quinta-feira, 7 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1821: Armamento do PAIGG (2): Mísseis terra-terra Katyusha ou foguetões 122 mm (A. Santos)



Guiné > Zona Leste > Sector L3 > Nova Lamego > 1973 (?) > Foguetão 122 mm, completo, apreendido ao PAIGC.

Foto: © António Santos (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do nosso camarada A. Santos, ex-Sold Trms, Pel Mort 4574/72, Zona Leste, Sector L3, Nova Lamego,1972/74.

Luís: Aqui estão as duas imagens do mesmo míssil que, segundo o Rubin (1), parece ser único (2).

A. Santos

2. Comentário de L.G.: Não sou especialista em armamento. Julgo, no entanto, tratar-se do míssil terra-terra Katyusha, mais conhecida entre as NT como foguetão 122 mm. De origem soviética, teria um alcance de 20 Km.

Fontes a consultar:

Wikipédia > Lista de equipamento militar utilizado na guerra do Ultramar

Guerra na Guiné - Os Leões Negros > CCAÇ 13 > Bolama > Katyusha > 3/11/69
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts recentes sobre este tópico (armamento do PAIGG):

27 de Março de 2007 > Gúiné 63/74 - P1628: Projecto Guiledje: fotografias de armamento e equipamento, das NT e do PAIGC, precisam-se (Nuno Rubim)

12 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1753: Diorama de Guileje, 1965/67 (Muno Rubim)

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1756: Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, aquando da visita de Américo Tomás (Bissau, 1968) (Victor Condeço)

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1764: Armamento do PAIGC (Nuno Rubim)

18 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1766: Guileje: A Bêbeda, uma Fox do Pel Rec 839 que ficará imortalizada no diorama (Nuno Rubim)

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1781: Ambulância do PAIGC, de fabrico soviético, capturada pelo Marcelino da Mata, em Copá (A. Santos)

(2) Sobre a utilização desta nova arma, o foguetão 122 mm, há já vários posts no nosso blogue:

2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (5): Foguetões 122 mm no Gabu

(...) " Maio de 1970: O Pel Rec, em Piche, continuava a sua actividade e a sofrer as flagelações do inimigo, agora com foguetões de 122 mm. Volta a acontecer, felizmente sem consequências, no dia 26 de Maio, depois de uma escolta aos Adidos Militares Estrangeiros que visitaram a Guiné. Ao chegar de Nova Lamego foram flagelados com foguetões de 122 mm" (...).

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1800: Álbum das Glórias (14): De Alferes (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67) a Capitão (CCAÇ 18, Quebo, 1970/72) (Rui Ferreira)

(...) "Guiné > Aldeia Formosa > CCAÇ 18 (1970/72) > 1971 > Os primeiros foguetões 122 capturados aos guerrilheiros do PAIGC. O Cap Mil Rui Ferreira, comandante da CCAÇ 18, é o elemento do meio, na fotografia" (...).

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

(...) O pessol fugiu, abandonando tudo lá, de Guileje, porque estavam a cair foguetões e granadas de canhão sem recuo, desfazendo padaria, depósito de géneros... O chão estava cheio de crateras , devido às granadas. Os militares de lá estavam há 96 horas debaixo de bombardeamento, sem beber nem comer (só algumas rações de combate que conseguiram apanhar), pois não podiam sair dos abrigos" (...).

4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha

(...) "Chegou-se à conclusão que as granadas estavam a cair em zona entre Saltinho e Queboe a arma era desconhecida. Passados alguns dias veio informação do Com-Chefe: naquele ataque falhado a Aldeia Formosa, o IN tinha utilizado pela primeira vez Foguetes Katiusha, também conhecidos por Órgãos de Estaline" (...).

6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1155: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (1): Bedanda, CCAÇ 6, 1970: O Obus 14 contra o foguete Katiusha

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1820: Catió: No rasto da família Pinho Brandão: Quem era o patriarca ? (Victor Condeço / Luís Graça)

1. Mensagem do Victor Condeço (ex- Fur Mil Armamento, CCS do BCAÇ 1913, Catió , 1967/69), residente no Entroncamento:

Caro Luís:

Tudo de bom. Após ler o P1817 (1) e sobre as interrogações no teu comentário, tenho a acrescentar o seguinte:

Na verdade falta ali naquela foto, o Pinho Brandão, decerto terá sido convidado tal como outros comerciantes que também não aparecem na foto, caso dos Srs. Coelho, Adib e João da casa Gouveia.

Poderão estar na foto Catió_Quartel-31 junto do edifício da direita, junto de outra população mas não dá para reconhecer quem é quem. De memória também não sei se estiveram ou não.

Contudo pela lembrança que tenho do Sr. Manuel Pinho Brandão (2), é muito provável que não tenha estado presente. Era pessoa bastante reservada, nunca o vi no quartel nem sequer na rua.
As falas dele com militares ou civis resumiam-se ao Bom dia ou boa tarde, entre dentes, quando ao passarmos à sua casa o cumprimentávamos.

A maioria dos seus dias passava-os na sala de sua casa de esquina frente ao mercado [foto Catió_Vila-26], de portas abertas, na sua cadeira de repouso, fumando.

A lembrança que tenho da família que com ele vivia em Catió é muito vaga, mas lembro-me perfeitamente de duas bonitas, mestiças, suas filhas, das quais não me lembro o nome, jovens na casa dos 20 anos, que confeccionavam bolos de aniversário por encomenda.

Relativamente ao pai do Dr. Leopoldo Amado, pese embora as muitas vezes que terei falado com ele quando ia aos Correios à Caixa Postal nº 24, buscar o meu correio ou comprar selos, não tenho memória do Sr. Mateus e por isso o não identifico na foto, só o Leopoldo Amado nos poderá ajudar.

Luís das tentativas que te disse ter feito, só ainda tive a informação do (meu) ex-cabo Camarinha, fez a diligência que me tinha prometido, mas não conseguiu chegar á fala com o senhor por questão de minutos, no entanto disse-me que se confirma que a pessoa em questão é efectivamente de Catió, vai no entanto proceder a nova tentativa de encontro.

E é tudo por agora, recebe um abraço.

Victor Condeço

2. A Gilda acaba de nos agradecer tudo o fizemos (e ainda estamos a fazer) por ela. São palavras singelas e sinceras, que merecem publicitação:

" Acabei de ler as suas palavras e, estou a tentar encontrar algumas para lhe agradecer, mas não consigo, por isso envio-lhe um abraço do tamanho do mundo e toda a minha gratidão.

"Para a semana vou estar de férias, pois ando em mudanças mas, assim que regressar, vou enviar uma foto minha tirada ainda na Guiné e outra mais recente, para que passe a pertencer a esta fantástica família. Um grande abraço com amizade. Gilda Brás".


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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1817: Catió: Em busca da família Pinho Brandão (Leopoldo Amado / Victor Condeço / Armindo Batata / Gilda Pinho Brandão)

(2) Que era, presumivelmente, tio ou até avô da nossa amiga Gilda Pinho Brandão (O seu pai, Afonso, morreu, ou foi morto, quando ela tinha tenra idade, possivelmente em 1963, no início da guerra; recorde- se que ela veio para Porugal, acolhida pela família do Pina, em Junho de 1970, com sete anos, vivendo até então com a avó materna).

Repare-se, por outro lado, que o Victor só faz referência ao comerciante Manuel Pinho Brandão, que ele conheceu em Catió (1967/69), e a duas filhas, mestiças, de cerca de 20 anos. O Victor não conheceu, nem poderia ter conhecido o Afonso, que seria mais novo que o Manuel: daí eu pensar que poderia ser seu filho ou seu irmão mais novo. A Gilda não tem a certeza sobre o grau de parentesco de ambos.

Por sua vez, o Mário Dias, quando descreve a Op Tridente (1964), refere-se ao Manuel Pinho Brandão como o dono da ilha do Como... O que terá acontecido ao Afonso ? Terá sido morto pelos guerrilheiros do PAIGC ? Terá morrido num acidente de caça ou de viação ? Foi assassinado por alguém da região, por causa de negócios ? Ou até por outras razões: ciúme, vingança, ajuste de contas... Com numerosos filhos de diferentes mulheres, poderá ter havido ajustes de contas entre famílias... A Gilda refere, por exemplo, a existência de meio-irmão, ainda hoje comerciante estabelecido na Guiné-Bissau, que usa o apelido da família e não reconhece, como Pinho Brandão, os filhos do Afonso...

Por outro aldo, o velho Brandão de Ganjola, natural de Arouca, desterrado para a Guiné possivelmente no final dos anos 20 ou princípíos dos anos 30, uma figura tão bem evocada pelo Mendes Gomes (que esteve no Como, Cachil e Catió, entre 1964 e 1966) - " O Sr. Brandão, agora, era um velhote, rodeado de filhos e netos que foi gerando, ao sabor das madrugadas de batuque e da liberdade de escolha, sem custos, entre as mais viçosas bajudas da tabanca" (3)…, esse Brandão de Ganjola, pergunto eu, seria o mesmo de Catió ? Quem era, afinal, o patriarca da família ?

Enfim, não vale a pena especular sobre isto, embora esta estória (trágica, a do Afonso) também possa ser reveladora do clima social que então se vivia em Catió, no início da década de 1960...

Pela casa que existia no centro de Catió, a família Pinto Brandão deveria ser (ou ter sido) poderosa, tendo entrado possivelmemte em decadência com o início da guerra... Mas o mesmo se poderia dizer de outros comerciantes locais, de origem portuguesa ou libanesa, citados pelo Victor e que compareciam a cerimónias públicas militares (como aquela que é referida no Post P1817).

Vd. posts de:

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1798: Região de Catió: Descendentes da família Pinho Brandão procuram-se (Gilda Pinho Brandão)

3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1811: Vim para Portugal aos 7 anos, em 1969, e não tenho uma fotografia de meu pai, A. Pinho Brandão (Gilda Pinho Brandão, 44 anos)

6 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1819: De Catió a Lisboa, de menina a Mulher Grande ou uma história triste com final feliz (Gilda Pinho Brandão / Luís Graça)

(3) Vd. post de 22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjola, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

Guiné 63/74 - P1819: De Catió a Lisboa, de menina a Mulher Grande ou uma história triste com final feliz (Gilda Pinho Brandão / Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Vila > Foto 26 > "A praça do mercado, vista de quem vinha da pista [tirada à porta da casa do sr. Barros Correias]. À direita o Mercado, ao fundo à esquerda, a casa do Sr. Brandão e, à direita, debaixo da mangueira o Bar Catió e bem ao fundo o quartel".... A Gilda Pinho Brandão era filha de Afonso Pinho Brandão (que terá morrido no início da guerra). Embora tenha vivido com a avó materna, a Gilda terá conhecido esta Casa Grande, tipicamente colonial, da família Brandão...

Foto e legenda: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Vila > Foto 2 > Vista aérea da vila de Catiõ. Janeiro de 1968"

Foto e legenda: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Vila > Foto 3A > "Vista aérea da Rotunda e Avenida de Catió antes de 1967.
O edifício à esquerda na foto era a escola primária que em 1967 já tinha sido modificado". Ao fundo da avenida, a casa do admistrador. Catió, na época, a seguir a Bissau, Bafatá e Bolama, deveria ser a sede de concelho ou circunscrição mais importante da província, em termos demográficos, administrativos, económicos e sociais...

Foto e legenda: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.

Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotogáfico de Victor Condeço > Catió - Vila > Foto 21 > "O Fur Mil Victor Condeço em frente da habitação do administrador, ao cimo da avenida".

Foto e legenda: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.

Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotogáfico de Victor Condeço > Catió - Vila > Foto 40 > "A tabanca na estrada para a pista de aviação.

Foto e legenda: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.

Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotogáfico de Victor Condeço > Catió - Vila > Foto 41> "Estrada da pista, a tabanca, ao fundo à direita antes da pista, ficava o Cemitério".

Foto e legenda: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Vila > Foto 49 > "Os poilões na tabanca de Sua". Em criança, a Gilda - antes de vir oara Portugal, aos oito anos - terá brincado por aqui...

Foto e legenda: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS do BCAÇ 2930 (1970/72) > Uma crinaça mestiça ao colo do Alf Mil Médico Amaral Bernardo (que é hoje Professor Catedrático Convidado no ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar; responsável do Departamento de Ensino Pré Graduado do HGSA - Hospital Geral de Santo António).

Foto: © Amaral Bernardo (2007). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 728 (Catió, 1964/66) (1) > 1965 > Mulher Grande de Catió. Poderia ter sido a avó (materna) da nossa Gilda...

Foto: © J. L. Mendes Gomes (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem de Gilda Pinho Brandão, nome de solteira, ou Gilda Brás, com data de 4 de Junho último:

Bom dia, Dr.: Estou a ver os e-mails todos agora (1), pois este endereço é do meu local de trabalho, mas espero até final de Junho ter e-mail em casa.

Relativamente ao meu mano (o furriel Pina), fez a sua comissão de serviço em 1968/1970, em Catió, penso que também esteve em Mampatá. O batalhão dele era conhecido pelos Lenços Azuis, ele está bom de saúde e costuma ir aos almoços de convívio dos ex-combatentes da Guiné.

Não sei o dia em que chegámos, mas foi no mês de Junho de 1970, pois era a altura das festas dos santos populares e foi traumático para mim: quando ouvia os foguetes, como não tinha abrigos como os da Guiné, corria a esconder-me debaixo da cama ou dentro do guarda vestidos.

Da minha infância, só me recordo da minha avó, do quartel onde ia buscar comida e dos ataques que me obrigavam a esconder no primeiro abrigo que encontrasse; do meu pai, não tenho nenhuma lembrança, pois quando ele foi morto, eu era bebé, os meus 7 irmãos são todos de mães diferentes. Ao longo da minha vida, sempre pensei ser a única filha do meu pai e, de um momento para o outro, recebo um telefonema do António a apresentar-se como meu irmão e informar-me que tenho uma grande família.

Este fim-de-semana vi uma fotografia do meu pai, que está em poder do meu irmão António, foi um bocado triste, mas também um alívio pois tinha comigo a minha filha que tem 8 anos e apresentei-a ao avô de quem ela só soube da existência há 2 anos atrás, quando trouxe um trabalho da escola para fazer a ávore genealógica e tive de lhe contar um pouco da minha história.

A adaptação à grande Metrópole foi muito dolorosa para mim, pois à maior parte dos portugueses fazia imensa confusão verem uma menina mestiça chamar mamã a uma senhora branca de cabelo louro e ficavam a olhar para nós com ar de recriminação; eu perguntava à minha mamã o porquê de as pessoas olharem tanto para mim e para ela e a resposta sábia da mamã Alice era “porque tu és muito bonita e gostam de ti”.

Aí a minha vaidade vinha ao de cimo e oferecia a toda a gente o meu grande sorriso; só que depois na escola é que foi complicado, pois as crianças, quando querem, sabem ser muito mazinhas e comecei a sentir na pele a diferença que existia entre nós, pois os meus colegas chamavam-me preta e diziam que eu tinha vindo da terra dos maus, coisas que nunca mais se esquecem e nos marcam para o resto da vida.

Hoje sou uma Mulher Grande feliz, tenho uma filha linda, um marido espectacular e a melhor mamã do mundom que, sem olhar a tons de pele, me deu tudo. Sou secretária, trabalho em Cascais numa empresa ligada à construção e ao ramo imobiliário chamada A. Santo.

Mais uma vez , Dr., muito obrigada pelo seu empenho nesta busca das raízes dos Pinho Brandão. Se puder rectifique alguns erros, pois estou no trabalho e tenho que dar prioridade ao meu serviço.


Cumprimentos e até breve

Gilda Brás

2. Comentário do editor do blogue:

Também eu fico muito sensibilizado pela menagem que me escreve (e que, suponho, me autoriza a publicar, no nosso blogue). É de uma mulher de grande coragem coragem, sensibilidade, doçura e inteligência emocional. As agruras da vida podem-na ter marcado, mas seguramente não a levaram a ter uma atitude (negativa) de autocomiseração e de victimização, como é frequente acontecer em casos semelhantes.

Órfã de pai que não chega a conhecer (presumivelmente terá sido morto no início da guerra colonial, por volta de 1963, em circunstâncias que a Gilda não revelou), conhecendo as desventuras da orfandade e da pobreza, é criada pela avó (presumivelmente materna), cresce com a guerra e os seus horrores até ser adoptada pela família do Furriel Pina (que esteve em Catió entre 1968 e 1970, e também em Mampatá, ao que parece)... E aqui é muita bonita a referência que a Gilda faz à sua mãe afectiva, a Mamã Alice...

Apesar do seu amor e gratidão à família do Furriel Pinto que a acolheu (e presumivelmente adoptou), a nossa amiga Gilda não nos conta nenhum conto de fadas: os primeiros tempos de adaptação a um país, do hemisfério norte, europeu, potência colonizadora, a travar uma guerra colonial em três frentes (incluindo na sua terra,a GUiné), não foi fácil, não terá sido fácil... A Gilda terá conhecido o racismo, a discriminação ou até eventualmente o mobbing por parte dos seus colegas de escola, experiências que são sempre traumatizantes para uma criança e que a marcam, como um ferrete, para o resto da vida...

O final feliz desta história é que a Gilda é hoje uma mulher que parece estar bem na sua pele, sentir-se bem na família e no trabalho e sobretudo ter tido, muito recentemente a alegria de começar a conhecer os irmãos paternos, a alegria (misturada com dôr) de ver pela primeira vez uma fotografia de um pai, o Afonso, que nunca conheceu, e de poder mostrá-la à sua filha de oito anos...

Foram muitos anos à espera de fazer as pazes com o passado, dividida entre duas terras, duas famílias, duas identidades, se bem que ela reconheça que praticamente já perdeu (ou estava em vias de perder) as suas raízes guineenses... Esperemos que isso não aconteça e que ela consiga, em breve, juntar e conhecer o resto da família, do lado materno e paterno, e inclusive (re)descobrir a sua terra, Catió, os seus altivos e tranquilizantes poilões, os seus palmeirais, as suas bolanhas, as suas gentes...

Graças ao álbum fotográfico de alguns dos nossos camaradas (e eme especial do Victor Condeço), é possível entreabrir-lhe a porta que dá para o mundo da sua infância... Gilda, veja lá se estas imagens lhe dizem alguma coisa e se lhe despertam emoções ou recordações... Toda a sorte do mundo para si, por que você merece. Fica, mais uma vez convidada para pertencer a esta Tabanca Grande dos Amigos e Camaradas da Guiné. Um beijinho para si e para a sua filhota.

PS - Amigos e camaradas: este foi o drama de muitos civis, crianças, adolescentes, jovens e adultos, que também foram vítimas da guerra, que a guerra separou das suas famílias e da sua terra... Antes e depois da independência... Não temos estatísticas, para a Guiné, sobre as famílias lusoguineenses e seus descendentes, sobre os que ficaram na Guiné e os que se fixaram em Portugal, em Cabo Verde ou noutros países... Sobre o sucesso ou insucesso da sua integração (escolar, cultural, social, profissional...) no nosso país... Famílias ligadas à administração do território ou à actividade económica, como era o caso da família Pinho Brandão...

A Gilda Pinho Brandão é apenas o rosto de um drama silencioso para o qual na época tínhamos pouca ou nenhuma sensibilidade, apesar de convivermos com alguns comerciantes (portugueses e libaneses, sobretudo) que viviam nas povoações por onde passámos. Devemos penitenciarmo-nos por isso, reservando-lhe agora algum espaço do nosso blogue. Se alguém mais quiser voltar a abordar a este assunto, a porta fica aberta...

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Notas de L.G.:

(1) Vd. postas anteriores:

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1798: Região de Catió: Descendentes da família Pinho Brandão procuram-se (Gilda Pinho Brandão)

3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1811: Vim para Portugal aos 7 anos, em 1969, e não tenho uma fotografia de meu pai, A. Pinho Brandão (Gilda Pinho Brandão, 44 anos)

5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1817: Catió: Em busca da família Pinho Brandão (Leopoldo Amado / Victor Condeço / Armindo Batata / Gilda Pinho Brandão)

Guiné 63/74 - P1818: Da Suécia com saudade (1) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (1): Hino à Guiné que nós conhecemos

Guiné > Vaqueiras manjacas da Ilha de Pecixe > Postal ilustrado (pormenor) > Série de postais ilustrados do tempo da Guiné Portuguesa > S/d nem editor ... Colecção de postais do nosso amigo e camarada José Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op Esp, CCAV 8350, Guileje, Cacine, Gadamael e Paunca, 1973/74)... Os postais, acho que ele os coleccionava para mandar, com muitas ternura, ao seu velhote, no Porto... Esta série de postais, relativamente ousados para a época (tema: bajudas de mama firme...)., revelavam uma visão... excêntrica e etnocêntrica da Guiné dita portuguesa, típica do Estado colonizador e dos seus agentes (LG).


Foto: © José Casimiro Carvalho (2006). Direitos reservados.

Guiné > CCAÇ 2381, Os Maiorais (Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70) > Emblema.


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCAÇ 2381 (1968/70) > O Maioral Zé Teixeira, 1º cabo enfermeiro, junto ao obus 14 que batia a zona fronteiriça...

Fotos: © José Teixeira (2006). Direitos eservados.

Caríssimos Luís e Carlos:

Saúde, paz e felicidade para vós e todos os camaradas da Tabanca Grande.

Hoje, envio-os dois pequenos textos, que não são de minha autoria, mas de um Maioral, Capitão de Abril, que em 1976 decidiu passar à reserva e abalar até à Suécia onde recomeçou nova vida (1).

As saudades de bom português, essas têm vindo a desenvolver-se com o andar dos tempos e o Costa Belo foi à procura dos MAIORAIS através da NET e localizou exactamente o enfermeiro do Grupo de Combate que ele comandava, ou seja, eu próprio. A alegria partilhada por ambos, como deveis calcular foi enorme.

Naturalmeente que o fio da nossa conversa foi a Guiné de ontem e de hoje. Enviou-me um texto bem antigo que reflecte exactamente aquilo que nós sentimos.

Com a devida autorização aqui o junto, ao qual ousei dar um título - não te zangues, ó Belo - que me parece se ajusta ao conteúdo, pelo menos foi o que senti.

2. Comentário de L.G.: O José Costa Belo é bem-vindo, para mais sendo um camarada nosso que vive nessa bela e grande terra que é a Suécia. Zé, convida-o a fazer fazer parte desta nossa Tabanca Grande. Hoje vou começar a publicar os seus textos.


Um hino à Guiné que nós conhecemos,

por José Belo (1)

- Guiné! dos pântanos, das bolanhas, dos mosquitos e das febres.

- Guiné! Da mata onde havia momentos em que todos os ruídos paravam. Não se afastavam ou diminuíam, antes tudo se calava abruptamente, como se os seres vivos tivessem recebido uma ordem. Ouviam-se então coisas impossíveis.... O soprar húmido do vento, o suor dos nossos camuflados, a actividade frenética dos insectos, e mesmo, o batimento do nosso coracão.

- Guiné! Dos escravos, das revoltas nativas, das muralhas do Cacheu, que lá estavam quando cheguei, e lá ficaram ao partir.

- Guiné! Dos Fulas, dos Mandingas, noites de luar, falando dos avós dos avós, de outros chãos onde nunca houvera fome, dos pastores que no céu escuro guardam os milhões de estrelas.

- Guiné! Dos Balantas, símbolo pujante da Africa que luta, que trabalha o seu chão, mas que também se sabe divertir. (Ah, velha aguardente de cana!)

- Guiné! Dos Biafadas, dos Nalus, dos Papéis, dos guerreiros Felupes bebendo vinho de
palma pelo crânio dos inimigos vencidos.

- Guiné! Do matriarcado Bijagó.

- Guiné! De Bubaque... miragem de guerra!

- Guiné! De Ponta Varela, copacabana sem casas, sem gente, mas na qual num dia solarengo do princípio dos anos sessenta, Brigitte Bardot (Pasme!) tomou bom banho de Mar.

- Guiné! Das bajudas de mama firmada, lavadeiras de tantas lamas,(e porque não?) de algumas águas bem cristalinas

- Guiné! De Bissau, vilória perdida. Cidade feita de... avenida única....pouco mais! Da cerveja gelada, das ostras grelhadas com molho picante, dos mininos vendendo mancarra em coloridos alguidares de esmalte. Das tascas, dos restaurantes (?)que serviam gostoso chabéu que o Joaosssssinho Manjaco tão bem preparava!

... Bissau das muralhas do Forte da Amura. Lembrança constante de um...estar pelas armas!

... Bissau da piscina em Clube de Oficiais, mas também Bissau do Hospital Militar.

... Bissau - Os minutos que valaima oiro... roubados à morte que esperava no mato!

- Guiné! Da violência, da guerra tribal... dividir para governar!

- Guiné! Do Comando Africano, jovem herói, usado e abusado, para matar os seus em guerras não suas.

- Guiné! De Amílcar Cabral, que, com humildade, soube ouvir os gritos de um Povo.

- Guiné! Onde General destemido tentava tapar com mãos nuas os buracos nos diques, pretensiosamente levantados aos maremotos da História. Saberia ele? Saberíamos nós?... quando o víamos chegar aos locais mais perigosos da luta, visitar, interessado, os feridos, que olhávamos o... último dos Comandantes de Africa, num Portugal que jamais seria o mesmo?

- Guiné! Onde o Império acabou por ruir!

- Guiné! De um círculo. Dos amigos. Dos inimigos. Dos amigos inimigos. E, mais tarde, dos inimigos amigos!

- Guiné! De muitas e tão duras lições!

- Guiné! Do lendário comandante Nino, temido chefe guerrilheiro, que, depois de Presidente, coloca os seus filhos em colégio... do Porto!

- Guiné! Terra vermelha de argila e sangue! Da estrada de Buba a Aldeia Formosa, de Aldeia Formosa a Gandembel.

... Terra que abraçámos com violência, quando contra ela nos comprimíamos em chão de
emboscadas!

--- Terra que comungámos no pó e saliva que nos enchia a boca em rebentamentos de minas!

... Terra regada com tantas lágrimas de saudade, de dramas pessoais, de frustrações e de
dôr... a juntarem-se às vossas... de povo africano mártir!

- Guiné! De Mampatá, tabanca perdida na selva, onde, tão longe de tudo e de todos, acabámos por... nos encontrar!

- Guiné que foi vossa/nossa, mas que hoje sendo vossa/vossa, é bem mais nossa do que antes

Um Maioral, José Belo

Estocolmo, Setembro de 1981
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Nota de L.G.:

(1) José Costa Belo foi Alferes Miliciano na CCAÇ 2381 - Os Maiorais. Chegou até nós pela mão do Zé Teixeira. Vive na Suécia. Obrigado ao Zé Teixeira, por nos er feito chegar esta belíssima evocação da nossa (e)terna Guiné!

O Zé é um dos nossos mais activos e produtivos membros da nossa Tabanca Grande. É um grande contador de estórias. Vd. último post > 15 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1760: Estórias do Zé Teixeira (15): Tarde de Domingo com sorte

Os Maiorais da CCAÇ 2381 têm, além disso, uma página na Net, criada e editada pelo ZéTeixeira: chama-se, muito simplesmente CCAÇ 2381 - Os Maiorais.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1817: Catió: Em busca da família Pinho Brandão (Leopoldo Amado / Victor Condeço / Armindo Batata / Gilda Pinho Brandão)

Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Cerimónia militar em Fevereiro de 1968, por ocasião da imposição à CART 1689 da Flâmula de Honra (ouro) do CTIG (Comando Terriorial Independente da Guiné), atribuída em Julho de 1967, com a presença das entidades civis e população.


Foto 32 > "Militares, civis da administração, correios e comerciantes. Da esquerda para a direita, [?], de costas o Cap Médico Morais, o Comandante Ten Cor Abílio Santiago Cardoso, quatro funcionários dos Correios e Administração, os comerciantes Srs. José Saad e filha, Mota, Dantas e filha, Barros, depois o electricista civil Jerónimo, e o Alf Capelão Horácio".

Comentário de L.G.: Falta aqui o comerciante Pinto Brandão... O que se terá passado ? Não foi convidado ? Estaria presente mas não ficou nesta fotografia ? POr outro lado, sabemos que os pais do Leopoldo Amado ( Mateus Teixeira da Silva Amado e Cipriana Araújo de Almeida Vaz Martins Amado) passaram por Catió. O pai foi funcionário dos correios... Poderá ser algfum destes civis...

Ao canto superior direito pode ler-se a seguinte inscrição: "A nossa intervenção em África é resposta a um desafio que nos lançaram e a afrontas que não podemos esquecer".

Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Foto 28 > "Cerimónia militar em Fevereiro de 1968, por ocasião da imposição à CART 1689 da Flâmula de Honra (ouro) do CTIG, atribuída em Julho de 1967. Em fundo a porta de armas, cozinha e refeitório, armazém de géneros ainda em construção, parte da camarata de oficiais e, fora do quartel, o armazém/cais da Casa Gouveia".

Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Foto 27 > "Cerimónia militar em Fevereiro de 1968, por ocasião da imposição à CART 1689 da Flâmula de Honra (ouro) do CTIG, atribuída em Julho de 1967 Em fundo as casernas nºs 1 e 2".

Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Foto 31 > "Cerimónia militar em Fevereiro de 1968. Vista parcial do quartel com as tropas em parada".

Fotos e legendas: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem que o editor do blogue mandou por e-mail, para a a tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné:

Quem poderá ajudar a nossa amiga Gilda Pinho Brandão, de 44 anos, filha de Afonso Pinho Brandão, que foi trazida, em 1969, aos sete anos, para Portugal, pela mão de um tal furriel Pina e acolhida pela sua família ? (1)

Ela não tem nenhuma foto do pai (que deveria ser português, comerciante no sul da Guiné, em Catió ou em Ganjola...) . A mãe, guineense, já morreu há dois anos. Dos irmãos e tios maternos, não tem praticamente referências... Dos oito irmãos paternos, acaba de conhecer dois... O Mário Dias, o Mendes Gomes e o Victor Condeço são capazes de ter informação adicional sobre a família Brandão....

2 Uma resposta, pronta, veio do nosso amigo Leopoldo Amado, lusoguineense, que passou parte da sua infância em Catió, onde o pai foi administrador dos correios:

Caro Luís,

Felizmente, creio ser relativamente fácil satisfazermos os anseios na nossa amiga Gilda, na medida em que é possível contactar um membro da sua família em Bissau, o Engº Pinho Brandão, ex-Director da EAGB (Empresa de Águas e Electricidader da Guiné-Bissau), o qual poderá ajudar.

Eu próprio, quando era criança em Catió, lembro-me perfeitamente que a família Pinho Brandão, comerciantes conhecidos no Sul do país (uma mescla de portugueses e guineenses), eram do círculo de amizade dos meus pais.

É uma questão de a Gilda grudar-se a mim e ao Pepito que certamente conseguiremos ajudála a (re)encontrar os parentes, espero bem.

Leopoldo Amado


3 Comentário do editor do blogue:

Gilda: Um gesto amigo… Contacte o doutor Leopoldo Amado, membro da nossa tertúlia, cujo pai foi administrador dos correios (Bolama, Catió...) e amigo dos Pinho Brandão. Além disso, há um parente seu (presumo) que já foi ministro da agricultura, pescas e recursos naturais da Guiné-Bissau, em 1999, o Eng. Carlos Pinho Brandão...

4. Também o Victor Condeço (ex-fur mil da CCS do BART 1913) nos forneceu mais algumas pistas sobre a a família Brandão, de Catió. Reproduzo aqui alguns excertos do seu mail (que é particular):

(...) Sobre o assunto não tenho nenhuma informação fidedigna, por enquanto. Mas é curioso porque ainda no passado dia 20 de Maio, em V. N. Gaia, quando do convívio BART1913, naquelas conversas do Lembras-te disto e daquilo, deste (a) ou daquele (a), foi mencionada a família Brandão, alguém referiu que descendentes seus estariam radicados pela região do Grande Porto.

Tentei já esta semana, junto de um ex-camarada de Catió, o também tertuliano ex-furriel Jorge Teixeira (2), saber algo mais. Segundo ele inicialmente esta família ter-se-á radicado em S. Mamede de Infesta, mas fiquei com a promessa de que iria tentar saber mais, por isso vamos aguardar.

(...) Também telefonei (...) ao (meu) ex-cabo Camarinha, com quem há tempos também tinha falado sobre o Sr. Brandão. Confirmou-me o que o Jorge Teixeira me tinha dito mas acrescentou-me um dado que ficou em confirmar-me: parece que em Espinho onde vive, está radicado um filho do Manuel Pinho Brandão (...).


4. Mensagem do Armindo Batata:

(...) Não tenho muita confiança na minha memória, mas havia um Brandão em Cufar em 1970. Era comerciante e natural da Guiné. Não tenho fotografia alguma, mas pode ser que estes dados, a estarem correctos, ajudem.

Saudações a todos
Armindo Batata
Ex-Alf Mil
Pel Caç Nat 51
Guileje/Cufar
1969/1970


5. Resposta da nossa amiga Gilda:

Boa tarde, Caro Dr. [Leopoldo Amado]:

Muito obrigada pelo seu interesse no meu assunto (1). Falei há pouco com o meu irmão António Pinho Brandão, ele tem conhecimento desse nosso irmão [, o Eng Carlos Pinho Brandão,], pois esteve na Guiné no princípio deste ano e contactou com ele.

Vou falar com o meu mano João (o furriel Pina) ainda durante esta semana, para tentar saber dados mais concretos acerca da minha vinda para Portugal.

Será que os seus pais conheceram o meu? Os nomes Bolama, Mampatá, e Catió são me familiares, mas não tenho nenhuma imagem específica dessas zonas, na minha memória só foram arquivados os nomes e lembro-me que vivia numa tabanca, perto do quartel (onde eu ia buscar comida), com os meus avós, e mais nada.

Como já disse também ao Dr. Luís Graça, vou falar com o meu mano João para saber se ele tem algumas fotos da Guiné.

Cumprimentos

Gilda Brás


6. Outra mensagem da Gilda, enviada à nossa tertúlia:

Bom dia Amigos,

Muito, muito obrigada. Não encontro palavras, para vos expressar o que sinto com todas estas informações.

Vou falar com o meu irmão (Furriel Pina), para o caso de ele ter algumas fotos nossas da Guiné e dar-lhe o contacto desta fantástica Tertúlia de Amigos da Guiné.

Ao Dr. Luís Graça em particular, os meus sinceros agradecimentos pelo tempo dedicado ao meu caso.

Cumprimentos e até breve

Gilda Brás

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Notas de L.G.:

(1) Vd. postas anteriores:

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1798: Região de Catió: Descendentes da família Pinho Brandão procuram-se (Gilda Pinho Brandão)

3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1811: Vim para Portugal aos 7 anos, em 1969, e não tenho uma fotografia de meu pai, A. Pinho Brandão (Gilda Pinho Brandão, 44 anos)

(2) Vd. post de 11 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1652: Tertúlia: Três novos candidatos: José Pereira, Hélder Sousa e Jorge Teixeira

O Jorge Teixeira esteve na Guiné entre Maio/68 e Abril/70. Conheceu Catió.






Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > 1969 ou 1970 > "Aqui está o Rocha afagando um cão, de quem aliás já falei na minha estória O Amoroso Bando das Quatro. Os outros são: de pé – Soldado Mamadú, eu, 1º Cabo Injai; em baixo – Soldado Demba, 1º Cabo Marçalo, Soldado-maqueiro Adão" (JC)...



Como se pode deduzir da foto acima, o Jorge estava protegido por manga de mezinhos... Hoje continua a usá-los, pelo menos alguns, só que andam todos trocados... Ainda há dias, na discussão da tese de doutoramento do Leopoldo Amado, se falava da importância do pensamento mágico na guerra da Guiné. Tanto o PAIGC como as NT aproveitaram-se do pensamento mágico que é um traço cultural forte de todos os grupos étnicos da Guiné.

Fotos: © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem do Jorge Cabral:

Amigo,

Só agora me foi possível enviar a estória que te prometi na Casa do Alentejo (1). Logo que de lá saí, em pleno Rossio, senti-me mal e recolhi ao Hospital, onde coincidência ou destino, fui observado por uma médica guineense, a qual tendo reparado no ronco-mezinha que continuo a usar na cintura, me tratou como um verdadeiro Homem Grande, tendo-me informado que o amuleto afinal não é fula, como sempre pensei, mas mandinga e que me protege sim, das balas, do mau olhado e das invejas, mas não do stress e dos excessos.

Já quase recuperei, mas lamento não ter podido comparecer no Doutoramento do Leopoldo, e muito principalmente, no funeral do Neto.

Finalmente o Beja Santos chegou ao meu tempo na Guiné. Fiquei a saber que inaugurei o Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, pois lá me encontrava no dia 30 de Junho de 1969, conforme atesta o aerograma que enviei a uma Amiga, no qual comparo a minha situação, com o romance A Ponte, descrição da odisseia de um pelotão de jovens alemães na defesa de uma ponte, que acaba dinamitada pelo seu próprio exército.

Enfim, as peças do puzzle da memória vão-se encaixando.

Abração
Jorge


2. Estória nº 23 da série Estórias Cabralianas. Autor: Jorge Cabral , ex- Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71.

Era estudante universitário, em Lisboa, quando foi convocado para a tropa. Hoje é advogado, escritor e docente universitário, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, sendo o coordenador do curso de pós-graduação em Criminologia.

Ficamos agora a saber que o nosso alfero anda com os amuletos trocados... Tenho a obrigação moral, como seu amigo, camarada e editor literário, de lhe dizer que o stresse mata, é um assassino silencioso... Está na altura de ele mandar a máquina à revisão geral e requisitar amuletos novos da Guiné-Bissau... LG

Conversas em Missirá – Areia Fina,

por Jorge Cabral (2)


Conheci muito bem o Alferes que esteve em Missirá nos anos de 1970 e 1971. Diziam que estava apanhado, mas penso que não. Era mesmo assim. Quem com ele privou em Mafra e Vendas Novas certamente o recorda, declamando na Tapada:

No alto da Vela
Fui Sentinela
de coisa nenhuma
Quem hei-de guardar
Quem irei matar…

Ou no Cine-Teatro de Vendas Novas, diante das autoridades civis e militares, na récita do final da Especialidade, para a qual encenou uma peça absurda, onde o Tenente Gengis Khan saltava do helicóptero, e avançava capim dentro.

Dessa vez, o Comandante zangou-se mesmo, e interrompeu a representação…

Em Missirá, apenas recolhia ao seu abrigo – quarto para dormir. Passava os dias, à conversa com os negros, e com brancos, e queria saber tudo. Petiscava com as mulheres, de cócoras, metendo a mão no alguidar, fazendo bolas de arroz, que depois saboreava… Frequentava a pequena mesquita, mas quando o Padre Puím (3) lá foi, até ajudou à Missa…

Perguntava-nos tudo. Das aldeias, das profissões, das lendas, das crendices, do futuro… Ouvia mais do que falava, mas às vezes, punha-se a contar estórias.

Uma noite, após o jantar, como era habitual, continuámos à mesa. Ainda cheirava a grão. Bebíamos todos. Recordo os copos, feitos das garrafas, e a colorida caneca do Alferes, velhíssima e não muito limpa. Já vinha de Fá, e aí em visita, uma vez, o Major B.B. (4) recusou beber por ela…

Naquela ocasião, quis que falássemos da nossa primeira vez. Mas com verdade, acrescentou, pois desconfiava que alguns ainda não tinham experimentado. Começou ele, e falou de uma virgem loira, à beira rio, num fim de Março, quase Primavera. Não percebemos nada. No início chamava-se Cloé, depois Isolda, e terminou Julieta envenenando-se. Mais tarde confessou-me que inventara. Na realidade acontecera em Badajoz, custara cem pesetas, a mulher era gorda, vesga, e tresandava a alho…

O Pechincha, como sempre, delirou. Logo na Escola primária com a contínua… pois então.

O Monteiro falou da rapariga murquês, termo que nunca mais ouvi, e que dará outra estória, mas quem mais nos divertiu foi o Cozinheiro Teixeirinha.

Completados os dezasseis anos, embarcara num paquete de luxo, onde era camareiro, competindo-lhe fazer as camas e arrumar os camarotes. Logo ao segundo dia da viagem, foi procurado por uma senhora que se queixou de não conseguir dormir. Os lençóis estavam cheios de areia fina – afirmou ela. O Teixeirinha mudou os lençóis e pensou ter resolvido o problema. Mas não. A dama voltou à carga. E lá tornou ele, a colocar lençóis lavados, que previamente escovou. Porém, a passageira continuou a reclamar. Não conseguia dormir.
- Olhe, passe por lá esta noite a ver se não encontra areia fina.

O Teixeirinha passou e ficou. Óptima areia fina, até chegar ao destino…

Hoje quando o Alferes telefona ao Branquinho, logo no início da conversa, interroga sempre:
- Rapaz, como vamos de areia fina?

Jorge Cabral

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 27 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1788: Convívios (10): Pessoal de Bambadinca 1968/71: CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e 63 (Luís Graça)

(2) Vd. último post da série Estórias cabralianas > 12 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1752: Estórias cabralianas (22): Alfa, o fula alfacinha (Jorge Cabral)

(3) Vd. post de 17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)

(4) Oficial superior de operações do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

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Guiné > Zona Leste > Sector de Farim > Cuntima > Destacamento de Cuntima > CCAÇ 14 > 1970 > 4º pelotão. O Fur Mil At Inf Bartolomeu é 1º da direita.

Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCAÇ 14 (1969/71) > 1969 > O Fur Mil Bartolomeu junto ao Obus 14. O quartel e a povoação nunca foram atacados enquanto o Bartomoeu lá esteve. Respeito do PAIGC pelo Cherno Rachid ? (2).


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCAÇ 14 (1969/71) > 1969 > Um grupo de furriéis na respectiva messe. O Bartolomeu está de camisa branca.


Fotos: © António Bartolomeu (2007). Direitos reservados.


Álbum das Glórias (3)... Fotos do ex-furriel Bartolomeu, da Companhia de Caçadores 2592 que deu origem à CCAÇ 14. Esta companhia independente veio, no Niassa, com a CCAÇ 2590/CCAÇ 12, foi para Bolama para formar a CCAÇ 14. O pelotão do Bartolomeu (o 4º) foi para Contuboel. Aí deu a instrução de especialidade a um pelotão de Mandingas, oriundos da zona de Nova Lamego (Junho/Julho de 1969).

O 4º Gr Comb da CCAÇ 2592/CCAÇ 14 foi depois para a Aldeia Formosa onde esteve 4 meses. A seguir, juntou-se ao grosso da companhia, aquartelada em Bolama. De Bolama, a CCAÇ 2592 CCAÇ 14 seguiu para o sector de Farim, destacamento de Cuntima, onde ficou como unidade de quadrícula até ao fim da comissão. Esta povoação ficava (e fica) a 1 Km da fronteira com o Senegal.

Em Cuntima "éramos um misto de guarda fiscal e de polícia de fronteiras... Por ali passava um dos corredores do Oio", diz o Bartolomeu.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de e 2007 > Guiné 63/74 - P1803: Tabanca Grande (7): Saudades de Contuboel (António Bartolomeu, CCAÇ 2592 / CCAÇ 14)

(2) Sobre o Cherno Rachid, vd. posts de:
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

(...) Na povoação de Quebo, perdida no sertão da terra dos Fulas, o tubabo conversa com seu velho amigo, Tcherno Rachid, enquanto as pessoas graves da morança, sentadas em volta, ouvem as sábias palavras do Homem de Deus. Esse Homem de Deus é um Fula, nascido na região, mas cujos antepassados remotos vieram, há talvez três mil anos, das margens do Nilo. Mestre da Lei Corânica e filósofo, Tcherno Rachid ligou-se de amizade profunda com o tubabo - o branco - vai para quinze anos, quando este chegou à sua povoação e se lhe dirigiu em fula. O tubabo é também um filósofo que veio procurar em África aquela paz de consciência que o mundo europeu lhe não podia dar" (...)

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).

(3) Vd. último post desta série, Álbum das Górias > 22 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1778: Álbum das Glórias (13): O que custava mais eram os primeiros 21 meses (Humberto Reis / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1814: Tabanca Grande (10): Germano Santos, Operador Cripto da CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832 (Mansoa, 1970/73)

1. Mensagem de Germano Santos, com data de 3 de Maio último:

Caro Luís Graça,

Chamo-me Germano Santos e estive na Guiné entre 1970 e 1973.

Fui Operador Cripto do Batalhão de Caçadores 3832 que operou, sediado em Mansoa, nas regiões de Cutia, Infandre, Braia, Porto Gole, Bissá, Jugudul, Uaque, Bindouro e Rossum.

Tive oportunidade de regressar à Guiné em 1998, e rever Mansoa e Jugudul. Deu ainda para dar um salto a Bissorã, João Landim, Quinhamel e ao Arquipélago de Bijagós, designadamente a Ilha das Galinhas, antiga rota dos escravos, sem esquecer Bissau.

É com muita saudade que leio, oiço e falo da Guiné e, obviamente, de Mansoa, onde passei dois anos da minha juventude.

Estou a organizar, conjuntamente com outros camaradas, o almoço anual do batalhão (este ano realizou-se no dia 5 de maio, em Lisboa, no Páteo Alfacinha).

Só agora descobri o seu sítio na Net e vou olhar para ele com outros olhos assim que possa.

Tenho algum material fotográfico da Guiné, nomeadamente de Mansoa e de camaradas meus; se quiser posso-lhe remeter algum. Diga-me só como devo fazer.

Um abraço e parabéns pelo seu trabalho sobre a Guiné.

Germano Santos

2. Comentário do editor do blogue:

Germano: Sou de 1969/71. Fomos vizinhos. Estive em Bambadinca, fiz operações a norte do Rio Geba, embora não conheça Mansoa. Nunca mais voltei à Guiné. Fundei este blogue para que tu, eu e outros camaradas possamos exprimir-nos, livremente, sobre essa experiência única que foi, nos nossos verdes anos, a nossa passagem pela Guiné, em situação de guerra.

Escusado será dizer que és bem vindo. Já agora, peço-te que me mandes as fotos da praxe, uma actual e outra do tempo da tropa, de acordo com as regras da nossa tertúlia. Fala-nos também, um pouco mais, das tuas recordações desse tempo e, se assim o entenderes, das tuas impressões do regresso, em 1998. Desculpa o atraso na resposta. Podes digitalizar (ou 'scanizar') as tuas fotos, em formato.jpg e mandá-las por e-mail. Boa saúde e boas recordações. Luís Graça

PS - Divulga o nosso blogue pela malta do teu batalhão. Há já muitas referências a Mansoa. Podes utilizar as facilidades de pesquisa do blogue para encontrar textos e imagens sobre a região de Mansoa.

Guiné 63/74 - P1813: Os heróis desconhecidos de Cussanja, os balantas das boinas amarelas (César Dias)

Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS do BCAÇ 2885 (1969/71) > Patrulhamemto das NT no cruzamento de Cussanja

Foto: © César Dias (2007). Direitos reservados.

Texto do César Vieira Dias (ex-Fur Mil Sapador Inf, CCS do BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)(1):



Camarada Luís Graça:

Num dos momentos nostálgicos que nos assaltam periodicamente, lembrei-me de prestar homenagem a uns miúdos que, penso, nem 20anos teriam e foram os protagonistas deste episódio.

Se achares que é de partilhar com a nossa gente, fogo na peça , estás á vontade.

Envio-te essa foto que nada tem a ver com o episódio mas é do cruzamento do Cussanja.


Um grupo de Balantas de boinas amarelas

por César Dias


Era um improvisado destacamento, no cruzamento de Cussanja. Estava situado no entroncamento da estrada Mansoa-Cussaná- Cussanja com a estrada Jugudul-Porto Gole, a poucos kilómetros de Mansoa.

Dado a sua localização, era um ponto priveligiado pelo IN do Changalana para tentar flagelar Mansoa, o que obrigava as NT a um grande desgaste em patrulhamentos e emboscadas sucessivas nessa zona.

Foi necessário improvisar um destacamento neste ponto, e a sua defesa foi entregue a um reduzido grupo de Balantas, a pedido destes.

Foi-lhes atribuída uma viatura Unimog, algumas G3 , Mausers e 1 ou 2 morteiros. Rapidamente escavaram abrigos que cobriram com troncos de palmeira e simultaneamente construiram 3 tabancas, nascendo assim o destacamento do cruzamento de Cussanja.

No primeiro dia que aparecem em Mansoa para se abastecerem, surpreendem toda a gente com as suas boinas amarelas, côr que escolheram para serem diferentes, manga de ronco.

Mas esta situação durou pouco tempo, pois em 23 de Setembro de 1969 um numeroso grupo IN atacou o destacamento durante 5 minutos, destruindo-o e incendiando-o, e causando 2 mortos queimados e 5 feridos.

Com a reacção da Artilharia de Mansoa, o IN bateu em retirada e quando chegou socorro de Mansoa já não teve contacto. O que restou dos mortos carbonizados chegou a Mansoa nas capas de chuva.

E assim terminou o grupo dos boinas amarelas que foi sacrificado por uma causa em que acreditaram. Terminou também o destacamento, voltando a zona a ser patrulhada e emboscada periodicamente.

Lembrei-me de relatar este episódio, com as imprecisões da distância no tempo, mas com a intenção de relembrar os heróis desconhecidos que, a não sermos nós, ficariam eternamente esquecidos.

Um abraço

César Dias

Ex Furriel Miliciano

CCS - BCAÇ 2885

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Nota de L. G.:

(1) Vd. posts anteriores do César Dias:

30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1472: Sobrevivente do BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá) (César Dias)

1 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1557: No regresso éramos menos 32 (César Dias, CCS do BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)

3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1643: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, do Pel Cacç Nat 58 (3): 10 mortos em emboscada com luta corpo a corpo (César Dias)

domingo, 3 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1812: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (10): As mulheres dos meus homens eram minhas irmãs

X Parte das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72). O Paulo é natural de Aguada de Cima, concelho de Águeda. É um fã do râguebi e de desportos de aventura como o BTT e o canyoning.


Luís: Continuo hoje com mais uma das minhas memórias (1). Trata de conflitos rácicos e vou, pela primeira vez, utilizar iniciais a substituirem um nome.

Penso já ter dito em anterior memória que o Pel Caç Nat 53, ao contrário de grande parte de outras unidades, tinha uma composição muito heterógenea: balantas, fulas (futa-fulas, fulas-cativos, fula-forros), mandingas e beafadas.

Apesar de toda esta mistura, havia um espírito de corpo notável, talvez o mérito seja meu, jamais tive dentro do grupo qualquer conflito. É claro que as diferenças comportamentais entre um balanta e um fula eram abissais:um bebia como uma esponja, e era animista; o outro não bebia e era islamizado. Por vezes dizia aos islamizados, quando havia algum balanta mais alcoolizado:
- Nada de criticas,vocês, fulas, gostam de mim e respeitam-me mesmo quando estou de cabeça grande [com os copos]. Eu bebo como um balanta e sou religioso como um fula ou um mandinga islamizado, a única diferença é ser cristão.

A tabanca do Saltinho era composta por mandingas, era relativamente pequena. A menos de 1km - antes da construção e ocupação do Reordenamento de Contabane -, tinha sido improvisada uma tabanca para instalar os habitantes daquela que ficava na estrada que ligava a Aldeia Formosa e tinha sido destruída, Contabane.

Um dos meus soldados, o Iaia Dabó, mandinga, perdeu-se de amores por uma bajuda de Contabane e, um dia, ao anoitecer deram-lhe uma grande arraial de porrada que
o deixou muito maltratado.

Guiné > Saltinho > Pel Caç Nat 53 > 1971 > O Alf Mil Santiago, de bigode e barrete fula na cabeça, ladeado, à sua direita, pelo 1º cabo Verdete, e à sua esquerda pelos Sold Samba Seidi, bazuqueiro, e Abdulai Baldé, um dos seus fiéis guarda-costas.

Foto: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados.


Estava no bar bebendo uns copos, esperando o jantar, quando ouvi dois tiros (sinal utilizado para reunir o 53). Os Furrieis estavam também comigo, o que se estaria a passar? Viemos a correr até as moranças do pessoal que ficavam a seguir à porta de armas do quartel. Estavam todos num alvoroço e armados até aos dentes. Dou meia dúzia de abanões aos primeiros que encontrei, indagando quem dera ordens para reunir o grupo de combate. Muito excitados, começam a dizer-me que vão lixar o pessoal de Contabane por terem atacado um militar do 53.

Procuro meter calma naquela gente mas começo a sentir que não estou a ser bem sucedido, apesar de alguma violência física que utilizo. Noto um grupo a encaminhar-se em direcção à tabanca do Régulo Sambel (nesta data ainda o filho não tinha sido transferido para o 53) , corro atrás, junto com o CapClemente [, comandante da CCAÇ 2701, unidade de quadrícula do Saltinho 1970/72], que entretanto aparecera e a quem explico o que se passa enquanto corremos.

Peço ao 1º cabo Sanhá, beafada, para me dar a G3, tendo ele obdecido. Continuo a correr, pois já estou a ver os militares que iam à minha frente a distribuir coronhadas e pontapés aos primeiros tipos da população que lhes apareceram pela frente.

Ofegante, lá chego aos berros para acabarem com aquela merda. Ninguém me ouve, nem ao Clemente. Mando uma rajada para o ar com a G3 que o Sanhá me entregara e a calma vem por momentos. Vejo que estão lá representadas todas as etnias do meu grupo. Volta a excitação, queriam apanhar o Sambel, ele tinha de pagar pela porrada que deram no Iaia.

Fui buscar o Sambel, juntamente com o Cap Clemente e, à frente de todos, demos-lhe uma piçada: não tinha direito para bater num militar, se tivesse alguma queixa contra ele deveria ter-mo comunicado, jamais poderia fazer outra cena igual.

Acalmados, ainda que com alguns encontrões, lá regressaram às moranças. No dia seguinte, chamei um dos fulas, que se mostrara mais excitado e pus-lhe o problema:
- Tu, fula, andaste ontem a distribuir coronhada nos teus irmãos de raça!?
- Alfero, o Iaia é do 53, no mato é ele que está ao meu lado, não é o Régulo Sambel. - Gostei da resposta...

Passado pouco tempo outro conflito, também à noite e também estava no bar. Aparece-me à porta o Amadú Baldé, um dos auto-intitulados meus guarda-costas, excelente militar, com uma Cruz de Guerra, completamente descontrolado, pois um militar da [CCAÇ] 2701, o 1º cabo M.C. tinha tentado abusar da mulher. Era meu lema As mulheres dos meus homens eram minhas irmãs.

Quem era o 1ºcabo M.C. ? Natural da minha freguesia, ainda meu parente afastado, trabalhava na Secretaria da Companhia, sendo o seu estado natural de bebedeira pura e dura.

Fui ao abrigo onde estava o M.C., com o Amadú e mais alguns do 53 atrás de mim, trouxe-o cá para fora e enxertei-lhe o pelo valentemente, mais furioso ainda por ser um conterrâneo meu a fazer uma canalhice daquelas.

Deixei-o caído na parada, mas ameaçando-me ele com um tiro. Não liguei à ameaça, virando-lhe as costas. Não é que o tresloucado foi mesmo buscar uma G3 para me atingir? Valeram-me os meus homens que estavam perto. Desarmaram-no com a maior das facilidades e, se eu não tivesse intervido, tinham-lhe limpado o sebo.

Nessa noite desapareceu o M.C.... Fiquei preocupado. Vinha de férias pela 1ª vez, daí a uns dias, e,como tudo se sabe, e geralmente com distorções, já começava a imaginar o que iriam dizer acerca da minha pessoa, sendo que os pais e os irmãos eram óptimas pessoas. O Clemente andava fodido.

Ao fim de 3 dias, vindo do lado de Aldeia Formosa, apareceu o M.C. Vinha todo roto. O Clemente mandou formar a [CCAÇ] 2701 e o [Pel Caç Nat] 53 e ordenou ao fugitivo para lhe dizer o que tinha andado a fazer.
-Tentei ir para a República da Guiné, utilizando o carreiro dos djilas, mas comecei a ter medo das minas e armadilhas, perdi-me e andei vagueando ao longo do [Rio] Corubal, até conseguir regressar... Comi umas folhas para enganar a fome - explicou o M.C.

O Clemente disse que era sua intenção dar-lhe a punição máxima, mas em consideração
por mim iria ouvir-me primeiro. Depois de muita insistência, consegui convencer o Cap Clemente a esquecer o incidente.

Paulo Santiago


PS-O M.C. foi para a Venezuela. É raro vir cá, e quando vem provoca distúrbios graves. A própria família não gosta de o ver.

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Nota de L.G.:


(1) Vd. post anteriores:

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1687: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (9): Maluqueiras na picada Saltinho-Galomaro-Bafatá

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1653: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (8): A pontaria dos artilheiros de Aldeia Formosa

5 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1564: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (7): Fogo no capinzal

13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha

13 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1275: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (4): tropa-macaca, com três cruzes de guerra

19 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri

13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança

12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado

Guiné 63/74 - P1811: Vim para Portugal aos 7 anos, em 1969, e não tenho uma fotografia de meu pai, A. Pinho Brandão (Gilda Pinho Brandão, 44 anos)



Guiné- Bissau > Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Destacamento de Ganjola > "As instalações que eram do Sr. Brandão que vivia em Catió, eram compartilhadas pela tropa e por uns poucos civis, duas famílias. Nas duas fotos, dois meninos e uma menina, filhos de habitantes locais. Os mestiços eram irmãos e dizia-se, entre a tropa, que eram filhos do proprietário, o Sr. Brandão" (VC) (1).

Numa das fotos, o Victor Condeço (ex- Fur Mil Mecânico de Armamento, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) (2) deixa-se fotografar com a menina . Como se chamaria ela ? Onde estará hoje ? Terá algum parentesco com a nossa amiga Gilda Pinho Bandão ? O Victor, que vive hoje no Entroncamento, regressou a Portugal no T/T Uíge, em Março de 1969.

Fotos: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de Gilda Pinho Brandão, filha de Afonso Pinho Brandão, comerciante português do sul da Guiné, em resposta ao nosso post de 30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1798: Região de Catió: Descendentes da família Pinho Brandão procuram-se (Gilda Pinho Brandão)


Caros Amigos,

A Guiné, de facto, deixou-nos marcas que nos vão acompanhar a vida inteira.

Os vossos testemunhos são impressionantes; apesar de terem passado momentos muito maus, continuam a gostar da Guiné e dos guineenses.

Eu não sei se o Afonso e o Manuel Pinho Brandão seriam irmãos ou não; presentemente sei que o Afonso (o meu pai) tem um irmão (também comerciante) na Guiné chamado Arnaldo Pinho Brandão que, por incrível que pareça, não reconhece os filhos do irmão como familiares, mas isso não me interessa pois, o meu objectivo é ver a imagem (fotografias) do homem que foi meu pai, para que possa ajudar a minha filha a entender as origens dela.

A minha história é um bocado longa, mas vou tentar resumi-la em poucas linhas:

(i) Vim da Guiné em 1969, a pedido da mãe do militar (Furriel Pina) que me trouxe; tinha 7 anos e lembro-me de vir num barco de guerra com os militares todos e mais um menino negro chamado Domingos (já falecido).

(ii) Esta família deu-me tudo e cuidou de mim como se fosse da família; hoje com 44 anos, perdi um bocado as minhas raízes guineenses, mas tenho uma família portuguesa fantástica.

(iii) Este ano acabei por descobrir que tenho mais 8 irmãos (só da parte do pai Afonso), espalhados por Portugal, Alemanha e Guiné. Conheci dois deles no fim-de-semana passado e espero muito em breve conhecê-los todos.

(iv) Os meus familiares maternos continuam na Guiné, poucas lembranças tenho deles, o único membro de que me lembrava mais ou menos era da minha avó, mas que já faleceu há algum tempo, a minha mãe faleceu há cerca de 2 anos.

(v) Nunca mais voltei lá mas, agora que tenho uma filha, terei que pensar em visitá-los, para lhe apresentar a família biológica.

Mais uma vez muito obrigada pelas vossas palavras, a guerra foi muito “feia” e “má”, mas contribuiu para se fazerem GRANDES AMIZADES.

2. Resposta do editor do blogue:

Querida amiga Gilda:

Vamos tentar ajudá-la, o melhor que pudermos e soubermos. A nossa vocação não é propriamente essa, a de encontar pessoas, familiares ou outras, que se perderam por lá, Guiné, ou por cá, Portugal. Mas não podemos recusar esse gesto de solidariedade humana. Afinal, fomos os últimos soldados do nosso império colonial... Além disso, centenas de camaraas de nossos visitam-nos todos os dias (chegamos a ter 1500 visitas por dia)...

Vamos, por isso, a questões concretas: diga-nos, para já, a que companhia ou batalhão é que pertencia o furriel Pina com quem você, aos 7 anos, veio para Portugal. E em que sítio da Guiné é que ele estava. Ele, que deve ter feito a sua comissão de serviço entre 1967 e 1969, também pode contactar-nos directamente (Camarada, esperemos que ainda estejas vivo e de boa saúde!). Sabe em que navio (Niassa, Uíge...) é que vocês os dois vieram e em que dia é que partiram de Bissau ? A família portuguesa que a acolheu terá, seguramente, essa informação. Peça, por exemplo, para ver a caderneta militar do ex-Furriel Pina.

De qualquer modo, onde é que o seu pai, Afonso Pinho Brandão, e a sua mãe viviam na altura ? Catió ? Ganjola ? Tem que nos contar um pouco mais da sua história de infância... Eu imagino quão doloroso deve ser para si evocar esses tempos: afinal foi separada da sua mãe, da sua avó, do seu pai e dos seus irmãos, aos 7 anos, e trazida para viver num país que lhe era completamente estranho!...

Já vimos que havia uma família Brandão em Catió. Pode ser que os nossos camaradas Mário Dias, Mendes Gomes e Victor Condeço, que andaram lá para aqueles lados, possam trazer mais algum elemento novo ou mais alguma pista que leve à localização da sua família.

Sobretudo não desista. Alguém pode ter uma fotografia do seu pai, já que os militares portugueses conviviam bastante com os comerciantes locais. Desejo-lhe boa sorte nas suas diligências em busca das suas raízes que não são apenas biológicas, mas também afectivas, sentimentais e culturais. Ninguém pode viver sem memória, muito menos a sua filha. Vou apelar aos nossos camaradas e amigos para que a ajudem.

Estou inteiramente de acordo consigo: a guerra da Guiné, como todas as guerras, foi muito feia e má mas nela também se fizeram grandes amizades... Convido-a, desde já, a fazer parte da nossa Tabanca Grande...Os camaradas e amigos da Guiné ficarão certamente sensibilizados pelo seu caso e gratos pelo seu exemplo de coragem, determinação e inteligência emocional...

Luís Graça

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjola, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

(2) Há mais fotos e comentários do Victor Condeço sobre o Catió:

3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1505: Lembranças da Vila de Catió (1): Albano Costa / Mendes Gomes / Vitor Condeço

15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1528: Lembranças da Vila de Catió (2): Albano Costa / Vitor Condeço

11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço

(3) Vd. post de 21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

Guiné 63/74 - P1810: Convívios (13): CCAÇ 816 (Oio, 1965/67), em Joane, Famalicão, em 5 de Maio de 2007 (Rui Silva)



Famalicão > Joane > 5 de Maio de 2007 > Convívio da CCAÇ 816 (que esteve na Região do Oio entre 195 e 1967) > Um imaginaivo pasteleiro concebeu este bolo original, onde se pode ler Justiça e Luta, entre o símbolo da justiça (a balança) que também pode ser lido como OIO)...

Fotos: © Rui Silva (2007). Direitos reservados.

1. Texto do Rui Silva, com data de 7 de Maio último :


No passado sábado, 5 de Maio, a CCAÇ 816 (1) fez mais um alegre e emotivo convívio, desta feita em Joane (Famalicão).

No cemitério de Joane foi prestada uma sentida homenagem ao nosso saudoso colega Furriel Silva, falecido em combate na estrada Olossato-Farim, m 1 de Agosto de 1965.

Antes, o grupo da 816, sempre com muitos familiares, fizera uma idêntica romagem/homenagem ao cemitério de Atouguia-Creixomil aonde se encontram sepultados os nossos saudosos amigos Pinto e Cow-boy , falecidos recentemente. No cemitério de Joane estiveram também presentes familiares do falecido Silva (passaram 42 anos!), o que muito sensibilizou e honrou os seus antigos camaradas ali presentes.

Como sempre, o ex-Comandante da Companhia, Luís Riquito, procedeu a eloquentes e personalizados discursos, quer nos cemitérios quer depois no almoço de confraternização no restaurante do amigo e camarada da 816, o Nelito.

Luís, um abraço. Rui Silva



Foto > Famalicão > Joane > Cemitério > 5 de Maio de 2007

Cemitério Homenagem dos camaradas da 816 na sepultura do saudoso Furriel Silva, morto em combate na estrada Olossato- Farim no dia 1 de Agosto de 1965.

Foto > Cemitério de Joane > 5 de Maio de 2007

O então Capitão Riquito, Comandante da Companhia, fez uma justa e sentida alocução junto à sepultura do Silva.

Foto > Famalicão > Joane > 5 de Maio de 2007 >

Os organizadores do Convívio-2007: Carneiro, Nelito e Carvalho, também militares da CCAÇ 816



Foto > Famalicão > Joane > 5 de Maio de 2007 >

O Rui Silva (à esquerda), ladeado pelo coronel e escritor Rui Alexandrino Ferreira (autor do best-seller da guerra colonial Rumo a Fulacunda) (2), que tem honrado o pessoal da CCAÇ 816, com a sua presença.



Famalicão > Joane > 5 de Maio de 2007 > O então Capitão (1965/67), Luís Riquito, parte o tradicional bolo , com o emblema da CCAÇ 816.


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Notas de L.G.:
(1) Vd. post anterior > 3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1809: Base do PAIGC, em Iracunda, Oio: Eram quatro horas e meia da madrugada... (Rui Silva)
(2) Vd. post de 30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1800: Álbum das Glórias (14): De Alferes (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67) a Capitão (CCAÇ 18, Quebo, 1970/72) (Rui Ferreira)

Guiné 63/74 - P1809: Base do PAIGC, em Iracunda, Oio: Eram quatro horas e meia da madrugada... (Rui Silva)



1. Texto do nosso camarada Rui Silva, ex-Fur Mil, CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato e Mansoa, 1965/67), e que vive hoje em Vila da Feira:

Um grande abraço Luís Graça extensivo à fantástica tertúlia.

Cá recebi a tua mensagem que me encheu de alegria. Não tens nada de pedir desculpa por respostas atrasadas pois percebe-se bem os teus muitos (e nobres) afazeres.

Já vi a minha figura na galeria de fotos. São só 42 anos de diferença entre as minhas duas.

Vou continuar, com muito gosto, a enviar-te material incluindo fotos em Bissorã e Olossato principalmente. Por agora vou-te enviar o intróito do meu caderno de memórias a que lhe dei o nome de Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa.

Muita saúde e bem-estar para todos!!.

Rui Silva

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Páginas negras com salpicos cor-de-rosa > Introito,


por Rui Silva


Eram 4 horas e meia da madrugada quando parámos. Fazia noite, noite escura. Já tínhamos andado um bom par de quilómetros.

Olhares que se interrogam e… era a espera. Era aquele terrível espaço de tempo que se repetia sempre em todas as operações de Golpes de mão. Era aquela inquietante altura do tempo que nos punha na maior tensão e ansiedade. Era o aguardar da hora H, a hora do assalto ao refúgio inimigo e era ao mesmo tempo o retemperamento das energias gastas ao longo da caminhada.

Algumas dezenas de metros mais adiante estava o inimigo, oculto, algures acoitado naquela densa e emaranhada mata. A obscuridade dava às árvores e à sua folhagem feições de figuras fantasmagóricas e assustadoras. Estávamos todos reunidos, uns sentados, outros deitados, outros ainda nas posições que mais lhes apeteciam. Havia o maior silêncio, apenas cortado por um ou outro pigarrear inevitável ou pelo estalar de folhas secas provocadas pela mudança de posição deste ou daquele.

De olhos extasiados, circunspectos e de músculos contraídos, entreolhávamo-nos e parecia interrogarmo-nos: Como vai ser?..., Haverá surpresa?..., Conseguiremos o objectivo?, ou estarão eles já alertados e à nossa espera com uma emboscada montada?

Eram estas as pertinentes interrogações que nos martelavam o cérebro numa expectativa profundamente emocional. Que pesadelo!!... Não, naquela altura não éramos seres humanos, sentíamos e pensávamos como irracionais, quais animais selvagens prontos a atacar a presa.

Estávamos ali para matar, sim, matar, matar o semelhante, só que este tratava-se do inimigo, que, também… nos queria matar.

…E chegou a hora!!

O dia começou a nascer. Era na semi-obscuridade a altura ideal para atacar. Em pé e como autómatos tomámos as posições iniciais de fila indiana e a coluna retomou a marcha. Os cuidados agora redobravam-se. Era a etapa final, a curta etapa que precedia o ataque. As armas foram tomando nas mãos a posição adequada e os cuidados de progressão cingiram-se ao máximo.

De repente, inesperadamente, soa um tiro!... e foi o começo! Foi como que uma gigantesca trovoada então entoasse no silêncio da madrugada. As rajadas ouviam-se incessantemente; o matraquear da metralhadora pesada inimiga fazia-se destacar com as suas fortes detonações; os rebentamentos de granadas de bazooka e lança-rockets faziam-se aqui e acolá; o fogo era pleno… de parte a parte. A nossa reacção, como que impelida por uma mola, foi de imediato. Vi os soldados de dentes cerrados e feições crispadas apertarem com raiva os gatilhos, e trocarem os carregadores em movimentos nervosos mas calculados.

Foram 25 minutos de fogo cerrado e ininterrupto, e, embora lentamente, o inimigo foi cedendo… cedendo...

A peito descoberto e ainda debaixo de fogo, avançámos em leque, em passos firmes e decididos, na direcção do refúgio inimigo que, entretanto, se põe em debandada, mas sem, no entanto deixar de atirar na nossa direcção, com rajadas cada vez mais esporádicas e cada vez também mais distantes.

E o refúgio de Iracunda [, entre Bissorã e Mansabá, a sul do Olossato e Fajonquito,] deu então lugar a gigantescas chamas que reduziram a cinzas aquela importante e estratégica base inimiga algures no Oio, zona de grande poderio e concentração inimiga.

O inimigo reagiu, e de que maneira! Reagiu forte e decididamente!

Aliás foi o primeiro a atacar, pois tinha-se gorado o factor surpresa com que contávamos, o que aliás acontecia em grande parte das vezes, e então emboscou-se aguardando a nossa aproximação.

O tal tiro era o sinal para abrir fogo.

Deram bem a noção da sua força, quer humana quer bélica. Tinham-nos também escapado, mas o seu tributo não tinha deixado de ali ser pago e de forma implacável: no chão, jaziam os corpos de três guerrilheiros; três corpos despedaçados, por, presumivelmente, granadas das nossas bazookas ou dos nossos morteiros.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1711: Tertúlia: Apresenta-se o Fur Mil Rui Silva, CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67)