quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5339: Estórias de Jorge Picado (10): Como fui a Fátima a pé, comandando a CART 2732

1. Mensagem de Jorge Picado*, ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 22 de Novembro de 2009:

Amigo Carlos
Se tiveres possibilidade de confirmar que não escrevi sobre o que agora mando, na Tabanca Grande e julgares que vale a pena também lá ser publicado decide por ti.
Creio que houve alguma coisa que mandei já há muito tempo para a Tabanca Grande que deve ter ficado esquecido no "porão da memória" da caixa do correio, mas não tenho a certeza.

Como tenho digitalizado o Relatório da Acção URTIGA NEGRA efectuada em 29MAR71, vou enviá-lo, mas acrescento-lhe parte do que entretanto tinha escrito entre FEV-ABR06.


Quinta-feira, 25MAR71
Desloquei-me novamente a FARIM, para ver se convencia o “Chefão” a deixar-me seguir para TEIXEIRA PINTO, argumentando que o verdadeiro Cmdt da CArt tinha entrado de férias e, portanto, podia muito bem ser substituído pelo subalterno mais graduado, como era habitual e tinha assim sucedido na “minha” anterior CCaç, tal como acontecia em todas as outras.

Voltou a dar-me “com os pés” e eu, como resposta, com a determinação de fazer cada vez o menos possível, ao mesmo tempo que contactei com o Cmdt do CAOP, manifestando-lhe a apreensão que sentia por tal atraso em ocupar o lugar. Da minha parte havia pelo menos duas razões para tal apreensão:

a) dado o CAOP ser uma estrutura com um peso muito importante na manobra militar do GG e ComChefe, temia vir a perder o lugar, se entretanto não o ocupasse;
b) por outro lado, quanto mais tardasse a sair daquela situação, tanto mais riscos me sujeitava a correr.

Houve de facto contactos e isso mais deve ter acirrado o dito Major
Deixei de ir para a estrada, permanecendo mais no quartel, mas, o “Fulano”, tratou de me meter em actividade.


ACÇÃO URTIGA NEGRA

Segunda-feira, 29MAR71


A vingança do Major executou-se, friamente.

Neste princípio de semana e talvez para me “castigar”, enviou-me para o mato, não para aquelas “tarefas” de segurança próxima aos trabalhos da estrada como até aí, mas para participar numa acção cujo nome de código não era nada agradável – URTIGA NEGRA – duas palavras com um certo significado “malévolo”.

Se não vejamos, “urtiga” – nome de planta que possui como órgãos de defesa uns pêlos que injectam um liquido irritante na pele de quem lhes toca, provocando urticária – “negra” – palavra que se pode associar a algo nefasto – o que, convenhamos, não era nada animador associado ao objectivo da operação.

Mas esta palavra era consequência do Plano de Operações existente para as forças do sector a Sul do Rio Cacheu enquadradas no COP 6, que se chamava “FAIXA NEGRA”, dando depois lugar às Directivas Operacionais e às Ordens de Operações que teriam sempre de se chamar qualquer coisa “negra” e, as “urtigas”, foram várias (pelo menos em 24ABR71 executou-se a XXIX).

A CArt, como era uma unidade de “quadrícula” e a ZA tinha sido reforçada com outros meios, tinha uma missão mais destinada à segurança da povoação e da estrada e, era menos utilizada para outras acções de maior envergadura. Estas eram destinadas às forças “de reforço” para estes fins – Páras e julgo que a CCaç do K3 – enquanto que as restantes – subunidade de CAV e de ART – tinham por missões respectivamente, fornecer protecção às colunas auto nos seus deslocamentos em estrada e, os obuses, naturalmente em posições fixas, apoiarem com fogo pesado sempre que solicitados. Isto em termos muito gerais.


Destinaram-me, pois, uma ida a
FÁTIMA a pé, neste dia, como Cmdt do Agrupamento (Agr) A.

Só por analogia digo isto, já que este vocábulo não tem nada a ver com o da povoação portuguesa. Este da Guiné e, numa região habitada por Fulas e Mandingas – povos islamizados – seria sem dúvida de origem muçulmana, já que este é o nome da filha de Maomé.

Nota: Na Carta (folha de Binta) existe assinalada uma “povoação de tipo indígena, dispersa, com 10 a 50 casas”, a cerca de 500 m a Oeste do itinerário OLOSSATO (povoação)-OLOSSATO (vértice geodésico secundário) no encontro da estrada
MANSABÁ-FARIM.


Tendo por base as recordações que ainda guardo na memória, procurarei descrever aquela acção, tanto quanto possível mais conforme com o que se passou e que, como é evidente, não podia constar da descrição oficial. Há passos que gostava fossem melhor concretizados por ex-camaradas que nela participaram e que poderiam até corrigir deficiências minhas, mas há lembranças que permanecem quase intactas.

Conjuntamente com o Agr A que comandava saiu uma força (Pel?) de Pára-quedistas – Agr? – comandada por um Tenente (?), efectuando-se o percurso apeado pelo mato, em conjunto, até ao ponto referenciado no relatório como “ponta da Bolanha de BERECODIM”. Uma vez aí, separámo-nos, prosseguindo na direcção Oeste pelo lado Norte da Bolanha, enquanto eles a contornariam pelo lado Sul, julgava eu, já que não tinha conhecimento das suas directivas.

Ao separarmo-nos nessa posição, olhando para o relógio terei dito ao Tenente algo como:

- Então até daqui a "n" minutos - isto porque, de acordo com o determinado na alínea “Transmissões”, da Ordem de Operações, era indicado o intervalo de tempo, em minutos, para o estabelecimento de contacto via rádio entre os 2 Agr, bem como entre estes e o PCA onde estaria o Cmdt do COP.

Só que o “nosso” Major, enquanto os “pedestres” tinham iniciado o percurso às 6H30M, subiria para uma DO – PCA – já com a manhã bem alta e, sobrevoando a zona, dirigiria “ o circo” mais ou menos do seguinte modo – “ siga para ali… vire para aqui… agora em frente… marche… não recue…” –, lá de cima, bem folgado e resguardado da situação real de fogo que porventura acontecesse, enquanto os tais “pedestres”, já bem cansados a essa hora, teriam de desempenhar o difícil papel de “heróicos defensores da pátria”, mas duma pátria que não era seguramente a sua.

- Não é possível, meu Capitão, estou sem comunicações rádio - foi a resposta obtida para meu espanto.

- Como? - retorqui.

- Os rádios avariaram - voltou ele, com uma cara meio estranha.

Só passados mais uns segundos se fez luz no meu cérebro e, talvez com cara de parvo, por necessitar de duas respostas para momentaneamente voltar à realidade, lembro-me que, meio encabulado, tentei emendar a situação dizendo algo como:

- Este material deveria ser substituído, o nosso também não está em boas condições.

Desde logo havia aqui algumas lições a extrair desta situação.

Primeiro que tudo, a “nossa” guerra – da maioria dos Oficiais do QC e de já grande número de Oficiais do QP pelo menos até ao posto de Capitão – não era seguramente a mesma da do Major.

Pena que tivesse de aprender isso com um Oficial subalterno do QP e duma arma de elite, Pára-quedista.

Mas porquê um Oficial destes a dar-me tal lição?

Talvez por:

a) não tolerar ser enviado para Operações com um Cmdt que o não acompanhasse no terreno, preferindo antes a comodidade dum PCA em que se encontrava livre de perigo. Como subalterno de tropas especiais, habituado a actuar em situações de elevado risco, com os “seus” comandos ao lado e não refugiados num meio aéreo, também não gostavam muito de ser “usados” como “caçadores de troféus”, para vanglória de quem não os merecia;

b) ou, sabe-se lá, estar já “tocado” por outros sentimentos…

Depois da operação fiquei sempre com a dúvida: “Será que ele prosseguiu ou mais à frente escolheu um bom lugar à sombra e aí ficou a fazer horas até ao regresso?”. A verdade é que, não tendo convivência com ele, pois mantinham-se aquartelados à parte, não se misturando com a chamada “tropa macaca”, nunca pude aflorar o assunto. Mas em matéria tão delicada, não creio que obtivesse uma resposta verdadeira.


Em segundo lugar, a minha reacção demonstrava o modo alheado como me deslocava naquelas circunstâncias... para não sofrer qualquer ataque de “histeria” e ficar amalucado. Só assim se admite que não tenha compreendido imediatamente o sentido da primeira resposta.

Afinal não tinha acabado de chegar da Metrópole! Já não era pira!

Estava há 14 meses no TO e já tinha visto muita coisa.

Verdade seja que aqui me “drogava” mais, bebendo muito mais uísque e possivelmente, como ia para uma operação donde poderiam ocorrer mais riscos, antes de sair talvez me tivesse precavido com uma boa dose, para ir mais afoito…

Também a desculpa que alvitrei sobre o material assentava num facto concreto. A realidade é que o material usado – e não era só o de transmissões, mas a generalidade – era obsoleto, pois na grande maioria era uma herança ainda da II Guerra Mundial e estava constantemente a “dar barraca”, como se dizia.

O que é certo é que, naquela operação, a partir daquele momento dei ordens ao operador – seria soldado ou cabo (?) – das Transmissões, que carregava o rádio às costas e me precedia na coluna, para manter só a recepção…

Pouco tempo antes do contacto com o IN, começou a ouvir-se o barulho do avião sobrevoando a área, de certeza a uma altitude bem confortável para melhor garantia de segurança e, pouco depois, a tentativa de estabelecimento de contacto via rádio do PCA com qualquer das forças. Bem se esforçava porém o Cmdt com os seus apelos, mas as respostas eram… nenhumas.

Isto também era possível, felizmente, dadas as condições do terreno em que nos deslocávamos. Tratava-se de floresta povoada por espécies arbóreas de grande porte e mato de espécies sub-arbóreas muito denso, formando um coberto cerrado que, nem nos deixava ver o céu, nem permitia a quem de cima nos sobrevoava, ver-nos.

Sempre à escuta, ia aguardando por qualquer resposta dos Páras, mas como deles, “nem novas, nem achados”, quem era eu?

Afinal, dos dois Agr, quem eram os melhores preparados para a guerra? Não eram os Páras? Se tinham desaparecido… seria justo que fossemos nós a arcar com todas as consequências?... e pouco depois as circunstâncias quase me obrigavam a isso, já que as rajadas de G3 surgiram quase inesperadamente.

A situação não se desenrolou tão sucinta e friamente como se descreve no relatório, pois que, à medida que caminhávamos para Oeste, mais vigilantes e cautelosos nos íamos tornando, principalmente depois de atravessar o tal “trilho largo e muito batido”.

Era talvez uma faixa – e não um trilho – de 4 a 5m de largo, sem arvoredo cerrado e falho de mato, não verdadeiramente a céu aberto, mas donde se vislumbravam nesgas dum céu bem azulado àquela hora do dia e com a terra toda calcorreada, cheia de pegadas, a maior parte antigas, mas possivelmente algumas recentes.

Estendia-se no sentido Norte-Sul e foi atravessado com prudência, de acordo com os procedimentos militares para estes casos como às vezes se vê nos filmes de guerra…

Do lado oposto ao da nossa procedência é que se detectaram pegadas indicativas de passagem de pessoas, que obrigaram ao reconhecimento e a abandonar a chamada “fila de pirilau”. Preparámo-nos para evitar ser surpreendidos por qualquer emboscada.

Com o GComb da frente comandado pelo Alf Casal seguia uma secção de Milícias que creio terem sido eles quem primeiro disparou, quando menos se esperava.

Passados segundos (?)… minutos (?)… como não houve reacção procurei, sempre rastejando ou de “gatas”, chegar-me mais à frente à fala com o Alf, sempre com o soldado-rádio atrelado.

Uns metros à frente, junto a umas palmeiras com ralos arbustos, vi de relance umas esteiras, dois corpos escuros estendidos, uns soldados e milícias – nem sei quantos – a recolher objectos e a pesquisar o mato para além das palmeiras. Tudo aquilo foi muito rápido e, quando voltaram, disseram que os vultos estavam mortos e havia quem tivesse fugido para Oeste, mas não sabiam precisar quantos.

Mandei então prosseguir na sempre na direcção Oeste e, pouco depois, entrámos na zona de alcance dos seus morteiros 82.

Reconhecemo-la logo, pois o solo estava estranhamente remexido, como se tivessem andado com uma enxada a abrir covachos para plantar qualquer coisa e não foi preciso andar muito, para que ouvíssemos o tão característico som abafado duma primeira saída de granada de morteiro, a que logo se seguiram as restantes.

Toca a sair dali, inflectindo na direcção Norte ou seria Este/Nordeste (?), para debaixo de mato cerrado novamente e, não com “os calcanhares a bater no cu”, mas em passo acelerado, só parando quando aquela música, das saídas e subsequentes rebentamentos das granadas ficaram bem para trás.

Neste ponto é que deve ter acontecido perder-se o “chamado norte”, isto é, ao entrar-se novamente debaixo de floresta cerrada e em andamento acelerado o rumo podia não ser bem o que suponhamos, até porque nem se usava qualquer instrumento de orientação, já que estávamos apenas dependentes da orientação definida pelos tais guias, por isso escrevi atrás “direcção Norte ou seria Este/Nordeste”, mas a partir daqui, continuar a seguir na direcção de Fátima, já não fazia sentido.

Qualquer efeito de surpresa tinha desaparecido.

O IN já estava no terreno preparando “recepção adequada” e entretanto aquela dúvida “mas por onde andam os Pára-quedistas?”, sempre a martelar-me a cabeça.

Entretanto com este “fogachal” todo, o PCA tentava entrar em contacto, mas como não havia problemas nas NT, mantivemos o silêncio rádio.

Após um pequeno alto, para recuperar forças e acalmar o nervoso miudinho, prosseguiu-se o patrulhamento e foi ao passar por uma “ilhota” de palhotas, já destruídas anteriormente pelo fogo, como os restos carbonizados demonstravam – destruição provocada pelo IN ou pelas NT (?) – que ainda encontrámos o milho-miúdo armazenado a quem deitámos fogo.

A emboscada foi montada depois de mais de hora e meia a palmilhar.

Durante esse intervalo, comentando com os alferes os acontecimentos, inclinámo-nos para a hipótese de que não seria grupo IN em movimento, mas simplesmente elementos do “tipo das milícias”, muito usados pelo IN como sentinelas ou guardas avançados dos seus locais de acantonamento que estivessem de serviço. Se assim não fosse, não tinham permitido que apanhássemos a espingarda e as granadas, nem nos tinham deixado prosseguir sem tentarem surpreender-nos, tanto mais que conheciam muito melhor o terreno e onde se movimentavam com maior à vontade. Quem escapou, 1… 2… 3(?) elementos, dissimularam-se, comunicaram, não sei como com a base onde existiam os Mort 82 (que mais tarde o Bravo Vítor Junqueira silenciou) procurando não se deixar apanhar, para mais tarde recolher os corpos que ficaram no terreno.

Quando chegámos à estrada para sermos recolhidos, então comecei a descomprimir e a pensar sobre o que me podia ter acontecido.
Até aí, vinha meio “entorpecido”: pelo nervoso; pelo cansaço; pelo medo de ser apanhado ou deixar apanhar o pessoal numa situação de maior gravidade, correndo riscos que ninguém valorizava e duma coisa tinha a certeza. Íamos sendo apanhados pelos seus Mort 82.


No quartel, depois dum banho de chuveiro retemperador, pensei ironicamente, sem nunca o ter revelado, nas partidas que o destino nos reserva.

Tinha sido necessário ir parar à Guiné, para quase, sem dar por isso, “ir a FÁTIMA a pé”!



Nota. Ao procurar reconstituir nas folhas, de Binta e Farim da Carta Militar entretanto conseguidas, o trajecto da operação face às coordenadas indicadas no relatório, deparo com um obstáculo. As coordenadas indicadas no relatório ou não batem certo ou já não sei trabalhar com a grelha.
Ainda que com bastantes dúvidas, posso tentar delinear um certo percurso mais ou menos virtual.

Assim, o ponto de início (PI) na estrada situar-se-ia entre 1 a 2 km a Norte do vértice geodésico Bironque e a pontada bolanha está bem identificada.

Na carta estão indicados vários “caminhos indígenas” saindo de SOLINTO. É evidente que naquela época todas as povoações como essa, BERECODIM e BERECOBÁ, estavam desabitadas e estes “caminhos” estariam com certeza recobertos de mato, mas é provável que o “trilho largo” e o “carreiro” do relatório se situassem entre o 1.º e o 2.º “caminho” desta carta (onde coloquei ??) e, o contacto deu-se numa zona de floresta e palmeiras depois disso.
O trajecto seguinte é que fica um pouco mais confuso, pois ainda avançámos após o contacto, entrando na zona de alcance dos Mort 82 e, só então, derivámos seguindo um rumo que, como descrevi pode estar “baralhado” e não ser o que julgava para Norte, mas sim mais Este/Nordeste, passando por uma “ilhota” de palhotas destruídas pelo fogo que podia ser a tal antiga “povoação de tipo indígena, cerrada”, denominada SOLINTO e onde encontrámos o milho miúdo que destruímos.

A quarta posição, onde se montou a emboscada, seria provavelmente num dos “caminhos indígenas” a Norte de BERECOBÁ, já que o ponto de recolha na estrada se aproximaria do ponto de partida.

Posteriormente, ao ultimar este relato, quando cheguei a esta parte – meados de FEV06 – procurei obter informações que me esclarecessem este tipo de identificação então usado, mas até ao momento – ABR06 – não consegui.

Apenas uns esclarecimentos sobre o "Comentário ao Relatório da Acção":

Quanto ao indicado no ponto 02 pelo "meu amigo" Cmdt do COP 6 que foi escrito e assinado em 30ABR71, quando eu já me encontrava em Bissau, pois deixei a CART 2732 no dia anterior, dia 29 pelas 11H10m, possivelmente numa coluna via Mansoa e, de que só tive conhecimento no dia em que consultei os processos no AHM em Junho ou Julho de 2009, fiquei perplexo.

De facto, saber agora que revelei "espírito de decisão e iniciativa" até me faz "babar" de felicidade por ver reconhecido o meu "valor militar". E eu que me julgava "um falhado para tais artes". Se tivesse tido conhecimento disto naquela época, ainda era capaz de reconsiderar e pedir mais acções.
Ou seria que o "meu amigo" Cmdt me quiz apenas recompensar, por não me ter deixado seguir para o CAOP 1 logo que recebi a colocação naquele Agrupamento? Com toda a certeza teve um rebate de consciência e resolveu compensar-me desta maneira.
E isto até chegou à REP OPER do COMCHEFE!!!
Oh gentes estou a ficar mesmo vaidoso e vou arranjar uma moldura adequada para que os meus vindoros fiquem a admirar mais "o velhote".

Amigo Carlos, não gozes mais comigo, pois aquele champanhe que bebi à noite na messe era merecido.

Abraços
Jorge Picado


Relatório da Operação "Urtiga Negra, integrada no Plano de Operações "Faxa Negra"
 

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5129: Direito à indignação (6): As míseras migalhas que os comensais da mesa estatal deixam cair (Jorge Picado)

Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4681: Estórias de Jorge Picado (9): Passeio fluvial pelos rios Baboque e Mansoa

Guiné 63/74 - P5338: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (4): O pacto de Deus... com os 'turras'


1. Mensagem de Arsénio Puim, que esteve fora, nos EUA, fazendo divulgação do seu úlimo livro sobre a sua terra, Santa Maria, Açores:

Luis Graça

Depois de muito tempo ausente, mando mais um trabalho sobre as memórias simples dum velho capelão.

Um abraço

Arsénio Puim

2. Continuação da publicação das memórias de Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, CCS/ BART 2917, e que esteve em Bambadinca entre Maio de 1970 e Maio de 1971. Vive actualmente em Vila Franca do Campo, Ilha de São Miguel, Região Autónoma dos Açores (RAA), estando reformado como enfermeiro do Serviço Regional de Saúde da RAA (*).

RECORDANDO... IV > A MINHA PEQUENA EXPERIÊNCIA DA GUERRA
por Arsénio Puim


É natural que uma parte importante dos textos publicados por ex-combatentes da Guiné, no histórico Blogue de Luís Graça, incida sobre variadas situações de combate vividas pelos próprios ou pelos companheiros, em ataques, assaltos, emboscadas e demais operações militares dum teatro de guerra. São experiências, frequentemente, de grande dureza, muita tensão e perigosidade, que eu não tive.

Ao capelão militar é atribuída uma função específica, que é prestar assistência religiosa aos militares do Batalhão e testemunhar, na medida do possível, os valores do Evangelho, e ele não é, compreensivelmente, um combatente da guerra, independentemente da justeza ou não desta, posição que eu assumi e demarquei logo de início, renunciando à posse de arma de combate, que me era proposta. Nem, de resto, a preparação elementar ministrada no Curso de Capelães Militares durante um mês e meio, na Academia Militar da Rua Gomes Freire, me habilitava para esse desempenho.

Vivi, no entanto, durante um ano, dia a dia, no teatro de acção do Batalhão 2917, deslocando-me assiduamente a todas as Companhias e permanecendo nestas por vários dias e, às vezes, algumas semanas - visitei 6 vezes a Companhia de Mansambo [CART 2714], 5 vezes a do Xime [ CART 2715] e 4 vezes a do Xitole [CART 2716], que ficava a 40 quilómetros - para além das minhas idas a todos os Destacamentos, mais abreviadas mas com permanência em alguns, como o Enxalé (3 vezes), Missirá (1 vez), e a Ponte dos Fulas (1 vez). (**)

Para a deslocação integrava-me, por regra, nas longas, lentas e penosas colunas militares do Batalhão ao longo das picadas. De uma vez regressei do Xitole na avioneta, que por lá passou. Muito pequena, de um só motor, eu vinha sentado atrás no chão mais o cabo sacristão. A meio da viagem foi decidido fazer um reconhecimento sobre um acampamento «turra». Tive assim oportunidade de ver de perto as regiões dos guerrilheiros do Buruntoni e Ponta do Inglês. Junto do Corubal, bastante largo. Grandes bolanhas, cultivadas. Mato, em alguns sítios, muito denso. Algumas casas, instaladas debaixo de árvores. Muitos trilhos. Nem uma pessoa. Um mundo «do outro lado», dentro da Guiné.

Mas, com tantas voltas e viravoltas, descidas picadas alternando com vertiginosas subidas, e os não menos danosos movimentos laterais curtos e rápidos para seguir um trilho, eu, que nunca me dei bem em mar bravo, acabei por vomitar muito e ficar bastante exausto.

Ainda hoje me interrogo se o senhor Major quis pregar uma «partidinha» ao nosso Capelão...

Em toda a minha presença na Guiné, apenas apanhei um ataque, no dia 3 de Setembro de 1970, no quartel do Xime, aquando de uma das minhas visitas. Era de manhã cedo. Saltei da cama e corri para o abrigo, onde já estavam cerca de duas dezenas de homens – uns algo tensos, outros bem dispostos, uns meio nús, outros com a barba metade feita - e ali permanecemos até acabar o tiroteio, que não foi longo nem teve consequências, a não ser para uma criança da tabanca ao lado, atingida por um pequeno estilhaço.

Várias vezes, porém, «fugi», sem saber, dos ataques do PAIGC aos nossos quartéis. A primeira foi quando me encontrava de visita ao Xime, num dia em que resolvi visitar o Destacamento do Enxalé, na outra margem do Geba. Atravessei o rio no habitual serviço «público» de piroga, manobrada por um nativo com hábil manejo do remo da ré, e tomei um carro na margem de lá. Mal eu chegara ao Enxalé, começou um ataque ao Xime, com forte tiroteio, tendo sido atingidos por estilhaços alguns soldados, sem gravidade. Era o dia 24 de Junho de 1970.

Cerca de um mês e meio mais tarde, deu-se um caso semelhante. Tinha terminado a minha estadia em Mansambo há muito poucas horas, para voltar a Bambadinca, quando teve início um ataque àquele quartel, sem consequências também.

Mas houve uma terceira vez, pelo menos. Na manhã do dia 8 de Abril de 1971, deu-se um ataque ao quartel do Xime, rápido e intenso, com várias roquetadas a cair dentro do arame farpado, e isso aconteceu pouco tempo antes de eu ali chegar para uma visita de dois dias.

Perante tais casos, compreendo que o nosso Comandante um dia me tenha perguntado, à laia de graça, se eu tinha algum pacto com os «turras».

Como é evidente, são as casualidades da vida e a sorte, que às vezes nos acompanha.

Arsénio Puim

[Revisão / fixação de texto / bold a cor / título: L.G.]
_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4521: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (1): No RAP 2, V.N. Gaia, onde fez mais de 60 funerais

(...) Este é o primeiro duma série de pequenos relatos, para este histórico blogue de Luís Graça, respeitantes à minha vivência como alferes capelão do Batalhão 2917, que acompanhei desde a Serra do Pilar até Bambadinca, no centro da Guiné, entre Dezembro de 1969 e Maio de 1970.

É meu propósito essencial rememorar e partilhar com os antigos companheiros do Batalhão, por quem tenho muito apreço, alguns factos e acontecimentos que nos são comuns, sem nunca pretender atacar quem quer que seja. (...)


10 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4666: Memorias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (2): De Viana do Castelo a Bissau

(...) No dia 2 de Março de 1970, o BART 2917, em que me integrava como alferes-capelão, já deixara a Pesada [, o RASP 2,] em Gaia, e encontrava-se na linda e pequena cidade de Viana do Castelo, para fazer o IAO.

Foram dois meses e meio de intenso treino operacional, incluindo um acampamento, em princípios de Março, na serra, para as bandas de Santa Luzia, em que também participei. Um ambiente duro, onde faltava tudo o que pudesse saber a conforto. E, sobretudo, que frio, meu Deus, durante a noite! (...)


21 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4989: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71)(3): De Bissau a Bambadinca, a cova do lagarto


(...) Às duas horas da manhã do dia 31 de Maio de 1970 deixámos Bissau, numa LDG, e continuámos a subir o Rio Geba, em geral bastante largo e de margens baixas e arborizadas, pela calada da noite, estranhamente muito fria. Cinco horas de viagem, sem qualquer incidente, até ao Xime, onde ficou já a Companhia 2715.

No dia anterior tinha-se realizado a entrega das armas aos membros do Batalhão. Todos em fila, um por um. Quando chegou a minha vez, recusei receber a G3. Uma questão, simplesmente, de missão específica do capelão e de consentaneidade com as suas funções, enquanto sacerdote ao serviço da Igreja - expliquei.
- Você é testemunha de Jeová? – atalhou um oficial superior que superentendia ao acto.
- Não, sou padre católico – retorqui. (...)


(**) Companhias de quadrícula do BART 2917 (Maio de 1970/Março de 1972) (comandado por Ten Cor Art Domingos Magalhães Filipe e depois por Ten Cor Inf João Polidoro Monteiro):

(i) CART 2714, sita em Mansambo (Cap Art José Manuel da Silva Agordela)

(i) CART 2715, sita no Xime (Cap Art Vitor Manuel Amaro dos Santos, Alf Mil Art José Fernando de Andrade Rodrigues, Cap Art Gualberto Magno Passos Marques, Cap Inf Artur Bernardino Fontes Monteiro, Cap Inf José Domingos Ferros de Azevedo)

(iii) CART 2716, sita no Xitole (Cap Mil Art Francisco Manuel Espinha de Almeida)

Guiné 63/74 - P5337: Notas de leitura (36): Os Movimentos Independentistas, o Islão e o Poder Português de Francisco Proença Garcia (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Outubro de 2009:

Malta,
Aqui estou a oferecer-vos mais uma lembrança antes de passar à clandestinidade para acabar um livro. O trabalho de Francisco Proença Garcia é de um rigor e isenção admiráveis. Recomendo-o aos entusiastas por estas incursões ao passado para compreender o presente. Sou hoje percebi porque é que o livro não está visível, só por encomenda à Comissão Portuguesa de História Militar (que funciona no Palácio da Independência).

Um abraço do
Mário


Guiné 1963 – 1974:
Os Movimentos Independentistas, o Islão e o Poder Português


PorBeja Santos

Francisco Proença Garcia é oficial do Exército Português e Mestre em Relações Internacionais da Universidade Portucalense. Como dissertação de mestrado, escolheu a Guiné, os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português, editado em 2000 pela Comissão Portuguesa de História Militar de colaboração com a Universidade Portucalense Infante D. Henrique.

Trata-se de uma obra de grande importância para todos nós. Começando por uma abordagem geral da presença portuguesa em África, com especial enfoque no século XIX, Proença Garcia sintetiza admiravelmente os principais marcos, caso da Conferência de Berlim, os acordos luso-franceses e a Questão do Casamansa, a intervenção da Sociedade das Nações e da Organização das Nações Unidas e progressiva ascensão do Terceiro Mundo à cena internacional, após Bandung. É nesse contexto do princípio da autodeterminação dos povos e no clima da Guerra Fria que se desencadeia a política anti-colonial da ONU, com sérios e imediatos reflexos na política portuguesa. O Autor apresenta as superpotências desenvolvidas e o seu protagonismo na questão colonial. Após esta apresentação, Proença Garcia revela-nos os movimentos independentistas guineenses, a saber: Movimento de Libertação da Guiné, Frente de Libertação e Independência Nacional da Guiné e o PAIGC. Por razões compreensíveis, a história do PAIGC é a mais desenvolvida e a sua inserção em diferentes instâncias à procura de reconhecimento internacional. Fica-se com um quadro claro de perda de influência de todos os concorrentes do PAIGC e quem apoiava este, desde o movimento comunista internacional até aos sindicatos norte-americanos, sociais-democracias nórdicas e o Conselho Mundial das Igrejas.

Perfilados os actores em prole da independência, o autor descreve o artificialismo das fronteiras, o peso das etnias, os graus de influência do Islão na região ao longo da História, e particularmente o relacionamento das comunidades muçulmanas da Guiné com o poder português e com a subversão. Fica-se com um retrato nítido das dificuldades encontradas pelo PAIGC com os Fulas e os Mandingas, são identificadas as confrarias religiosas e o papel desempenhado até à independência. De seguida, Proença Garcia avalia o comportamento da política portuguesa face à emergência dos movimentos independentistas e as tentativas de captação das populações para projectos socioeconómicos e culturais que barrassem o caminho à influência do PAIGC. É um capítulo de uma grande riqueza que o autor nos oferece e que, face à evolução brutal da guerra em desfavor das tropas portuguesas leva a negociações para a paz a partir das conversações de Spínola e Senghor e que culminam, na fase final, na reunião de Londres que ocorreu em 26 e 27 de Março entre um representante do governo português e uma delegação do PAIGC, e em que Marcelo Caetano propunha um cessar-fogo na Guiné, seguido de abertura de negociações formais para o reconhecimento da independência. A delegação do PAIGC mostrou reservas, pois queria incluir Cabo Verde nas negociações. Ficara agendada uma reunião para 5 de Maio, obviamente que não ocorreu com os acontecimentos do 25 de Abril.

Em suma, uma obra de inegável importância, indispensável para quem queira investigar o papel dos movimentos de libertação na Guiné, a influência do Islão e o seu relacionamento com as autoridades portuguesas e com o PAIGC, e como o Islão desempenha um papel de relevo na Guiné-Bissau, a despeito do descrédito ideológico marxista e das guerras pós-independência, no mesmo território.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de de 24 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5331: Antropologia (15): Um dos maiores tesouros artíticos da Guiné: os Sônôs (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 23 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5326: Notas de leitura (35): A Geração do Fim, memórias de um Curso de Infantaria de 1954 (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5336: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (1): Quatro Histórias com Mural ao Fundo



1. Mensagem do novo membro da nossa Tabanca Grande, Belmiro Tavares, ex-Alf Mil, CCAÇ 675 (Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), Prémio Governador da Guiné (1966), empresário hoteleiro.





Terça, 24 de Novembro 2009

Aterrou há dias, na minha mesa, um texto do camarada Luís Graça o qual me tocou profundamente (*). Ressalta que o autor é ex-combatente (já o sabíamos) muito atento ao mundo que o rodeia, e destacam-se as suas qualidades humanas a sua perspicácia, bem como a sua formação académica. Curto e incisivo.

As duas partes do texto que mais intensamente me tocaram foram as que transcrevo: “suicidas altruístas” e o “telegrama seco, brutal, frio, impessoal enviado pelos competentes serviços do Exército a comunicar a funesta notícia”. Duas pontas que se enlaçam em parte, no caso que vamos narrar.

Como alferes miliciano estive dois anos na Guiné, algures a norte do Cacheu, mais precisamente em Binta, integrado na CCaç 675 uma companhia extraordinária (foi lá e, mais de 40 anos depois, continua a sê-lo cá) que deu “água pela barba a muita gente”. 

O nosso comandante era o Capitão Tomé Pinto, hoje Tenente General, um militar fora de série, autenticamente um homem doutra galáxia. Podemos descrevê-lo parafraseando o poeta: “Homem dum só parecer, dum só rosto e duma só fé... d’antes quebrar que torcer”...! É o Homem que sabe ser militar (de que maneira o sabe!) e o Militar que não deixa de ser Homem, qualidades que juntas se acham raramente.

Entre os graduados da companhia havia um furriel miliciano, natural de V. N. Famalicão, de seu nome Álvaro Manuel Vilhena Mesquita o qual é o epicentro dos factos que aqui vão ser contados.

Em fins de Dezembro de 1964 o Mesquita estava de “baixa”; aguardava transporte para o HMP 241 em Bissau.

No dia 28 desse mês, dois grupos de combate (pelotão com morteiro, Breda e LGF – lança granadas foguete, vulgo bazuca) iam fazer uma patrulha para além do limite oeste da nossa zona na margem direita do rio de Buborim, um afluente do Cacheu. O Mesquita pertencia ao 1.º Gr Comb mas estava inoperacional.

A companhia à qual aquela zona pertencia e tinha a incumbência de a patrulhar, estava sediada em Bigene; para ali chegar, teria de passar pela tristemente célebre base de Sambuiá (um mito de inexpugnabilidade que a CCaç 675 se encarregou de fazer desaparecer) que era a base inimiga mais forte do norte da Guiné.

O nosso Capitão decidiu estabelecer no “terreno do vizinho” aquilo a que se chama “uma zona tampão”. Pretendia-se ter o inimigo não só fora da nossa zona mas também bem afastado. Aliás a CCaç 675, dentro da mesma estratégia foi a única companhia que, entre Junho de 1964 e Abril de 1966, “bateu” a Península de Sambuiá como se de “passeio” se tratasse... ou quase.

Nota: aconselhamos a leitura do Cap 26 do livro Golpes de Mão’s, de José Eduardo Reia Oliveira, Fur Mil Enf da CCaç 675. [Foto ca capa, à esquerda]

Voltemos aos carris! Os dois Gr Comb seguiram de viatura durante cerca de 12 km. Quanto se apearam e partiram para o cumprimento da missão, a segurança das viaturas passou a ser feita por alguns (poucos) soldados europeus, alguns soldados africanos e uns tantos milícias.

Entre os militares europeus havia doentes e feridos ligeiros que não necessitavam de cama para se restabelecer. Entre os doentes “leves” estava o fur Vilhena Mesquita, pois a sua doença – não sei qual - não o impedia de andar de camuflado e armado em cima duma viatura. Ele próprio se apresentou voluntariamente para tomar parte na segurança das viaturas. Um alferes comandava esta escolta muito heterogénea, como se depreende.

Quando os dois Gr Comb regressaram às viaturas, iniciou-se a viagem de volta em direcção a Binta. Alguns quilómetros à frente ouviu-se um rebentamento enorme: uma mina anti-carro explodiu estrondosamente debaixo da roda direita traseira, duma das viaturas. Por cima dessa roda seguia o malogrado Mesquita que naquele momento abandonou o mundo dos vivos.

Nota: ver página 181 e seguintes do livro atrás citado.

A primeira viatura era uma GMC e a mina rebentou na roda de trás da 2.ª viatura, um Unimog, o que nos levou a crer que se trataria duma mina telecomandada, o que seria numa novidade na actuação do inimigo.

Era o nosso segundo morto e pela 2.ª vez custeámos a urna própria (de chumbo) para que a família do nosso companheiro pudesse fazer-lhe um funeral condigno e “com o corpo presente”. Fizemos o mesmo também ao nosso 3.º morto, o malogrado soldado Nascimento.

Mais uma vez nestas situações a CCaç 675 foi ímpar; talvez tenham sido poucas as unidades - ou talvez nenhuma – a proceder deste modo... à maneira da CCaç 675.

Neste caso não temos certamente um ”suicida altruísta” mas na verdade o Mesquita – que a terra lhe seja leve – partiu voluntariamente para um “encontro marcado com a morte”.


PS1

O nosso capitão informou dolorosa e comovidamente os pais do Mesquita sobre o trágico acontecimento.

Eles também receberam, à posteriori, o tal “telegrama seco, brutal, frio, impessoal” a informar que a urna com os restos mortais de seu filho se encontrava no D.G.A. (Depósito Geral de Adidos) na Calçada da Ajuda, [em Lisboa]. 

[Na foto, à esquerda, o Mesquita, de camuflado, na Guiné, Binta, 1965].

Os familiares enlutados deslocam-se a Lisboa com a Agência Funerária; entram na Unidade Militar, o pai contacta o graduado de serviço, um ordenança é mandado indicar-lhe o local onde se encontra a urna. Havia várias; O soldado procura pelo nome e informa com toda clareza, sem pestanejar:

- É esta! Pode levar!

Mais “seco, brutal, frio, impessoal” nem o telegrama. Só faltou mandar embrulhar!

Devemos, apesar de tudo, ter em conta que se tratava dum soldado talvez pouco letrado, talvez mesmo analfabeto, sem formação nem preparação para tal e que não tinha vivido os horrores da guerra. Não terá sido ele de certeza o único culpado nem até talvez o maior culpado.

Na tropa, naquela época, todos tínhamos de ser “pau para toda a colher” – frequentemente seríamos pau tosco,... demasiado tosco até... Naquela época, na tropa de cá, quantos soldados haveria preparados para informar cabalmente e com humanidade os familiares dos nossos mortos em combate?!

Por cá, naquela época, quem se apercebia e sentia por dentro os pesadelos da guerra? – Os pais, os irmãos, os amigos íntimos dos combatentes e poucos mais! A guerra travava-se muito longe... lá noutro continente.

PS2

Os pais do Mesquita terão sofrido – sofreram mesmo
 – a bom sofrer aquela morte absurda (como absurdas são todas as mortes da guerra) e antecipada de seu filho. Eles não eram diferentes dos outros pais! Também eles eram de carne e osso e tinham dentro do peito um coração que sangrou... sangrou muito! Disso temos a certeza!

Naquela altura chegou a Famalicão um combatente vindo da Guiné (creio que seria um cabo) que tinha acabado a comissão. Como muitos combatentes, especialmente os da “guerra de Bissau” ou do “ar condicionado” sabiam tudo à cerca de tudo sem saberem nada de nada e para se impor aos concidadãos inventavam estórias por vezes sem sentido e sem ponta de verdade.

O Pai do Mesquita, profundamente fragilizado pela dor que o atormentava, teve o azar de encontrar (não sabemos como nem por quê) um autêntico charlatão que lhe fez uma narração rocambolesca, malévola e mentirosa dos factos. Inventou e deturpou! Chamando o boi pelo nome: “mentiroso sem escrúpulos”.

 [Na foto, à esquerda, o Fur Mil Mesquita, ao lado do Cap Tomé Pinto].

Aproveitou a depressão emocional daquele Pai com o coração desfeito para dar asas à sua imaginação. O cabo em questão terá eventualmente contactado com o Mesquita em Maio ou Junho de 1964 em Bissau.

Este hipotético encontro – se realmente aconteceu – ocorreu antes de irmos para o mato, ou seja seis meses antes da fatíidica morte do Mesquita. Assim sendo o tal cabo não podia saber o quer que fosse à cerca do que, em 28 de Dezembro de 1964, aconteceu nos arredores de Binta.

Este pobre pai acabrunhado e desesperado pela morte dum filho querido, de “mal com a vida” até pela maneira como foi tratado no DGA e por outros motivos que nos ultrapassam... Por tudo isto e talvez muito mais, o Pai do Mesquita, apesar de homem de letras, tornou-se terreno fértil para acreditar na mentira e tê-la-á publicado no Jornal de Famalicão de que era Director e creio que proprietário.

Até onde um coração desesperado, esfrangalhado nos pode conduzir!...

A verdade nua e crua dos factos terá no entanto ficado por contar aos amigos do nosso companheiro Mesquita.

Mais uma vez... que a terra lhe seja leve.

PS3

Em 1967, creio que em Abril, o companheiro e camarada JERO e o autor destas linhas deslocámo-nos a Valença para assistir ao casamento dum dos seus furrieis.

Por mero acaso (ou propositadamente?) pernoitámos em Famalicão. De manhã pedimos a um taxista que nos conduzisse ao cemitério. Não encontrámos a sepultura do Mesquita. 

[Foto à esquerda,  o nome do Mesquita, inscrito no mural dos mortos do Ultramar, Forte do Bom Sucesso, Belém , Lisboa].

Pedimos apoio ao taxista que logo nos informou que o Mesquita estava sepultado no cemitério novo e para lá nos levou. Lá estava o sepulcro do Mesquita, bem diferente – para melhor, muito melhor – das demais sepulturas. Lá encontrámos, cravada no mármore a lápide de bronze que os seus companheiros da CCaç 675 lá fizeram chegar, perpetuando a camaradagem e aquela amizade pura, simples, desinteressada que sempre nos uniu e, incorruptível, continua a enlaçar-nos.

Por motivos que não são aqui chamados, tínhamos dúvidas se íamos ou não visitar os pais do Mesquita. Por um lado entendíamos que devíamos visitá-los; por outro sentíamos que não tínhamos o direito de reabrir ou mesmo avivar aquela ferida no peito e na alma daqueles pais que sentiram o filho partir tão novo, tão na flor da idade.

Não estamos (raramente estamos) preparados psicologicamente para ver os nossos pais partir (e isso é o normal); mas um filho partir antes dos pais é a inversão total das leis da vida! Daí a dor ser mais intensa, mais marcante, mais profunda, mais feroz!

A atitude do taxista foi decisiva e nós fomos visitar os pais do nosso companheiro. A mãe apareceu logo. Toda de preto vestida, rosto carregado de pesar, olhos plenos de tristeza, baços, penetrantes. Já tinham decorrido mais de dois anos sobre a morte do filho!...

Conversámos durante breves instantes. A senhora aproximou-se de mim, olhou-me bem por dentro, poisou nos meus ombros as suas mãos brancas de cera, pesadas como chumbo e disparou:

- O senhor vai responder-me com toda a verdade sobre o que vou perguntar-lhe?

Respondi afirmativamente e ela perguntou de chofre, ansiando pela resposta:

- Era o meu filho que vinha naquela urna?

Olhos nos olhos respondi sem vacilar (por quê vacilar se ia transmitir a mais pura das verdades?!) tentando levar um pouco de paz e tranquilidade àquela mãe desesperada, destroçada pela morte do seu filho e a dúvida que lhe mordia na alma.

- Pode ter a certeza absoluta que era o corpo do seu filho que vinha naquela urna; não podia haver troca!

- Mas morreram muitos juntamente com o meu filho! (versão do tal informador).

- Mesmo que assim fosse não podia haver troca; mas felizmente e infelizmente só morreu o seu filho; foi o nosso segundo morto naquele ano; houve também três feridos graves, é certo, e alguns feridos ligeiros mas só um morto.

- Fico-lhe eternamente grata porque me tirou um tremendo peso de cima! Todos os dias tenho ido rezar junto daquela sepultura mas essa dúvida terrível atordoava-me, dilacerava-me a alma; agora sei que vou rezar junto do meu filho pois fiquei com a certeza que ele está ali.

Houve mais umas palavras de circunstância e... apareceu o pai do Mesquita com ar de pessoa mais velha, acabrunhado, triste, cheio de dor de alma, parecia ter ouvido a nossa conversa. A dor pela morte do filho e a doença não perdoavam; cremos que sofria da doença de Parkinson, em estado bastante adiantado. Pouco falou ou nada para além dos cumprimentos. Pelo menos nada recordo... já lá vão 42 anos!

A nossa missão estava cumprida e o nosso dever também. Despedimo-nos e retomámos a viagem para Valença onde chegámos a meio do almoço mas satisfeitos connosco.

PS4

Desde Abril de 1974 trabalho no Hotel Dom Carlos Park em Lisboa – passe a publicidade.

Um dia, em meados da década de 80, ouvi um recepcionista dizer que ia chegar ao hotel o Eng. Vilhena Mesquita. O nome era muito familiar; era impossível não ser parente próximo do nosso Mesquita.

Perguntei pela sua naturalidade mas só sabiam que era do Norte e tinha escritório em Paris. Pedi que me avisassem, logo que chegasse.

Quando o vi, tremi, fiquei atónito, estupefacto... parecia que estava ali à minha frente o Álvaro Mesquita; era apenas um irmão mais novo mas muito, muito parecido.

Apresentei-me, perguntei pelos pais - um deles, creio que a mãe, ainda era vivo – sabia que os tínhamos visitado. Os pais iam frequentemente visitá-lo em Espanha (Galiza) onde ele se deslocava vindo de Paris.

Depois duma longa conversa sobre a CCaç 675 (como não podia deixar de ser) contou-me as peripécias da sua curta passagem pela tropa.

A meio da recruta fez um requerimento a pedir para não ser mobilizado porque o seu irmão falecera na Guiné! Requerimento indeferido! O Mesquita deu o “salto”; “aterrou” em Paris; ali fundou uma empresa de construção civil, já de boa dimensão àquela data.

Após a revolução dita dos cravos vinha a Portugal com certa assiduidade. Casou com uma sobrinha do ex-ministro Bettencourt Rodrigues, o tal que indeferiu o requerimento.

A vida dá cada volta!...

Lisboa, Novembro de 2009
Belmiro Tavares (**)

[Fixação / revisão de texto / título: L.G.]

2. Comentário L.G.:

A jóia para ingresso no nosso clube são 2 fotos + 1 história... o Camarada Belmiro é homem de boas contas, da velha cepa lusitana, não quis ficar a dever-nos nada e vai daí manda-nos logo à cabeça quatro histórias. Nem mais: PS 1, PS 2, PS 3, PS 4... E que histórias! Daquelas que eu gosto, com MURAL AO FUNDO!!! (Porque daquelas de MORAL AO FUNDO, estamos nós cheios e saturados, entram-nos pelos olhos da cara adentro todos os dias!).

A fama da tua generosidade e camaradagem (os Kamaradas tratam-se por tu, já é altura do Tenente Tavares mandar o Sargento Oliveira pôr-se à vontade, afinal de contas Binta, Sambuiá, e outros topónimos que queriam dizer guerra ficaram para trás, para a História, há quase meio século!), essa fama, dizia, embora vinda de longe, condiz com a personagem que eu conheci há dias e que o JERO corrobora, não é "show off", não senhor...

Apesar de teres agora um saldo de três histórias a teu favor, podes continuar a mandar mais e a deliciar-nos com a tua escrita. O teu talento literário também me surpreendeu. E não imaginas o prazer que me dá encontrar camaradas (com ou sem K) que sabem contar uma boa história.

Como me dizia há tempos um velho soldado de Contuboel, "os Kamarada pode ter perdido os guerra, mas nada nem ninguém vai impedir ele de contar tua história. Deixa História com H grandi p'ró sinhô Historiador encartado".

3. Comentário (posterior) do JERO:

Comandante Luís

No seguimento do texto em referência (enviado por e-mail de 24/11) e também de acordo com telefonema de hoje do Belmiro Tavares, remeto em anexo 4 fotos. Farás o favor de escolheres as que achares melhores, tendo eu a noção que não são famosas.

Tenho uma foto do Unimog destruído pela mina mas, pensando na família do Mesquita, achei por bem não a incluir.

Fico ás ordens.
Grande abraço do JERO


PS - À data da sua morte o Mesquita era talvez o amigo mais 'próximo' que eu tinha na Companhia.

Estava no aquartelamento quando se deu o rebentamento [da mina] que lhe causou a morte. Não me deixaram ver seu corpo. Do mais que se passou desse dia não consigo recordar nada. É uma 'branca' completa na minha cabeça.

Mecanismos de defesa da "carola", digo eu.Conto ir em breve a V.N.Famalicão conhecer a sua irmã, Teresa Mesquita, e um sobrinho que me dizem ser a cara chapada do meu amigo Álvaro Vilhena Mesquita. As malhas que a vida tece...
.

_______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 17 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5121: Comentários que merecem ser postes (9): A morte dos nossos camaradas deixou marcas (Luís Graça/JERO)

(...) Gestos como o do Belmiro Tavares da tua história também nos sensiblizam e enobrecem (não já como portugueses, simplesmente como homens)... E as cartas que o Belmiro e tantos outros graduados, anónimos, mandaram aos pais dos nossos camaradas mortos (em combate, mas também por acidente e doença) deviam poder chegar ao nosso conhecimento, deviam ser ser conhecidas e preservadas, deviam figurar no futuro museu da guerra colonial...

São documentos muitos íntimos guardados ainda pelas famílias (?)... Quantas cartas dessas terão sido escritas? Quantas poderão ainda chegar até nós, digitalizadas ou transcritas para suporte digital? Ou ao Arquivo Histórico-Militar, os originais?

Cartas (como a do Belmiro Tavares escrita aos pais do malogrado Nascimento) ajudaram, seguramente, a fazer o luto, a humanizar a morte, a suportar a perda irreparável que era a morte de um filho na flor da vida, e para mais a milhares de quilómetros de distância, numa terra estranha...

Estas cartas, de consolo, de solidariedade, de compaixão, escritas por camaradas nossos às famílias em luto, constrastavam com o seco, brutal, frio, impessoal, telegrama, remetido pelos competentes serviços do Exército... (Mas era assim, julgo que era assim, que se comunicava, naquele tempo, a funesta notícia às famílias... Poderia ter sido de outra maneira? Sem dúvida, deveria ter sido de outra maneira...). (...)

(**) Vd. poste de 1 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5188: Tabanca Grande (184): Belmiro Tavares, ex-Alf Mil, CCAÇ 675 (Binta, 1964/65)

(...) Caríssimo Belmiro: Tu entraste, com todo o direito e toda a naturalidade pela nossa Tabanca Grande adentro, em teres precisado de pedir licença ninguém... Desde 1967 (!) tu fazes, abnegada, persistente, generosa, anualmente, essa tremenda tarefa de congregar a rapaziada da Guiné, da tua querida CCAÇ 675. O teu exemplo merece ser dado a conhecer. Mas ninguém melhor que o nosso já muito querido JERO para falar sobre ti, com aquele jeito doce, quase conventual, com aquele brilhozinho nos olhos, que ele põe quando fala dos amigos do peito. Da nossa parte, da minha parte, do Virgínio, do Carlos e do Eduardo, vai aquele abraço de boas vindas. Senta-te, a Tabanca é tua. Ficas a saber que a tua presença muito nos honra. Em Dia de Todos os Santos, és o São Belmiro (Tavares, porque há outro, o Vaqueiro), és o nº 380, e estás apresentado à Cristandade. (...)

Guiné 63/74 - P5335: Agenda Cultural (47): Lançamento do livro do Manuel Maia, dia 9 de Dezembro, em Matosinhos (José Manuel Dinis)



Capa do livro, de poesia épica, História de Portugal em Sextílhas, de Manuel Oliveira Maia, nosso camarada, editada por Esses & Erres Editores

1. Mensagem do José Manuel Dinis:

Camaradas,


Venho solicitar a divulgação do próximo dia 9 de Dezembro, 4ª feira, como data para o lançamento do livro História de Portugal em Sextilhas,  do Manuel Maia, no restaurante Milho Rei, em Matosinhos, onde se confraternizará com os filiados da Tabanca de Matosinhos. Esta tertúlia reune-se todas as quartas-feiras neo Milho Rei, para convívio e almoço. O restaurante fica na R. Heróis de França 721, Matosinhos (Vd. localizaçáo no Google). Telefone: 229 385 685‎.

Convidam-se os interessados, em particular os membros do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné a lá chegar pelas 12H00, para as apresentações e cumprimentos próprios deste género de eventos. A data encontrada foi a que foi possível: no dia 12, a Tabanca de Matosinhos, faz o seu já tradicional jantar de Natal.

Aproveito para referir que o Luís já manifestou grande interesse em fazer um texto adequado, realçando, tanto as qualidades do poeta que se espelham na obra, bem como o espírito de camaradagem estabelecido através da Tabanca Grande, e que contribui para promover a amizade entre pessoas antes desconhecidas e dispersas pelo país, antigos camaradas de guerra.

A primeira tiragem (81 exemplares) está de acordo com as reservas previamente feitas.  Esta  primeira edição está  praticamente esgotada,  encontrando-se  disponíveis apenas... quatro exemplares do livro. O preço de capa do livro é, nesta fase, de 12,5 €.  Como é sabido, Manuel Maia, o autor, é nortenho, vive no concelho da Maia. Uma boa parte dos livros reservados também vai para o norte, dia a comissão "ad hoc" ter  pensado (e bem) na pujante Tabanca de Matosinhos,  que é já um caso de sucesso   mas com a qual a malta do centro e do sul  pouco convive.


Como já não faltam muitos dias, e se aproxima a quadra natalícia, propícia a festas e comezainas, o pessoal deve pôr este importante evento na sua agenda (cultural).

Abraços fraternos

José Dinis

Guiné 63/74 – P5334: Homenagem ao Amadu Bailo Djaló (Magalhães Ribeiro)


1. O Amadu Bailo Djaló foi, como todos bem sabemos, um dos mais dinâmicos operacionais e louvados COMANDOS guineenses ao serviço do Exército Português no CTIG, e, além de tudo o mais, é um excelente Camarada e Amigo nosso.

Sabendo que o Amadu, quase a completar sete décadas de existência, não tem atravessado os melhores momentos do seu estado de saúde, queria, aqui neste poste, prestar-lhe mais uma justa e merecida homenagem, em meu nome pessoal e de todos quantos se me quiserem unir neste que pretende ser apenas um gesto singelo de camaradagem e amizade.

São cada vez mais as instituições e os Camaradas que se vão juntando aos gritos, aqui e ali (em jornais, revistas e entrevistas), contra a tremenda injustiça e ostracização que ao longo destes últimos 35 anos, tem vindo a ser praticada pelos sucessivos governos pós-25A74, em relação a estes Homens, ex-Militares de Portugal, que juraram bandeira tal como nós e vestiram com orgulho a mesma farda e cumpriram fielmente o mesmo RDM.

Não paremos com os nossos gritos de revolta e mau estar, que terá que dar, mais dia menos dia, os seus frutos.

2. Para melhor e mais correcta informação sobre o estado de saúde do Amadu Bailo Djaló, recorri ao auxílio de um dos seus melhores Amigos na actualidade, o nosso Camarada Virgínio Briote, que não se fez rogado e me respondeu de imediato, e a quem deixo aqui registado o meu mais elevado agradecimento.

Caro Eduardo,

Obrigado pela tua mensagem.

O Amadu Bailo Djaló, depois de cerca de um mês nos cuidados intensivos do HM (onde foi tratado exemplarmente), regressou a casa armado com outra G-3, uma máquina portátil, ultra-moderna, que lhe fornece oxigénio e, em vez das 7,62, dispara relatórios em papel. Apesar das limitações o Amadu mantém o humor e o desejo de regressar à Guiné, à sua Bafatá, onde quer ficar junto dos pais e avós.

Falamos todos os dias. Primeiro porque quero acompanhá-lo e ver como segue as directivas da equipa médica. E segundo porque o estou a incentivar (e ele tem correspondido) a escrever as memórias do pós-25 de Abril: os contactos com os comandantes do PAIGC, as reuniões entre os comandos guineenses e os quadros europeus, as populações a mudarem de campo (antes muito amigas deles, depois a denunciá-los), a primeira vez em que foi preso e libertado logo a seguir, os tempos indefinidos, o não ter que fazer, a fome em casa, as armas ainda nas mãos deles, a manifestação em Bissau, frente à embaixada de Portugal (o embaixador a pedir ao PAIGC que os dispersasse), a chegada do comandante Umaru Djaló, num carro blindado, de arma na mão... É este o trabalho que o Amadu está a fazer e que eu vou passando para português corrente.

Não sabemos, eu e ele, se algum dia as memórias vão ser publicadas. Depois de concluído o trabalho começaram a surgir problemas de vária ordem. E a falta de dinheiro é um deles, a Associação de Comandos está com dificuldades em arranjar um editor, o Amadu Djaló é um nome desconhecido e a obra só fala de guerra vista pelos olhos e pela memória dele.

Mantemos um desejo: não deixar esquecer os Camaradas Guineenses, COMANDOS ou outros, que durante os anos da guerra, abriram colunas como condutores de viaturas (muitas vezes só com os sacos de areia como companhia) ou foram os primeiros homens das colunas apeadas. E que depois da guerra, feitas as pazes, foi o que se sabe.

Por aqui me fico.
Um abraço
vbriote

10 de Junho 2009 > Forte do Bom Sucesso > Belém > Lisboa > Memorial aos Combatentes da Guerra do Ultramar > Virgínio Briote, Amadu Bailo Djaló e Magalhães Ribeiro

3. É assim que eu vejo a situação dos nativos que serviram, combateram e morreram nas NT, ao nosso lado:

A mais alta de todas as traições

Muitos africanos foram os nossos melhores amigos
Tinham orgulho em envergar uma farda portuguesa
Na instrução eram afincados, cumpridores, e...
No combate davam tudo... até a vida... com nobreza!

1
Após a revolução dos cravos
Reinava no país a anarquia
Assaltavam-se as Instituições
O povo em “partidos” se dividia
2
Gente a falar do que não sabia
Ou que não sabia do que falava
Que ora dizia uma coisa
E passados minutos... negava
3
No meio de todas as convulsões
O poder político era “restaurado”
Os governos tomavam decisões
Aos repelões... uns p’ra cada lado
4
E assim, no meio deste “arraial”
Foi assinado, se bem me lembro
O acordo p’ra descolonização
Nesse ano, em 9 de Setembro
5
Só para se ter uma leve ideia
Do resultado deste “processo”
Olhe-se para o drama de Timor
O grotesco de um insucesso
6
Mas se Timor é a “cara” da moeda
A “coroa” anda envergonhada
Vamos virá-la e falar nela
Iluminar uma traição abafada
7
Uma ignóbil e cobarde traição
A história qu’aqui se vai contar
Parte do povo ignora... naturalmente
Outra sabe... mas prefere não falar
8
Assim, começando pelo princípio
Na “nossa” África colonial
Os africanos eram baptizados, e…
Registados... em nome de Portugal
8
Portugueses para todos os efeitos
Eram convertidos ao burgo cristão
Eram detidos, julgados e punidos
Por leis e juízes da nossa Nação
9
Pois era, muitos desses africanos
Nas nossas escolas estudavam
Dignos de respeito e estima, e…
No nosso meio trabalhavam
10
Eram tratados com igualdade
E cumpriam serviço militar
Prestavam juramento de bandeira
Juravam, também, a Pátria honrar
11
Na tropa ostentavam com orgulho
As mesmas insígnias e fardas
Tornavam-se aprumados, vaidosos
Seguravam firmes as espingardas
12
Combatiam fiéis ao nosso lado
Ao nosso lado feridos tombaram
Alguns estropiados p´ra sempre
Outros... a vida sacrificaram
13
Em Angola, Moçambique e Guiné
Foram louvados e condecorados
Foram graduados do Exército
E, como Heróis foram saudados
14
Logo após a descolonização
Estes “negros” foram abandonados
Portugal deixou de os considerar “seus”
Os “deles” acusavam: “- São renegados!”
15
Votados ao desprezo e à humilhação
Fria e cruelmente torturados
Apátridas ao “seu” novo “Partido”
Foram sumariamente executados!
16
Odiados por um simples facto
Que nunca lhes foi perdoado
Gostarem e lutarem pelos “tugas”
Seu único e último... pecado
17
Perante a velada indiferença
Dos políticos e das Nações
É tempo da História julgar
A MAIS ALTA DE TODAS AS TRAIÇÕES
*
Haverá porventura… gesto humano mais divinal…
Q’um homem possa fazer para outro auxiliar…
Que disponibilizar o seu mais supremo bem... a vida?
Jamais deixemos a sua memória alguém desonrar!

4. Recordo que no poste P4934, já o Virgínio Briote apresentou um curto, mas elucidativo currículo do Amadu Bailo Djaló, de que destaco estes significativos parágrafos:

“Recenseado pelo concelho de Bafatá, sob o nº 21 em 1962, foi alistado em 04Jan62, como voluntário, no Centro de Instrução Militar. Depois da recruta em Bolama, seguiu-se o CICA/BAC, em Bissau, depois Bedanda na 4ª CCaç, a 1ª CCaç em Farim, regressou à CCS/QG, depois os Comandos de 1964 a 1966, a CCS/QG outra vez, Bafatá no BCav 757, conhecido pelo “Sete de Espadas”, e daquele transitou sucessivamente para os BCac1877, BCav1905 e BCac2856 (todos sediados em Bafatá) e, em meados de Jul69, foi transferido para a 15ªCCmds, seguindo-se então a 1ªCCmds da Guiné, o BCmds da Guiné, a CCaç21 com base em Bambadinca, o 25 de Abril.

Foi promovido a 1º Cabo em 01Jan66 e louvado pelas actuações em operações no ano de 1966. Novamente louvado em 1967, em OS do BCaç1877, de 30Set67, pelo seu comportamento em acções de combate durante o ano de 1967 (07Jan-24Set67). Transferido para a 15ªCCmds em 01Jan70, foi graduado em furriel em 06Fev70, transitando em 13Fev do mesmo ano para a 1ªCCmds da Guiné.

Graduado em 2º Sargento em 07Nov71, foi louvado pelas acções em que participou durante o ano de 1972. Condecorado com a Medalha de Cruz de Guerra de 3ª Classe em 1973 (embora o seu nome não conste nos 8 tomos do 5º volume da “Resenha...”).

Em 28Jun73 foi graduado em alferes e novamente louvado pela actuação nas operações durante o ano de 1973.

Passou à disponibilidade em 01Jan75, devido à independência do território da Guiné.”

Magalhães Ribeiro
Fur Mil Op Esp/RANGER CCS/BCAÇ 4612/74

Foto: © Jorge Canhão (2009). Direitos reservados.
Emblema: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

(*) Vd. no poste P4934, a menção do VB ao Amadu Bailo Djaló:

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5333: As Nossas Mães (3): Poema dedicado às mães de todos os que não voltaram (José Teixeira)




1. Mensagem de hoje, dia 23 de Novembro de 2009, do nosso camarada José Teixeira*, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com um poema dedicado às mães de todos os que não voltaram:






A Virgem, o Menino e Santa Ana, por Leonardo da Vinci, 1510, Museu do Louvre, Paris, França . (Foto: © Wikipédia Enciclopédia livre (2009). Direitos reservados)


Às mães de todos os que não voltaram



Filho.
A mãe está aqui.
Não me podes ver.
Nem eu te posso ver a ti.
Sabes filho, quão grande era a minha dor.
Por não poder abraçar-te,
Transmitir-te tanto amor
Que ficou cá dentro do coração
Abafado.
Esmagado.
Sofrido.
Numa profunda e imensa solidão,
Desde que me disseram,
Que meu filho tinha morrido.
Não.
Não podia ser.
Tu que tinhas uma fome tão grande de viver!
Agora.
Voltaste.
Embrulhado num grito.
Tremendo grito.
Mãe.
Eu não queria morrer,
Porque não queira que ficasses a sofrer.
Filho.
Estou aqui há tanto tempo.
Tanto tempo,
Sem sequer o que de ti ficou
Pudesse ver.
Filho.
Eu estou aqui.
Resisti.
Tanto tempo à espera de ti.
Agora.
Tudo acabou, meu rapaz,
Já podes ficar no eterno repouso.
Em paz.
José Teixeira
1º Cabo Enf da CCAÇ 2381

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: