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sábado, 1 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27374: O segredo de... (52): Luís Graça & Humberto Reis (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, mai 69 /mar 71): Op Noite das Facas Longas, em que nem o pobre do "Chichas", a nossa mascote, escapou do tiro na nuca...






Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) >CCAÇ 12 (1969/71) > c. 1969 >Três participantes da Op Noite das  Facas Longas (c. meados de 1970): de cima para baixo, (i) o Humberto Reis, fur mil op esp/ ranger (aqui à entrada da "suite" do  destacamento do rio Udunduma); (ii) o Henriques (hoje, Luís Graça), fur mil arm pes inf (de chinelas e em tronco nu!); e (iii)  o Luciano Severo de Almeida (já falecido), fur mil at inf (os dois empunhando, para a fotografia, um LGFog, russo ou chinoca, um RPG2, que estava distribuído à milícia local, numa tabanca fula em autodefesa, muito provavelmente do regulado de Badora).

Falta aqui o major de artilharia, oficial de operações/ informações, e adjuntdo do comando do BART 2917, Jorge Vieira Barros e Bastos, de que não temos nenhuma foto. (Temos da esposa, na festa de Natal de 1970, imaginem!)

Em termos de créditos fotográficos, a primeira,  é do Humberto Reis. As duas seguintes,  do Arlindo T. Roda. 

Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


 1. É um segredo de polichinelo...Uma das primeiras histórias a ser aqui contadas no nosso blogue, logo nos primeiros tempos. Mas a autoria, moral e material, do "crime" (ou a participação na operação, a que chamámos a Op Noite das Facas Longas em meados de 1970, em Bambadinca, zona leste, região de Bafafá, Comando Territorial Independente da Guiné) tem de ficar aqui devidamente registada.  

 O Humberto Reis já há muito "confessou" que foi o "executante", logo o autor material do "crime"...Também era, tecnicamente falando,  o mais bem preparado de nós todos.  Era "ranger", de Lamego. Foi ele que, de pistola "Walther em punho, abateu friamente,  um a um,  todos os cães "turras" de Bambadinca. Nem o nosso pobre do "Chicas" escapou à mortandade, por suspeita de colaboração com o  "IN".  E, se bem recordamos, havia também um segundo animal de estimação, o Boby,  que também foi executado.

O major Bê Bê conduzia o jipe. E, por ser o mais graduado, terá sido o "autor moral do crime"... O  Luís Graça e o  Luciano Severo de Almeida  iam no banco de trás...  Foram "cúmplices". O Luís Graça dizia que não gostava de cães, mas era contra a pena de morte. O Luciano era o mais maluco dos quatro, queria era ação. 

Hoje não sabemos qual seria  a "moldura penal"... Na época havia um vazio legal: ainda não eram reconhecidos os "direitos dos animais" e nem mesmo os "direitos humanos" eram respeitados por todas as partes envolvidas na nossa "guerra a petróleo", como ainda hoje gosta de dizer o cor art ref António J. Pereira da Costa... 

Hoje, cinquenta e cinco anos depois, teríamos o Ministério Público à pega, a Sociedade Protetora dos Animais, mais o  Partido dos Animais e Natureza, e por aí fora. De qualquer modo, uff!,  "o crime já prescreveu"...

Não sei se algum dos quatro se foi confessar ao capelão, que era açoriano, o Puim. O Bê Bê não gostava dele, e os outros já não iam à missa desde a 1ª comunhão. Se fossem ao Puim, haveriam logo de levar a  rabecada: "Ó minha gente, mas o cão também é criatura de Deus!"... 

Mas... porquê "segredo de polichinelo", pergunta o leitor  ? É o oposto do segredo "bem guardado". A origem da expressão está ligada à personagem Polichinelo, um tipo cómico e astucioso do teatro de marionetes. A expressão sugere que o "segredo" é tão óbvio,  que caiu na praça pública,  só o personagem principal (o Polichinelo) é quem não o sabe. É como na história  do "marido enganado", o último a saber.
...

Uma operação daquela envergadura, às tantas da madrugada, com tantos tiros, correrias, ganidos e sangue, tinha que ser do conhecimento do comando do BART 2917. Aliás, o major Bê Bè fazia parte do comando... O "crime" ficou impune, mas os "suspeitos" tinham vários atenuantes: 
  • primeiro, os cães eram muitos, famélicos, vira-latas, tinhosos, barulhentos, um perigo para a saúde pública e sobretudo para a segurança da população e das NT; 
  • segundo, e mais grave, muitos deles teriam vindo das chamadas zonas libertadas do PAIGC com a secreta missão de sabotarem o nosso esforço de guerra, não deixando nomeadamente dormir os operacionais de Bambadinca; 
  • um terceira explicação (propaganda dos "tugas"...) é que os cães vinham às sobras do rancho de Bambadinca  porque rapavam fome nas suas tabancas de origem;
  • em quarto e último lugar,  o posto administrativo de Bambadinca (que pertencia à circunscrição de Bafatá) não tinha... "canil" e muito menos veterinário.

Ouçamos dois dos "protagonistas" desta história, que quiseram partilhar este seu "segredo"  que muita gente da Tabanca Grande ainda não conhecia (**):

(i) Luís Graça

Todas as terras por onde passámos têm pequenas/grandes histórias para nos contar. Sabemos pouco de cada uma, é verdade, afinal  o nosso tempo às vezes foi só de escassas semanas ou de um a dois meses...

Bolama, Contuboel, Cumeré, Fá Mandinga,  Mansabá, etc., sítios onde havia Centros de Instrução Militar (CIM), ou aonde se fazia a IAO, ou eram simplesmente locais de aboletamentento ou passagem.

Eu e o o Humberto Reis estivemos em Contuboel, pouco mais de mês e meio: literalmente de bivaque,  acampados, não havia instalações fixas para os 60 graduados e especialistas metropolitanos da CCAÇ 2590. Queixas havia muitas: insolação, cobras, lagartos, etc., mas não me lembro de haver cães vira-latas, barulhentos, famintos, tinhosos e, mais grave, "feitos com  o IN,"

O resto da comissão, cerca de 20 meses (de meados de julho de 1969 a meados de março de 1971) foi passado depois em Bambadinca, sede do sector L1, região de Bafatá. 

 Estivemos, é uma maneira de dizer: nem sempre dormíamos lá. A CCAÇ 2590/CCAÇ 12 era uma subunidade de intervenção, constituída por praças do recrutamento local (=100) e graduados especialistas de origem metropolitana (=60). Estivemos às ordens de dois batalhões: BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72).

As instalações eram boas. Recém-construídas pela engenharia militar. A messe era boa, Mas, lamentavelmente, havia muitos refugiados,  em Bambadinca. E com eles, muitos cães, famélicos e vadios, doentes, ruidosos... Não nos deixavam dormir, os cães vira-latas...

Um dia, às tantas da noite, depois de muitas noites de insónias e pesadelos,  pegámos num jipe, nas pistolas Walther, com balas derrubantes de 9 mm, e matámo-los todos... Em correria loucas pela parada.. Ainda hoje essa cena me incomoda... Chamei_lhe Op Noite das Facas Longas...Evoquei-a ou tentei exorcizá-la num dos meus poemas, Esquecer a Guiné:

(,...) Esquecer a Guiné... por uma noite!
As bombas de napalm
Carbonizando cada centímetro quadrado de vida,
Lá longe, em Sinchã Jobel,
Na ZI do Com-Chefe.

As insónias às três da manhã,
A hora mortal da madrugada.
Os famélicos cães vadios
Que um dia abatemos a tiro,
Um a um,
Depois de loucas correrias de jipe
À volta da parada.
No manicómio de Bambadinca.

Um a um,
Às tantas da madrugada,
Com tiros de pistola Walther na cabeça.
Sem dó nem piedade.
Pela simples razão
De que... não nos deixavam dormir.
A mim, a ti, ao major.
A todos nós, almas penadas...
Chamei-lhe a Operação
Noite das Facas Longas. (...)


(ii) Humberto Reis:

Já confessei, há vinte anos atrás, a autoria material do "crime" (*). Nessa noite nem o pobre do Chichas, que era a nossa mascote, a mascote da messe de sargentos, escapou da morte anunciada. 

Segundo esclarecimento que aqui deu, em 2005, ao meu camarada Luís Graça, e meu companheiro de quarto em Bambadinca, com a rudeza, franqueza  e a frontalidade que  ele me  conhece de há muito:

"O  cão, que dormia à porta do nosso quarto, era o Chichas, alcunha vinda do 2º sargento corneteiro do BCAÇ 2852, que também era o Chichas. 

"O condutor do jipe nessa Noite das Facas Longas era o major de operações do BART 2917 (o tal que mandou ir para lá a mulher quando se casou) e o assassino... fui eu".

Acrescente-se que quem ia atrás no jipe era o Luís Graça e o o Luciano Severo de Almeia (morreria, já depois da peluda, em circunstâncias trágicas, nunca esclarecidas)... Esse tal major era conhecido como o Bê Bê... Barros e Bastos: 

(i) na altura, era o OfInfOp/Adj do BART 2917, maj art Jorge Vieira de Barros e Bastos;

(ii)  dava-se relativamente bem com os "milicianos", os "nharros"  da CCAÇ 12 (até por que precisava deles para lhe defenderem as costas);

(iii) as nossas relações esfriaram muito,  depois da Op Abencerragem Candente (25-26 de novembro de 1970, subsetor do Xime);

(iv) nunca mais tive notícias dele: diz-me o Luís Graça que foi 2º comandante do BArt 6323/73, que esteve, em Angola, de maio de 74 a agosto de 1975, no subsetor de Zala, e depois em Malange; se for vivo (e esperemos bem que sim), deve ser cor art ref.; e, para ele vai, sem ressentimentos, um alfabravo.

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Guiné 61/74 - P27373: Os nossos seres, saberes e lazeres (707): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (228): Um aspeto da exposição, com uma museografia excecional, mostrando no centro e ao fundo uma imagem de Henry Moore (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Setembro de 2025:

Queridos amigos,
Estando em falta, venho me ressarcir. Talvez combalido pela operação que fiz ao ombro direito, em finais de fevereiro, não deixei de coscuvilhar esta ou aquela exposição, mas quanto à escrita andei um tanto na retranca, folheei muito Boletim Oficial da Guiné com a mão esquerda, com dezenas de sessões de fisioterapia isto vai indo ao sítio. Tratou-se de uma exposição empolgante, tanto a Fundação Gulbenkian, graças à sua secção no Reino Unido, como a Coleção Berardo, adquiriram obras de altíssima qualidade que mostram à saciedade o caráter transnacional das artes plásticas britânicas, como são iluminadas por movimentos de outros países e como contaminam artistas plásticos de outras nacionalidades. Sobretudo Londres atraiu bolseiros da Gulbenkian, nomes como Paula Rego, Bartolomeu Cid dos Santos, João Cutileiro, Graça Pereira Coutinho, Jorge Vieira, Sá Nogueira, Eduardo Batarda, entre muitos outros, são nomes que se podem incluir nesta trajetória de contaminações. Ademais, a exposição Ponto de Fuga tinha uma museografia excecional, lamento não ter feito este apontamento na hora própria.

Abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (104):
Lembranças de uma notável exposição dedicada à arte britânica… e portuguesa

Mário Beja Santos

Um aspeto da exposição, com uma museografia excecional, mostrando no centro e ao fundo uma imagem de Henry Moore

Entre março e julho de 2025, o Centro de Arte Moderna Gulbenkian apresentou na Fundação Gulbenkian uma exposição que mostra uma multiplicidade de geografias na arte do Reino Unido no século XX, evento que reuniu um importante núcleo de obras de arte britânica da Coleção do Centro de Arte Moderna e da Coleção Berardo.
Porquê o título Arte Britânica – Ponto de Fuga? Em 100 obras de 74 artistas, provenientes de sobretudo duas grandes coleções – Centro de Arte Moderna da Gulbenkian e a Coleção Berardo - completadas por relevantes empréstimos, provenientes do Reino unido e de França, é bem patente a miscigenação, a transferência transnacional que foi sempre um ponto alto da prática artística britânica do século XX. É não só uma arte em mudança como provocou mudança em grandes artistas plásticos portugueses, caso de Paula Rego, Menez, Bartolomeu Cid dos Santos ou Sá Nogueira. A exposição mostra como em plataforma de diálogo há trajetórias e experiências de emigração, vemos o abstracionismo e o ressurgimento da figuração e as muitas vertentes do realismo na cultura visual britânica dos finais do século XIX e todo o século XX. A grande tradição inglesa da paisagem – embora não seja um tema dominante – era dada pela presença de Turner. Enfim, procurava-se dar a ver nesta exposição como os artistas migrantes ou temporariamente deslocados têm sido fundamentais para todos estes movimentos, desempenhando um papel vital na formação e dinamização de diálogos – uma arte britânica que influencia e é influenciada – é arte do Ponto de Fuga.

Pintura de David Hockney, intitulada Pintura a Enfatizar a Imobilidade, 1962. Hockney é um dos mais famosos pintores vivos, desenvolveu a sua obra fora do âmbito da Arte Pop e a sua técnica pictórica permaneceu sempre alheia a modelos norte americanos. Atenda-se à sugestão de movimento, representada da direita para a esquerda, no sentido contrário ao da leitura, reforça a sensação de imobilidade, assim se realça a incongruência entre a imagem pintada e a realidade da pintura enquanto meio estético.
Henry Moore, Luar no Mar, 1888-91
Bridget Riley, Vaivém, 1964
Ben Nicholson, Pintura, Vermelho Cádmio, Limão e Cerúleo, 1936
Jack Smith, Criança a Escrever, 1954
Bartolomeu Cid dos Santos, O Navio dos Loucos, 1961. Interessado desde muito cedo pelo potencial da gravura, sobretudo pelas gradações de negro e pelos seus efeitos dramáticos, e com base na sua experiência de viagem por uma Europa devastada pela guerra, Bartolomeu Cid dos Santos comenta nas suas obras questões sociais e políticas. Através da construção de cenários enigmáticos e inóspitos, utiliza um repertório de figuras identificáveis ​​com feitos nacionais e uma igreja moribunda para transmitir uma mensagem crítica. Em "O Navio dos Loucos", satiriza a ideia de uma nação à deriva, caminhando cegamente para um conflito sem sentido, a guerra colonial.
Paula Rego, O Gigante Minsky, 1958
Reuben Mednikoff, Melodia Orgiástica, 1937
Leon Kossoff, Christchurch, Primavera, 1993
Paula Rego, As Vivian Girls como Moinhos de Vento, 1984. Em 1979, Paula Rego visita uma exposição no Hayward Gallery, onde vê aguarelas pintadas por Henry Darger que serviram para ilustrar o seu romance The Realms of the Unreal (1973), cujas rebeldes protagonistas eram as Viviam Girls. Rego deixa-se seduzir por estas personagens e pelas suas aventuras que lhe lembram a sua própria infância. A pintora retrata a inconstância emocional e a natureza contraditória destas crianças que lutam pela sua liberdade e autodeterminação, enquanto são capazes de se revoltarem umas contra as outras em atos de malignidade rebuscada. Talvez por esta razão as tenha retratado, humoristicamente, como “moinhos de vento”, pois são capazes de passar do mais inócuo acidente doméstico para a carnificina arbitrária.
Francis Bacon, Édipo e Esfinge segundo Ingres, 1983. O autor inspirou-se fielmente na composição do tema que Ingres desenvolveu em três versões de Édipo e a Esfinge, das quais uma se encontra na National Gallery, em Londres. Édipo já não ocupa o centro da pintura, como em Ingres. Vemo-lo no lado direito, deixando apenas visível uma parte de si ao centro: uma coxa e um pé com uma volumosa ligadura que sobe quase até ao joelho e apresenta duas grandes manchas de sangue. Enquanto em Ingres, Édipo é dominante, ocupando o centro, dominando a Esfinge, Bacon transforma o vencedor em derrotado.
Patrick Caulfield, Vista da Baía, 1964
Michael Craig-Martin, Observando, 1986. A sua obra investiga a relação entre objetos e imagens e a capacidade humana de visualizar formas ausentes através de símbolos. Criou um vocabulário de imagens em constante expansão, que formam a base da sua obra até hoje. Nesta pintura o artista retrata nove objetos isolados sob um fundo azul brilhante, dispostos livremente no espaço, com escalas e pontos de fuga diferentes. O título Observando chama-nos a atenção para o próprio ato de observar, levando o espetador a tomar consciência do quanto o simples ato de olhar interpreta e transforma os objetos.
Joseph William Turner, Quillebeuf, Foz do Sena, 1833. Figura cimeira da pintura britânica, Turner irá marcar gerações sucessivas de artistas, dentro e fora da Grã-Bretanha, devido à luminosidade e cor das suas paisagens. Esta pintura representa a povoação de Quillebeuf, no estuário do Sena, local que Turner visitou no decurso da década de 1820. Nela conjugam-se a observação naturalista com a memória e recriação sensitivas da realidade, que caracterizam a metodologia do artista. O resultado é um exercício emotivo de luz e cor, onde se reconhece a tendência para a eliminação progressiva das formas dissolvidas na atmosfera húmida da representação.
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Nota do editor

Último post da série de 25 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27352: Os nossos seres, saberes e lazeres (706): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (227): Do Alto Tâmega até Pedrógão Grande, acabou-se a semana de férias – 6 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27372: Manuscrito(s) (Luís Graça) (277): As andorinhas de Candoz na véspera da "grande viagem" para a África (subsariana, equatorial e até austral)


Vídeo. 0' 45''. Alojado em Luís Graça > You Tube



Vídeo: 2' 00'' . Alojado em Luís Graça > You Tube

Quinta de Candoz > Paredes de Viadores > Marco de Canveses > 11 de setembro de 2025. 15h40. Dia de vindimas. Tempo de trovoada. Calor e humidade. Milhões de insectos, centenas de andorinhas. Ambos, os insetos e as andorinhas, parece,  surgir do nada. Como na Guiné, no incío da época das chuvas. 

Antes de partirem para África, as andorinhas, com este festim, reforçam as suas reservas de proteína. Nunca nos tinhamos apercebido deste fenómeno.  

Vídeo: Luís Graça (2025)



Quinta de Candoz > 8 de abril de 2023



Quinta de Candoz > 6 de julho de 2023



Quinta de Candoz > 11 de setembro de 2024



Quinta de Candoz > 11 de abrul de 2025



Quinta de Candoz > 11 de setembro de 2025


 

Marco de Canaveses, Paredes de Viadores, Candoz, Quinta de Candoz > 23 de Agosto de 2012 > Fotograma de vídeo > Ninho de andorinha, insólito, construído à volta da lâmpada do hall exterior ou alpendre de uma das nossas casas (antiga "casa de caseiro", que deixou de ser habitada há muito)...

Aos 43 segundos vê-se uma andorinha entrar no ninho levando insetos para alimentar as crias, e 10 segundos depois a sair para mais uma "caçada" na (e ao redor da) Quinta de Candoz, que é rica em insectos... O ninho tinha sido recentemente reconstruído. As andorinhas caçam em círculo, num raio de 500 metros do ninho.

Vídeo (1' 07''): © Luís Graça (2012). Alojado em Luís Graça : You Tube

Fotos e vídeos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 
 


 1. O vídeo, que eu fiz em 2012, comprovava a existência de um família de andorinhas, que vinham todos os anos do norte de África, imaginava eu, passar as férias de verão e reproduzir-se em Candoz, na nossa quinta... Acabei / acabámos por manter um especial carinho por este ninho... Nunca, que eu tivesse reparado, nenhuma andorinha tinha feito ninho na nossa terra...no séc. XX.  Estas, tal como eu, chegaram e gostaram, voltando sempre...   

Mais tarde, num qualquer mês de junho em que estive em Candoz,  para surpresa e desgosto meus, dei conta que a "abóboda" do industrioso ninho tinha caído, possivelmente sob o efeito de alguma intempérie. Voltei, dois meses depois, a sorrir, quando dois mneses depois, em agosto, verifiquei   que o ninho tinha sido reconstruído e tinha novos inquilinos, seguramente descentes dos primitivos construtores .

 Moral da história: as andorinhas, mesmo aquelas que são mais "desalinhadas", mostram aos seres humanos que todos podemos ser ao mesmo tempo iguais, diferentes e únicos, e que isso só nos enriquece como espécie... Ah, tem outras qualidades, importantes nos tempos que correm, de feroz individualismo, chauvinismo, xenofobia, racismo, populismo, intolerância, arrogância etnocêntrica, belicismo: é leal, gregária, solidária, corajosa, persistente, vai à luta, não desiste... Parafraseando o Evangelho de Jesus Cristo, segundo Mateus (6: 26), tomemos como exemplo as andorinhas e demais aves do céu...


2. Em Candoz temos andorinhas.  Todos os anos nidificam lá.  Em vinte e tal, talvez até trinta anos, já devem ter nascido muitas. Morrido algumas.Emigrado todas. Quantas, ao fim destes todos ? Não sei. Só conheço um ninho. 

Só sei que as andorinhas nidificam no Norte do país, na Quinta de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses... Quantas ? Só temos esse  ninho, e o povoamento é disperso.

Pergunta o leitor, leigo, curioso: e nessa "grande viagem", intercontinental, vão para onde e quando ?

As andorinhas funcionam como nós, se acordo com  aos ciclos da natureza. No nosso caso, podemos dividir o no em dois solstícios, o do inverno e o do veráo. Afetam a maneira como vestimos, nois alimentamos, trabalhamos, vivemos, passeamos,  etc. As andorinhas são, como toda a gente sabe, um dos sinais mais alegres, para nós seres humanos,  da chegada da primavera e do outono (neste caso, um sinal de tristeza, com a sua partida para outras paragens, o longínquo Sul, a África subsariana).
 
As andorinhas começam a chegar a Portugal em fevereiro e março. Nascidas as crias, partem durante o mês de setembro (na sua grande maioria), Daí a expressáo popular: “És como a andorinha: vens e vais com as estações.”

Em Portugal nidificam em Portugal, incluindo no Norte, na Quinta de Candoz. Migram depois viajam para África subsariana onde passam o inverno.

Claro que não chegtam de uma só vez, em bando. A sua chegada prolonga.se por várias semanas."Uma andorinha não faz a primavera", diz o provérbio. "Nem por morrer uma andorinha se acaba a primavera".

As primeiras a chegar podem ser logo observadas no sul do país, no Algarve, por  finais de janeiro e ao longo do o mês de fevereiro. Como diz o ditado, : "Pelo São Brás (3 de fevereiro), a andorinha verás".

À medida que o tempo aquece e a disponibilidade de insetos (que são o seu alimento) aumenta, elas progridem para Norte. Na nossa Quinta de Candoz, é vè-las, a começar a andar à volta do ninho  partir de março/abril. Quase todos os anos, há trabalhos de manutenão/reconstrução. Que podem levar mais de uma semana,,,

Elas vêm até nós para nidificar. O clima ameno da primavera e do verão no suld a Europa oferece as condições ideais: abundância de insetos,  dias mais compridos para alimentar as suas crias, etc.

A espécie mais comum que vemos a fazer os ninhos de barro nos nossos beirais é a Andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica). Tem um peso médio que varia entre 16 e 25 gramas.  .

 As aves insetívoras, especialmente as que têm um voo tão ativo e acrobático como as andorinhas, possuem um metabolismo muito elevado e precisam de consumir uma grande quantidade de alimento para obter energia. A regra geral para muitas aves pequenas e ativas é que consomem uma quantidade de alimento próxima do seu próprio peso corporal por dia.

Com base em estudos de ornitologia e no metabolismo destas aves, um valor razoável para o consumo diário de uma única andorinha adulta é: entre 10 a 22 gramas de insetos por dia.

Este valor corresponde, aproximadamente, a 70-100% do seu peso corporal, o que é um feito energético extraordinário, mas biologicamente plausível.

confrontámos a nossa assistente de IA com este "dislate" ou "disparate"... A resposta, diplomática, veio logo a a sguir: "Onde a confusão pode ter surgido é ao considerar não o consumo individual, mas o esforço de caça de um casal para alimentar as suas crias"...

 É aqui que os números disparam:

(i) um casal: duas andorinhas adultas já consomem, juntas, entre 20 a 40 gramas de insetos por dia só para si;

(ii) as crias: uma ninhada típica tem entre 4 a 6 crias; nos primeiros dias de vida, as crias crescem a um ritmo alucinante e precisam de ser alimentadas constantemente; cada cria, essa sim, pode consumir uma quantidade de insetos equivalente ao seu próprio peso em desenvolvimento;

(iii) o esforço total: um casal de andorinhas tem de caçar o suficiente para se alimentar a si próprio de para alimentar as 4-6 crias famintas no ninho; o  esforço de caça do casal pode resultar na captura de uma massa total de insetos que pode facilmente ultrapassar as 80 ou 100 gramas por dia.

 Este esforço de caça traduz-se em centenas, ou mesmo milhares, de insetos (mosquitos, moscas, afídeos, etc.) capturados diariamente, o que faz das andorinhas um elemento fundamental e gratuito no controlo de populações de insetos e de eventuais pragas para o agricultor.

 Antes de partirem para o Sul, para a tal "grande viagem", há um processo de agrupamento curiosos:  a partir de finais de agosto e durante o mês de setembro, começa-se a a notar um comportamento diferente. As andorinhas, incluindo as crias já jovens e já capazes de voar, juntam-se em grandes bandos. É nessa altura que podemos vê-las pousadas em fios elétricos e de telefone, como que a preparar-se para a "grande viagem". Durante os meses anteriores, não têm um minuto para descansar. O seu ritmo de vida é alucinante!

No final do verão e início do outono, é comum observar a formação de enormes bandos de andorinhas. Estes aglomerados, que podem juntar milhares de indivíduos, têm como principal objetivo a alimentação intensiva. As aves aproveitam a abundância de insetos voadores para se alimentarem de forma contínua, voraz e eficiente, garantindo que acumulam a gordura corporal essencial para a travessia de milhares de quilómetros. 

Este comportamento gregário é uma estratégia de sobrevivência. Voar em grandes grupos oferece também proteção contra predadores e facilita a localização de áreas com maior concentração de alimento. Durante a própria migração, estes bandos fazem paragens estratégicas para descansar e reabastecer as suas reservas energéticas, continuando a sua jornada em busca de climas mais quentes e de alimento abundante.

A maioria destes bandos inicia a sua longa viagem para Sul durante o mês de setembro. Algumas aves podem partir um pouco mais tarde, mas em outubro já não vemos andorinhas em Candoz. 

 Todas elas têm o mesmo padrão migratório ancestral.O seu destino de inverno é a África subsariana. Atravessam Portual e a Espanha. A sua principal rota de saída  é através do Estreito de Gibraltar. Náo é preciso "dizer-lhes" que essa é a  mais curta  distância marítima entre o sul de Espanha e Marrocos. A partir daí, enfrentam outros obstáculos; a travessia do Saara até chegarem aos seus locais de invernada. De facto, elas não ficam no Norte de África. Atravessam o Deserto do Saara para chegar a zonas mais ricas em insetos, como a bacia do Congo e até mesmo a África do Sul. Absolutamente incrível!

É uma autêntica odisseia. É uma viagem duríssima e cheias de riscos.  de  milhares de quilómetros. É feita duas vezes por ano!...São guiadas pelo campo magnético da Terra, pela posição do sol e por outros instintos que a ciência ainda tenta compreender por completo.

 Quanto à sua alimentação....Claro, são insetos.  E quanto comem em média ? Não há estudos concludentes   sobre a quantidade média de gramas de insetos que uma andorinha come por dia em Portugal. No entanto, estudos gerais indicam que andorinhas, sendo aves insetívoras, consomem diariamente uma quantidade significativa de insetos para suprir suas necessidades energéticas, o que normalmente pode variar entre alguns gramas até cerca de 10 a 20 gramas de insetos por dia, dependendo do tamanho da ave, espécie e disponibilidade de alimento.

Para uma andorinha típica (que pesa entre 16 a 20 gramas), o consumo diário de insetos geralmente representa uma alta proporção do seu peso corporal, aproximadamente entre 10% a 20% do seu peso corporal diário, o que poderia equivaler, grosso modo, a cerca de 2 a 4 gramas de insetos por dia, em média.

Este valor é uma estimativa baseada em dados gerais de consumo alimentar de aves insetívoras de tamanho semelhante

3. O que podemos saber  mais sobre as andorinhas (ou como resumir o  que já dissemos atrás), recorrendo à nossa Wikipedia:

(...) As andorinhas são um grupo de aves passeriformes da família Hirundinidae. A família destaca-se dos restantes pássaros pelas adaptações desenvolvidas para a alimentação aérea. As andorinhas caçam insectos no ar e para tal desenvolveram um corpo fusiforme e asas relativamente longas e pontiagudas. Medem cerca de 13 cm (comprimento) e podem viver cerca de 8 anos. (...) 

"As fêmeas fazem uma postura de 4 ou 5 ovos, que depois são incubados durante cerca de 23 dias. Passado o tempo da incubação, nascem os jovens, cuja alimentação é feita por ambos os progenitores. 

"Quando a temperatura baixa, as andorinhas juntam-se em bando e vão à procura de locais da Europa mais quentes, indo também para o norte de África. Depois, quando a temperatura volta a subir, por volta da primavera, regressam novamente. Constroem as suas casas perto do calor, em pequenos ninhos normalmente colados ao tecto." (...)

(...) "Originalmente, a andorinha-dos-beirais [ 'Delichon urbicum'] construía os seus ninhos em falésias e cavernas. Ainda são encontradas algumas colónias em falésias, com o ninho construído sob uma rocha saliente, mas atualmente esta espécie usa sobretudo estruturas feitas pelo homem, como edifícios e pontes, de preferência junto à água. 

"Ao contrário da andorinha-das-chaminés, usa a parte exterior de edifícios abandonados em vez do interior de estábulos ou celeiros. Os ninhos são construídos na junção da parede com o beiral, ficando assim fortalecidos pela ligação a dois planos distintos.

"Regressa à Europa para nidificar entre abril e maio, e a construção dos ninhos ocorre entre o fim de março (no norte de África) e o meio de junho (na Lapónia). O ninho tem a forma de uma taça fechada com uma abertura estreita no topo e é feito com pedaços de lama colados com saliva, e forrado com palha, ervas, penas ou outros materiais macios. A sua construção demora até 10 dias e é levada a cabo tanto pelo pela fêmeacomo pelo macho.

"Frequentemente, o pardal-doméstico ('Passer domesticus') ocupa o ninho durante a sua construção, forçando a andorinha-dos-beirais a construir um novo. A abertura no topo do ninho completo é tão pequena que os pardais não conseguem ocupá-lo uma vez construído.(...)
 
"A andorinha-dos-beirais é mais gregária do que a andorinha-das-chaminés 
['Hirundo rustica'] estando habituada a viver e a migrar em bando, e tende a nidificar em colónias numerosas. Os ninhos podem inclusive ser construídos em contacto uns com os outros. Tipicamente, estas colónias têm menos de dez ninhos, mas há registos de colónias com milhares de ninhos. Cada postura possui habitualmente quatro ou cinco ovos brancos, com um tamanho médio de 1,9 x 1,33 cm e um peso médio de 1,7 g. A incubação dura geralmente de 14 a 16 dias, e é feita essencialmente pela fêmea. As crias recém-eclodidas são altriciais e necessitam de 22 a 32 dias, dependendo das condições atmosféricas, para abandonar o ninho" (...) (Fonte: Wikipédia)



4. Nenhuma assistente de IA (ChatGPT, Perplexity, Gemini...) conseguiu dizer-me  com segurança de que espécie era o ninho mostrado nas imagens e descrito na perguntei que lhes submeti.


Hirundo rustica
Cecropis daurica
Uma diz que é característico da espécie conhecida como andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica), mas o formato e localização sugerem que pode pertencer à andorinha-dáurica (Cecropis daurica), também chamada de andorinha-dos-beirais ou andorinha-dos-arcos.​



  • Andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica): costuma nidificar em locais abrigados como estábulos, garagens ou beirais, construindo ninhos de barro semicirculares abertos, normalmente apoiados numa saliência.​
  • Andorinha-dáurica (Cecropis daurica): nidifica frequentemente em estruturas humanas, como alpendres, mas o seu ninho tem forma de cabaça ou garrafa, com um longo túnel de entrada, como se observa nas imagens acima; utiliza barro misturado com saliva e prefere locais protegidos, frequentemente em habitações rurais pouco usadas (como é o caso do alpendre, na Quinat de Candoz).​

Reconstrução anual

Ambas as espécies costumam reconstruir e reutilizar os ninhos de barro todos os anos, especialmente se estes se mantêm estruturais e protegidos das intempéries e predadores.​ Mais recentemente verifiquei que o ninho de Quinta de Candoz  tinha sido "vandalizado" por um "ocupa", mais provavelmente uma "boeira"  ou ""lavandisca".

Por causa dos "ocupas", a andorinha tem de ter a liberddade criativa do arquiteto e o rigor milimétrico do engenheiro: o diâmetro do túnel de entrada do ninho tem de ser ajustado ao seu  corpo fusiforme... Elas entram no ninho em voo!... Mais nenhuma outra ave pode lá entrar, a não ser quando há ruína da construção devido, em geral, às intempéries. 

Conclusão

Com base na estrutura do ninho nas imagens, na localização (alpendre de casa não habitada) e no facto de ser reconstruído anualmente há quase 30 anos, trata-se muito provavelmente de um ninho de andorinha-dáurica (Cecropis daurica), espécie que tem vindo a expandir-se em Portugal nas últimas décadas, diferenciando-se da andorinha-das-chaminés pelo formato distintivo do ninho com túnel de entrada.


Pesquisa: LG + assistente de IA / ChatGPT, ​Perplexity, Gemini

Condensação, revisão / fixação de texto, negritos: LG


5. Excertos de poemas de Luís Graça, com referência às andorinhas de Candoz

(...) As andorinhas que por cá ficaram,
há mais de uma década,
parecem ser felizes.
São inteligentes, as andorinhas,
e fazem análises de custo-benefício,
como qualquer economista.
Passam todo o santo dia a caçar insetos
num raio de 500 metros à volta do ninho
que fizeram no alpendre de uma das casas
em redor do fio da lâmpada exterior.
É uma insólita construção,
herdada de geração em geração
e todos os anos retocada ou reconstruída.
Eu acho que já não voltam para o norte de África,
ficam por cá,
as andorinhas de Candoz.
Se calhar fogem de Alá,
do alvoroço do povo
e dos tiros das Kalash.
Afinal, a felicidade está onde nós a pomos,
mas nós nunca a pomos onde nós estamos.

Luís Graça (2014)


(...) Circadiana, a vida!...
E, se Deus quiser, a primavera há de chegar,
e com ela as cerejeiras em flor,
e os melros que vão pôr os seus ovos
nos arbustos de alecrim no caminho para a leira cimeira,
e as andorinhas que irão reconstruir o seu ninho
na varanda da casa de cima.

E trazem histórias de coragem,
as tuas andorinhas de torna-viagem,
vêm do norte de África, quiçá da Guiné,
e não precisam de passaporte,
nem de GPS, nem de código postal, nem de carimbo das alfândegas.
São heroínas, sobreviveram a mais um ano,
fogem da guerra, e das alterações climáticas,
sem o aval nem a ajuda do alto comissário para os refugiados,
ou a benção dos imãs
e dos demais representantes de Deus na terra.(...)

Guiné 61/74 - P27371: Parabéns a você (2427): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhala, 1973/74)

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Nota do editor

Último post da série de 11 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27306: Parabéns a você (2426): Benito Neves, ex-Fur Mil Cav da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67); Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74) e Patrício Ribeiro, ex-Fuzileiro Naval (Angola, 1969/72), Empresário na Guiné-Bissau

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27370: Notas de leitura (1857): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
A obra Ecos Coloniais é um exercício coletivo, os investigadores debruçaram-se sobre espaços, atores, instituições e símbolos em Lisboa que revelam a diversidade de reverberações contemporâneas do nosso período imperial e colonial. Inequivocamente, a vastidão destas memórias espalha-se por arquivos, instituições bancárias, esculturas singulares ou em monumentos, museus, palácios, ruas, acervos naturalmente ligados à história do império e da vida colonial, como é o caso da Sociedade de Geografia de Lisboa. Como escreve o historiador Miguel Bandeira Jerónimo, "Pensar seriamente os legados contemporâneos do colonialismo e, em parte, interrogá-los de forma sustentada e multifacetada, implica estender o escrutínio histórico aos momentos posteriores à abolição". É o que aqui fazemos, de forma muito resumida, convidando o leitor mais interessado a debruçar-se na leitura integral desta obra.

Um abraço do
Mário


Império e colonialismo: reverberações na Lisboa atual - 4

Mário Beja Santos

Ecos Coloniais resulta de um exercício coletivo de investigação sobre o património histórico e cultural, aqui se interrogam instituições, entidades, monumentos, obras de arte, palácios onde se interseccionam a história colonial e imperial portuguesa, do passado ao presente, edição ilustrada com fotografias de Pedro Medeiros e o acervo de textos tem a coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto, edição Tinta-da-China 2022. Logo na introdução, os organizadores referem que este levantamento é uma obra consciente e que há muito por investigar e por saber, importa evitar generalidades e simplismos mobilizadores para escapar aos engenheiros e empreendedores da “história” e da “memória”.

A que propósito nesta viagem nos devemos deter diante do quadro “Os Pretos de Serpa Pinto”, de Miguel Ângelo Lupi? Lupi celebrizou-se na pintura de retrato e foi professor na Academia de Belas-Artes de Lisboa. Passou por Luanda entre 1851 e 1853, nesse período realizou um conjunto de desenhos a lápis, giz branco e aguada que representam costumes locais, paisagens ou monumentos que analisam a presença portuguesa no território. No seu livro Como eu atravessei África (1881), Serpa Pinto refere Catraio e Mariana, esta possivelmente mulher dele. Serpa Pinto deu incumbências de responsabilidade a Catraio. Analisando este quadro que ficou incompleto, vê-se que as figuras estabelecem um diálogo visual que exclui o observador; as roupas da figura feminina, os adornos e a cesta surgem como uma espécie de marcadores culturais que reverberam as ligações entre o europeu e o africano, veja-se a utilização de tecidos e colares de missangas como moeda de troca ou presente nos contactos com as sociedades africanas.

Escreve a autora deste texto que a leitura desta pintura convoca a presença do passado na atualidade, permite chamar a atenção, por exemplo, para a estátua do Padre António Vieira erguida em 2017 fronte da igreja de São Roque; neste caso concreto do quadro de Lupi, a presença de duas figuras negras no acervo do museu é uma raridade, mas este material artístico possibilita que a sociedade pode pensar-se a si própria no contexto da sua diversidade e do seu passado histórico.

Viajamos agora para o Palácio Nacional de Sintra, onde trabalharam pessoas escravizadas. No inventário de despesas das obras realizadas em 1784-1787 constam os serviços de 12 homens negros; no final do século XIX, ainda se encontram sinais da presença negra neste Palácio, nomeadamente nas cartas enviadas ao Administrador da Fazenda da Casa Real, onde se fala claramente do serviço de pretos. O sinal mais visível da presença negra é no chamado Jardim da Preta como escrevem as duas autoras, “As peças de vestuário sugerem tratar-se da representação de uma mulher do século XVIII dedicada aos serviços domésticos. Junto dela está a figura de um homem branco, provavelmente um pajem. As duas figuras são particularmente expressivas e encenam um dia a dia marcado pelas desigualdades étnico-raciais e de género, onde a exploração laboral e a violência sexual marcam o quotidiano das mulheres negras e estruturam todo um modo de vida.”

A última itinerância de hoje é até ao Palácio Vale Flor, um edifício que até em determinado momento foi pensado para sede do Conselho de Ministros. Este Palácio e o seu conjunto (as antigas cocheiras, o jardim murado e a chamada Casa do Lago, um pavilhão de estilo oriental) é hoje um hotel de luxo no Alto de Santo Amaro, em Lisboa. O Palácio foi mandado dirigir por José Luís Constantino Dias (1855-1932), um conhecido roceiro de São Tomé e Príncipe. De Murça emigrou para África, em 1871. Ao fim de alguns anos, adquiriu a roça de Bela Vista, quando já explorava a roça Rio de Ouro. Enriqueceu, criou a Sociedade Agrícola de Vale Flor, adquiriu património em Portugal; por via do casamento, privou com a realeza, D. Carlos atribuiu-lhe o título de Visconde, tornando-o Marquês de Vale Flor, em finais de 1907.

O edifício que teve projeto do arquiteto veneziano Nicola Bigaglia, foi obra acabada do arquiteto português José Ferreira da Costa, é hoje Monumento Nacional. Em vida, o Marquês criou a Fundação Vale Flor e a sua viúva criou o Instituto Marquês Vale Flor. O Marquês, observa o autor deste texto, não foi apenas um roceiro, foi também um ator central de uma das atividades mais rentáveis associada aos projetos de expansão e consolidação nacionais. E o autor refere que a primeira década do século XX marcada por intensas e repetidas acusações sobre a existência generalizada de escravatura moderna, citando-se o caso do cacau de São Tomé e Príncipe. A legalização do trabalho forçado sucedera à abolição formal do tráfico de escravos e da escravatura.

Houve internacionalmente boicote ao cacau de São Tomé, o Marquês foi o primeiro subscritor de um documento enviado em 1911 ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português pelos “agricultores e outros interessados dos progressos das ilhas de São Tomé e Príncipe”. Aludiram estes subscritores à não veracidade das denúncias, houvera pequenos abusos e factos insignificantes, nada mais. Politicamente, ficou tudo na mesma, só se voltará a falar de São Tomé e Príncipe, em termos de brutalidade colonialista, aquando do massacre de Batepá, no início da década de 1950.

E finaliza o autor dizendo que “Escrutinar os sistemas e as sociedades escravocratas e as suas consequências não é o mesmo que interrogar as formações sociais que lhes sucederam, apesar de ser possível identificar inúmeras continuidades. Mas pensar seriamente os legados contemporâneos do colonialismo e, em parte, interrogá-los de forma sustentada e multifacetada, implica estender o escrutínio histórico aos momentos posteriores à abolição. As formas de dependência, desigualdade, exploração, marginalização e desumanização que lhe sucederam precisam de ser abordadas com o mesmo rigor, entre outras razões por que foram elas que propiciaram a formação histórica de algumas fortunas, a edificação do que é hoje considerado património cultural e histórico em Portugal e, sim, a reprodução de hierarquias sociais, económicas e políticas difíceis de combater, que resistem ao vagar da história, ainda que em circunstâncias diferentes”.

A viagem prossegue na Praça do Império, na rua do Poço dos Negros e na Sociedade de Geografia de Lisboa.

Retrato de Catraio e Mariana, conhecido por "Os pretos de Serpa Pinto", por Miguel Ângelo Lupi, c. 1879

“Excelente exemplar de uma atenção ao pitoresco que não fascinou Lupi, a avaliar pela quantidade de pinturas que realizou dentro do género, mas que aqui tem a particularidade de apresentar dois jovens angolanos, conhecidos por Catraio e Mariana, contratados por Serpa Pinto para o acompanharem na sua viagem de expedição científica à África Central, em 1879. Desempenharam um papel fundamental na concretização desta exploração geográfica, ao evidenciarem importantes cumplicidades, descritas no diário de Serpa Pinto, "Como atravessei África", publicado em 1881. O retrato, provavelmente encomendado por Serpa Pinto, encontrava-se no atelier do autor, em 1883, quando morreu.”

Esta citação foi retirada do site do Museu Nacional de Arte Contemporânea, com a devida vénia.
O explorador Serpa Pinto com alguns homens da sua confiança que o acompanharam do princípio ao fim
O chamado Jardim da Preta no Palácio Nacional de Sintra
Palácio Vale Flor

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 24 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27348: Notas de leitura (1855): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (3) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 27 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27357: Notas de leitura (1856): Escritos de médicos que viveram a guerra colonial (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27369: Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci... (Jaime Silva, ex-alf mil pqdt, BCP 21,Angola, 1970/72) (2): perante a hipótese Comandos, decido pelos Paraquedistas





Figura 1 > Estudo prévio para monumento em memória dos combatentes da guerra colonial (2005), Arq. Augusto Vasconcelos  (Fafe) (Fonte: Silva,  op. cit, 2025, pág. 7)




Capa do livro de  Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), 235 pp.



1. Com a devida vénia e autorização do autor, Jaime Bonifácio Marques da Silva (antigo alf mil pqdt, 1º CCP / BCP 21, Angola, 1970/72, conterrâneo do nosso editor LG; membro da Tabanca Tabanca desde 21/1/2024, com c. 120 referências no nosso blogue), passamos a criar uma nova série "
Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci..."

É natural de Seixal, Lourinhã. Foi condecorado com a medalha de Cruz de Guerra de 3* Classe. Foi professor de educação física e autarca em Fafe. Está reformado.

Segundo poste da série (que terá 15 postes, correspondentes a  excertos das pp. 75-98 do seu livro, Capítulo Dois).


Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci... 

2. Perante a hipótese Comandos, decido pelos Paraquedistas

por Jaime Silva


Eu não esqueci esse verão de 1968 em que terminava um ciclo de formação, isolado do mundo real, em que me inculcaram valores da salvaguarda da vida humana e respeito pelos outros, nomeadamente: “não matarás”.

 Acabara de sair voluntariamente pela porta nova do Seminário de S. Paulo em Almada. Porém, poucos meses depois, a 8 de janeiro de 1969, com 22 anos, sou obrigado a transpor uma nova porta. Desta vez, a porta de armas da EPI (Escola Práticva de Infantaria, em Mafera) para iniciar o Curso de Oficiais Milicianos (COM) e, com um único objetivo: treinar para fazer a guerra!

Quando, a 28 de maio de 1969, termino o COM é-me atribuída a especialidade de Atirador de Infantaria e, ainda, para surpresa minha e, porque nunca me tinha oferecido para nada na tropa, o comandante da minha companhia me integra no grupo de cadetes selecionados para se apresentarem no CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais), em Lamego.

Fiquei siderado! Nunca me tinha oferecido para nada na tropa, nem tentado destacar-me na instrução, em coisa nenhuma!

Vim a saber (e a perceber), mais tarde, que esta era uma prática recorrente nos cursos de oficiais milicianos. Os comandos tinham, também, como método, para suprir a falta de voluntários necessários para comandar os seus grupos de combate, selecionar os cadetes durante os cursos de oficiais milicianos, como relata, por exemplo, José Luís Sousa:

“(…) foi a 30 de outubro de 1971 que embarquei com destino a Luanda para fazer o curso de comandos. Esta tinha sido especialidade que o capitão da Academia Militar e dos Comandos, chegado a Mafra com a missão de selecionar de entre os instrumentos do 1.º Ciclo, me atribuiu e forçou sem remissão a seguir. Já tinha reagido interiormente a fazer tropa em Mafra, mas bem mais o fazia agora por ser obrigado a ir para os comandos.

(…) Entre ir avulso para a Guiné, que diziam a ferro e fogo, e seguir para Luanda a frequentar o curso, empenhar-me ia por Angola. Comando seria se o desejasse”. (Sousa, 2021:10)


No meu caso aconteceu que, no final dessa última formatura, na parada do quartel em Mafra, um dos meus amigos, também selecionado, consegue demover cinco dos cadetes selecionados a rejeitar a ida para os Comandos, a favor da opção Paraquedistas, com o seguinte argumento:

– Nós já não conseguimos escapar à mobilização para a guerra, por isso, é melhor oferecermo-nos para os Paraquedistas.

Enumerou, a favor da opção Paraquedistas  um conjunto de fatores muito mais favoráveis em relação à nossa ida para os Comandos em Lamego: fins de semana à 6.ª feira depois do almoço; melhor salário, acrescido de um subsídio de risco de salto, no valor de 500$00 após o término do curso, etc. 

Mas, o principal argumento era o seguinte: como os paraquedistas pertenciam à Força Aérea, esse facto, permitiria que tivéssemos sempre o apoio dos helicópteros no transporte para as operações no mato, além de termos apoio imediato, nos momentos mais difíceis, nos combates mais duros e nas evacuações dos feridos e mortos. 

E rematou: 

– Além disso, ainda vamos ter o prazer de saltar da porta de um avião em andamento, o que é fantástico!.

Vim a concluir, mais tarde, durante o curso, que tinha razão!…

Durante a guerra, vim a apurar que o meu camarada Peralta, expulso da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, após as greves académicas de 1968, estava bem informado e tinha razão.

Na verdade, no início da minha Comissão, o soldado Santos, do meu pelotão, pisou uma mina antipessoal, numa das primeiras operações de combate que comandei no Norte de Angola, ficando com a perna esquerda completamente esfacelada. Menos de trinta minutos depois, já o tínhamos conseguido evacuar num helicóptero e salvou-se.

A mesma sorte não teve o meu primo Arsénio, soldado pertencente a uma companhia do exército, que, na mesma zona, pisou, também, uma mina. Foi ao fim da manhã (cerca das 13 horas) que se deu o acidente e só, às quatro da tarde, teve o helicóptero para o evacuar para o hospital, onde veio a morrer!

Foi para não irmos para Lamego que, em julho de 1969, um grupo de cinco cadetes, vindo da EPI, deu entrada no RCP (Regimento de Caçadores Paraquedistas), em Tancos, para iniciar, durante mais oito meses, um novo ciclo de instrução militar, sempre com um único objetivo: treinar para a guerra 

– Instrução dura, combate fácil – era o lema!

Depois de uma fase de adaptação à filosofia de atuação das tropas paraquedistas, iniciámos, no RCP, o 52º curso de paraquedismo, vindo a terminá-lo a 29 de agosto, sendo-me atribuído o Brevet nº 7343. 

A 8 de setembro, seguiu-se: o Estágio de Aperfeiçoamento de Combate para oficiais e sargentos milicianos, o Curso de Instrução de combate, a 29 de outubro, e o Estágio de Nomadização que terminou em janeiro de 1970.

Após, mais este longo ciclo, passados treze meses de instrução militar, em janeiro de 1970, sou nomeado para prestar serviço no Batalhão de Caçadores Paraquedistas BCP 21, por imposição de serviço. Fomos todos mobilizados para a guerra de África.

No dia 18 de fevereiro de 1970, pelas 10 horas, embarcámos, conjuntamente com três alferes milicianos (Rosinha, Vítor Marques e Martins) e um do quadro permanente  (Sousa, da Academia Militar). Embarcámos no Aeroporto Figo Maduro em Lisboa, num avião DC 6, da FA, rumo a Angola, em rendição individual. Aterrámos na Base Aérea nº3, em Luanda, às 9 horas do dia seguinte. A partir desta data, “passámos a contar” 100% de aumento do tempo de serviço.

(Continua)

(Revisão / fixação de texto: LG)
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Nota do autor 

(#) Sousa, José Luís Costa -  Não à Guerra! Ser coamndo não quero. (Ed. autor, 2021)

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Nota do editor LG:

(*) Último poste da série > 29 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27363: Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci... (Jaime Silva, ex-alf mil pqdt, BCP 21,Angola, 1970/72) (1): A minha (im)possibilidade de desertar