Pesquisar neste blogue

sábado, 19 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27035: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (3): Albino Cláudio (1946-1968), sold at inf, CCAÇ 2368 / BCAÇ 2845 (1968/1970), natural de Ribamar: vítima de acidente com arma de fogo, em Bissorã, em 23/7/1968 - II (e última) Parte: O Comandante Militar do CTIG, por despacho, disse que o desastre ocorrido foi "por motivo de serviço"

 


Albino Cláudio (Ribamar, Lourinhã, 30.05.1946 – Bissorá, antiga província portuguesa da Guiné 23.07.1968), sold at inf, CCAÇ 2368 (Cacheu, Bissorã, Teixeira Pinto, 1968-70)

Brasão do BCAÇ 2845 (1968/70)

1. No poste anteriormente publicado nesta série (*), foram citados  os nomes e os postos de vários camaradas do Albino Cláudio (Ribamar, Lourinhã, 1944-Bissorã, Guiné, 1968), que intervieram no âmbito do processo de averiguações do acidente que o vitimou em Bissorã, no dia 27 de julho de 1968. Recorde-se:

  • o comandante da companhia, cap inf Manuel Joaquim Sampaio Cerveira;
  • o alf mil António Matos de Almeida, encarregue pelo Cmdt de elaborar o processo por acidente com arma de foto;
  • as testemunhas do acidente, 1º cabo at inf Cipriano Martins Silva, natural de Famalicão, e o sold at inf  Joaquim Cunha Moreira, natural de Penafiel;
  • o fur mil António Pimenta Rodrigues,  e o 1º cabo at inf Victor Manuel da Costa, que oram testemunhas da elaboração do espólio do Albino Claúdio,  feita pelo alf mil Matos de Almeira,na presença e capitão;
  • não sabemos o nome do alf mil médico que passou a certidão de óbito, mas muito provavelmente o seria o mais antigo, Fernando António Maymone Martins... O Maximino José Vaz da Cunha também foi médico do BCAÇ 2845.  E haverá ainda um terceiro médico, José Luís Pinto Pinto Bessa de Melo,  que muito possivelmente veio render um dos  dois primeiros, os quais, na 2ª parte da comissão, foram trabalhar  no HM 241, em Bissau.



Composição orgânica do pessoal da CCAÇ 2368. Lista gentilmente disponibilizada pelo Albino Silva, que pertenceu á CCS/ BCAÇ 2845.


2. Comentário do nosso editor LG ao poste P27032 (*).


Não foi suicídio, mas também não terá sido simples "acidente com arma de fogo", garante-me o conterrâneo e vizinho do Albino Cláudio, o nosso grão-tabanqueiro Carlos Silvério, ex-fur mil at cav, CCAV 3378 (Olossato, 1971/73)...

"A história estaria mal contada", disse-me ele ao telefone... Ele falou com familiares do Cláudio, em  Ribamar, e com outros militares na Guiné, no seu tempo. Ele tem outra versão, ouvida no Olossato...

Segundo ele, o Cláudio, àquela hora, 7 da manhã, não ia entrar de serviço, mas, sim, acabava de chegar de uma operação no mato... E que a essa hora não se limpavam armas...E que as duas testemunhas ouvidas pelo alferes que elaborou o auto, o Matos Almeida,  não eram testemunhas "oculares", nenhum delas viu o acidente ou o momento fatal:

(i) o 1º cabo Cipriano Martins Silva às 6:50 viu o Albino "limpar a arma", já que ia "entrar de serviço às sete horas" (sic);  ouviu o tiro quando já estava no refeitório para tomar a refeição da manhã; viu, isso sim, o oficial de dia sair do refeitório, correr para a caserna e fazer transportar o sinistrado para o posto de socorros;

(ii) o sold Joaquim Moreira estava de saída, à porta da caserna, ouviu o tiro, voltou a entrar na caserna, encontrou o sinistrado caído no chão, com a arma ao lado, e a esvair-se em sangue...

O Carlos Silvério estranha ( e eu também) não ter sido aparentemente ouvido, como testemunha, o oficial de dia, que foi quem assistiu o ferido e fez a participação da ocorrência ao comandante. Estava no refeitório quando ouviu uma detonação.

Estranha-se, ainda, que as duas testemunhas reforcem a ideia de que não foi suicídio: o 1º cabo Silva já tinha ouvido, algumas vezes, ao Cláudio dizer que quando passasse à disponibilidade iria "construir uma casa e casar-se" (estavam ainda todos no início da comissão, com apenas 2 meses e meio...); como quem diz: "quem quer casar-se, não vai matar-se"...

O sold Moreira diz, por sua vez, que o Cláudio "não se matou propositadamente" (sic), "era uma pessoa pacata e sem problemas" (sic).

A certidão de óbito é clara: "a causa principal da morte foi o ferimento perfurante na caixa torácica"...

Ota, ninguém limpa a arma ( e muito menos a G3) com o cano apontado ao peito... 

O Comando Militar do CTIG quer esclarecer todas as dúvidas: "se foi acidente ou suicídio" (sic)... E acabará por escrever no seu despacho, o Comandante Militar: "Sou de parecer que deve ser considerado ocorrido por motivo de serviço o desastre sofrido por este militar (...)".

Sabemos que na tropa não havia suicídio nem homicídio: para todos os efeitos, só havia, no nosso tempo,  mortes  por: (i) ferimento em combate; (ii) motivo de doença: ou (iii) acidente (incluindo com arma de fogo).

Ponto final parágrafo


PS - Ainda segundo o informação do Carlos Silvério, a namorada do Albino Cláudio acabou, naturalmente, por casar com outro e emigrar para o Canadá. 

Por outro lado,  e segundo consta no livro do Jaime Silva, "Não esquecemos..." (Lourinhã, Câmara Municipal da Lourinhã, 2025, pág. 181), na altura em que foi feito o espólio, um camarada do Claúdio lembrou  um desejo seu: se "viesse a falecer em combate" (...), "o fio em prata (contendo uma) pequena medalha", deveria ser " entregue à sua namorada".

________________

Guiné 61/74 - P27034: Efemérides (463): No passado dia 28 de junho de 2025, a Comissão dos Antigos Combatentes de Barroselas – Viana do Castelo, homenageou os antigos combatentes vivos e falecidos (Sousa de Castro)

A COMISSÃO DOS ANTIGOS COMBATENTES DE BARROSELAS, HOMENAGEOU OS SEUS COMPANHEIROS VIVOS E FALECIDOS

No passado dia 28 de junho de 2025, como vem sendo hábito desde 2001 aquando da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, a Comissão dos Antigos Combatentes de Barroselas – Viana do Castelo, homenageou os antigos combatentes vivos e falecidos.

Às 11:00 horas hasteamento da Bandeira Nacional no mastro junto ao monumento, seguido de missa na Capela de S. Sebastião da mesma localidade. Após término da missa, junto ao monumento usaram da palavra, para além de um antigo combatente de seu nome Rogério Pereira, o sr. Presidente da Junta de Freguesia, Rui Sousa e a vereadora da Câmara Municipal de Viana do Castelo, Fabíola Oliveira.
Seguidamente foi colocado na base do monumento uma coroa de flores ao som do toque de silêncio pelo agrupamento 85 dos Escuteiros de Barroselas.


FOTOGALERIA
_____________

Nota do editor

Último post da série de 15 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27018: Efemérides (462): No passado dia 12 de Julho de 2025, a União das Freguesias de Lavra, Perafita e Santa Cruz do Bispo, do Concelho de Matosinhos, homenageou os seus Combatentes mortos na Guerra do Ultramar (Núcleo de Matosinhos da LC / Carlos Vinhal)

Guiné 61/74 - P27033: Os nossos seres, saberes e lazeres (690): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (213): Uma deriva no Atlântico, a flamejante, trepidante, contemporaneidade na Arte (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Maio 2025:

Queridos amigos,
Trata-se de uma exposição permanente a ver no Centro Cultural de Belém, mas apresentada como exposição permanente em permanente transformação, fala-se no Atlântico, sobretudo a partir dos meados do século XX, verdadeiramente um espaço de trânsitos e exílios. Um dos aspetos marcantes da exposição é pôr o confronto entre os artistas portugueses e os demais, gera no visitante uma tremenda inquietação, parece que foi deliberado dar saltos cronológicos, obrigar o visitante a ir atrás , à procura de amarras nesta deriva que mete pintura, escultura, desenho, instalação e artes gráficas, é um percurso em ciclorama, para não nos esquecermos que na arte estão plasmadas as transformações sociais, artísticas e tecnológicas. Exposição a não perder, prometo que não haverá deceções com a altíssima qualidade da apresentação destas belíssimas obras de arte.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (213):
Uma deriva no Atlântico, a flamejante, trepidante, contemporaneidade na Arte


Mário Beja Santos

Mais do que um espetáculo para os sentidos e um desfrute estético, a exposição Uma Deriva Atlântica. As artes do século XX a partir da Coleção Berardo, tendo como curadora Núria Enguita, diretora artística do Museu da Arte Contemporânea e Centro de Arquitetura do Centro Cultural de Belém implicam o visitante a procurar permanentemente as ligações num tremendo caleidoscópico de obras de arte, apercebendo-se rapidamente que a cronologia dos movimentos artísticos de toda esta plástica é coisa inexistente. Aliás, como se pode ler na abertura da exposição, temos aqui um arco temporal de 1909 a 1977, há como que uma provocação ou um desafio, a exposição tende a desarrumar ideias feitas, pois dissocia as referências e as formas artísticas: “Segue uma cronologia inconstante, mostrando ligações e confrontos entre as margens europeia e americana para indicar possíveis relações e derivas por vezes esquecidas ou ausentes da história de arte. Enquanto remontagem da coleção permanente, Uma deriva atlântica apresenta uma seleção de artistas portugueses e internacionais, entre pintura, escultura, desenho, instalação e artes gráficas, assim se exprime a arte na história do mundo e se mostra a modernidade enquanto eclosão múltipla de importantes transformações sociais, artísticas e tecnológicas".

Há momentos em que nos sentimos numa sala de espelhos, entre Picasso e Amadeo de Souza-Cardoso, Lourdes Castro e Marcel Duchamp, Lucio Fontana e Ana Hatherly. Num total de 170 artistas, é um percurso que começa antes da Primeira Guerra Mundial e se estende até à descolonização da década de 1970. A exposição só foi possível com o concurso de várias coleções em depósito e com obras emprestadas. É, no mínimo, uma apreciação original entre o que de mais incendiário se produziu na Europa e na América do Norte, ficamos perplexos com esta viagem das ideias estéticas, os trânsitos e os exílios, as novas afinidades geopolíticas, tudo como tendo berçário aquela Paris de cubistas, expressionistas, futuristas. Importa não esquecer que Amadeo de Souza-Cardoso, antes da guerra, expôs em Chicago, conjuntamente com alguns dos nomes mais sonantes das artes plásticas do seu tempo. Sugiro ao leitor que não perca esta exposição.

Não há que enganar, é um mobile de Alexander Calder, conheci esta obra de arte quando a Coleção Berardo assentou arraiais no antigo Casino de Sintra, a partir daí não o perdi de vista.
Sem título (Ponte), de Amadeo Souza-Cardoso, c. 1914. Observo a José-Augusto França que o melhor do génio do pinto de Manhufe se situa entre 1916 e 1917, mas olhando esta ponte persente-se o gérmen cubista, que ele soube tratar de uma forma muito singular.
Obras de Lyubov Popova.
No panorama artístico russo do começo do século XX, Lyobov Popova destaca-se pela procura de um vocabulário artístico que respondesse aos princípios do construtivismo a partir da pintura. Para Popova, a construção pictórica, entendida como “composição” de planos, era precursora da verdadeira construção tridimensional. Nas suas pinturas e colagens, mas também no trabalho em design têxtil, abordou a forma geométrica através do dinamismo e contraste que é criado pelas inter-relações entre formas semelhantes ou diferentes.
Tête de femme, por Pablo Picasso, 1909.
Tête de femme é um exemplo claro dos estudos que Pablo Picasso fez na procura da representação de tridimensionalidade por meios pictóricos, dando a ver diferentes perspetivas ao mesmo tempo. Aqui é possível observar múltiplas facetas que definem a cabeça da figura feminina, bem como um uso da cor e do traço que vinca e fragmenta superfícies. As zonas distintas que compõem o rosto e a definição dos seios compõem formas geométricas nítidas, constituindo uma espécie de grelha que se permite ao artista concentrar a sua atenção na estruturação formal do espaço, construída a partir da sobreposição de vários planos.
La petite, de Eduardo Viana, 1916.
É uma das personalidades mais apaixonantes do modernismo português, simultaneamente atraído por formas novas, tratando na sua pintura quer temas populares, mostrando em retratos a verdade do retratado, os seus nus opulentos foram um ponto de partida para essa longa viagem da desconstrução da figura.
Autorretrato, de Sonia Delaunay, 1916.
Apaixonou-se por Portugal, tal como o marido, Robert Delaunay, ele é sempre tratado como artista mais inovador do que ela, mas estes discos encantatórios, esta vibração da cor, são lhe muito próprios, vê-se e prontamente se diz: é da Sonia, não pode ser de outra pessoa.
Composição (amarelo, preto, azul, vermelho e cinzento), por Piet Mondrian, 1923. Temos poucos quadros deste gigante da pintura mundial, quando procuro deliciar-me com a trajetória de Picasso, Matisse e Mondrian, o meu coração balança, é fascinante tudo o que este holandês produziu, cedo remexeu nas formas e abandonou o figurativismo, viveu entusiasmado com a associação entre a arte e a arquitetura e nos últimos anos da sua vida injetou na telas estes quadrados de código labiríntico.
O abismo prateado, por René Magritte, 1926. Não há surrealista como ele, ponto final.
Hospital de bonecas, por Fernando Lemos, 1949-1952. Lemos ficará na história da arte portuguesa como um fotógrafo surrealista ímpar.
Conchas flores, por Max Ernst, 1929. Sim, é um dos génios do surrealismo, mas pôde gabar-se de tudo ter procurado experimentar, desde a fulgência das cores até ao imprevisto das formas, obriga-nos a interrogar onde está a concha ou se esta não passa de um botão de flor naquele enigmático fundo de horizonte.
O poeta diverte-se, ou o poeta e a sua musa, por Mário Botas, 1978. Ainda bem que os organizadores da exposição se lembraram desta figura invulgar do surrealismo português, olho para estas figuras e só vejo tormento, Botas era médico e não tinha ilusões da doença devastadora que o liquidou. Para esta inolvidável exposição escolhi o Botas e esta sua forma de olhar a vida e do destino que lhe coube.
_____________

Nota do editor

Último post da série de 13 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27013: Os nossos seres, saberes e lazeres (689): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (212): Um dia na rota da cereja, Fundão e Castelo Novo (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27032: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (3): Albino Cláudio (1946-1968), sold at inf, CCAÇ 2368 / BCAÇ 2845 (1968/1970), natural de Ribamar: vítima de acidente com arma de fogo, em Bissorã, em 23/7/1968 - Parte I: nota biográfica e circunstâncias da morte


Albino Cláudio (30.05.1946 – 23.07.1968), sold at inf, CCAÇ 2368 (Cacheu, Bissorã, Teixeira Pinto, 1968-70)

Crachá da CCAÇ 2368 / BCAÇ 2845 "Feras" (Fortes e Altivos")


Localidade do falecimento - Bissorã, Guiné

Soldado atirador infantaria nº 1135736/67

Naturalidade - Ribamar, Lourinhã

Local da sepultura - Cemitério de Santa Bárbara, Marquiteira


_________________

1. REGISTO DE NASCIMENTO


Albino Cláudio nasceu a 30 de maio de 1946, às 8 horas, no lugar de Ribamar, então freguesia de Lourinhã.

Era filho legítimo de Artur Cláudio, de 38 anos, casado e jornaleiro, e de Jacinta da Conceição, 33 anos, casada, doméstica, ambos naturais da freguesia e concelho da Lourinhã e domiciliados no lugar de Ribamar. Neto paterno de Manuel Cláudio e de Maria da Conceição, ambos falecidos, e materno de Januário Feliciano (falecido) e Luzia de Jesus.

O registo de nascimento foi efetuado pelo pai, às onze horas e quinze minutos, de 13 de junho de 1946, teve como testemunhas Manuel Pereira, casado, moleiro, morador em Pregança, e Mateus Baltazar, solteiro, empregado de comércio e residente na Lourinhã, sendo assinado pelas testemunhas e não assinado pelo declarante por não saber escrever.

A importância dos emolumentos foi de seis escudos e a dos selos devidos pela parte de três escudos. Registo de nascimento n.º 272, efetuado a 13 de junho de 1946 na Conservatória do Registo Civil da Lourinhã.


2. REGISTO MILITAR


Recenseamento: recenseado pelo concelho e freguesia de Lourinhã sob o nº 8 em 1966, solteiro, com a profissão de marítimo,  pescador.

Tinha como habilitações literárias o 1º grau (3ª classe) do Ensino Primário Elementar e morava em Santa Bárbara,  Ribamar.

Inspeção militar: alistado em 21 de julho de 1966 com o número mecanográfico nº 113573/67. Media 1.66 m de altura, cabelo castanho, olhos azuis, pesava 67 quilos. Foi apurado para todo o serviço.

Colocação durante o serviço: foi incorporado em 23 de outubro de 1967, como recrutado, no RI 10 (Aveiro) na 1ª Companhia. A 04.12. 67 tomou parte nos exercícios de campo da 8ª semana de Iinstrução Básica (IB) /1º ER/67; 20.12.67 Jurou Bandeira; 23.12.67 termina a IB (Recruta); 02.01.1968 marchou para o BCAÇ 10 (Chaves), sendo aumentado ao efetivo do Batalhão e da 2ª Companhia.

Em 03.02.68 fica Pronto da Especialidade de Atirador.

Unidades onde prestou serviço: RI 10 (Aveiro), 23.10.67. BCAÇ10 (Chaves), 02. 01. 68

2.1. Comissão de serviço no ultramar, Guiné

Mobilizado: em 09. 02. 68 nos termos da alínea e) do artº 3º do Dec. 42937 de 22.04.1960 para servir no ultramar, sendo transferido para a CCAÇ 2368. 


Embarque: em Lisboa a 1 de maio de 1968 com destino ao CTIG, fazendo parte da CCAÇ 2368.


Desembarque: Bissau a 7 de maio 68 desde quando aumenta 100% ao tempo de serviço.


Data do falecimento: 23.07.1968


Causa da morte: acidente com arma de fogo


Local do acidente: Bissorã.


Abatido ao efetivo: nos termos das NEP/Pessoal – III – I Pág. 9 – F. 4a. Da 1ª Rep/QG/CTIG, é abatido ao efetivo desta Subunidade (CCAÇ 2368), desde 23 julho 1968, por morte de acidente com arma de fogo (OS 2 de 27.07.68), desde quando deixa de contar 100% de aumento do tempo de serviço.

2.2. Registo disciplinar: condecorações e louvores:


Medalha: de segunda classe de comportamento (Artº 88.º do RDM) é-lhe atribuída em 25 de outubro de 1967.

3. PROCESSO DE AVERIGUAÇÕES AO ACIDENTE: ANOTAÇÕES E CONTEXTO

Participação do acidente: no dia 23 de julho de 1968 o Oficial de Dia, de serviço à CCAÇ 2368, pertencente ao BCAÇ 1915, aquartelado em Bissorã, participa ao seu Comandante de Companhia as circunstâncias do acidente: 


- Que “pelas 7.00 horas da manhã quando me encontrava a assistir à primeira refeição na qualidade de Oficial de Dia, ouvi uma detonação na caserna e acorri lá imediatamente tendo deparado com o soldado nº 113573 67, Albino Cláudio, caído à entrada da caserna e com o sangue a sair abundantemente por uma ferida no peito, o que me levou a chamar prontamente o médico e alertar o Comandante de Companhia ao mesmo tempo que providenciava o seu transporte para o Posto de Socorros.


São testemunhas da ocorrência o soldado nº 11485267, Joaquim da Cunha Moreira e o soldado nº 11699667, Cipriano Martins da Silva”.



A 24 de julho de 68, o Comandante do BCAV 1915 ordena que o alf mil António de Matos de Almeida proceda ao respetivo processo por acidente com arma de fogo.


-A 25.07.68 o alf mil  Almeida interroga as duas testemunhas mencionadas que declaram para os autos:


1.ª testemunha, o 1º cabo Atirador Cipriano Martins Silva, casado, de 22 anos de idade, natural de Oliveira Santa Maria, concelho de Famalicão, após juramento, declarou:


“Que no dia 23.07.68, uns dez minutos antes das 7.00 horas, vira o sinistrado a limpar a arma, pois iria entrar de serviço às sete horas, que não viu o acidente porque foi para o refeitório tomar a primeira refeição, que, quando se deu o tiro, viu o oficial de serviço correr para a caserna e fazer transportar o sinistrado para o posto de socorros, onde foi assistido pelo médico, em vão, pois que acabou por morrer.


O sinistrado tinha dito algumas vezes aos amigos que, logo que passasse à disponibilidade,  se casaria e construiria uma casa com o dinheiro que já tinha no banco, pelo que pensa que o sinistrado não se tivesse suicidado”.


2.ª testemunha, o soldado atirador de infantaria, Joaquim Moreira, solteiro, de 21 anos de idade, natural da freguesia e concelho de Penafiel, após juramento, disse:


“que estava à porta da caserna quando ouviu um tiro dentro da caserna, que, entrando lá dentro, viu o sinistrado caído no chão com a arma ao lado e com muito sangue a sair-lhe do peito, que vira momentos antes o sinistrado a limpar arma. 


Disse ainda que pensa que o sinistrado não se matou propositadamente porque lhe parecia uma pessoa pacata e sem problemas”.


Certidão de óbito: a 23.07.68 no quartel de Bissorâ, o médico da Companhia confirma que “a causa principal da morte foi o ferimento perfurante na caixa torácica”.


Espólio:  relação de fardamento, calçado e outros haveres, pertencentes ao soldado Albino Cláudio: o comandante de companhia, capitão de infantaria Manuel Joaquim Sampaio Cerveira assina, em 27.07.68, a relação dos haveres elaborada pelo alferes António Matos e pelas testemunhas, furriel mil, António Pimenta Rodrigues e 1º cabo Victor Manuel da Costa.

Entre os diversos pertencentes, consta: “01 fio de prata contendo uma pequena medalha. Por declaração de camarada da praça falecida, soube-se que este em situação operacional declarara, se viesse a falecer em combate, que apenas desejava que o fio em prata que contém a pequena medalha,  fosse entregue à sua namorada”.


Dúvidas do Comando Territorial Independente da Guiné:


A 14 e 28 de agosto o Comando Territorial Independente da Guiné envia dois ofícios aos Comandantes do BCAÇ 1915 e da CCAÇ 2368 no sentido de se clarificar que: 

(i) “o Processo instaurado ao soldado Albino Claúdio é por desastre em serviço e não por acidente por arma de fogo”.

(ii)  (…) “e que além das provas testemunhais deve ficar bem esclarecido no Processo se a morte foi por acidente ou suicídio”.


Conclusão do Processo e despacho final do Comando Militar da Guine “Serviço da República, Ministério do Exército, Comando Territorial Independente da Guiné, Quartel General – 1ª Repartição, Processo – Por desastre em serviço


Mostra o Processo:


- Que em 23 julho 68, este soldado ao limpar a sua arma em virtude de ir entrar de serviço, disparou involuntariamente um tiro que o atingiu mortalmente;


- Que o certificado de óbito revela como causa da morte “ferimento perfurante na caixa torácica”;


-  Que segundo se investigou não há indícios de se ter suicidado;


-  Que está demonstrado o nexo desastre-serviço;


 O Processo foi organizado nos termos da Determinação 6ª da O.E. nº 8 – 1ª Série – 1965;


 Em face do exposto é parecer desta Repartição:


a) que o desastre deve ser considerado em serviço; 


b) dado que para o sinistrado adveio a morte, deve o processo, depois de despachado nos termos da Determinação 3º da O.E. nº 6 – 1ª Série 1966, ser enviado à RSP/DSP/ME-


Quartel General em Bissau 10 de dezembro de 1968; O Chefe da 1ª Repartição; Carlos Beirão, ten cor inf c/ CGEM.


DESPACHO: "Sou de parecer que deve ser considerado ocorrido por motivo de serviço o desastre sofrido por este militar e que motivou a sua morte, em 23 julho 68. O Comandante Militar”.

_________________


Nota do editor LG:


Último poste da série > 9 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26998: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (2): José Henriques Mateus (1944-1966), sold at inf, CCAV 1484 (Catió, 1964/1966) - II (e última) Parte: testemunhos de camaradas

Guiné 61/74 - P27031: Parabéns a você (2397): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 e CART 2732 (Bula e Mansabá, 1970/72)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 17 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27024: Parabéns a você (2396): Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-Alf Mil Paraquedista da 1.ª CCP/BCP 21 (Angola, 1970/72)

sexta-feira, 18 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27030: Notas de leitura (1820): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) - 3 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2025:

Queridos amigos,
Ciente que a investigação historiográfica carecia de bases científicas, Vitorino Magalhães Godinho irá definir que a heurística e a hermenêutica precisam de fontes, para pôr termo à história feita de alusões miraculosas ou de referência a documentos que ninguém põe em cima da mesa. Estas propostas de rigor já tinham sido avançadas por Alexandre Herculano, já estava denunciado a revelação de Cristo a D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique, a existência das cortes de Lamego, a multiplicidade de disparates da historiografia de Alcobaça. E para mostrar o que é trabalhar com fontes, levou Magalhães Godinho a enunciar documentação e a fazer comentários dizendo que era verdadeiro e falso. Décadas depois deste levantamento documental, o historiador deixa bem claro quais foram as molas reais do empreendimento de todas as estas navegações, e por ordem de grandeza, e não é de estranhar que os corifeus ideológicos do Estado Novo o detestassem, procurando mesmo silenciá-lo, ou ignorando-o. A verdade histórica veio ao de cima.

Um abraço do
Mário



Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 3

Mário Beja Santos

Não é demais enfatizar que foi Vitorino Magalhães Godinho quem introduziu novos rumos científicos para a investigação histórica. Nesta obra intitulada "Documentos sobre a Expansão Portuguesa", o historiados dirá claramente quais são as fontes para o estudo da história da expansão nos séculos XIV a XVII, estas constam de fontes narrativas (crónicas e relações), fontes diplomáticas (diplomas régios, diplomas emanados de entidades com direitos senhoriais, bulas pontifícias), documentos diversos (vão desde instruções e correspondência oficiais a documentos particulares), obras técnicas (roteiros, regimentos náuticos e tratados cosmográficos e náuticos) e fontes cartográficas. Fará um desenvolvido comentário quanto à especificidade destas fontes e, em jeito de conclusão dirá algo que continua a ser importante reter:
“Os descobrimentos e a colonização são um vasto movimento social e cultural que suscita problemas históricos bem mais complexos do que a simples data de uma viagem, prioridade de uma descoberta, virtudes de um dirigente. Tem de ser focado da perspetiva universal, como obra de cooperação e concorrência, na multiplicidade das suas diretrizes, na diversidade das necessidades económicas e tendências ideológicas. A náutica dos séculos XV e XVI construiu-se sobre a navegação mediterrânea, a agulha, as cartas de marear, sobre os instrumentos e teorias que vinham dos gregos, sobre as tábuas elaboradas por judeus, sobre as aquisições de técnica naval, como por exemplo o leme, sobre a perícia no mar de genoveses e catalães. Esta amalgama foi utilizada segundo as necessidades sociais e as sugestões ideológicas de Portugal e da Europa, em ação e reação com a realidade dos outros continentes. É a fase do desabrochar do capitalismo comercial em conexão com as transformações do senhorio fundiário, e ambos integrados na estruturação de um Estado que nascera da economia urbana, mas ultrapassara a cidade como núcleo político.”

Os documentos recolhidos pelo historiador prendem-se com navegações do século XIV, a conquista Ceuta, a Relação de Diogo Gomes, a análise da atividade do Infante D. Henrique, o povoamento das ilhas da Madeira e Porto Santo, a questão político-diplomática posta pelas Canárias, o povoamento dos Açores, a navegação entre o Cabo Não até à Pedra da Galé. Tome-se agora em consideração as referências que Duarte Pacheco faz no capítulo XXII do Esmeraldo à obra do Infante D. Henrique:
“A razão não sofre que nós calemos aquelas coisas as quais, por serem verdade, o coração deseja dizer, como o virtuoso Infante D. Henrique sendo com El-Rei seu pai na tomada da grande cidade de Ceuta que por bravo combate contra os Mouros pela Porta de Almina foi a entrada, o Infante exercitou ali tão esforçadamente a fortaleza do seu coração; no qual lugar mereceu o excelente grau do estado militar que lhe então foi dado, que por tais feitos aos esforçados barões por obrigação é devido; e passados alguns anos depois de Ceuta ser tomada e El-Rei seu pai finado, ele fez no Cabo de São Vicente que por outro nome antigamente Sacro Promontório se chamava, a sua vila de Terça Naval situada sobre angra de Sagres, que hoje em dia ali está fundada; onde se apartou com sua casa das fadigas e maldades deste mundo e viveu sempre tão virtuosa e castamente; e com outras virtuosas obras, sendo então governador do mestrado de Cristo desses Reinos, sua vida ali passou em tal extremo de bondade.

Outras muitas coisas podemos dizer deste príncipe; somente é para escrever a causa que moveu a descobrir estas Etiópias de Guiné, de que principalmente tratamos; e como quer que os virtuosos barões amigos de Deus e de limpo coração, inimigos da cobiça, nunca são desamparados da graça do Espírito Santo, jazendo o Infante uma noite em sua cama lhe veio a revelação como faria muito serviço a Nosso Senhor descobrir as ditas Etiópias; na qual região se acharia tanta multidão de novos povos e homens negros, quanta do tempo deste descobrimento até agora temos sabido e praticado; cuja cor e feição e modo de viver alguém poderia querer, senão os houvesse visto; e que destas gentes muita parte delas haviam de ser salvas pelo sacramento do santo batismo, sendo-lhe mais dito que nestas terras se acharia tanto oiro como outras tão ricas mercadorias, com que bem e abastadamente se manteriam os Reis e povos destes Reinos de Portugal, e se poderia fazer guerra aos infiéis inimigos da nossa santa fé católica.

Bem-aventurado é o Infante D. Henrique e bem-aventurados são os Reis de Portugal que suas vezes sucederam. A qual navegação começou o Infante por serviço de Deus pelo Cabo Não para diante; e tanto que a estes Reinos foram trazidos os primeiros negros e por eles sabida a verdade da Santa Revelação, logo o Infante escreveu a todos os Reis cristãos que o ajudassem a este descobrimento e conquista por serviço de Nosso Senhor; pelo qual o Infante mandou ao Santo Padre, o Papa Eugénio IV, Fernão Lopes de Azevedo fidalgo da sua casa e do Conselho de El-Rei D. Afonso V, Comendador Mor da Ordem de Cristo; e assim como por Deus foi revelado e mostrado ao virtuoso Infante este maravilhoso mistério escondido a todas as outras gerações da Cristandade, assim quis que por mão do seu vigário, e assim por outros Padres Santos com suas bênçãos e letras a conquista e comércio destas regiões até ao fim de toda a India lhe fossem dadas e outorgadas; e com este fundamento deu princípio à obra, deixando este virtuoso Príncipe para sempre a dizima de todos os frutos e novidades que em cada um ano rendessem as ilhas da Madeira e dos Açores e de Santiago, e vintena de tudo o que se em Guiné resgatasse e a estes Reinos trouxesse ao dito mestrado de Cristo em satisfação e pagamento de algumas rendas que do dito mestrado houvessem, sendo ele governador, que no descobrimento destas terras e ilhas despendeu.”


Vitorino Magalhães Godinho ao comentar este texto distingue as razões apresentadas por Duarte Pacheco das de Zurara quanto às motivações do Infante para se lançar neste empreendimento das navegações. Recorda que não corresponde à verdade histórica a referência do apelo feito pelo Infante aos outros Príncipes Cristãos e promessa de partilha de vantagens. É verdade que a Ordem de Cristo recebeu a vintena dos extratos da Guiné; e deve-se reter que segundo Duarte Pacheco o termo inicial dos descobrimentos foi o Cabo Não.

Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011)

(continua)
_____________

Notas do editor:

Vd. post de 11 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27003: Notas de leitura (1818): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 2 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 14 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27016: Notas de leitura (1819): "Guiné Destino Imposto", por Rui Sérgio; 5livros.pt, 2020 (Mário Beja Santos)