resto,  cá estamos: para reconhecer e sermos reconhecidos, para procurar e ajudar a encontrar velhos camaradas ... Ainda bem que nos topaste, por que vai ser o início de um belo reencontro... Mas, para isso, tens que me dizer onde vives, mandar-me o teu nº de telefone (para a gente tirar dúvidas e matar saudades),  contar o que estavas a fazer exactamente em Bambadinca (ao serviço da CCS do BART 2917 ? por conta e risco ? O que é que faziam, afinal, os homens do STM, que paravam uns meses por aqui e por acolá ?)... E, já agora, quando chegaste e quando partiste...

Convivemos ainda uns bons meses, lembro-me da tua cara, espero não me enganar...Há muita malta que passou por lá, no teu/nosso tempo, e que vais gostar de recordar, uns mais velhos (como a malta da companhia africana, a CCAÇ 12, a que pertenci eu - o Henriques -, o Humberto Reis, o Levezinho, o Roda, o Joaquim Fernandes, o Piça, o 1º Cabo Cripto Gabriel Gonçalves ...

Para já, convido-te a ingressar na nossa Tabanca Grande: o regulamento do hotel está afixado aí na coluna do lado esquerdo do nosso blogue.  As regras são simples. Podes fazer tudo o que te der na real gana. De preferência, partilha connosco as memórias (mesmo fragmetadas) desse tempo. Se tiveres segredos de Estado a revelar, melhor ainda...

Além de uma foto tua, tipo passe, antiga,  e outra actual, tens de contar a história do bandido, isto, é uma história do teu tempo de Bambadinca, quinze, vinte linhas...É a jóia de entrada no nosso clube... Quanto às fotos que enviaste através do Humberto Reis, vou continuar a publicá-las, tendo criado um álbum só para ti... (O que não é para todos, como podes verificar!).... Vê se me mandas também as datas (pelo menos o mês e o ano), em que foram obtidas as imagens...

Hoje faz anos o Levezinho, o Tony Levezinho, dele pelo que vejo estás bem recordado: era um dos nossos queridos amigos de Bambadinca... Vivia comigo e o  Humberto Reis no mesmo quarto...

Até à próxima, um Alfa Bravo. Luís

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1315: Fazer anos no mato: os azares do meu amigo Tony Levezinho (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 6 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5221: Parabéns a você (38): O nosso Alfero, Jorge Cabral (Cabral só há um, o de Fá e mais nenhum)(Editores)

Guiné 63/74 - P5331: Antropologia (15): Um dos maiores tesouros artíticos da Guiné: os Sônôs (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2009:

Malta,
Tivéssemos sabido, e não regressávamos da Guiné sem sônôs! Éramos hoje gente rica, os museus pagam um balúrdio por esta arte magnífica.
Oxalá que os que restam na Guiné-Bissau estejam em bom recato.

Um abraço do Mário


Um dos maiores tesouros artísticos da Guiné: Os sônôs
Por Beja Santos

A Guiné despertou muito tarde para o conhecimento de um dos seus maiores tesouros e aí a influência de Avelino Teixeira da Mota foi determinante. Numa entrevista concedida na Emissora da Guiné, em Abril de 1960, o distinto historiador, cartógrafo e etnógrafo explicou como tudo começara. Em 1956, um agricultor pajadinca entregara na administração do Gabu uma série de objecto de ferro e bronze que havia encontrado perto da tabanca Mandinga de Sumacunda (regulado de Tumaná). Eram objectos constituídos por hastes de ferro de cerca de 1.20 metros de altura, com vários braços laterais terminando em esculturas de bronze, geralmente pequenas cabeças humanas, havendo no topo da haste uma escultura maior, também de bronze, representando seres humanos e diferentes animais. Eram inegavelmente símbolos de realeza de antigos régulos, objectos de culto animista, e não seria de excluir de muçulmanos recentemente convertidos.

Começadas as investigações, o historiador rapidamente apurou que os sônôs existiram em todas as áreas em que viveram Soninqués, Beafadas e Pajadincas. A investigação do Teixeira da Mota teve tal densidade, que até eu estive envolvido em pesquisas locais. Conforme referi nos meus livros, em 1969, Teixeira da Mota enviou-me um aerograma a pedir esclarecimento sobre a existência de sônôs na região de Bambadinca. Nada encontrei, foi essa a triste informação que lhe transmiti.

Perderam-se possivelmente quase todos os sônôs, o Museu da Guiné estava apetrechado com diferentes doações, as guerras civis, ao que parece, fizeram desaparecer parte fundamental deste património valiosíssimo. De tudo quanto se estudou na África Ocidental, só se sabe que os sônôs têm semelhanças profundas com esculturas da Serra Leoa, mas continua na bruma a origem desta arte original.

Seria bom que as autoridades culturais da Guiné-Bissau procurassem um inventário do que existe no seu país, em Portugal e no mundo. Quem os colecciona certamente que troca informação. E não há museu que não se orgulhe de mostrar estas preciosidades. Aqui fica a imagem de dois sônôs descobertos por Teixeira da Mota e foram publicados no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Se algum dos tertulianos possui um sônô, é bom que saiba que tem um tesouro à sua guarda.


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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5326: Notas de leitura (35): A Geração do Fim, memórias de um Curso de Infantaria de 1954 (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4312: Antropologia (14): Dança dos bijagós, uma redacção escolar, de 1958, do menino Abreu (António Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P5330: Efemérides (38): Funeral das ossadas do 1º Cabo Gabriel Telo (Magalhães Ribeiro)

1. Com a devida vénia e todos os nossos melhores e mais respeitosos cumprimentos e agradecimentos, publicamos neste poste da autoria do jornalista Alberto Pita, inseridos no Jornal da Madeira, dos dias 22 e 23 de Novembro de 2009, duas excelentes e elucidativas reportagens referentes à chegada das ossadas à Madeira e ao funeral do 1º Cabo Gabriel Telo, falecido em combate em Guidage em 25 de Maio de 1973:





Jornal da Madeira / 1ª Página / 2009-11-22

Ossadas de Gabriel Telo são levadas hoje para o Paul do Mar

Emoção na chegada de Telo



«Filho, a mãe está aqui!». Foi com estas palavras que Flora Telo recebeu ontem as ossadas do filho, o primeiro cabo Gabriel Telo, na Capela do Monumento ao Combatente, na Mata da Nazaré.


Apoiada pelas duas filhas, Maria João e Gabriela, Flora Telo caminhou vagarosamente em direcção à pequena urna. Não estava a mais de dois metros de distância, mas o esforço foi grande para esta mulher, ainda a recuperar da operação aos joelhos.


Pousou as mãos sobre a urna como quem afaga um bebé e, com os olhos molhados, beijou-a. «Filho, a mãe está aqui», disse uma e outra vez, por entre os soluços do choro.


Dentro e fora da sala do Monumento ao Combatente o silêncio era total. Por entre dezenas de pessoas presentes na homenagem, apenas as palavras de Flora se ouviam. «A mãe está aqui.» A emoção era forte.


O reencontro acontecia. Trinta e seis anos depois.


Não era só Flora Telo que tinha os olhos vermelhos e cheios de lágrimas. As filhas também não conseguiam conter os sentimentos.


«Sinto uma grande emoção por ficar próxima dos restos mortais do meu irmão. Sei que ele já estará no céu, mas aqui o que desejávamos era fazer-lhe um funeral digno. E é o que estamos preparando», disse Gabriela Telo, irmã do antigo soldado, dois anos mais nova, e o elemento da família com quem as entidades militares contactaram ao longo do processo de transladação.


Gabriela confessou ontem que durante os três anos em que aguardou pela chegada do irmão teve momentos de desespero e chegou até a perguntar aos militares responsáveis se «estavam a brincar com os sentimentos das pessoas». Explicavam-lhe que o processo era complexo e moroso e apelavam à paciência da família. A ansiedade foi sendo controlada. «Até que hoje chegou o dia. É uma grande satisfação», diz, por entre lágrimas.


Maria João, irmã mais nova, sentia ontem um misto de emoções. Estava alegre pela chegada das ossadas, mas triste por esse momento trazer de novo toda a dor.


Gabriel Telo sucumbiu em 25 de Maio de 1973, na sequência da explosão de um engenho detonado pelo inimigo, em Guidaje, na Província da Guiné, durante a Guerra do Ultramar.


O primeiro cabo Telo pertenceu a um grupo de onze soldados que morreram na guerra e que foram enterrados na mesma zona, apesar de terem sucumbido em momentos diferentes. Entre eles estavam três pára-quedistas. E, a bem da verdade, foi por causa dos três elementos desta força especial que as ossadas do cabo Telo, natural do Paul do Mar, chegaram agora à Madeira.


Os pára-quedistas têm o lema de que “Ninguém fica para trás” e, durante mais de trinta anos, não desistiram até que trouxessem os três «únicos» que não tinham regressado a Portugal. Agora, finalmente, chegaram.


Numa acção de solidariedade, a União dos Pára-quedistas estendeu a mão e trouxe os outros militares que estavam juntos aos pára-quedistas. Mas só os que as respectivas famílias quiseram. Algumas optaram por não voltar a abrir a dor da perda de um ente querido. Uma delas foi a família de Câmara de Lobos, do soldado João Nunes Ferreira.


A chegada dos restos mortais de Gabriel Telo representa o encerramento de um capítulo com mais de três décadas e que nos últimos três anos obrigou a um enorme esforço logístico, com o início do processo no terreno. O sucesso desta operação decorre da ajuda de várias instituições, com particular mérito para a União dos Pára-quedistas, que foi quem desencadeou todo este processo.


A ligação à Madeira foi feita, sobretudo, com a organização do Monumento ao Combatente, liderada pelo coronel Morna Nascimento.


Ontem, na homenagem feita ao cabo Telo, Morna Nascimento dizia que agora é chegado o tempo de alertar o país para a obrigação de o Governo da República custear as transladações dos portugueses que morreram na guerra e por lá ficaram.


Alberto Pita


Jornal da Madeira / 1ª Página / 2009-11-23

«Agora ele está na sua terra»

Funeral do cabo Telo realizou-se na presença de centenas de pessoas


A Centenas de pessoas juntaram-se ontem na igreja do Paul do Mar para a última despedida ao primeiro cabo Gabriel Telo, morto em combate há 36 anos, na Guiné Bissau.


A cerimónia fúnebre encerra um processo de um grupo de soldados, dos quais faziam parte dois madeirenses - o cabo Telo e o soldado João Nunes Ferreira. O processo de exumação dos cadáveres e trasladação para Portugal demorou cerca de três anos. A União dos Pará-quedistas foi quem desencadeou este resgate - estavam três elementos desta força especial entre os 11 cadáveres - que agora chega ao fim com este funeral, o último dos corpos que foram retirados de Guidaje, na Guiné Bissau.


«Fechámos, de facto, um ciclo cujo objectivo era trazer os corpos que tinham sido inumados naquele cemitério de campanha, na Guiné», explicou o presidente da União de Pára-quedistas, o general Avelar de Sousa, que ontem marcou presença na cerimónia. Várias entidades associaram-se, aliás, a esta última homenagem ao soldado, falecido a 25 de Maio de 1973 (e não 1963 como erradamente escrevemos ontem). Miguel Mendonça, presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, colocou de manhã uma coroa de flores junto à urna do militar, quando ainda se encontrava no Monumento ao Combatente Madeirense no Ultramar. Um pouco mais tarde, já no Paul do Mar, freguesia de ontem o cabo era natural, estiveram presentes no funeral Monteiro Diniz, Representante da República para a Madeira, Brazão de Castro, secretário regional dos Recursos Humanos, Manuel Baeta, presidente da Câmara Municipal da Calheta, entre outras individualidades.


O processo de exumação e trasladação das ossadas do cabo Telo abriu na família uma ferida que há décadas tentavam sarar. A mãe, Flora Telo, nunca deixou, porém, que a memória do filho fosse esquecida. Por isso, durante os últimos 36 anos repetia insistentemente histórias sobre Gabriel, realçando as qualidades deste jovem, que foi sacristão na igreja que, anos antes, chegou a ajudar a erguer. O mesmo templo que ontem acolheu a cerimónia da sua despedida.


Ontem, a comoção impedia Flora Telo de dizer o que representava para si aquele momento.


No dia anterior, porém, confessou ao Jornal da Madeira ainda sentir «uma saudade grande do meu filho». E com o olhar em direcção ao céu apelou para que Gabriel Telo pedisse por todos os que «mais necessitam».


«Era um filho bom, querido, que desde pequenino» ajudou na igreja, recordava-se.


A vinda dos restos mortais abriu na família feridas do passado, mas, apesar dos momentos de dor e ansiedade, ninguém se arrepende da decisão.


Ontem, Gabriela Telo, irmã dois anos mais nova, dizia sentir uma «satisfação» por agora Gabriel estar «mais perto» da família.


Maria João, a mais nova das irmãs, disse sentir «uma mistura de emoções impossíveis de descrever».


Ainda assim, referiu que naquele preciso momento, à saída do cemitério, sentia «uma alegria, porque ele está na sua terra. Estes últimos dias foram de saudade, de revolta, mas agora, que ele já está aqui no nosso cemitério, na terra dele, agora é um alívio».


Com o funeral do cabo Telo «fechámos, de facto, um ciclo cujo objectivo era trazer os corpos que tinham sido inumados naquele cemitério de campanha, na Guiné», disse o presidente da União de Pára-quedistas, o general Avelar de Sousa, que ontem marcou presença na cerimónia de despedida do militar madeirense, falecido há 36 anos na Guiné Bissau.


Ainda faltam buscar 1.400 portugueses


Continuam cerca de 1.400 militares portugueses enterrados em África. São soldados que sucumbiram em combate mas que o Estado português não custeia o seu regresso ao país.


Os militares pressionam as autoridades mas o resultado tem sido nulo.


Para esse processo, a União Portuguesa de Pára-quedistas está disponível para contribuir com a experiência adquirida no processo de exumação, identificação e trasladação dos cadáveres de Guidaje, na Guiné Bissau.


«A União dos Pára-quedistas está disponível para prestar auxílio através de tudo aquilo que aprendemos», referiu presidente desta associação, o general Avelar de Sousa.


O presidente da  Comissão Organizadora do Monumento ao Combatente Madeirense no Ultramar, Morna Nascimento, também diz que é tempo do Estado cumprir a «sua obrigação».


É tempo de «chamar à responsabilidade o Governo português para a obrigação que tem de fazer regressar à metrópole - seja à  Madeira, aos Açores ou ao continente - as ossadas que ainda lá estão dos combatentes que foram num dever pátrio e por conta do Estado para o Ultramar. Não se aceita que eles fiquem lá abandonados e que as famílias é que tenham de pagar o seu regresso. É uma obrigação do Estado, é uma obrigação da Nação e uma obrigação de Portugal trazê-los de regresso ao chão da sua Pátria», defendeu Morna Nascimento, sublinhando que morreram em combate ou por doença 8.402 portugueses África. O coronel não sabe, contudo, quantos destes eram madeirenses.


Alberto Pita


Reportagens e Fotos: © Jornal da Madeira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:


Vd. último poste desta série em:


segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5329: (Ex)citações (53): Ex -1º Cabo Art Pes Armando Abasse Camará, Cacine (Magalhães Ribeiro)


1. O utilizador do You Tube, Branco 1950, escreveu o seguinte comentário sobre o vídeo

Ex -1º Cabo Art Pes Armando Abasse Camará, Cacine, 2/3/2008:

Fui o último comandante de pelotão do Armando.
Um HOMEM que me ajudou a crescer.
O abandono por Portugal dos homens que serviram a que consideravam a sua Pátria, é um episódio que envergonha Portugal.

O microvídeo, de 5' 27'', foi colocado pelo nosso editor Luís Graça, em 2 de Março de 2008. Foi produzido no âmbito do Simpósio Internacional de Guileje, Bissau, 1-7 de Março de 2008. Tem a seguinte legenda:




"Visita ao sul. Cacine. Depoimento de um antigo militar das NT (1966/74), natural de (e residente em) Cacine. Com uma comissão em Angola. Elemento de contacto das NT com o PAIGC em 25 de Abril de 1974. Abandonado por nós. Uma história que nos envergonha".

Presume-se que Branco 1950 seja um antigo alferes miliciniano de artilharia que passou por Cacine. Deconhecemos a unidade.  Também não temos o seu endereço de email. Gostaríamos de o poder localizar. Se ele nos ler, aqui fica o convite para nos contactar.

Mais vídeos do nosso blogue estão disponíveis em You Tube > Nhabijoes

Abraço,
MR
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:



Vd. ainda:

29 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2994: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (17): Cacine, a voz dos abandonados (I)

(...) O ex -1º Cabo de Artilharia Pesada Armando Abasse Camará, natural e residente de Cacine... Esteve ao serviço das NT desde 1966. Pelo que percebi foi apontador de obus 14. Em Cufar, por exemplo. Tem uma comissão em Angola, em 1972. De regresso a Cacine, foi elemento de contacto das NT com o PAIGC em 25 de Abril de 1974, ao serviço do COP 5, na altura chefiada por um oficial superior da Marinha. (...).

Guiné 63/74 - P5328: Blogoterapia (131): Sobe a calçada, camarada, sobe (Luís Carvalhido, CCS/BART 3873, Bambadinca, 1972/74)

O Luís Carvalhido, membro e ex-dirigente da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (APVG),  com sede em Braga, foi soldado de transmissões da CCS do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74). É natural de (e residente em) Barcelos. Pertence à nossa tertúlia desde Abril de 2005, tendo entrado pela mão do Sousa de Castro, do mesmo batalhão (CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74), e que é o nosso tertuliano nº 2.

1. Mensagem do Luís Carvalhido:


 Ao receber este texto (*), tenho que reflectir, acerca daquilo que em baixo fica escrito. É que às vezes eu também me canso de não entender certas coisas, certas atitudes. E se é certo que começo a perder algumas capacidades do meu modesto intelecto, também é certo que conheci muitos FIGURANTES, nas minhas andanças, alguns dos quais fazem parte desta tua cadeia. E se a memória não perdeu de vez a lucidez, anda por aí gabiru.



Às vezes, e porque penso que começo a não ter interesse, penso abandonar, mas outras vezes lembro-me daqueles que cairam e que lá no alto olham com afecto para nós pelo simples facto de ainda os recordarmos e isso motiva a continuação. Sabes: é um bocado o "sobe a calçada, Luísa, sobe".


Já agora e se possível, diz ao Vasco [da Gama] que há mais olhos abertos, perscrutando as sombras desenhadas pelos abutres que teimam em aparecer sempre que há despojos.


Por isso,  e sabendo que às vezes furo barreiras, não com o intuito de ganhar primazias, mas antes pelo meu espírito de inquietação permanente, naquilo que aos nossos camaradas toca, deixa dizer-te o seguinte:

  • faço sempre as coisas com sentido altruísta;
  • tive desde sempre intuitos firmes e sérios que paguei bem caro;
  • lutei durante muitos anos numa luta desigual, sem nada pedir em troca;
  • gosto de alertar aqueles de nós, (muitos), que apenas dormem;
  • por isso às vezes sou incómodo, sobretudo se sinto ou pressinto alguma coisa que me fira a alma;
  • por isso e se por acaso alguma minha atitude num passado recente te incomodou, não peço desculpa porque nunca faço nada com o intuito de ofender, ultrapassar ou obter qualquer benefício pessoal.


Apenas e simplesmente fiquei chocado com algumas notícias, que aqui chegaram e fiz o que a minha consciência me ditou, ou seja: disse o que penso de uma determinada notícia, dando a perceber ó outro lado da moeda [Vd. mensagem a seguir, ponto 2]

No meu conceito, os participantes do teu blogue, entre os quais me incluo, devem e têm que obedecer a regras, mas - e porque para mim isto é muito mais que um local de encontro -, os responsáveis do mesmo, antes de informarem, devem fazer uma viagem histórica por forma a não ofenderem aqueles que conhecem por dentro outras Histórias.


Estive para não comentar os teus poemas, que para mim merecem todo o respeito, independentemente da abrangência que lhe quiseste dar, mas depois, uma vez mais, este Luís resolveu subir a calçada.


Como nota final, deixa-me dizer-te, com o tal espírito de homem da Guiné, que por vezes é necessário que as águas sejam cristalinas, por forma a que cada um assuma o seu lugar.


Deixo-te um abraço e,  se um dia for possível, acredita que terei contigo uma conversa de Homens, para que percebas melhor e entendes o outro lado da barreira.


Até lá
Luis Carvalhido


2. Mensagem de 13 do corrente, dirigida aos camaradas da Guiné, em geral, e que não chegou a ser publicada, na altura:

Caro Companheiro:

Acabo de receber o teu e-mail, no qual referencias a notícia de que os corpos dos companheiros, ou o que resta deles, acabam de ser transladados de terras da Guiné para solo Português. (**)


Naturalmente que essa notícia me comoveu e me encheu de uma alegria triste. Acompanhas a notícia, com algumas considerações pessoais, entre as quais salientas o dia 14 de Novembro e as comemorações nele contidas.

Vou tentar ser breve, mas antes deixa-me retirar do contexto os restos mortais dos nossos companheiros de armas, a quem deixo um minuto do meu silêncio. Depois passo a perguntar-te o seguinte:

  • Porque estão os corpos, ou aquilo que resta deles em mais um dia dos Generais?
  • Será para darem uma medalha de ferro às famílias e ficarem bem na fotografia?
  • Porque é que tu, companheiro, que presumo seres de boa formação, não incentivas a que a própria Liga [dos Combatentes] pague as despesas dos que já vieram, bem como as do outro corpo que por lá ficou, uma vez que eles também se aproveitam da memória e da presença física dos nossos companheiros mortos?
Deixa-me dizer-te que me sinto incomodado com essa notícia, porque esse dia é um dia morto para nós. Ele não consubstancia qualquer ideia séria, qualquer projecto, qualquer sentimento de solidariedade quer para os vivos, quer para a família dos mortos.

Sinto-me triste por saber que esse dia é uma farsa para povo ver e por isso deixa-me dizer-te que a culpa é dos interesses maiores que movem muita gente que se arvora em defensor dos reais e legítimos valores de todos aqueles que suaram a bandeira.

É culpa das várias pessoas, associadas e dependentes de pequenos tachos e da valorização da imagem que alguns teimam em conseguir.

É culpa daqueles que,  devido a uma antiga ruralidade, ainda se aninham ao poder corporativo, seja ele fardado ou não.

É culpa da presença daqueles que “pseudamente” se dizem muitas coisas e são outros dos tais.

Sabes,  companheiro, a culpa não é das Associações, mas sim culpa das “presidenciações” que apenas vivem para os seus próprios interesses.


Por isso deixa-me dizer-te que pessoalmente o 14 [de Novembro] dos Generais,  nunca. Nem desses nem de outros que se digam defensores dos Veteranos de Guerra e que depois se associam para que a água corra pró seu moínho.


EU, NÃO ESTAREI PRESENTE!

A memória dos restos mortais desses e de tantos outros que tombaram, assim mo exigem.

Saudações

Luís Carvalhido (***)
Barcelos 2009/09/12

3. Comentário de L.G.:

Há muito que não sabia de ti, camarada de Bambadinca (desencontrámo-nos lá por uma diferença de um ano...).  Também, é verdade, não nos tens escrito, mas seguramente que vais acompanhando o nosso blogue, nem que seja à distância, e nem sempre concordando, necessariamente,  com a nossa linha editorial. Não quero, nem devo, comentar o teu poste, e muito menos responder às tuas críticas. Quero  apenas contextualizar as tuas duas mensagens.

A maior parte dos camaradas do nosso blogue não sabe que já foste dirigente (vice-presidente, em 2003) da APVG, e que deste o melhor do teu esforço à causa da dignificação de todos nós enquanto antigos combatentes. Está escrito, na coluna do lado esquerdo do nosso blogue, que "somos sensíveis aos problemas (de saúde, de reparação legal, de reconhecimento público, de dignidade, etc.) dos nossos camaradas e amigos, incluindo os guineenses que combateram, de um lado e de outro. Mas enquanto comunidade (virtual) não temos nenhum compromisso para com esta ou aquela causa por muita justa ou legítima que ela seja"... Isto não significa que cada um de nós, individualmente,  não possa tomar posição sobre estas e outras questões. Não queremos, no entanto, substituir-nos à Liga dos Combatentes, à APVG e às demais associações.

Quanto ao teu protesto em relação às comemorações do dia 14 do corrente, não o publicámos na altura por manifesta incapacidade material... A efeméride, entretanto,  passou e a própria notícia que originalmente publicámos sobre as trasladações não era verdadeira, era falsa (não há notícias parcialmente falsas ou parcial mente verdadeiras, há apenas notícias falsas e notícias verdadeiras).


Aprecio a tua frontalidade: de  facto, não temos quaisquer ajustes de contas a fazer um ao outro. Nem eu sou pessoa de susceptibilidades, nem tu és menino de desculpas e salamaleques... (Se me devesses alguma coisa, era uma foto e uma história de Bambadimca, que nunca chegaste a mandar, pela tua entrada na nossa tertúlia em Abril de 2005. Como já passaram duas comissões, estás perdoado!).

 Um Alfa Bravo. E não desistas, nunca desistas de continuar a subir a calçada da vida... Oxalá, ao menos, que seja menos íngreme e poeirenta que a rampa do quartel de Bambadinca (foto acima). Luís
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Notas de L.G.


(**) Vd. postes de:

12 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5261: Efemérides (29): Às custas dos seus familiares (Magalhães Ribeiro)

17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5284: Dando a mão à palmatória (24): Os editores do blogue têm que ter rigor e espírito crítico em relação às suas fontes (Luís Graça)




21 de Julho de 2006 >  Guiné 63/74 - P977: Antologia (52): A guerra que Portugal quis esquecer (Luís Carvalhido, ao Jornal de Barcelos)

(...) Entrevista a Luís Carvalhido, por Zita Fonseca e José de Coelho. Jornal de Barcelos. 9 de Julho de 2003 (com a devida autorização)

Alguns excertos:

(...) JB - O país foi ingrato para convosco?


LC - O país foi ingrato! O país não teve a capacidade de reconhecer isso e fez uma coisa ao contrário que foi tentar ocultar. Quando um povo não é capaz de reconhecer o seu próprio mérito, mesmo na adversidade, fraco é este povo ou fraco é quem o lidera. Actualmente, as coisas estão a vir ao de cima, o movimento está a crescer. A prova disso é esta Associação que é a maior com 40 mil membros, mas há outras com alguns milhares. Isso quer dizer que este movimento não vai parar. Isto assumiu proporções de bola de neve.


JB - As consequências mais visíveis da guerra colonial eram, para além dos mortos, os soldados que voltavam estropiados. Nos outros, as consequências não se viam, a não ser às vezes, quando a família de algum comentava que veio de África...

LC - Que veio marado, cacimbado, ninguém o pode aturar.

JB - Isto eram coisas que as famílias viviam dentro das quatro paredes e passavam despercebidas. Agora, a ideia que se começa a implantar é que as consequências psicológicas da guerra têm uma dimensão muito grande.

LC - Enorme. Há dois tipos de feridos e de feridas. Há os chamados deficientes das forças armadas, que estão à vista, e há os deficientes encobertos. E a própria família, sendo vítima do sistema - e o sistema era de encobrimento - tinha de acobertar os seus doentes suportando tudo à luz do modelo duma pretensa família católica. Ou seja, se o marido era um stressado, um indivíduo cacimbado como se diz na gíria, batia na mulher ela, porque era uma boa católica, tinha de aguentar. Se o marido batia nos filhos pedia-lhes que tivessem paciência. Durante muito anos foi assim. Finalmente, há cerca de meia dúzia de anos, fruto das lutas de pessoas mais atentas, está reconhecido o stress pós-traumático de guerra. Isto veio ajudar a quebrar os tabus. Começou a encarar-se com naturalidade a possibilidade de cada um transmitir ao seu psiquiatra ou psicólogo um fenómeno que estava associado a efeitos recorrentes.  (...)

Guiné 63/74 - P5327: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (17): Apanhado pelo clima

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 21 de Novembro de 2009:

Caro Carlos:
Mais uma estória, desta vez pequena e de pouco interesse, mas foi o que se pôde arranjar de momento.

Aproveito para dizer que acompanhei as sessões, no Clube Literário do Porto, (anúncio postado no Blog), de que gostei muito.
Aprendi mais umas coisas sobre a Guiné, através de alguns estudantes guineenses lá presentes.
Já tinha ouvido tocar cora várias vezes na Guiné mas num ambiente fechado e sem ruidos é simplesmente divinal.
Ontem assisti à projecção do filme Nha Fala, que achei de nível internacional, comparável a muitos outros filmes que tenho visto nas salas de cinema. Achei-o com certos ares do filme Gato Preto Gato Branco do Kusturica.

Um abraço
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

17 – Apanhado pelo clima



À saída de Bafatá em direcção a Geba ficava a tabanca da Ponte Nova, onde tirei esta foto. (dois segundos depois só fotografaria a janela!)

Foto e legenda: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.



Nasci ainda durante a 2.ª Guerra Mundial e comovo-me ainda hoje ao saber, por mo terem contado pois tinha dois ou três anos de idade, que o meu pai ia propositadamente ao bar da esquina, tomar um café sem açúcar, para o poder trazer ao filho, dado que nessa altura tudo estava racionado.

Quando fui estudar para o liceu em Coimbra, tinham passado uns escassos oito anos do fim da dita guerra. Lembro-me de ver em algumas janelas de edifícios públicos cruzes de papel colado, para os vidros não estilhaçarem muito no caso de um ataque aéreo, isto apesar de o nosso país ser neutral.

Tudo isto para dizer que quando fui mobilizado para a Guiné, só ainda tinham passado também uns escassos vinte e poucos anos do fim daquela guerra. Se ainda agora, passados quarenta anos, discutimos a nossa guerra, nessa altura, pelo menos em mim, ainda estava muito presente a guerra de 39/45.

Em Bafatá cedo fiquei a saber que na tabanca de Geba havia um comerciante alemão. Haveria por toda a Guiné muitos comerciantes metropolitanos e talvez muitos mais libaneses, mas existir um alemão metido em semelhante buraco logo me cheirou a esturro. Seria que era um fugitivo nazi?

Durante toda a comissão fui pensando no assunto, principalmente quando regularmente Geba era atacada e o nosso senhor Landorf aguentava firme no seu posto.

Como já várias vezes referi, muita sorte tive na Guiné. Em matéria de ataques fui um privilegiado. Em Bafatá era o que se sabia, paz. Em Bambadinca dormi lá uma noite mas o ataque foi no dia seguinte. Madina Xaquili, onde estive quinze dias, só começou a ser atacada passado um mês de ter saído de lá. Quando muito, de Bafatá via muito bem os ataques a Geba que, como era costume, eram sempre ao princípio da noite.

Estando eu a um mês ou dois do fim da comissão, apanhado pelo clima quanto bastasse, resolvi, no dia seguinte a um desses ataques, ir com a coluna de reabastecimento a Geba. Dois propósitos se impunham: Um era ver como tinha ficado a tabanca depois daquele fogachal todo, o outro era ver o Sr. Landorf e perscrutar, se possível, se realmente tinha ar de nazi ou de um simples civil alemão que teria vindo para aquele buraco refazer a sua vida.

A coluna de reabastecimento, feita pelo Esq. Fox. aquartelado à nossa beira, partiu só ao fim da tarde contando regressar no mesmo dia. Eram pouco mais de 10 Km e a picada era muito boa.

Pedi autorização aos meus superiores e lá salto para cima de um Unimog com a farda que trazia vestida e completamente desarmado. Um autêntico turista. O que aquele clima provocava! É certo que sabia que além dos ataques nunca tinha havido problemas no itinerário Bafatá/Geba, nem emboscadas nem minas.

Em determinada altura do percurso, a uns 2 ou 3 Km de Geba, o Furriel que comandava a coluna mandou-a parar, ao que foi dito, por alguém se sentir indisposto ou coisa parecida. Quase todo o pessoal desceu das viaturas, tendo eu ficado em cima do Unimog. Já estava a anoitecer mas ainda deu para ver, a uns 200 ou 300 metros da cabeça da coluna, um elemento africano atravessar a correr a picada de um lado para o outro. De imediato dei conhecimento disso ao Furriel mas ele não valorizou o ocorrido. Poderia muito bem ser o abortar da primeira emboscada IN no percurso Bafatá/Geba à coluna de reabastecimento. Eu estava no fim da comissão mas os camaradas do Esquadrão, que ainda ficaram por lá muito tempo, é que podem confirmar se passou, ou não, a haver aí emboscadas ou minas a partir Junho de 1970.

Termino referindo que, pelo atraso provocado pela paragem da coluna, chegamos já noite a Geba e foi só descarregar os géneros e as munições regressando de imediato a Bafatá. Não tive pois oportunidade de ver os estragos e tão pouco o Senhor Landorf. Foi uma tremenda desilusão mas ainda hoje penso que, já no fim da comissão, não devia ter feito o que fiz. Muitos camaradas tiveram o azar só nos últimos dias.

Na próxima estória, e de regresso a Bafatá, vou falar de algumas figuras típicas da cidade.

Até para a semana camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Novembro de 2009> Guiné 63/74 - P5262: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (16): O baptismo de fogo da Regina, ou um Capitão não é um Capitão

Guiné 63/74 - P5326: Notas de leitura (35): A Geração do Fim, memórias de um Curso de Infantaria de 1954 (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos *, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2009:

Malta,
Está-me a saber bem vadiar nestas leituras espúrias, tenho agora para ler o resto álbum fotográfico do José Henriques de Mello, o livro do Alpoim Calvão e o trabalho do José Luís Castanheira “Quem mandou matar Amílcar Cabral?”.
É uma maneira de descansar das minhas agruras nas marchas finais deste livro que não há meio de chegar a bom termo.

Um abraço do
Mário


Uma curiosa miscelânea dos cadetes do curso de 1954,
Inesquecíveis memórias da Guiné


Por Beja Santos

O livro tem um título equívoco: a geração do fim, até se pode pensar nos vencidos da vida, de gente a precisar de cuidados terminais, o que de mais lúgubre se possa imaginar. Afinal, “A Geração do Fim” tem a ver com memórias do curso de Infantaria de 1954, gente que chegou ao fim do Império, calcorreando as suas parcelas, entre a paz e a guerra. É uma miscelânea espantosa de memórias, impressões, vínculos, afectos. Os infantes constituíram uma comissão redactora e juntaram crónicas verdadeiramente descontraídas. O resultado desses 50 anos de cumplicidades merece aplauso: “A Geração do Fim, Infantaria, 1954 – 2004”, Prefácio, 2007).

Este livro do curso de Infantaria de 1954 – 1957 abarca múltiplas histórias, duas, pelo gigantismo da descrição humana ou pela natureza dos combates duríssimos, tem a ver connosco. A primeira, aquela que sem qualquer hesitação incluiria numa antologia dedicada à Guiné, contempla a memória da CCaç 555, a partir de 1963, por António Ritto. Que história, que profunda humanidade! Respigo alguns parágrafos: “O dia de embarque no Niassa foi muito chuvoso e num cruzamento um motociclista civil, vindo da esquerda em derrapagem, ficou com o crânio esmigalhado de baixo do pneu da primeira viatura da companhia de transportes. Mau presságio, disseram alguns”. Começava tudo com sangue derramado, mas esta CCaç 555 foi uma lição de solidariedade. Chegaram a Bissau sem nunca ter lidado com a G3. Depois do treino, partiram para Cabedu em plena mata do Cantanhês. Durante a viagem, houve tiroteio e tiveram o primeiro ferido grave. Escreve o narrador: “Cabedu resumia-se a quatro pequenas casas, sendo uma da casa comercial Gouveia, outra da Ultramarina e as duas restantes de dois libaneses que com a eclosão da luta armada tinham abandonado a região e a companhia ocupou. Os empregados das casas comerciais eram cabo-verdianos e o da Ultramarina retirou-se para Bissau quando chegámos. O da Gouveia ficou e manteve o comércio com a população que vendia o seu arroz, o coconote e a cola, em troca de panos, fósforos, loiça de alumínio e quinquilharias”.

E do pouco se fez muito: abriram-se poços para lavar, beber e cozinhar; criaram-se fossas sanitárias, um forno para pão com tijolos refractários, cortaram-se centenas de palmeiras para se fazer um campo de aviação, importante para as emergências e para receber correio, e de igual modo essas palmeiras serviram para criar abrigos, depósitos de munições, com elas se construiu um caminho de centenas de metros até ao local onde chegavam embarcações uma vez de 40 em 40 dias, com reabastecimentos.

No coração da luta, nesse temível Cantanhês, os Infantes aprenderam o jogo com um pau de dois bicos: a população não queria partir para o mato mas não deixava de dialogar com os que estavam no mato. Os Infantes de Cabedu tinham uma tabanca a três quilómetros com gentes das etnias Nalu e Sosso. Os homens dos 20 aos 30 anos tinham desaparecido, estavam com o Nino no interior da mata, aos mais jovens, os que ficaram, foram-lhes dadas aulas de português, carpintaria, mecânica-auto. A todos se prestou assistência médica e medicamentosa. Lê-se o relato de António Ritto e quem lá esteve e viveu situações afins comove-se com o registo genuíno, a ausência de auto-glorificação, o elogio do indefectível companheirismo, que permanece vivo. Para ler e para guardar para a história.

O coronel pára-quedista José Moura Calheiros, segundo comandante do BCP – Batalhão de Caçadores Pára-quedistas, relata a reocupação do Cantanhês a partir do COP4, em Cufar. Descreve a operação “Grande Empresa” que tinha como objectivos principais Cadique, Caboxanque e Cafine, em finais de 1972. Foi, como se sabe, uma reocupação temporária, o PAIGC desencadeou várias ofensivas no Norte e no Sul, apareceram os mísseis Strella, Guidage e Guileje estiveram cercados, a CCP 123 procurou aliviar a pressão sobre Guidage cercada, atacaram a base de Cumbamori, mas tiveram que ir mesmo que se confrontar com o PAIGC à volta de Guidage. Há muito pouco mais a dizer, é matéria que o blogue tem largamente desenvolvido, não há novidades a contar.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5317: Historiografia da presença portuguesa (32): O que José Henriques de Mello viu no Cuor e em Bissau (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5287: Notas de leitura (34): As Lágrimas de Aquiles, de José Manuel Saraiva (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5325: Agenda Cultural (46): Colóquio Internacional Representações de África na Universidade dos Açores (Carlos Cordeiro)

1. Mensagem do nosso tertuliano e camarada Carlos Cordeiro* (ex-combatente em Angola, onde fez a sua comissão como Fur Mil At Inf no Centro de Instrução de Comandos, nos anos de 1969/71), com data de 18 de Novembro de 2009, dando conta da sua participação, como orador, num Colóquio a ter lugar na Universidade dos Açores, Ponta Delgada:

Bom dia, Carlos e Luís.
Segue o programa das "Representações de África...". Talvez seja ainda cedo para colocar na "agenda cultural". Farão como for mais conveniente.

Um abraço,
Carlos


O nosso camarada Carlos Cordeiro é professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores em Ponta Delgada, e vai ser um dos conferencistas no Colóquio Internacional "Representações de África e dos Africanos na História e Cultura (Séculos XV a XXI)", a ter lugar nos dias 26, 27 e 28 de Novembro de 2009, naquela Universidade. A sua intervenção tem como título "A Guerra do Ultramar em discurso directo: os blogues como fonte de pesquisa histórica".



Programa do Colóquio
Clicar nas imagens para ampliar


Ao Carlos Cordeiro desejamos que a sua comunicação sirva para alertar os presentes para o papel que nós, os ex-combatentes, desempenhamos ao expôr publicamente nos blogues, muitas vezes discordando entre nós, as nossas vivências e experiências mais ou menos dolorosas psicologicamente, e em muitos casos, demasiados, fisicamente, deixando assim para futuro massa crítica que servirá de base para os estudiosos poderem continuar a História de Portugal.

O Carlos prometeu dar-nos posteriormente notícia da forma como correu o Colóquio, principalmente da sua intervenção, que nos tocas mais de perto.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5068: As nossas placas de identificação (Carlos Cordeiro)

Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5276: Agenda Cultural (45): Semana Cultural da Guiné-Bissau, 16 a 20 Novembro, no Clube Literário do Porto (Regina Gouveia)

Guiné 63/74 - P5324: FAP (37): TEVS a Aldeia Formosa e Buba (Jorge Félix)

1. O nosso Camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil, BA12 - Bissalanca -, 1968/70, enviou-nos a seguinte mensagem, em 21 de Novembro de 2009:

Assunto: P5304 - Aldeia Formosa e Buba

Caro Luís,

Na impossibilidade de mandar imagens nos comentários, agradeço faças chegar estas informações ao autor do P5304, Arménio Estorninho.
Nas datas a que o A. Estorninho se refere, 4 de Janeiro de 1969, estive em Aldeia Formosa e Buba a fazer um TEVS.

A outra data, que ele refere 22 de Janeiro de 1969, eu tenho no dia 21 de Janeiro de 1969, quatro TEVS a BUBA.

Será que são outros acontecimentos?

Um abraço
Jorge Félix
Alf Mil Pil na BA 12
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

domingo, 22 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5323: Estórias avulsas (17): Reencontro de irmãos (Armandino Alves)



1. Em 21 de Novembro de 2009, recebemos uma mensagem do nosso Camarada Armandino Alves, que foi 1.º Cabo Auxilitar de Enfermagem na CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68):


Camaradas,

Hoje lembrei-me de uma história, passada em Bissau, de que, de vez em quando, me lembro com alguma nostalgia e tristeza, pois apesar de na altura ter constituído para mim uma grande surpresa, não me foi muito agradável e, depois de ter conseguido ultrapassar alguma hesitação pessoal, decidi contar-vos.

Serve esta assim, como a modos de uma pequena homenagem ao meu, entretanto, falecido irmão.

Reencontro de 2 irmãos

Como já vos contei fui em rendição individual, para a CCaç 1589, que, naquela altura, se encontrava aquartelada no 600 em Stª Luzia.

Um dia estava eu na secretaria da Companhia (porque apesar de ser enfermeiro, gostava de ajudar o 1º Cabo Escriturário, o qual aproveitava esta minha “fraqueza” para se desenfiar), quando entrou um 1º Sargento, já de uma certa idade, que me perguntou pelo Comandante de Companhia.

Eu disse-lhe que o mesmo não estava, mas que se me dissesse o que desejava, eu poderia indicar-lhe a quem se dirigir.

Então o 1º Sargento contou-me a história que o levou ali: “Um soldado tinha escrito à mãe, a solicitar-lhe que lhe enviasse uma certa quantia em dinheiro, pois tinha partido a coronha de uma G3, e se não a pagasse ia preso.”

A mãe havia entrado em contacto com ele pedindo-lhe, para a informar se a história era verídica, pois não possuía a quantia solicitada e tinha que pedi-la emprestada.

Eu disse-lhe que não conhecia nenhum soldado nessa situação, mas se ele me dissesse o nome do homem, eu veria a que pelotão pertencia e chamaria o alferes.

O sargento acedeu à minha ideia e, tal como tinha combinado, chamei então o Alferes, que lhe disse que nada tinha acontecido com a arma desse soldado e que, o mesmo, se encontrava detido devido a problemas de deserção.

Depois do 1º Sargento se ir embora, fui ver a sua folha de serviço do soldado em questão e reparei que ele já tinha sido punido, salvo erro na Bateria de Artilharia Anti-Aérea Fixa, situada em Leça da Palmeira, por abandono do seu posto de serviço.

Daquelas instalações foi transferido para Viseu, onde, novamente, abandonou o posto de vigia e o quartel, tendo deixado a arma à sua responsabilidade encostada à parede da guarita.

Daí foi “despachado” para a Guiné, só não sei se com uma Companhia, se em rendição individual.

Quando li com mais atenção o nome dele e depois o da mãe, fiquei petrificado.

Porquê?

Eu sabia que tinha um irmão extra-matrimónio (resultado de “brincadeiras” do meu pai), que era mais novo do que eu, e que apenas havia visto uma vez, quando ele tinha 4 anos, numa altura em que a mãe dele o levou a casa da minha avó paterna, que foi quem me criou. Desde aí, nunca mais o vi nem soube nada dele, pois antigamente os assuntos desta natureza não eram motivo das conversas intestinas, em família.


Como no registo do nome do pai figurava “pai incógnito”, fui ter com ele à cela (na casa da guarda) e perguntei-lhe se ele conhecia o pai, ao que me respondeu que sim.

Perguntei-lhe se ele sabia o nome do pai e ele disse-mo.

Foi a minha vez de lhe dizer que eu era irmão dele.

Entretanto ele foi transferido para a prisão do quartel dos Adidos, à espera de julgamento e a minha Companhia foi movimentada para o mato.

Quando regressamos a Bissau, fui aos Adidos e ele tinha sido punido com 3 anos de cadeia.

O motivo do seu castigo penal deveu-se a ele ter mais uma vez desaparecido, dessa vez por 5 dias e meio, tendo justificado em tribunal a sua ausência devido a ir viver com uma negra, junto do quartel da Amura.

Foi assim que conheci este meu incumpridor e aventureiro irmão...

Depois de regressar à Metrópole e ter passado à peluda, já depois de estar empregado, a PM foi à sua procura e levou-o para Viseu, afim de ser julgado pelo abandono quando ali esteve.

Valeu-lhe a mãe ter alguns conhecimentos que o livraram desse julgamento.

Este meu irmão faleceu entretanto vítima de cancro. Deus dê paz à sua alma.

Um abraço,
Armandino Alves
1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 1589
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em: