quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25056: Fichas de unidade (33): BCAÇ 3883 (Piche, 1972/74), CCAÇ 3544 (Buruntuma), CCAÇ 3545 (Canquelifá) e CCAÇ 3546 (Piche)




Brasões do BCAÇ 3883 e duas das suas uidades de quadrícula, CCÇ 3544 e 3545

Cortesia de Carlos Coutinho (2009)



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > Dezembro de 2015 > O que resta do célebre memorial do 3º Gr Com da CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974)), dedicado aos seus mortos: "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold AP Dani Silva. 3º Gr Comb, Fantasmas e Lestos (?). Guiné- 72/74"...

O Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, natural de Valpaços,  morreu aqui, vítima de uma armadilha que ele montava e desmontava com regularidade, na margem do rio... A trágica ocorrência foi no dia 19 de fevereiro de 1973... Os restantes morreram numa emboscada entre a Ponte Caium e Piche, em 14 de junho de 1973. 

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Fichas de unidade > Batalhão de Caçadores n.º 3883

Identificação: BCaç 3883

Unidade Mob: RI 2 - Abrantes

Cmdt: TCor Inf Manuel António Dantas

2.° Cmdt: Maj Inf Manuel Azevedo Morujão e Oliveira

OInfOp/Adj: Maj Inf José Luís Guerreiro Portela

Cmdts Comp:

CCS: Cap Inf Joaquim Pinheiro da Costa

Cap Mil Inf José do Nascimento Leal Varela

CCaç 3544: Cap Mil Inf Luís Manuel Teixeira Neves de Carvalho | Cap Mil Inf José Carlos Guerra Nunes

CCaç 3545: Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo

CCaç 3546: Cap QEO José Carlos Duarte Ferreira

Divisa: "Nobreza no Dever"

Partida: Embarque em 19mar72 (Cmd e CCS), 20Mar72 (CCaç 3544), 22Mar72 (CCaç 3545) e 23mar72 (CCaç 3546); desembarque em 19, 22, 23 e 24mar72  |  Regresso: Embarque em 19, 21, 22, e 23jun74

A retrqação do dispositivo das NT, no caso das unidades mais afastadas do Sector Leste - Buruntuma e Canquelifá, foi realizada  em 5 de julho de 1974, seguindo  Camajabá e Ponte do Rio Caium em 8 desse mês.- 15 de Julho, início


Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 27Mar72 a 22Abr72, no CIM, em Bolama, seguiu em 24abr72, com as suas subunidades, para o sector de Piche, a fim de efectuar o treino operacional e sobreposição com o BCav 2922.

Em 24mai72, assumiu a responsabilidade do referido Sector L4, com a sede em Piche e abrangendo os subsectores de Buruntuma, Piche e Canquelifá. 

Em 29Mai73, por subdivisão do subsector de Buruntuma, foi criado o subsector de Camajabá. As suas subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do batalhão.

Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, reconhecimentos, de vigilância da fronteira e de defesa e segurança dos aquartelamentos e aldeamentos, que foram alvo e fortes e frequentes flagelações, particularmente a partir de agosto de 1973. 

Actuou ainda em numerosas missões de protecção e segurança a trabalhos nos reordenamentos e de reparação de itinerários, e ainda na asfaltagem da estrada Piche-Buruntuma; a par de uma decidida colaboração na promoção socioeconómica das populações da região e organização do sistema de autodefesa.

Dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 

  • 4 espingardas,
  • 9 granadas de armas pesadas,
  • e a detecção e levantamento de 29 minas.

Em 31mai74, foi rendido no sector pelo BCaç 4610/73 e recolheu a Bissau para embarque.

***

A CCaç 3544, após treino operacional e sobreposição com a CCav 2747, assumiu, em 24mai72, a responsabilidade do subsector de Buruntuma, com um pelotão destacado em Camajabá e onde se manteve após a criação do respectivo subsector em reforço da respectiva guarnição até meados de ago73.

Em 26jan74, por troca com a 2ª Comp/BCav 8323/73, foi colocada em Piche, tendo então assumido a responsabilidade do respectivo subsector e cumulativamente as funções de subunidade de intervenção e reserva do sector, tendo efectuado acções de patrulhamento, emboscadas e escoltas a colunas.

Em 31mai74, foi rendida pela 3ª Comp/BCaç 4610/73 e recolheu a Bissau para sempre.

* * *

A CCaç 3545, após treino operacional e sobreposição com a CCav 2748, assumiu, em 24mai72, a responsabilidade do subsector de Canquelifá, com um pelotão destacado em Dunane.

Em 19abr74, foi rendida pela 2ª Comp/BCaç 4516/73 e colocada temporariamente em Piche, tendo seguido em 27mai74 para Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

* * *

A CCaç 3546, após o treino operacional e sobreposição com a CCav 2749, assumiu, em 24mai72, a responsabilidade do subsector de Piche, com pelotões destacados na ponte do rio Caium e Cambor, este até 18mar73.

Em 29mai73, por criação do subsector de Camajabá, assumiu a sua responsabilidade, mantendo então o destacamento da ponte do rio Caium, tendo a CCS/BCaç 3883, reforçada com pelotões de outras subunidades, assumido transitoriamente, a responsabilidade do subsector de Piche, até à chegada da CCav 3463.

Em 29mai74, foi rendida pela 2ª Comp/BCaç 4610/73 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n." 104 - 2.ª Div/4ª Sec, do AHM). 

Fonte: Adapt de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 161.162


quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25055: In Memoriam (492): Fernando Peixinho de Cristo (1947-2004), ex-cap mil inf, cmdt, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74); natural de Coimbra, e reputado hidrogeólogo a nível nacional e internacional


Capa do livro de homenagem a 
"Fernando Peixinho de Cristo: Vida e Obra" 
(2009, edição de AIH-GP, Grupo Português 
da Associação Internacional de Hidrogeólogos)


1. Muitos dos homens (e algumas mulheres, as enfermeiras paraquedistas) que fizeram a guer da Guiné, entre 1961 e 1974, têm vindo a desaparecer por doença, acidente, ou  "lei natural da vida"... De um ou outro, sobretudo se teve visibilidde mediática, vamos "sabendo pelos jornais" (como se dizia antigamente). Da maior parte, só por notícia dada por email ou telemóvel de camaradas, amigos ou familiares. Noutros casos, só vimos a saber tardiamente, às vezes muitos anos mais tarde. 

Foi o caso do ex-cap mil inf Fernando Peixinho de Cristo, comandante da CCAÇ 3545 (Canquelifá, 1972/74), condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª classe em 1974. A CCAÇ 3545, que pertencia ao BCAÇ 3883, sediado em Nova Lamego, embarcou de avião para o CTIG em 22mar72 e regressou a 21jun74.

No poste de apresentação à Tabanca Grande, o nosso grão-tabanqueiro José Peixoto, que vive V. N. de Famalicão, e foi 1.º cabo radiotelegrafista da CCAÇ 3545/BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74), faz referência ao seu "saudoso" comandante nestes termos (**):

(...( No dia 5 de janeiro de 1974, por volta das 14h00, toda a malta da companhia (CCAÇ 3545) aproveitando o que parecia ser um tempo de acalmia, apenas aparente, após a análise de tudo o que se encontrava à sua volta, decidiu abandonar os abrigos, cada um acompanhado da sua arma mais os parcos haveres. No grupo estavam incluídos os artilheiros, apresentando-se no abrigo de Transmissões no qual se encontrava o nosso comandante capitão Peixinho Cristo.
 
Perante tal situação, todo o pessoal que se encontrava na área das transmissões, ficou aturdido, sem saber o que se estava a passar, facto estar ali toda a companhia reunida! Após alguns minutos de conversa com o capitão, logo se ficou a saber a sua  intenção era de abandonar Canquelifá.(***)

A intenção não passou disso mesmo pelo facto de o capitão ter pedido alguma calma, descendo ao posto de transmissões no qual estabeleceu contacto com Nova Lamego e desta creio a Bissau. Com quem falou não me apercebi, apesar de estar junto, a resposta que lhe foi dada também não sei, apenas sei que na posse do que lhe foi dito/prometido, subiu ao cimo do abrigo de transmissões onde aguardava toda a companhia e disse:

- Rapazes, é uma virtude confiar nos chefes. Vamos todos para os abrigos mais uns dias.

E assim foi, pois toda a companhia recolheu aos seus abrigos de armas e bagagens. reconhecendo a Liderança e Motivação de um chefe. Honra lhe seja feita.(..)

2. Comunicado da direção do Grupo Português da Associação Internacional de Hidrogeólogos (AIH-GP)

Hidrogeólogo (Sócio n.º 90762)

É com enorme pesar que informamos que faleceu no dia 26 de março 2004 o nosso colega Fernando Peixinho de Cristo, Presidente Fundador do Grupo Português da AIH (AIH-GP) (A.

Tinha 57 anos, e nasceu na cidade de Coimbra, em cuja Faculdade de Ciências e Tecnologia se graduou em Geologia em 1977 com alta classificação. 

Em 1983 fez a especialização em Hidrogeologia em Barcelona (Espanha) no curso de pós-graduação da Universidade Politécnica da Catalunha (Curso Internacional de Hidrologia Subterrânea).

A carreira profissional de Peixinho de Cristo começou em 1978, na então chamada Direcção-Geral de Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos (DGRAH), organismo da Administração Pública que está na origem do actual INAG (Instituto da Água), a "autoridade da água" em Portugal.

Na DGRAH, e organismos que lhe sucederam, desenvolveu intenso trabalho no domínio das águas subterrâneas, sobretudo em sistemas aquíferos da orla sedimentar pós-Paleozóico do território português, tendo chegado a altos níveis de chefia de serviços.

Sua competência profissional associada à capacidade de diálogo e facilidade de gerir situações conflituantes, levaram Peixinho de Cristo ao lugar de Director do Ambiente da região central de Portugal, vasta região extremamente habitada e com actividades difíceis de compatibilizar.

Além de hidrogeólogo teve intervenção relevante como professor convidado em escolas superiores, na área das geociências, dando aulas e orientando estágios científicos,  nomeadamente nas universidades de Coimbra e do Algarve.

Foi membro do Conselho Nacional da Água e, mais recentemente, em representação da AIH-GP, pertenceu à Comissão de Acompanhamento da próxima Lei-Quadro da Água, que faz a transposição da Directiva 2000/60/CE para a legislação portuguesa.

Para além da grande competência profissional, as qualidades humanas e cívicas do colega Peixinho de Cristo tornam a sua morte num acontecimento muito doloroso para os hidrogeólogos portugueses.


3. Simlis de luto com morte de Peixinho de Cristo 
 
Fernando Peixinho de Cristo, administrador-delegado da SIMLIS - Saneamento Integrado dos Municípios do Lis, morreu ontem [26 de março de 2004]   num acidente de viação no IP5, ao quilómetro 137 do Itinerário Principal (IP) 5, junto à ponte de Muxagata, entre Celorico da Beira e Fornos de Algodres. 

Especialista em questões ligadas aos recursos hídricos, Peixinho de Cristo, de 57 anos, era desde há dois anos administrador-delegado da empresa multimunicipal que está a gerir todo o projecto de saneamento dos concelhos de Leiria, Porto de Mós, Batalha, Ourém e Marinha Grande e foi responsável por um estudo para o tratamento dos efluentes das suiniculturas da região. 

Antigo director regional do Ambiente do Centro, ocupou este cargo durante o último governo socialista, entre 1997 e 2002, e foi também presidente do grupo português da Associação Internacional de Hidrogeólogos. 

De acordo com a Brigada de Trânsito da Guarda, o veículo despistou-se no sentido Este-Oeste no IP5 e as causas do acidente ainda não estão esclarecidas. No acidente ficou ainda ferido com alguma gravidade José Luís Caseiro, quadro superior da Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território (DRAOT) do Centro, que seguia com Peixinho Cristo.

4. Comentário do editor LG:

Não o conhecemos pessoalmente. Todavia, pelo que já lemos da sua atuação no TO da Guiné, foi um sereno mas  bravo comandante da CCAÇ 3545, a sua atuação na heroica defesa de Canquelifá, desde agosto de 1973 e sobretudo no primeiro trimestre de 1974, valeu-lhe a Cruz de Guerra de 3ª Classe.

Outro oficial que se distinguiu nesta companhia foi também outro Fernando, o Fernando de Sousa Henriques, também escritor (tem, de resto, 15 referências no nosso blogue). 

Ambos morream de acidente. É justo recordá-los e honrar a sua memória. Nenhum deles inegra(va) a Tabanca Grande.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 31 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P25019: In Memoriam (491): O Nuno Rubim (1938-2023) que eu conheci nos Comandos do CTIG, de junho a dezembro de 1965 (Virgínio Briote)

(**) Vd. poste de 30 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16656: Tabanca Grande (497): José Peixoto, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAÇ 3545/BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74), nosso 731.º Grã-Tabanqueiro

(***) Vd. tabém poste de 10 de janeiro de  2024 > Guiné 61/74 - P25053: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XLI: Canquelifá, a ferro e fogo, no 1º trimestre de 1974

Guiné 61/74 - P25054: Historiografia da presença portuguesa em África (403): Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2023:

Queridos amigos,
Trata-se de um relato tão peculiar que bem merecia ser reproduzido, é uma narrativa que nos mostra a história da primeira comissão para a delimitação de fronteiras desde a sua chegada a Bolama e contra todas as peripécias havidas, os pontos por onde se passou, a indignidade nas instalações que lhes entregaram, a viagem por aquele sul da Guiné onde não havia portugueses e os régulos impunham as condições de viagem, o deslumbramento dos viajantes diante dos prodígios da natureza, tudo numa escrita elegante, rigorosa, credora da nossa atenção, este tenente da Armada Real apercebe-se que aquele sul da Guiné não tinha interesse nenhum para a França, irá desabafar amargamente como tínhamos sido espoliados do Casamansa, esse era o grande móbil do governo de Paris. Vamos acompanhar esta narrativa até ao seu desfecho e seguramente que o leitor não se irá sentir defraudado.

Um abraço do
Mário



Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (1)

Mário Beja Santos

O Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 8.ª série, números 11 e 12, 1888-1889, acolhem um documento de grande valor histórico intitulado “Viagem à Guiné Portugueza”, o seu autor é E. J. da Costa Oliveira, Oficial da Armada Real, comissário do governo para a delimitação das possessões franco-portuguesas da costa ocidental de África.

O Tenente Costa Oliveira e os seus pares deixam Lisboa a 6 de janeiro de 1888 e desembarcam a 23 em Bolama. Anota que esta ilha foi cedida a Portugal em 1607 pelo Rei de Guinala, território dos biafadas e reavida em 1 de outubro de 1870, depois de uma disputa com a Grã-Bretanha. E começa o seu rol de observações: “Bolama oeste é comparativamente em qualquer das duas estações do ano muito mais saudável e fresca do que a capital. A diferença de marés em toda a Guiné Portuguesa é pouco mais ou menos de doze pés ingleses, consequentemente na baixa-mar as praias, incluindo as de Bolama, formadas de vasa dormente e detritos de proveniências diversas, ficam a descoberto durante muitas horas, expelem odores pestíferos.” E não se esquece de mencionar as doenças que daí podem advir.

Já viu e passa a comentar: “Para o comércio e comodidade pública seria proveitosa a construção de uma ponte cais, os viajantes e outros indivíduos são forçados a exibir quotidianamente o grotesco espetáculo de atravessar uns cem metros da praia às costas dos pretos, vindos alguns de chapéu alto ou de grande uniforme. As ruas da vila, estreitas e sujas, não sendo empedradas nem macadamizadas, transformam-se na estação chuvosa em verdadeiros lodaçais. As praias imundas e malcheirosas, por se fazerem nelas todos os despejos, são, no dizer de muitos, uma das principais causas da insalubridade da ilha. Há em Bolama metade, se tanto, de um mercado principiado em 1879 e alguns candeeiros cem e duzentos metros! O interior de Bolama é pouco acidentado e ocupado por Brames, Fulas, Manjacos, etc. Produz milho, mancarra, arroz, feijão, batata-doce e outros géneros de menor valor.”

A equipa que veio fazer a delimitação de fronteiras já cumprimentou o sr. governador, salamaleques para lá, salamaleques para cá, é-nos indicado que tem uma casa onde vão ficar alojados e onde esta comissão de definição de fronteiras trabalhará com os franceses. O relato que ele faz a casa é implacável:
“Era um primeiro andar de aspeto pouco asseado. Entrava-se por um quintal pouco limpo, cheio de fardos e caixotes, barris vazios, arcos velhos de pipa, etc.; subiam-se uns toscos degraus de madeira que terminavam em um largo patim, aonde se viam em pitoresca promiscuidade colchões velhos, tinas velhíssimas, potes de barro, candeeiros partidos, etc.; aranhas enormes povoavam os tetos e as paredes. Abria-se uma porta e penetrava-se numa pequena sala alumiada por duas janelas sem portas de vidraça. À entrada, na parede aonde se abria a porta, alojava-se um móvel de madeira coberto de poeira e coisas tão extraordinárias que nunca atinámos com a sua verdadeira aplicação! Na parede esquerda um sofá com as molas partidas e o forro de carina rasgado em mais do que um sítio, algumas cadeiras sem pés, outras menos más, um armário de casquinha, uma mesa-redonda ao centro da casa e alguns quadros de gosto mais do que duvidoso completavam a mobília deste elegante salão.”

O tenente da Armada Real procede minuciosamente à descrição deste antro totalmente negligenciado para tornar bem claro como o acolhimento da comissão de delimitação de fronteiras foi da maior das indignidades: “Foi nesta casa tão própria e tão decentemente mobilidade que recebemos a comissão francesa! E não se culpe ninguém, porque não havia outra casa para alugar. A sorte é que estava contra nós e nós lho agradecêssemos quando alguma vez a encontrámos.”

Havia que completar o pessoal da expedição, foi o cabo dos trabalhos. As instruções autorizavam que se requisitasse um condutor de obras públicas para auxiliar a missão nos trabalhos de campo. Aproveitou-se o tempo a pedir informações, a angariar carregadores, parecia que só havia dificuldades: “Uns afirmavam que seríamos atacados à mão armada e roubados pelo gentio; outros diziam que o célebre potentado do Futa Djalon, Mudi-Yaiá, não consentiria que as duas comissões se intrometessem nos seus domínios sem lhe fazermos valiosos presentes ou pagarmos quantiosas taxas; outros ainda falavam das febres do país, nas dificuldades de marcha em virtude da natureza pantanosa dos terrenos que íamos atravessar, nos grande perigos que corríamos sermos mordidos pelas serpentes, devorados pelos crocodilos, etc.”

Foi um bico de obra arranjarem-se os carregadores, todos receavam internar-se no chão dos Fulas, bem procurámos gente interessada em acompanhar-nos, apenas se apresentaram 14 indígenas, número insuficientíssimo para conduzir as cento e tantas cargas em que estava dividido o material da expedição.

A solução foi requisitar ao governo os Angolas que quisessem servir na expedição. Foi este expediente que permitiu que a missão partisse para o mato no dia combinado. O Tenente Costa Oliveira apresenta para falar do contingente militar na Guiné, havia um único batalhão de caçadores, composto na sua grande totalidade de deportados e vadios de Angola e uma bateria de artilharia com quatro peças.

A 28 de janeiro chegou a Bolama a comissão francesa, acompanhava-a o Governador da Senegâmbia e o seu Estado-maior, cumprimentos para lá e cumprimentos para cá e abandonaram prontamente Bolama. O oficial dá-nos notícia da comissão de delimitação francesa, dirigida pelo Capitão H. Brosselard-Faidherbe. Em 10 de fevereiro fundeava a canhoneira Guadiana perto da ilha Tristão, só a 12 foi possível desembarcar toda a expedição. A primeira etapa seria a partida de Kaky para Kabo. Passaram pelo rio Quitafine em direção à ponta Cajé, ponto de partida combinado para a delimitação da fronteira sul da Guiné Portuguesa. O autor dá-nos a saber que este rio Quitafine é largo, cheio de ilhotas, inúmeros esteiros e canais. Há também o relato dos ataques perpetrados por Biafadas contra Nalus e Sossos. Apurou-se que para Kandiafará não havia caminhos transitáveis e conhecidos. Na tarde do dia 18 apresentaram-se no acampamento dois emissários do chefe do rio Cacine, eram portadores de uma atenciosa carta, convidando a missão portuguesa a seguir para Biquese, população importante dos Nalus, situada na margem esquerda do rio Cacine. Será uma viagem bem ingrata dentro da floresta, o prémio vem a seguir:
“Quando saímos da floresta, deparou-se-nos o espetáculo mais grandioso que observámos durante a nossa viagem. Uma vasta planície, um oceano de verdura povoado por centenas de antílopes, se estendia na nossa frente até onde a vista podia alcançar.”

Carta da Guiné Portuguesa, século XIX, Arquivo Histórico-Ultramarino
Carta da província da Guiné, 1912
Carta da colónia da Guiné, 1933
Antiga Sede do Banco Nacional Ultramarino em Bolama, posterior Hotel do Turismo, hoje completamente desaparecido
Atual edifício do Centro de Formação Pesqueira de Bolama. Imagem retirada do blogue Alma do Viajante, com a devida vénia
Imagem do antigo quartel de Bolama, retirada do blogue Alma do Viajante, com a devida vénia

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25031: Historiografia da presença portuguesa em África (402): Sarmento Rodrigues, o definidor da colónia guineense, pô-la no mapa (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25053: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XLI: Canquelifá, a ferro e fogo, no 1º trimestre de 1974


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné > Zona leste > Região de Piche > Setor de Piche > Canquelifá >  Março de 1974 > A desolação da guerra: a tabanca, depois das violentas e prolongadas flagelações, diárias  por parte do PAIGC, à luz do dia, com morteiros 120, foguetões 122 e canhões s/r, entre 18 e 22 de março de 1974, e partir de várias direções (e sobretudo Norte e Leste).

Houve mortos e feridos e graves danos materiais: pelo menos, 1 morto e 5 feridos graves entre as NT; 3 mortos, 2 feridos graves e 4 feridos ligeiros entre a população. Essas acções, que devem ter sido dirigidas pelo comandante do PAIGC Manuel dos Santos (Manecas),  revelam um certo "sentimento de impunidade", com o IN escudado nos mísseis terra-ar Strela,  russos, tentando "engodar" a nossa aviação... Nesta altura, no 1.º trimestre de 1974, Canquelifá corria o risco de tornar-se a Guileje da zona leste, o que é confirmado pelo testemunho do Amadu Djaló. 

Nuno Rubim escreveu a propósito: "Sempre presumi que a base de fogos tivesse instalada do outro lado da fronteira. O Perintrep é omisso sobre este ponto. Mas não, ao que parece era na antiga tabanca de Chauara, a escassos 10 km de Canquelifá, com o PAIGC entrincheirado, e sua artilharia defendida por sapadores e infantaria... A escassos 4 km a norte, havia outra posição, Sinchã Jidé. No caso de Chauara, o reabastecimento era feito por estrada próxima que vinha do Senegal e atravessava a Guiné-Conacri." (*) 

Pelo testemunho do ex-ten pilav António Martins de Matos, nosso grão-tabanqueiro, sabemos que da parte da FAP houve bombardeamentos nocturnos com o Dakota, chegando-se a utilizar bombas de 750 libras para aliviar a pressão sobre as NT.

Estas fotos são do álbum do nosso camarada (e amigo)  Jacinto Cristina, o famoso padeiro do destacamento da ponte de Caium (CCAÇ 3546, Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974), e que vive em Figueira dos Cavaleiros, Ferreira do Alentejo,  estando ainda vivo, rijo e valente.

Observ. - O José Peixoto, ex-1º cabo radiotelegrafista, da CCAÇ 3545, que vive emVila Nova de Famalicão, e é membro da nossa Tabanca Grande, diz que estas fotos terão sido tiradas pelo "saudoso alferes (Fernando de Sousa) Henriques" (falecido em 2011),  e que se reportam aos primeiros grandes ataques de 3, 4 e 5 (sic) de janeiro de 1974 (e não de 18-24 de março), altura em que a população abandonou a tabanca e o houve um princípio de pânico e amonitação do pessoal da companhia (bem como  do Pel Art) (que queria abandonar Canquelifá), situação que o cap mil inf Fernando Peixinho de Cristo (1947-2016)  conseguiu resolver com grande calma e coragem (feito que lhe terá valido a Cruz de Guerra de 3ª classe, a par da defesa heróica de Canquelifá nos últimos meses  do final da guerra).

Fotos: © Jacinto Cristina (2010). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Mapa de Canquelifá (1957) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Canquelifá (NT) e das bases de fogos do PAIGC, em março de 1974: Sinchã Jidé, a 4 km a norte, junto à fronteira com o Senegal, e Chauara, a menos de 10 km, a leste, junto à fronteira com a Guiné-Conacri.


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Mapa de Canquelifá (1957) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Canquelifá, Copá, Nhunanca e Chauará, bem como  da fronteira do Senegal, a norte.

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais de nove dezenas de referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não  lhe permitaram ultimar.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné-Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xix) o jogo do rato e do gato: de Caboiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972;

(xx)  tem um estranho sonho em Gandembel, onde está emboscado très dias: mais do que um sonho, um pesadelo: é "apanhado por balantas do PAIGC";

(xxi) saída para o subsetor de Mansoa, onde o alf cmd graduado Bubacar Jaló, da 2ª CCmds Africanos, é mortalmente ferido em 16/2/1973 (Op Esmeralda Negra)M

(xxii) assalto ao Irã de Caboiana, com a 1ª CCmds Africanos, e o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor;

(xxiii) vamos vê-lo a dar instrução a futuros 'comandos' no CIM de Mansabá, na região do Oio, no primeiros meses do ano de 1973, e a fazer algumas "saídas" extras (e bem pagas) com o grupo do Marcelino, ao serviço do COE (Comando de Operações Especiais), que era então comandado pelo major Bruno de Almeida; mas não nos diz uma única sobre essas secretas missões; ao fim de 12 anos de tropa, é 2º sargento e confessa que está cansado;

(xxiv) antes de ir para CCAÇ 21, como sede em Bambadinca, como alferes 'graduado" (e sob o comando do tenente graduado Abdulai Jamanca, ainda irá participar na dramática Op Ametista Real, contra a base do PAIGC, Cumbamori, no Senegal, em 19 de maio de 1973;  esta parte do seu  livro de memórias  (pp. 248-260) já aqui foi transcrita no poste P23625;

(xxv) no leste, começa por atuar no subsetor do Xime, em meados de 1973;

(xxvi) em setembro de 1973, quando estava em Piche, já na CCAÇ 21, recebe a terrível notícia da morte do seu querido irmão mais novo, Braima Djaló, da 3ª CCmds;

(xxvii)  embora amargurado com a morte do seu irmão mais novo, e cansado, ao fim de 12 anos de tropa e de  guerra, o Amadu Djaló mantem-se na CCAÇ 21, como alferes graduado; vemo-lo agora no início de 1974 em Canquelifá, em reforço da CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (1972/74).


 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XLI:

Canquelifá a ferro e fogo, no 1.º trimeste de 1974 (pp. n 266-272)


A CCaç 21, comandada pelo tenente Jamanca, foi destacada para apoiar a companhia estacionada em Canquelifá 
[CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883] . Partimos de Piche com os milícias das tabancas da zona a picarem a estrada.

Quando chegámos reunimo-nos com o capitão[1] da companhia de europeus. A primeira coisa que nos disse foi que não tinha instalações para nos alojarmos. Jamanca respondeu que não havia problemas, que nós nos havíamos de desenrascar. Falámos com o filho de régulo, Mamadu Sané, mais conhecido por Mama Sané, que nos arranjou uma casa com cinco quartos e respectivas camas e um sala grande com mesas e cadeiras. Tínhamos mais do que esperávamos.

Depois de descansarmos um bocado, fomos chamados para o almoço, que dois soldados europeus tinham colocado nas mesas da casa onde ficámos. Enquanto me estava a lavar,  ouvi Demba Chamo dizer qualquer coisa que não percebi mas ouvi a resposta do Jamanca, que comíamos e depois reclamávamos. 

Quando entrei na sala vi duas travessas de alumínio, muito velhas, uma rota e sem pega, os talheres muito velhos também. Estávamos todos muito calados até à chegada do Sada Candé, que mal se sentou perguntou se era naquelas sucatas que íamos comer. Jamanca, muito calmo, voltou a dizer:

- Vamos comer primeiro, depois falámos com o capitão. 

Mas Sada disse que não comia e todos nós ficámos a olhar para ele.

Sada interpelou dois soldados da CCaç 21, que estavam a passar, mandou-os pegar na travessa e na terrina e passou para a frente deles dizendo-lhes para irem atrás. Não o podia deixar ir sozinho, levantei-me e segui-o até ao gabinete do capitão. 

Quando chegámos, Sada perguntou ao capitão se era nessas travessas que nos davam a comida. Quando o capitão ia começar a falar, Sada pegou na terrina da sopa e atirou-a para o chão, enchendo de sopa as calças do capitão. Fiquei muito envergonhado e ouvi o capitão dizer que o assunto não era com ele, era com o alferes tal, não me lembro do nome. Sada, muito excitado, foi à procura do alferes e quando reparámos estavam os dois aos socos, um ao outro, e depois continuaram a lutar no chão.

Soldados africanos e europeus levantaram-se, a ver o espectáculo. Um alferes europeu que estava à minha beira disse-me para o ajudar a separá-los. 

Isto é uma vergonha, dois oficiais a brigar, com os soldados todos a ver, vamos separá-los já disse-me.

O capitão mandou recolher a comida que estava em cima das mesas deles e mandou levá-las para as nossas. Mas nós já tínhamos perdido a vontade de comer.

À noite, mais calmos, reunimo-nos para discutir o assunto. Resolvemos levantar os géneros, entregá-los ao filho do régulo e pedir-lhe que fosse a mulher dele a cozinhar para nós. Jamanca, sempre muito calmo, disse-nos para não contarmos a ninguém o que se tinha passado. Que, como tínhamos visto, o capitão e os oficiais da companhia eram boas pessoas e que devíamos esquecer essa história das terrinas.

Eu tinha conhecido Canquelifá muitos anos atrás, em 1961, quando andei por lá com o meu primo Ussumane Injai a comprar gado para o vendermos depois em Bissau. Nessa altura, Canquelifá era uma terra pequena, tinha só duas ou três lojas.

Agora estava aqui outra vez, no início de 1974[2], e Canquelifá estava muito diferente. As tabancas que havia à volta, junto às fronteiras com o Senegal e com a Guiné-Conacri,  estavam todas arrasadas, a população tinha desaparecido

A zona estava nas mãos do PAIGC e Canquelifá agora era um local muito perigoso, sempre à espera de ataques, do lado do Senegal ou da Guiné-Conacri. As estradas estavam semeadas de minas, se Canquelifá precisasse de apoio à noite, não podia ser socorrida por estrada, de noite não se podiam picar estradas. Foi nesta situação que encontrámos Canquelifá.

Estavam ali duas companhias[3], uma de europeus e a nossa, oito pelotões ao todo. Fizemos um programa de saídas, todos os dias de manhã saía um bigrupo nosso até a uma distância de cinco a sete kms e regressava por volta das duas da madrugada. Julgávamos que,  a partir dessa hora, era mais difícil haver ataque do PAIGC. Num dia saía um bigrupo de africanos, no dia seguinte um de europeus. Desta forma, cada bigrupo descansava três dias.

Em algumas dessas saídas, deixávamos o quartel, de manhã muito cedo, na direcção de Nhunanca. Depois de andarmos um bom bocado, entrávamos numa lala[4], quase sem árvores, com o capim muito alto, que as populações geralmente queimavam na primavera.

Depois de atravessarmos para o outro lado da lala, permanecíamos aí algum tempo, até cerca das 15h00, quando decidíamos abandonar o local. Caminhávamos mais dois a três kms e emboscávamo-nos. Ocupávamos dois caminhos, o que ia para Nhunanca e o que levava a Chauara. Ficávamos naquele local durante cerca de uma hora e regressávamos, contornando o quartel e entrando pela entrada contrária à saída para Copá. Fizemos este trabalho várias vezes, com uma ou outra alteração no percurso.

Numa dessas saídas[5], um dos nossos bigrupos, comandado pelos alferes Ali Sada Candé e Braima Baldé, quando estava emboscado, a cerca de dois kms do aquartelamento, avistou, por volta das 16 horas, um grupo do PAIGC a atravessar uma lala. Estavam a deslocar-se na direcção do quartel.

O nosso bigrupo foi no encalço deles, a observarem o que iam fazer. Cerca de um quilómetro andado o pessoal do PAIGC parou, debaixo de uma grande árvore. Um deles estava a preparar-se para subir a árvore, quando o nosso bigrupo os atacou, de surpresa. 

O pessoal do PAIGC fugiu como pôde, deixando no local três guerrilheiros mortos[6], as armas e um rádio Racal[7], que viemos a descobrir, mais tarde, tinha sido perdido por nós em Morés, em 23 de dezembro de 1971.

Era a vez do meu grupo ficar no aquartelamento, mas quando começámos a ouvir o tiroteio saímos imediatamente. Quando os encontrámos o caso já estava arrumado, ajudámo-los a trazer os corpos dos guerrilheiros que depositámos junto à parada.

Nesse mesmo dia[8], por volta das 17h30, o PAIGC desencadeou um ataque a Canquelifá. Ou de represália, ou porque também tinham ouvido os tiros. Um dos primeiros mísseis acertou na central eléctrica e uma grande bola de fumo negro começou a subir. De vez em quando paravam os bombardeamentos, depois recomeçavam. Durou quase a noite toda este ataque. Não me lembro de ter visto algum míssil cair fora do arame farpado.

A tabanca ardeu e ficou completamente destruída. Morreram durante o ataque três pessoas: um furriel europeu, salvo erro chamado Silva, um soldado negro, o Mica Djaló, que eu tinha eliminado no 4º curso de comandos em Mansabá,  e um rapaz de cerca de 13 ou 14 anos que trabalhava para o furriel europeu que tinha morrido[9].

Durante a flagelação, que nunca mais acabava, a certa altura, chegou-se ao pé de mim um soldado da minha companhia, chamado Ansumane, que me disse que, no local onde se encontrava, tinham morrido todos, que ele tinha sido o único que tinha escapado. Perguntei-lhe pelo comandante do grupo, respondeu que não sabia. Chamei o Mamadu Mané, que era o comandante da milícia local, e disse-lhe para ir comigo, acompanhados de alguns voluntários do meu grupo.

Nessa altura, estávamos debaixo de fogo, continuavam a cair mísseis na zona do quartel, mas não impediram a nossa ida. Quando lá chegámos vimos três corpos enterrados numa vala e alguns feridos. Conseguimos retirá-los, com muita dificuldade, e transportar os feridos para a enfermaria, onde lhes prestaram os primeiros socorros, ainda durante a madrugada, até que, de manhã, foram evacuados.

Foram muitas as operações e emboscadas que fizemos na zona de Canquelifá e Piche. É difícil, para mim, recordar os pormenores de todas. De algumas eu fui tomando pequenas notas. Noutras, eu estava cansado e também aconteceu ter que sair outra vez. E depois esqueci-me.

Recordo-me de duas emboscadas[10], entre Piche e Canquelifá, em que numa, mesmo ao nosso lado, os milícias tiveram um morto e alguns feridos e na outra só tivemos alguns feridos ligeiros.

A minha companhia saiu uma vez com a companhia de europeus, para a zona do Gabu. Saímos de Piche, em viaturas, e cerca de cinco minutos depois caímos numa emboscada[11]. Tivemos seis mortos[12], entre as quais o Bailo, soldado do meu grupo. Nesta emboscada perdemos um carro blindado[13].

De outra vez, deixámos Piche para irmos ao rio Corubal[14]. Quando nos estávamos a aproximar do rio,  vimos pegadas frescas, caixas de fósforos e maços de cigarros vazios. Era uma zona muito utilizada pelo inimigo. 

Na conversa com o guia, este disse-me que todos os acampamentos do PAIGC ficavam na outra margem e que para este lado só vinham quando faziam patrulhas ou para atacarem o quartel, a maior parte durante a noite.
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Notas do autor ou do editor literário (VB):

[1] Nota do editor: cap mil inf inf  Fernando Peixinho de Cristo (1947-2004).

[2] Nota do editor: é início de 1974 (e não em  1973, como por lapso vem no original)

[3] Nota do editor: CCaç 3545 e CCaç 21.

[4] Clareira.

[5] Nota do editor: Acção “Minotauro”, em 7/01/1974. (***)

[6] Um cubano e dois fulas (na realidade, um deles era cabo-verdiano, o Jaime Mota, e o cubano seria o tenente
 Ramón Maestre Infante), que foram transportados para Canquelifá, onde ficaram expostos durante os bombardeamentos. Depois, durante uma acalmia, foram enterrados num local junto à pista de aviação, em dois buracos abertos pelos bombardeamentos. (***)

[7] Quando foi emitida para o QG, a mensagem da operação, com a indicação do material apreendido, alguém confirmou, através do nº do aparelho, que o rádio Racal era o que tínhamos perdido, cerca de dois anos antes, em Morés.

[8] Nota do editor: 7 Janeiro 1974.

[9] Nota do editor: em consequência desta flagelação sobre Canquelifá, executada ao final do dia 7 janeiro 1974, morreram no local o fur mil OE Luís Filipe Pinto Soares e os soldados Donsa Boaró, da CCaç 21,  e Mica Baldé, do 6º PelArt /GAC 7.

[10] Nota do editor: uma no itinerário entre Piche e Canquelifá ocorreu em 26mar74, que causou a morte a Adulai Buaró e Iaia Sissé, ambos soldados milicias do Pel Mil 268, adstrito à CCaç 3545,  e Ibraima Candé, soldado da CCaç 21.

[11] Nota do editor: em Bentém, no itinerário Piche-Canquelifá.

[12] Nota do editor: nesta emboscada, em 22 março 1974, menos de 24 horas depois da operação “Neve Gelada” (às 15h00 de 21mar74, o BCmds capturou ao IN 3 morteiros 120), morreram o soldado-condutor da chaimite, João Costa Araújo, Victor Manuel de Jesus Paiva, soldado-condutor, os furriéis José António da Costa Teixeira e Manuel Joaquim Sá Soares, do ERec 8840, sedeado em Bafatá,  e os soldados Bailó Baldé, da CCaç 21, e Bambo Nanqui, do 12ºPel Art / GAC7.

[13] Nota do editor: viatura chaimite.

[14] Corubal foi o nome que os Fulas lhe deram. Os Futa-Fulas chamam-lhe Coli.

(Seleção, fixação / revisão de texto, negritos, links, fotos, notas adicionais, título, subtítulo: síntese das partes anteriores: LG)
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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 17 de maio de  2016 > Guiné 63/74 - P16098: O que dizem os Perintreps (Nuno Rubim) (4): A um mês do 25 de abril de 1974, o IN ataca Canquelifá durante 4 dias, com um grande potencial de fogo, e faz violenta emboscada no itinerário Piche-Nova Lamego a coluna auto (Perintrep 12/74, relativo ao período de 17 a 24/3/1974)


(***) Vd. poste de  15 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23001: Memórias cruzadas da região de Gabu: as origens do desassossego em Copá e as sequelas da metralha entre o Natal de 73 e 7Jan74 (Jorge Araújo)

Vd. também poste de 30 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16656: Tabanca Grande (497): José Peixoto, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAÇ 3545/BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74), nosso 731.º Grã-Tabanqueiro

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25052: (De) Caras (202): O cap art 'comando' Nuno Rubim (1938-2023): fotos do meu álbum (Virgínio Briote, ex-alf mil 'cmd', cmdt Gr Diabólicos, Brá, 1965/67)

 

Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 4A


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8


Foto  nº 9

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Virgínio Briote, ex-allf mil da CCAV 489 (Cuntima) e alf mil 'cmd',  
cmdt do Grupo "Diabólicos",  CCmds CTIG, Brá; 1965/67). Cartão de identificação,
com a assinatura do cap Nuno Rubim 


1. Mensagem do nosso coeditor jubilado Virgínio Briote, com data de 1 do
corrente, às 17:14:

Boa tarde, Caros Carlos Vinhal e Luís Graça, envio-vos as fotos que tenho do cap Nuno Rubim e nota com algumas legendas. (*)

Abraço e Obrigado pelo vosso trabalho.
VBriote



Cap Art 'Cmd' Nuno Rubim,
Bissau, 1965

Legendas  > Fotos com  o cap art 'cmd' Nuno Rubim  (1938-2023),   setembro de 1965 e depois;

Foto n.º 1 > Cerimónia da imposição dos crachás de Cmds em Brá. 4Set1965. A CCmds do CTIG apresenta-se ao Gov Geral,  gen Schulz, ao Cmdt Militar e a dois chefes das Repartições do QG. O Nuno Rubim está à direita do gen Schulz.

Foto n.º 2 > Passagem em revista dos Gov Geral e Cmdt Militar,  seguidos pelo cap Maurício Saraiva (de óculos escuros e camuflado) e cap Nuno Rubim.

Foto n.º 3 > Entrega do crachá ao fur mil João Parreira, o cap Rubim está de costas e o cap Saraiva, de perfil, ao lado, de camuflado.

Fotos n.º 4 e 4A > O Cap Rubim bem destacado no meio do Gr Cmds Diabos,  na BA 12, Bissalanca, antes do embarque do Grupo no Dakota para Bafatá com deslocação por outros meios para o Xitole – operação ao Galo Corubal.

Foto n.º 5  > 1.º cabo Júlio Costa Abreu na despedida de final de comissão entre o cap Rubim e o alf Caldeira.

Foto n.º 6 > O cap Rubim de costas entre vários militares do QG e o Gov Geral,  gen Schulz, numa cerimónia nos Cmds em Brá, em fins de 1965.

Foto n.º 7 > O cap Rubim, cmdt da CCmds, no Palácio do Gov Geral.

Fotos n.ºs 8 e 9 > Cmds com comissão finda em despedida. No grupo destes, o da esquerda,  é o sold António Kássimo que veio a continuar nos Cmds quase até ao final da guerra.
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Nota do editor LG;

(*) Último poste da série > 9 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24464: (De) Caras (200): Crónica pícara de uma noite de copos no Chez Toi e no Pilão, que meteu alguns dos nossos melhores e que até chegou, truncada e pirateada, à terra de um deles, Melgaço (Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)

Guiné 61/74 - P25051: Por onde andam os nossos fotógrafos? (16): António Murta, ex-alf mil inf MA, 2ª C/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74) - Parte I: Em 16 de março de 1973 estávamos irremediavelmente a partir no N/M Uíge...



Foto nº 1

Lisboa  > Cais da Rocha Conde de Óbidos > 16 de março de 1973, meio da tarde >  Partida do Batalhão de Caçadores 4513 no navio Uíge rumo à Guiné.

(....) Estava repleto o navio e os militares alcandoravam-se nos locais mais improváveis, para além de escadórios e da amurada, na ânsia de serem vistos pela multidão de familiares que acenavam do cais. Era uma cena já de todos conhecida, militares e famílias, que ao longo dos anos a viram – e temeram – pela televisão e pelos jornais. 

"No que me toca, e depois de ter perdido de vista o meu pai no cais, apoderou-se de mim uma fria indiferença. Estava ali a começar uma odisseia, uma aventura no desconhecido, mas que haveria de ter um fim, que só podia ser o regresso. Recordo estas sensações porque as preparei antes e me agarrei a elas no momento crucial. 

"Apesar disso, foi no instante em que o bojo do navio se desencostou lentamente do cais, que tive o momento mais penoso e cruel. Não tinha pensado nesse detalhe tão significativo: o brevíssimo instante da separação. Estava quebrado, definitivamente, o fiozinho que ainda me ligava a casa, aos familiares, ao meu país e a uma esperança tola de que, até ao último instante, acontecesse algo de extraordinário, um cataclismo, uma morte bombástica, sei lá..., morreu o Amílcar Cabral e não aconteceu nada, mas podia morrer o Marcelo, cair a Ponte Salazar e o barco ficar ali encalhado!... Nada. Não aconteceu nada. 

"Afinal, estávamos irremediavelmente a partir. E não tinham partido milhares de outros antes de mim? (...) (Poste P14373 (***).

Foto nº 2 

Guiné > Região de Quínara > Nhala > 2ª C/BCAÇ 45143 (Aldeia Formosa, Buba e Nhala, 1973/74) > 1973 > O alf mil inf MA António Murta: "um estado d'alma"



Foto nº 3

Guiné > Região de Quínara > Nhala > 2ª C/BCAÇ 45143 (Aldeia Formosa, Buba e Nhala, 1973/74) > Pós-25 de Abril de 1974  > O alf mil inf MA António Murta, em primeiro plano, sentado no capô da Berliet MG-20-79.

Foto nº 4

Guiné > Região de Quínara >  Nhala (a nordeste de Buba) > 1974 > Agosto de 1974 > Os "Unidos de Mampatá", a CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74), em final de comissão, foram despedir-se dos "periquitos" de Nhala (2ª C/BCAÇ 4513)... À esquerda, assinalado por um quadrado amarelo, o nosso António Carvallho, o "Toni", mais conhecido por "Carvalho de Mampatá".  O nosso fotógrafo, o António Murta,  estava lá.

Um cartão de boas festas 2014/2015 original, criação do António Murta

Fotos (e legendas): © António Murta  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Continuamos à procura dos nossos fotógrafos (*)


A fotografia é um dos recursos mais valiosos do nosso espólio. Não sabemos ao certo quantas imagens já publicámos no nosso blogue em vinte anos (desde 2004). Uma estimativa por baixo aponta para mais de 100 mil. Já publicámos mais de 25 mil postes, o que daria uma média de 4 fotos ou imagens  por poste. 

Fotógrafos (ou donos de álbuns fotográficos com grande interesse documental) são seguramente muitas dezenas. Alguns de nós tornaram-se até fotógrafos com talento, no CTIG ou até depois, na peluda. A maioria não tinham tirado fotografias. Comprou uma máquina em Bissau (em geral, de "made in Japan", e mais baratas do que na metrópole), e levou-a para o mato. (**)

As suas fotos  têm suscitado a curiosidade de cineastas, jornalistas, investigadores, etc., que de tempos a tempos recorrem ao nosso blogue para cedência de imagens. Temos uma política sobre esse assunto; cópia digital das fotos é cedida, para efeitos não-comerciais,  mediante acordo tanto dos edtores como dos titulares dos créditos fotográficos. Julgamos que, enquanto antigos combatentes, temos esse dever de serviço público. Mas também exigimos que respeitem a propriedade intelectual e não façam uso indevido do material cedido.

A mítica Olympus Trip 35, de que se terão
vendido10 milhões de unidades entre 1967
e 1984... Ideal para se tirar fotos em férias
(daí o nomedo modelo, "trip"),  
despreocupadamente
2. Hoje começamos a recuperar e a selecionar algumas das melhores fotos do António Murta, de seu nome completo António Manuel Murta Cavaleiro, ex-alf mil indf  MA,  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74). 

Nasceu em Cantanhede, em 8 de janeiro de 1951, vive atualmente na Figueira da Foz. Está reformado há mais de 10 anos. Passou a integrar a Tabanca Grande em 12 de novembro de 2014.(***) 

Tem 105 referências no nosso blogue, sendo autor de uma notável série, "Caderno de Memórias de António Murta"...  de que se publicaram pelo menos 42 postes (****)

Não nos conhecemos pessoalmente mas já temos falado ao telefone (ainda ontem, data do seu aniversário). Não sei o que fazia profissionalmente, constato que tem um grande talento para o desenho (veja-se o cartão de boas fesats que nos mandou no final do ano de 2014) (vd. imagem acima) (*****).

Exigente consigo e com os outros, escreveu sobre a sua atividade de fotógrafo amador:

(...) "As minhas fotografias, no geral, não têm grande qualidade: quando fui para a Guiné nem máquina tinha. Usei uma emprestada por uma amiga, mas demasiado básica e pouco fiável. Nas primeiras férias comprei uma Olympus compacta e passei a fazer, quase sempre, slides. Digitalizados com um scâner normal, são uma triste amostra dos originais. Com muito deles optei por fotografar a projecção em suportes variáveis, com os inconvenientes que também isso acarreta." (...) (***)

(Continua)
_____________



(****) Vd.postes de:

16 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14373: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (1): Embarque para a Guiné, 16 de Março de 1973


(*****) Vd. poste de 18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14044: Sob o poilão sagrado e fraterno da nossa Tabanca Grande: boas festas 2014/15 (4): Cartão original de António Murta