quinta-feira, 21 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1863: Convívios (18): Como a cidade que nos acolheu, foi nobre a confraternização da CCAÇ 2317, Os Gandembelenses (Idálio Reis)

Porto > 9 de Junho de 2007 > Confraternização da CCAÇ 2317, os Gandembelenses. Visita ao Museu Militar do Porto, pela mão do nosso camarada A. Marques Lopes, dirigente da Associação 25 de Abril - Delegação Norte.

Porto > 9 de Junho de 2007 > Confraternização da CCAÇ 2317, os Gandembelenses. Almoço de convívio: aspecto geral. Este ano vieram mais seis (!), incluindo o João Franco e o Fernando Oliveira, naturais de Vila Praia de Âncora, que vieram e regressaram de comboio. Uma grande alegria para o Idálio Reis (em primeiro plano, na imagem)

Fotos: © Idálio Reis / M. Almeida (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do Idálio Reis (1), com data de 10 de Junho de 2007:

Meu caro Luís:

Junto a esse velho casario do Carlos Tê/Rui Veloso, mais uma vez nos reunimos em sólida e franca jornada de camaradagem, num grande encontro de convívio. A ele, se dignaram juntar o A. Marques Lopes, da CART 1690, e o José Teixeira, da CCAÇ 2381. Este para reencontrar vivências de um passado partilhado, de calcorrear trilhos de um chão comum, tão traiçoeiro; o nosso tertuliano Marques Lopes, porque para além de diligenciar que o Museu Militar do Porto nos franqueasse as suas portas para uma visita guiada, quis conhecer-nos de perto e ouvir as nossas estórias, em que os ânimos mais se esbraseiam com as recordações a jorrarem em catadupa, pois que teimosamente não pretendem ser sumidas.

Como sempre, há os que persistem numa presença assídua; outréns, que deixaram o espaço por preencher, devido a razões de força maior. Também há, infelizmente, os que jamais aparecem, e aqui se aglutinam motivos da mais variada índole. Alguns, dolorosamente, não lhes sabemos do paradeiro.

Contudo, das indagações a que me propus encetar nestes últimos tempos, apareceram mais 6. São momentos de rara felicidade e contentamento, rever estes companheiros após uma larga delonga de quarenta anos.

Dentre estes, esteve o ex-cabo Fernando Oliveira, de um lugar da freguesia de Vila Praia de Âncora. A vida deste homem, de há tempos a esta parte, não lhe tem sido fácil, mercê de um conjunto de vicissitudes de ordem familiar. Feridas difíceis de superar, e ele não foi suficientemente forte para vencer tais contrariedades da melhor forma, pois de repente começou a entrar no abuso desregrado da bebida que perturba tão perniciosamente e que fatalmente degenera no vício.

Tive o privilégio de encontrar um seu conterrâneo, este morador na sede da Freguesia e que viveu as peripécias da campanha da Índia, que após me confirmar do paradeiro do Oliveira, se veio a tornar o seu principal apoio e que me vem referindo que aquele guerrilheiro de rija têmpera, começa a dar indícios de uma franca melhoria na sua conduta do dia-a-dia.

No sábado, um cidadão de nome João Elias Domingues Franco, aparece-me no restaurante com o Fernando Oliveira, vindos ao Porto por via ferroviária. Silente, fechei os olhos por breves instantes, sustendo a forte emoção do momento, inigualável. A presença ali daqueles 2 conterrâneos, era o testemunho duma ilimitada amizade.
Almoçaram connosco, mas às 15 horas tiveram que se retirar para apanhar o comboio até Vila Praia de Âncora.

Também eu conquistei, em definitivo, uma relação de grande afecto e estima, por um grande homem de corpo e alma, inteiro. Bem-haja, amigo João Franco, por esta maravilhosa missão de auxílio, desinteressada e altruísta, profundamente humanitária que vem tendo com este meu ex-companheiro. Muito grato por tudo.

Um cordial abraço à Tertúlia do

Idálio Reis
Ex- Alf Mil da CCAÇ 2317
BCAÇ 2835
Gandembel e Ponte Balana (1968/69)

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)

Guiné > Zona Leste > Pirada > "O meu grande Amigo Gramunha Marques", nas palavras do António Pinto... Poucos dias antes de morrer, em Madina do Boé, heroicamente, em grande sofrimento...


Foto: © António Pinto (2007). Direitos reservados (3).


Guiné > Zona Leste > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento (1966). Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumo que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-capitão miliciano da CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, nosso tertuliano, ex-alf mil da CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: Uma campanha na Guiné, 1965/67).


1. Mensagem de Adelaide Gramunha Marques:

Exmo. Senhor Dr. Luis Graça

Estou a escrever-lhe porque através de um dos meus sobrinhos (1) veio parar-me às mãos um blogue que fala da Guiné, daqueles que por força do destino ou da cegueira de um homem, se viram envolvidos em lutas que não provocaram e cujo desfecho final nem sempre foi o mais agradável.

Deixe que me apresente primeiro: o meu nome é Maria Adelaide Gramunha Marques Sales Crestejo, irmã do falecido Martinho Gramunha Marques (2).

Quero que saiba que a minha primeira reacção quando vi o blogue, foi de expectativa pois fiquei entusiasmada com a ideia de que aqui podia finalmente encontrar alguém, que durante aquele período de tempo em que ele esteve na Guiné (3), conviveu com ele, quem sabe assistiu aos seus últimos momentos, o confortou, lhe deu apoio enfim, não o deixou morrer sozinho (2).

Quando vi a mensagem do Sr. António Pinto e vi o nome do meu irmão ali escrito com todas as letras, nem parei para pensar e foi então que um murro me atingiu em cheio o estômago, a cabeça começou a girar e as lágrimas não paravam de brotar dos meus olhos.

Ali à minha frente estava aquilo que durante anos e anos eu tentei saber e nunca tive ninguém que mo dissesse. Como foi a morte do Martinho Gramunha Marques ? O meu coração pedia a Deus que tivesse sido rápido, que ele não tenha sofrido.

Agora sei que isso não foi assim. Agora que já passaram 2 dias desde que tive conhecimento da vossa existência, e tendo lido com mais calma alguns dos comentários e narrativas, acho que foi bom, esta revelação aproximou-me mais dele.

Há no entanto tanta coisa que eu gostaria de saber, por essa razão lhe escrevo este email, pois gostaria se isso fosse possível, entrar em contacto directo com o Sr. António Pinto (4), seja através de telefone ou email.

Dr. Luis Graça, não quero terminar este email sem antes mandar para si e para todos os que de uma maneira ou doutra tornaram este cantinho uma realidade, um BEM HAJAM e as maiores felicidades.

Adelaide Gramunha Marques


2. Comentário de editor do blogue:

Querida senhora, cara amiga: Deixemos as deferências. Deixe-me ser solidário na sua dor e na sua revolta. Deixe-me que lhe fale do meu próprio espanto. O seu irmão morreu há mais de 42 anos, no dia 30 de Janeiro de 1965, em Madina do Boé (de má memória para muitas famílias portuguesas) e, tanto quanto sei, está sepultado no cemitério de Cabeço de Vide, concelho de Fronteira, distrito de Portalegre.

Mas a família nunca soube as circunstâncias da morte do Martinho. Vem a sabê-lo, há dias, casualmente, impessoalmente, através da blogosfera, através do do relato de um camarada e grande amigo do seu tempo de Guiné, o ex-Alf Mil António Pinto...

É triste que as coisas tenham acontecido assim. É revoltante que o Exército, na época, não tenha conseguido sequer humanizar a notícia da morte dos seus homens. Percebo hoje a sua revolta, que é também a nossa. Resta-nos a consolação de termos contribuído um pouco - todos nós, a começar pelo António Pinto - para que você, irmã do nosso camarada Martinho Gramunha Marques, e os seus familiares mais próximos, consigam finalmente fazer o luto e preservar o melhor da sua memória... Através do nosso blogue, através do pungente relato do seu amigo e camarada António Pinto, o Gramunha Marques não será esquecido... Vou pedir ao António que entre rapidamente em contacto consigo: ele vive hoje em Monção (email> antoniopinto67@sapo.pt ).

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1456: Gabu: Fotos com legendas (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (1): Pirada e Piche

(...) Comentário do Bernardo: "Boas, sou sobrinho do Martinho Gramunha Marques (que nunca conheci) e qual não foi o meu espanto quando encontrei estas breves histórias em que ele participou e não conhecia. Foi uma surpresa agradável.Cumprimentos,Bernardo Gramunha Marques" (...).

(2) Sobre a morte do Alf Mil Gramunha Marques, vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido


(...) "(1) Gramunha Marques, morto em Madina do Boé.

"Estava em Beli, já noite, quando através do rádio do Chefe de Posto soube o que aconteceu aos nossos camaradas, que foram vítimas duma emboscada fatal. A minha primeira reacção foi entrar em contacto com Nova Lamego e pedir autorização para ir tentar ajudá-los.

"Levei uma nega do Ten Cor Figueiredo Cardoso que me deu ordens terminantes para ficar onde estava, em Beli, com redobrada vigilância. Com os nervos à flor da pele desliguei-lhe a comunicação depois de quase o ter insultado (e que mais tarde pedi desculpa, do acto impensado).

"Pedi voluntários para irem comigo, mesmo desobedecendo às ordens e quem conseguiu demover-me, já com a pequena coluna pronta para arrancarmos, foi o Furriel Stichini, que me disse e não posso mais esquecer:
- Nós vamos, mas será o responsável pelas nossas mortes.

"Acabei por ficar, destroçado e cheiro de raiva. O Gramunha Marques, soube-o depois, teve uma morte horrível, com uma perna esfacelada, esvaindo-se em sangue e sempre consciente até ao fim" (...).


(3) Segundo pesquisas feitas pelo nosso camarada José Martins, o Martinho Gramunha Marques, Alferes Miliciano Comando, natural de Cabeço de Vide / Fronteira, inumado no cemitério de Cabeço de Vide, tombou em Madina do Boé em 30 de Janeiro de 1965. Pertencia à 3ª Companhia de Caçadores Indígenas.

Vd. post de 15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

Sobre a 3ª Companhia de Caçadores Indígenas, o José Martins coligiu mais os seguintes elementos informativos:

"Esta unidade foi constituída em 1 de Fevereiro de 1961, como unidade da guarnição normal do CTIG, formada por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, iniciando a sua formação adstrita à 1ª CCAÇ I.

"Em 1 de Agosto de 1961, com a constituição de dois pelotões, substitui a 1ª CCAÇ I na guarnição de Nova Lamego. Desloca elementos para guarnição de várias localidades do Sector Leste, por períodos e constituição variáveis, sendo de destacar as localidades de Che-Che, Béli e Madina do Boé. Passou a guarnecer, em permanência as localidades de Béli e Madina do Boé instalando, em 6 de Maio de 1963, um pelotão em cada localidade.

"Em 1 de Abril de 1967 passa a designar-se por Companhia de Caçadores nº 5".

Vd. post de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

(4) Sobre o António Pinto e as unidades a que pertenceu, vd. posts:

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli

20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)

3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)

4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1493: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (2): Eu e o Furriel Comando João Parreira

Guiné 63/74 - P1861: Homenagem ao meu tio, Alf Mil Minas e Armadilhas, Manuel Sobreiro, do BART 1896 / CART 1612 (Nelson Domingues)

Guiné > Guileje > BART 1896 > CART 1612 (1967/69) > O Alf Mil de Minas e Armadilhas, Manuel Sobreiro, natural de Leiria, morto numa acidente com um granada defensiva, em Mampatá, em Fevereiro de 1968.

Alguém se lembra dele e das circunstâncias em que morreu ? O Manuel de Jesus Rodrigues Sobreiro, natural de Riba de Aves, Souto da Carpalhosa, Leiria, era amigo e conterrâneo do nosso infortunado José Neto (1929-2007), pertencendo ao mesmo batalhão (BART 1896)


Fonte: Nelson Domingues > Blogue > As Verdades do Sobreirito(2007). (com a devida vénia...).


1. Mensagem de Nelson Domingues:

Boa noite,

Espero que se encontre de óptima saúde!

Agradeço a sua atenção para com o meu e-mail! Foi muito importante e alimentador da minha vontade de homenagear o meu tio Manuel Sobreiro, Sobreirito. Por isso o referi no blogue As verdades do Sobreirito, e que passo a transcrever:

Foi com enorme satisfação, que recebi resposta a um e-mail meu, vindo do Dr. Luís Graça. Eu já desconfiava que estava perante seres humanos fenomenais em que o sortilégio da vida os levou até Guiné-Portuguesa, mas ao verificar a disponibilidade e as palavras amigas do Dr. Luís Graça, fiquei acreditar que faz todo o sentido a criação deste blogue homenageando o meu tio Manuel Sobreiro, o 'Sobreirito'.

Fiquei triste ao saber que o amável, admirável e encantador Sr. José Neto (Zé Neto) (1929-2007) já não está entre nós, com o qual tive o privilégio de trocar alguns e- mail, e que numa próxima ocasião abordarei. Desde já agradeço ao Dr. Luís Graça, a sua amabilidade, colocando as referâncias do Blogue
As verdades do Sobreirito na sua tertúlia.



Os meus agradecimentos,

Nelson S S Domingues



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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 14 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1849: Quero prestar a devida homenagem ao meu tio, o Alf Mil Manuel Sobreiro, da CART 1612, morto em Mampatá em 1968 (Nelson Domingues)

Guiné 63/74 - P1860: Gadamael, 2 de Julho de 1973: Um ataque de mais de 4 horas do PAIGC, apenas travado pelo nossos Fiat G-91 (Jorge Canhão)

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Julho de 1973 > O Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, junto a "restos de Gadamael", depois de fortíssima ofensiva do PAIGC.


Foto: © Jorge Canhão (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Jorge Canhão:

Camarada Luís Graça:

Boa tarde e os desejos que esteja tudo bem:

Sobre a minha foto em Gadamael, não sei a data certa mas sei que foi tirada entre 26 de Junho de 73 e 1 Julho do mesmo ano.Tenho aqui mais meia dúzia tiradas lá.

O período que estive com a 121 e 123 de Páras (2) foi de 25 de Junho de 1973 até 13 de Julho de 1973, data em que deixámos Gadamael com destino a Cacine.Foi nesse período que sofremos (a minha Companhia) o maior ataque do PAIGC, em tempo, e que durou entre 4 e 5 horas, tendo terminado após a 2ª intervenção dos Fiat G91 (3).

Foi a primeira vez que ouvi as anti-aéreas do PAIGC atacarem os aviões. Após a 2ª chegada dos Fiat e com as antiaéreas a dispararem, um dos aviões ficou a andar em círculo ,enquanto o outro picava, mesmo debaixo de fogo e bombardeava o inimigo de então. Após ouvirmos grandes explosões, o ataque cessou tendo nós ficado um pouco mais descansados.

Em todo o período que estive em Gadamael, não havia electricidade e a comida era escassa, pois não passava de um prato raso com uma camada de grão e 2 ou 3 rodelas de chouriço, com uma sopa (?) e um pedaço de fruta de lata.

Sobre a electricidade: eu, que era electricista naval na vida civil, e o furriel mecânico Louceiro, montámos o gerador e juntamente com outros camarada arranjámos os fios eléctricos para que o quartel pudesse ter energia, o que de facto aconteceu, mas foi sol de pouca dura (algumas horas) pois quem mandava no aquartelamento, mandou desligar,com o argumento que o PAIGC poderia com mais facilidade obter tiro mais certeiro....Como se eles não soubessem...Enfim, no comments.

Sobre a história do meu batalhão, já hoje fui fazer uma cópia do mesmo e verei qual a melhor maneira de vos fazer chegar, talvez pessoalmente seja o melhor.

Desde já os meus agradecimentos e abraços

Jorge Canhão

2. Comentário de L.G.: Aparece, no meu local de trabalho, em Lisboa, quando te der jeito (Telef. directo> 21 751 21 90)

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1855: Tabanca Grande (13): Apresenta-se o ex-Fur Mil At Inf Jorge Canhão, da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72

(2) Vd. post de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(...) "2 Julho de 1973: ataque em força a Gadamael

"O PAIGC ataca o destacamento de Gadamael Porto utilizando Canhões s/r , Morteiros 82 , RPG 2, RPG 7 e Foguetões. Foi talvez o ataque mais forte desde o início das flagelações que eram constantes ao destacamento, mas que apenas conseguiu destruir mais algumas das poucas infra-estruturas existentes que ainda se mantinham mais ou menos direitas e causar algum efeito psicológico negativo nas nossas tropas. Do ladoNT ali aquarteladas, houve apenas 2 feridos, sem gravidade.

"De salientar que os ataques inimigos eram de tal forma precisos que era raro cair uma granada fora do perímetro do destacamento. Até chegámos a pensar que havia alguém, no interior ou bem perto, a dar orientação e correcção dos fogos o que se viria mesmo a confirmar que assim era"

(...) "Regressámos em LDG a Bissau no dia 17 de Julho de 1973".

(3) Vd. resenha biográfica do J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op especiais que pertencia à BCAV 8350, que abandonou Guileje em 22 de Maio de 1973 e se refugiou em Gadamael. Não há grande precisão nas datas, por parte do Casimiro Carvalho, no que diz respeito ao período em que esteve em Gadamael. Os páras chegam a 13 de Junho e regressam a Bissau a 17 de Julho. O grande ataque de 2 de Julho acontece, pois, nesse período, mas o Casimiro Carvalho descreveu-nos sobertudo o que se passou um mês antes, no princípio de Junho (4).

Vd. post de 25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

(4) O jornalista do Público, Álvaro Dâmaso (Público, edição nº 5571, de 26 de Junho de 2005), já reconstituiu o filme dos acontecimentos da ofensiva do PAIGC, contra Gadamael, de finais de Maio/princípios de Junho de 1973. Vd. post de 15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

31 de Maio de 1973

(i) Meio dia. O Coronel Ferreira da Silva acaba de poisar em Gadamael depois de uma nomeação relâmpago para a chefia do Comando Operacional 5 (COP5). (Tinha começadao a sua comissão na Guiné em Dezembro de 1971, nos Comandos Africanos, e alguns meses depois foi ferido com gravidade. Evacuado para Lisboa, onde convalesceu, regressou à Guiné a seu pedido em Janeiro de 1973 e foi colocado em Bolama a comandar uma companhia de instrução).

(ii) 15h. Depois de um breve contacto com os dois comandantes de companhia ali presentes, por volta das 15.00 começaram as flagelações com mísseis, morteiros e canhões sem recuo. Nesse dia há um morto e um ferido.

1 de Junho de 1973

(iii) Amanhecer.Começa o mais crítico de todos os dias da batalha de Gadamael. As granadas dos morteiros 120 eram disparadas a um ritmo de 18 de três em três minutos.

(iv) Logo pelas dez da manhã uma granada acaba com o pelotão de artilharia. Três mortos e 11 feridos deixam o pelotão inoperacional. Gadamael fica reduzido ao morteiro 81 que não tinha alcance suficiente. (Momentos antes tinha aterrado no quartel um helicóptero que transportava o general Spínola mas este teve de ser empurrado para dentro do aparelho, que levantou voo de imediato. O silvo das granadas a sair foi ouvido no quartel e os rebentamentos ocorreram no ponto de aterragem do helicóptero).

(v) Ao princípio da tarde uma granada destrói o posto de rádio e fere os dois comandantes de companhia, incluindo o Cap Quintas, do BCAV 8350.

(vi) Ao pôr do sol, contabilizam-se 8 mortos e 27 feridos. (As evacuações dos feridos por barco torna-se difíceis devido ao fogo intenso do PAIGC). Ferreira da Silva resiste com um punhado de homens ao avanço do PAIGC sobre Gadamael. Sem artilharia, sem apoio aéreo, sem oficiais, sem médico, sem posto de rádio e com poucas munições.Num cenário de desespero e com poucos abrigos os soldados começam a andar junto às valas de defesa até à tabanca que fica próxima e não está a ser atacada. O furriel Carvalho, do morteiro 81, está sem granadas. O 1º cabo escriturário Raposo, açoriano, enfia-se numa Berliet (conduzida pelo Carvalho, diz este) e vai buscar munições debaixo de fogo intenso.

(vii) Noite. Resiste-se comn um morteiro 81 e uma metralhadora.

2 de Junho de 1973

(viii) Uma parte significativa dos militares que tinha fugido para a tabanca, desloca-se com a população para junto do rio Cacine.

Dias seguintes

(ix) Nos dias seguintes a situação melhora mas só num dia há seis mortos entre os paraquedistas que entretanto tinham chegado. O comando foi assumido pelo oficial Manuel Monge. Ferreira da Silva passa a adjunto de Monge.

Página do Batalhão de Caçadores Paraquedistas nº 12 pode ler-se:

A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5. A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu. A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1859: O património edificado, militar, religioso e civil, que lá deixámos (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Cidade de Bafatá > 1969 ou 1970 > Vista área da mesquita de Bafatá e moranças em redor.

Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Cidade de Bissau > 2001 > Mercado antigo, ebelo exemplar da arquitectura colonial revivalista. A bela e tranquila Bafatá, a cidade de Amílcar Cabral, hoje com mais de 10 mil habitantes (?), merecia ser reabilitada e revitalizada. A actual Região de Bafatá, com um total de cerca de 185 mil habitantes, compreende os seguintes sectores: Bafatá (60 mil), Bambadinca (40 mil), Contoel (24 mil), Galomar5o (30 mil), Gamamudo (13 mil), Xitole (16 mil).


Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > 1968 > Uma das oito casernas-abrigo construídas de raíz... Cada um albergava duas secções... Que património edificado - militar, religioso, civil - deixámos na Guiné no final da guerra ? (LG)

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.


Luís Graça:


Ora, aqui está uma área, quanto a mim, com enorme interesse. O passado, presente e futuro do urbanismo na Guiné. A influência colonial e outras que devem e têm que ser levadas em conta. Lembras-te do Mercado de Bafatá? Além disso há as construções militares, quer as do passado junto à costa, quer as nossas. Estas com significado especial e diverso, como já afloraste.

Além da História ficará o Blogue mais rico mas, principalmente nós, se o quisermos, no relato e estudo desta interessante matéria, sempre com a engenharia (construções/urbanismo) e história de mãos dadas. Acrescem o sal e a pimenta que o sentimento e os afectos das nossas vivências imprimem. Passo a subjectividade da análise, mas gosto do tema, de ter mais um Guineense connosco e de aos poucos outros assuntos irem sendo tratados.

Boas vindas ao neófito e felicidades nos projectos de vida (1).

Já viste o que tens feito com a Net e o Blogue, o amor à Guiné e o estudo gerado por toda esta envolvência, meu caro ?!

Um abraço,

Torcato Mendonça
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post anterior > 19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1858: Tabanca Grande (14): Engº Luís Miguel da Silva Malú, nascido em Bedanda, em 1973, doutorando em urbanismo (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1858: Tabanca Grande (14): Luís Miguel da Silva Malú, nascido em Bedanda, em 1973, Engenheiro e doutorando em urbanismo


1. Ontem fui contacto telefonicamente por um guineense que me pediu para ser recebido, manifestando interesse em fazer parte da nossa tertúlia.

O seu nome é Luís Miguel da Silva Malú, engenheiro, nascido em Bedanda, em 1973. O pai, de etnia balanta, oriundo da região de Mansoa (onde chegou a trabalhar num bar de um português), era então militar, integrado no exército português (ele não conseguiu dizer se tratava da CCAÇ 6, como eu presumo que fosse a unidade em que serviu o pai do Malú) (1).

Depois da independência, o pai estudou e chegou a professor primário (extraordinário, porque os balantas eram justamente os que tinham maior relutância ou dificuldade em falar a língua portuguesa). A mãe era (ou é) de origem cabo-verdiana. O pai já morreu, mas transmitiu-lhe valores e até admiração pelos portugueses. O Malú confessou-me que preferia fazer o seu doutoramento em Lisboa do que em Madrid.

O Luís Miguel foi para Cuba durante 10 anos, e lá terminou o seu curso de engenheiro civil. Fez posteriormente um mestrado e agora está em Espanha, a expensas suas, a doutorar-se em urbanismo... Os espanhóis prometeram-lhe uma bolsa (que ainda não veio, obrigando-o a viver, no 1º ano, com as suas economias)... Pelo meio, trabalhou na sua terra, no Ministério das Obras Públicas, Construções e Urbanismo, tendo estado ligado a algumas obras públicas como a ponte sobre o Rio Mansoa, em João Landim...

Aqui fica o seu pedido de ingresso na tertúlia, com mais alguns dados biográficos adicionais:




2. Falámos da situação actual da Guiné-Bissau no que respeita ao urbanismo, ao ordenamento do território e ao legado patrimonial dos portugueses (incluindo a língua que uniu os povos, e que faz com que o Luís Miguel se sinta apenas guineense, nem balanta nem caboverdiano). Mostrou-se fascinado pelo desenho da cidade de Bissau e pela história do seu desenvolvimento urbano. Mostrou interesse em falar com o Mário Dias, autor de um interessante post sobre o progresso de Bissau ao longo dos anos 50 (2)... Esteve também a fazer pesquisas no arquivo ultramarino, em Lisboa.

Está interessado em contribuir connosco para o estudo, a preservação e a divulgação do património edificado pelos portugueses, religioso, civil e militar, e que faz parte da memória dos dois povos (forte da Amura do Séc. XVIII, de que ele fala com carinho, conhecimento de causa e até paixão; fortaleza do Cacheu, do Séc. XVI, restaurada pela Unesco, mas com atropelos à sua traça original; arquitectura colonial de Bafatá, Mansoa, Catió, etc.).

Há um imenso a trabalhar a fazer e que que esbarra, de um lado e de outro, com o desinteresse, a ignorância, a falta de sensibilidade, a indisponibilidade de recursos... Mesmo as simples pedras, restos dos quartéis dos portugueses do tempo da guerra colonial, podem e devem ser preservados porque alimentam uma fileira de turismo, militar, sénior, de interesse (económico e cultural) para a Guiné e a sua população...
 
Enfim, foi uma conversa interessante com um representante da geração do pós-independência, que tem sensibilidade cultural, política e histórica, que tem imensas saudades da sua terra, mas que corre o risco de vir engrossar a Guiné da diáspora... São horas de dar-lhe guarida na nossa Tabanca Grande. L.G.

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Notas de L.G.:
 
(1) Quem esteve em Bedanda, em 1971/72, foi o Mário Bravo: vd. post de 28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1469: Bedanda, manga de saudade ou uma dupla sinistra, o padre e o médico (Mário Bravo, CCAÇ 6)

(2) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau

(...) "A avenida que ligava o rio à Praça do Império tinha uma configuração bem diferente da actual. Possuía uma placa central, larga, cimentada, arborizada com dois renques de frondosas árvores e filas de apetecíveis bancos onde tantas vezes me sentei usufruindo de calmos crepúsculos como só África tem. O trânsito de automóveis, ainda relativamente reduzido, processava-se, assim, por faixas separadas: ascendente e descendente.

"Era esta avenida o picadeiro - expressão habitualmente usada em muitas terras para definir o local, praça ou rua, por onde os habitantes normalmente passeiam e que serve igualmente de ponto de encontro. Nessa placa central existia, já perto da Casa Gouveia, um quiosque com uma esplanada muito agradável onde se bebia excelente cerveja alemã. O café do Bento, a célebre 5ª repartição, surgiu mais tarde, no jardim, precisamente como resultado deste quiosque ter sido demolido com as obras de remodelação da avenida.

"Num domingo de manhã bem cedo, cerca das 8 horas, estava em casa quando ouvi, vindo dos lados da avenida que me era próxima, enorme ruído no qual sobressaía o característico som do arranque de árvores. Fui ver. Toda aquela azáfama era para mim novidade. Nunca tinha visto aquela enorme máquina que, com um simples empurrão e sem qualquer dificuldade derrubava as árvores enquanto outra, lâmina enorme e resplandecente, escavava e, num piscar de olhos, levava à sua frente a placa de cimento dos passeios, os bancos, candeeiros e tudo mais que por lá existia. Ali me quedei, embasbacado como saloio, e com grande mágoa de ver as belas árvores derrubadas, os bancos onde tantas vezes me sentara arrancados e empurrados chão fora e toda a avenida esventrada. Coisas do impiedoso progresso.

"Em pouco tempo, ao contrário das obras de hoje que demoram, e demoram, e demoram, a avenida ficou pronta. Alcatroada, com duas filas de candeeiros novos que ainda hoje lá estão, e com novas árvores para substituir as arrancadas. Se me perguntarem de qual gostava mais direi, sem qualquer hesitação, do seu aspecto antigo. Podiam ter alcatroado, substituído os candeeiros de iluminação pública e proceder a outras beneficiações sem necessidade de uma alteração tão profunda. Mas quem sou eu para me digladiar com o saber dos urbanistas?!" (...)

Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Campo de futebol > 24 de Dezembro de 1971, vésperas de Natal > O Caco - alcunha por que era conhecido o Com-Chefe General Spínla - passa revista às tropas em parada. O Alf Santiago segue atrás com o Cap Tomás, ajudante de campo do general Spínola.

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem do Jorge Cabral:

Amigo Luís!

Também eu compareci no 10 de Junho. Os camaradas lá tiveram as suas razões para não me convidarem para a fotografia… Demasiado feio? Talvez!

Aí vai estória e como sempre

Aquele Abraço

Jorge Cabral

2. Estória nº 24 da série Estórias Cabralianas. Autor: Jorge Cabral , ex- Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71.



Recebido no Batalhão, pelo Comando, em continência …
por Jorge Cabral


Manga de ronco, Pessoal! Spínola veio a Fá, visitar os Comandos Africanos (2) e praticamente toda a população das Tabancas vizinhas compareceu. Homens e Mulheres Grandes, belas Bajudas, e muitas, muitas crianças.

A Pátria, pois então… E uma Guiné melhor.

O Caco entusiasmou-se. Tanto, que optou por ir de viatura para Bambadinca. E lá partiu em coluna, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló.

Claro, mais um banho de multidão…

Quanto ao Helicóptero foi mandado para a Sede do Batalhão, tendo eu pedido boleia, pois nunca experimentara voar numa nave daquelas.

Simpático, o Piloto acedeu, e antes do destino, sobrevoou Missirá, o Enxalé e o Xime, que do ar, pareciam apenas clareiras rodeadas pela floresta.

Ao descer sobre Bambadinca, apreciei a nervosa azáfama lá em baixo. À pressa, o Tenente- Coronel Comandante, os Majores, Segundo Comandante e Oficial de Operações, dirigiram-se para o local de aterragem, a fim de receber Sua Excelência.

O Helicóptero poisou. Saí e deparei com todos eles perfilados, em continência. Correspondi então, dizendo:
- À vontade, meus Senhores... Por mim, só vim beber um wiskinho...

Jorge Cabral
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Nota de L.G.:

(1) Vd. último post da série > 5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)

(2) Vd. posts de:

11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1536: Morreu (1)... Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)

19 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1611: Evocando Barbosa Henriques em Guileje (Armindo Batata) bem como nos comandos e na PSP (Mário Relvas)

2 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1640: A africanização da guerra (A. Marques Lopes)

20 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1769: Estórias do Gabu (4): O Capitão Comando João Bacar Jaló pondo em sentido um major de operações (Tino Neves)

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

Lamego > Centro de Instrução de Operações Especiais > 1973 > O 1º cabo miliciano Carvalho

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > o Fur Mil At Inf Op Esp Casimiro Carvalho junto ao monumento aos mortos e feridos da CCAÇ 3325 (que esteve em Guileje de Janeiro a Dezembro de 1971).






Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Casimiro Carvalho no quotidiano de Guileje.


Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

Cartas e aerogramas enviados pelo José Casmiro Carvalho (Fur Mil Op Especiais, CCAV 8350, 1972/74) à família, durante a 2ª quinzena do mês de Junho de 1973 (1). A última carta que publicámos anteriormente era de 30 de Maio, escrita em Gadamael, onde o Casimiro, vindo de Cacine, se juntou à sua destroçada e desmoralizada companhia (2).

Alguns dias depois (?), ele será ferido em combate, em Gadamael, depois de ter ajudado a salvar e a evacuar o seu comandante, o cap Quintas, ferido com gravidade (a 1 de Junho de 1993). Não temos cartas ou aerogramas desse período (1ª quinzena de Junho de 1973), em que os paraquedistas do BCP 12 tiveram que vir aliviar a pressão do PAIGC sobre Gadamael, a seguir ao abandono de Guileje pelas NT (em 22 de Maio de 1973). Não sei se o Carvalho escreveu à família, ou se não o pôde fazer. Ele não fala desse ferimento em combate (que terá sido ligeiro: um estilhaço de morteiro 120) (3).

De qualquer modo é muito interessante cruzar estas informação epistolográfica com as memórias do Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista da CCP 121 que esteve do inferno de Gadamael nesta altura (2), depois do inferno de Guidaje.

A selecção, a revisão e a fixação do texto, bem como os subtítulos, são da responsabilidade do editor do blogue. Mais um vez agradeço ao nosso herói de Gadamael, o Casimiro Carvalho, o carinho, a confiança, o apreço e a franqueza que ele teve para connosco, permitindo-nos entrar na sua intimidade, na intimidade da sua família, conhecer as suas emoções, as suas alegrias e tristezas. Espero que nos ajude a todos a conhecer melhor o duro quotidiano dos nossos camaradas que, em Maio/Junho de 1973, sofreram no sul da Guiné uma das maiores ofensivas do PAIGC em toda a história da guerra (LG) .




Ficar não era heroísmo, era suicídio


Gadamael, 19/6/73

Paizinho:

(…) Estou bem, àparte uma dor de estômago e diarreia, provocadas pela má alimentação e má água (…)

Isto, às 7 da manhã começa-se com cerveja, para acabar às 7 da noite. Já bebi mais cerveja aqui do que você em toda a vida. É o que nos vai aguentando.

Isto está a melhorar, só bombardeiam de vez em quando e fora do quartel, portanto sem consequências. Há agora muitas emboscadas feitas aos paraquedistas que cá estão (2 companhias). Já há alguns que foram evacuados: ficaram malucos com isto aqui. Eu ando porreiro.

Diga lá ao Fernando [ Carvalho, o irmão,] que se torna a mencionar a palavra cobarde, não lhe escrevo mais. Pois se eu fugi da emboscada [descrita em 3] é porque éramos 14 homens só com G-3 e quatro ficaram logo ‘prontos’; a outro encravou-se-lhe a arma e seis fugiram logo. Estava só eu a dar fogo e outro moço, eu fui o único que tirei outro carregador e o disparei. Ficar lá nestas condições, não era um acto heróico mas sim um suicídio. Portanto, cuidado com as palavras, sr. Fernando. Eu não estou zangado. Eu não devia falar na quantidade de homens. Adeus.



Em Gadamael, estamos a dormir nas cabanas dos pretos que fugiram


Gadamael, 20/6/73

Minha querida mãezinha:

Como você me pediu, cá estou eu a escrever-lhe como posso. Se não lhe escrevi mais amiúde foi por causa da situação, pois nem tínhamos com que escrever, roubaram tudo e nem apetecia fazer nada porque andávamos a fugir das granadas, e desmoralizados com isto tudo. Até tínhamos medo de ir tomar banho.

Além de tudo, não tínhamos condições para nada pois nunca parávamos em sítio certo. Agora estamos a dormir e viver em cabanas dos pretos que fugiram , cheias de ratos e mosquitos. Mas pelo menos já dormimos, e eu com um Lusospuma.

Pode acreditar que me encontro bem, felizmente, pois agora acabou a história dos bombardeamentos. Agora só há emboscadas, quando saímos para o mato. Vamos cheios de medo e eu principalmente, pois vou à frente sempre porque, voluntariamente, levo uma metralhadora ligeiro. É uma defesa pessoal e de grupo muito boa. Eu levo 200 balas e a minha equipa 400.

Outro dia eu e o meu grupo comprámos 5 cabritinhos e eu é que os cozinho, Sou elogiado por oficial e soldados que os comem, pois tornei-me AQUELE cozinheiro. Desenrasco-me muito bem. Limparam-me também a máquina fotográfica.

Informem-me também do que se diz acerca disto aí, pois eu gosto de saber. Como já disse, vou outra vez, mais a Companhia, para o Cumeré onde estive quando cheguei à Guiné.

O irmã da Ana [, a namorada,] não está em Catió mas sim em Cufar.

(…) Parece que Guileje fica abandonado. O General Spínola não deu nenhuma ordem acerca de Guileje. A aviação vem aqui todas os dias bombardear à volta do quartel e todos os dias as antiaéreas turras ripostam.

Não vou ficar aqui muito tempo. Ando com uma diarreia maluca. Mas há-de passar. Continuo a sair para o mato.

Vamos para o Cumeré porque a nossa cmpanhia tem muitos mortos e mais feridos, para virem mais soldados completar a Companhia.

Eu devo levar um louvor, e não só mo darão se forem injustos. Pois andei debaixo de fogo a transportar mortos e feridos e a curá-los (não havia enfermeiros) numa BERLIET que eu conduzia e a transportar motores de botes para ser possível fazer as evacuações. Transportei feridos graves (a pé), debaixo de fogo. Mas ESTOU OK!

Seu filho que a ama.



Grande ronco dos paraquedistas, em 23 de Junho de 1973 (2)


Gadamael, 24/6/73

Queridos pais:

Estou óptimo, verdade! E vocês, como têm passado ? Sempre em sobressalto, mas sem razão. Pois isto agora está mais ou menos normal, embora vivamos sem condições de higiene e de habitação.

(…) Ontem, uma das companhias paraquedistas que aqui está, surpreende um grupo de turras, entre os quais cubanos, e pô-los em debandada, apanhando-lhes fardamento, alimentos, armamento, munições, coisas que eles tinham apanhado no Guileje, etc. Dois mortos deles e muitos feridos (2).

Estamos perto de abandonar esta vida, pois devemos ir para Cumeré.

Gosto muito das cartas da mãezinha, nunca deixe de me escrever. Pois dão-me umas horas de vida, enquanto penso nelas. E o meu velhinho ? Então tem-se esquecido do seu filho ? (…).



Vêm aí os periquitos: vai haver bebedeira pela certa


Gadamael, 26/6/73

Now we have peace

Minha querida mãezinha:

É com imensa ternura que, mais uma vez, lhe dedico uns minutos do meu pensamento. Neste momento batem 8 horas numa emissora de London [sic] que ouvimos no rádio.

Então, como têm passado todos aí em casa, enquanto o vosso soldadinho finalmente tem sossego, pois os turras não nos têm chateado, nestes últimos dias ?!

Ontem chegou uma companhia nova aqui, veio substituir a companhia daqui, e há-de vir uma outra, daqui a uns dias, para nos substituir. Vai haver bebedeira, pela certa, e vamos para o Cumeré, para completar a Companhia, substituir mortos e feridos graves. O capitão também foi ferido gravemente, e foi evacuado para a Metrópole. O outro capitão, o daqui, também foi ferido.

Há já alguns dias que vivemos em paz de espírito, e agora, desde há alguns dias fui nomeado instrutor de um novo grupo de milícias (pretos, 40). Ensino-lhes desde armamento a táctica de combate a ginástica. É um passatempo e não saio para o mato, pela primeira vez em oito meses, feitos ontem, dia 25.

Já passou a nuvem negra que tapava o nosso amor, entre mim e a Ana (…).

Parece que há um aumento de 500$00 a partir de Março e que recebemos tudo junto em Agosto. Mande dizer quanto marca o saldo B.B. & Irmão (…).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

(2) Vd. post de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)(3)

(...) "13 de Junho de 1973: aliviando a pressão sobre Gadamael

"No dia 13 de Junho, de manhã cedo, preparámo-nos para rumar [de Cacine] a Gadamael, sendo transportados em Zebros do Destacamento de Fuzileiros Especiais Africanos nº 21, dois grupos de combate sendo colocados nas margens do rio nas proximidades de Gadamael para onde seguimos em patrulhamento depois de serem desembarcados os outros dois grupos de combate da 121 que foram deslocados em LDM. No regresso, as embarcações seguiram para Cacine com os paraquedistas da CCP 122, aonde iriam recuperar durante um curto período.

"Chegados ao destacamento [ de Gadamael], verificámos que o estado do mesmo era na verdade aterrador, fruto dos constantes ataques, sendo bem visíveis os buracos dos rebentamentos das granadas do IN. Era evidente que quem lá tinha estado anteriormente, tinha passado por uns maus bocados.

"As nossas duas companhias de paraquedistas que se encontravam aqui estacionadas estavam em permanentes patrulhamentos no exterior do aquartelamento, indo a este simplesmente para remuniciamento e reabastecimento. Desta forma fomos alargando o raio de acção indo até junto à fronteira, para conseguir referenciar os locais de onde o PAIGC fazia os ataques, para dar indicações à nossa Artilharia e Força Aérea. A impossibilidade de referenciar, por ar, estes alvos, levou-nos a ocupar as zonas em que o IN poderia instalar as suas bases do fogo e deste modo a fazê-lo afastar-se. Foi o que, realmente, veio a acontecer.

"A partir desta altura fomos ao encontro dos locais de onde se ouviam os disparos das bocas de fogo e ocupámos essas áreas mesmo junto à fronteira, algumas vezes chegámos mesmo a ultrapassar a linha de fronteira com alguma profundidade - nunca por períodos longos, mas apenas porque havia aí bases de fogo IN. Nunca conseguimos apanhá-los desprevenidos, pois havia sempre forças de infantaria do PAIGC que os alertava com tiros acabando por retardar a nossa progressão.

"No entanto os ataque a Gadamael deixaram de ser tão frequentes, passando as flagelações a a realizarem-se com menos intensidade e sem a precisão até aí evidenciada, além de feitas a partir daí sempre de locais diferentes. Quando as nossas forças aí chegavam, já eles tinham partido para outro local.

"Mesmo já quando as forças do PAIGC não flagelavam o destacamento com tanta frequência, fomos mantendo a actividade de patrulha ao mesmo ritmo, por forma a manter as áreas próximas do braço do rio que dava acesso a Gadamael e que era a nossa única via de ligação para o exterior.

"Consequentemente a eficácia de tiro até aí verificada por parte do IN deixou de existir e a intenção e pressão inicial caiu por terra, as forças do nosso exército voltaram ao destacamento e com os paraquedistas fizeram vários patrulhamentos transmitindo-lhes os nossos conhecimentos e mais confiança nos deslocamentos em plena mata até aí de arrepiar" (...).


"23 de Junho de 1973: atolados num campo minado!


"A 23 de Junho de 1973, recebemos ordens para novo patrulhamento. Manhã cedo arrancámos desta vez saindo pela que era considerada porta de armas virada para o rio, o qual atravessámos. Avançámos para o local indicado pelos nossos superiores, em progressão lenta e com cuidados redobrados.

"Esta zona não era para brincadeiras. Nesse dia éramos acompanhados por 2 militares do exército que eram sapadores e montavam minas no terreno tentando proteger o destacamento da acção do inimigo. Passado algum tempo, recebemos ordens para parar na frente, estávamos num local minado pelos nossos novos companheiros e a sua missão era indicar-nos a localização das minas para podermos contornar o local sem qualquer incidente (...)".
(3) Vd. resenha biográfica do J. Casimiro Carvalho. Não há grande precisão nas datas, por parte do Casimiro Carvalho, no que diz respeito ao período em que esteve em Gadamael. O BCP nº 12, a duas companhias (CCP 122 e CCP 123) é enviado para Gadamael a 2 de Junho, seguindo-se a 13 a CCP 121, do Victor Tavares. Regressa a Bissau a 7 de Julho (as CCP 122 e 123) e a 17 de Julho (a CCP 121). Os páras cosneguiuram travar a ofensiva do PAIGC a partir do momento em que se instalam em Gadamael.
Eis como Carvalho descreve o seu ferimento, que deve ter ocorrido em finais de Maio de 1973 (a situação mais crítica em Gadamel é nos dias 31 de Maio, 1 de Junho e na noite de 1 para 2 de Junho; o cap Quintas, da CCAV 8350, é gravemente ferido na tarde do dia 1 de Junho, sendo ajudado pelo Fur Mil Carvalho, que estava operacional e foi um dos derradeiros defensores do aquartelamento antes da chegada dos páras - CCP 122 e 123 - a 2 de Junho) (4):
(...) "Em Gadamael, fugindo das morteiradas certeiras do 120
"Aqui vão alguns itens, e falo assim para não ser acusado de subverter a verdade dos factos.Em Gadamael não havia casamatas como em Guileje, só valas. Os bombardeamentos eram tão intensos que nem dava para acreditar, quando ouvíamos as saídas, tínhamos 22 ou 23 segundos até as granadas 120 caírem em cima de nós ou , muito raramente, caírem mais além. O pessoal começou a fugir para o rio, e as granadas caíam no rio, o pessoal corria para o parque Auto e as granadas caíam no parque Auto, o pessoal saltava para as valas e as granadas iam cair nas valas.Numa dessas quedas (voos) para a vala - e já lá ! -, senti as nádegas húmidas e, ao pôr lá a mão, esta veio encharcada em sangue... Berrei que estava ferido e fui evacuado num patrulha da Marinha para Cacine (entretanto no barco fui tratado e apaparicado pelos marujos).
"Em Cacine verificaram que era um estilhaço de morteiro 120 do IN, e que não havia necessidade de ser transferido para Bissau, pelo que fui nomeado chefe de limpeza em Cacine (um Ranger, imaginem) .
"Quando começaram a chegar as vítimas desse holocausto, e como ouvia os meus camaradas a embrulhar, deu um clique na minha cabeça e peguei numa Kalash que eu tinha, virei-me para um oficial e disse:- Ou me mandam já para Gadamael onde morrem os meus homens ou eu varro já esta merda!" (...)
(5) Ainda sobre o referido ferimento em combate, o Carvalho continua sem me responder às questões factuais (datas, etc.)... Enfim, a esta distância no tempo e no espaço, não se lhe pode pedir muito mais... Eis o que ele me escreveu, num mail recente:
"Fui ferido em Gadamael, por estilhaço de 120 (?) quando em voo para a vala. Fui evacuado por um patrulha até Cacine, onde me trataram e não viram motivo para ir para Bissau. Fiquei a ser chefe da limpeza em Cacine (um ranger...) até que me passei dos carretos a ouvir os bombardeamentos e a ver os meus camaradas a chegarem feridos aos magotes e resolvi voluntariar-me para regressar a Gadamael (insensatez própria da idade e da valentia de ser especial (Ranger).
"O Fernando é meu irmão mais novo e a Ana era minha namorada e hoje esposa".

Guiné 63/74 - P1855: Tabanca Grande (13): Jorge Canhão, ex-Fur Mil da 3.ª Companhia do BCAÇ 4612/72

1. Mensagem do Jorge Canhão, que pssa a ser um novo membro da nossa Tabanca Grande:


Camaradas da Tertúlia, aqui vai um mini - historial da minha Companhia e duas fotos minhas, ou seja, os dados necessários para ser mais um tertuliano. Concordo inteiramente com os princípios da Tertúlia. Desde já os meus parabéns pela vossa atitude face à guerra colonial
Abraços. Jorge Canhão




Sou o Jorge A. F. Canhão, natural de Lisboa e nascido em 1950. Vivo em Nova Oeiras-Oeiras. E-mail: jorge.aferreira@netcabo.pt. Telemóvel (que pode ser divulgado) > 91 274 85 56.


Fui Furriel Miliciano Atirador de Infantaria. Tive o privilégio de, com um grupo de miúdos sensivelmente da mesma idade, formarmos a 3ª CCAÇ do BCAÇ 4612/72 que prestou serviço na Guiné.




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1974 > O Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, junto a "restos de Gadamael" (não é indicado o dia nem o mês).

Foto: ©
Jorge Canhão (2007). Todos os dreitos reservados.

Chegámos à Guiné a 5/10/72, fizémos o IAO na zona do Cumeré e a 17/11/72 fomos para Mansoa.

A 18/6/73 deixámos o Batalhão e passámos a estar dependentes do COP 5 e do COT 9 como Companhia de Intervenção.

Fizémos operações nas zonas de Mansoa, Mansabá, Bissorã, Farim, Bula, Cacine e Gadamael, onde estiveos com as excepcionais Companhias de Pára-quedistas 121 e 123.

A 12/5/74 deixámos de ser Companhia de Intervenção e regressámos ao Batalhão.

Em 26/8/74 embarcámos de avião para Portugal.

Em toda a comissão e após algumas centenas de operações, tivémos 2 mortos (um furriel e um soldado), 2 feridos graves (soldados) e uma dezena de ligeiros, entre oficiais, furriéis e praças.

2. Comentário de L.G. e C.V. , editores do blogue:

Jorge: Em nome da nossa Tabanca Grande, ou seja, dos Camaradas e Amigos da Guiné, damos-te as boas vindas. Esperamos que te sintas confortável ao pé de nós, e que nos conte mais estórias da tua intensa actividade operacional. Aproveitamos para te perguntar em que altura foi tirada a fotografia de Gadamael, e em que operação ou operações participaste com as tropas paraquedistas do BCP 12. Tens uma cópia da história da tua companhia ou do teu batalhão ? Um abraço.

domingo, 17 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1854: Louvores e condecorações (1): o 1º Cabo Escriturário da CCS do BART 2893, Constantino Neves

Cópia do louvor atribuído ao 1º Cabo Escriturário Constantino Neves, da CCS do BART 2893, pelo tenente-coronel Fernando C. Magalhães (?)... Excerto do teor do louvor: (...) "porque durante a sua comissão de serviço na Província da Guiné demonstrou elevado espírito de bem servir, qualidades de trabalho e sentido de responsabilidade que o levaram a ocupar muitas das suas horas de descanso ou distracção a executar inúmeras tarefas cuja realização urgente se impunha, sendo por isso a colaboração, dada ao seu Comandante de Companhia, prestimosa.

"Em complemento, exibiu sempre aprumo e atavio invulgares e, com a sua conduta e trato afável, ganhou jus a que o seu exemplo seja de realçar perante os militares da Unidade"

Foto: © Tino Neves (2007). Direitos reservados


1. Mensagem do Tino Neves, d Almada, com data de 2 de Maio de 2007:

Camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal:

Acabo de ver no blogue, o post P1722, de 2 de Maio de 2007 (1) , o tema que inclui louvores e punições em que o camarada Jorge Cabral mostra o seu Louvor com muito orgulho, assim como outros camaradas o fizeram atrás, o Mexia Alves (2) e Vitor Junqueira (3) e outros, aos quais eu tiro o quico ou a bóina, porque não há que ter vergonha de falar ou mostrar os seus louvores. De facto, se os tiveram, é porque os mereceram. E não é a mesma coisa como o puxar dos galões, já que muitos dos louvados eram simples soldados rasos.

Não vou deixar de mostrar o meu, que como 1º. Cabo Escriturário que era, não me foi atribuído por grandes feitos operacionais. De igual forma fui merecedor dele, e dele me orgulho.

O nosso blogue está cheio de estórias de grandes feitos, com bastante valentia, o que me leva a pensar que, na maior parte dos casos, os camaradas intervenientes terão sido louvados, pelo que, desde já, dou o mote ao editor, o Luís, para que seja criada uma galeria de louvores.

Um abraço

Tino Neves
Ex-1º Cabo Escriturário
CCS/BCAÇ 2893
Nova Lamego (Gabu) 1969/71


2. Comentário de L.G.: Tino, aceito a tua sugestão... Mas, para que isto não se torne uma feira de vaidades, fica também espaço para as punições... Os louvores e punições são, seguramente, documentos que, se sujeitos a uma boa análise de conteúdo, dizem muito sobre o que foram as nossas forças armadas, a nossa actividade operacional, os nossos comandantes, nós próprios (que estávamos longe de ser o "espelho da Nação"...).

Há camaradas que também se orgulham das porradas que apanharam na tropa e sobretudo na Guiné... Estou-me a lembrar, por exemplo, do nosso camarada João Tunes, que apanhou uma porrada no Pelundo, na sequência da desobediência a uma ordem absurda, arbitrária, exorbitante, numa típica situação de uso e abuso de poder por parte do seu comandante de batalhão...

A história é conhecida da nossa malta: por se recusar a dar um estalo num cabo de transmissões, desobedecendo à ordem do tenente coronel, o João Tunes acabou por ir parar ao sul, a Catió, sendo colocado noutra CCS, noutro Batalhão... Sabemos quem, no final, saiu pela porta grande, com louvor & distinção...

Vd. Blogue do João Tunes > Bota Acima > post de 7 de Abril de 2004 > Jogo de cartas

Já em tempos comentei que se tratava de um texto delicioso onde o João relata as noites, chatas p'ra burro, em que era obrigado a jogar king com o seu comandante, o tenente-coronel Romeira; em que evoca as bravatas sexuais dos tugas; e nos fala da famosa porrada que apanhou por recusar bater num cabo de transmissões sob o seu comando, porrada essa que o levou do Pelundo até ao Catió.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1722: Provetas, crime e castigo, louvores e punições, erros e perdões (Jorge Cabral)

(2) Vd. post de 18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1674: Efemérides (3): A tragédia do Quirafo: rezar pelos mortos e perdoar aos vivos (Joaquim Mexia Alves)

(3) Vd. posts de:

15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1526: Em louvor do comandante Vitor Junqueira (Lema Santos)

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753 (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P1853: Estórias do Zé Teixeira (18): Quando não se acautela a vida, a morte pode espreitar (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Mais uma estória do Zé Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381 (1968/70) - Os Maiorais

Caros amigos
Do sótão da minha memória vão continuando a sair umas estórias que serão o complemento do meu diário. A fidelidade textual não será a mesma, mas continuam a ser estórias verdadeiras que eu vivi e não saiem do sotão, por mais que queira (1).

Abraço fraternal com votos de bom fim de semana.
J. Teixeira
Esquilo Sorridente



QUANDO NÃO SE ACAUTELA A VIDA, A MORTE PODE ESPREITAR

por José Teixeira

Nos princípios de Março de 1969, os trabalhos da construção da estrada de Buba para Aldeia Formosa, iam decorrendo sem grandes problemas, aparte uma emboscada de vez em quando ou umas minas A/C e A/P detectadas em tempo útil.

Todos os dias, homens e máquinas, deslocavam-se de Buba, até ao local onde tinham ficado no dia anterior e o trabalho continuava. Partia-se de manhã cedo, faziam-se 8 a 10 Km para lá e ao fim do dia, novamente a marcha de regresso, sempre no fio das navalha. O IN ousou estudar bem o terreno por onde ia passar a estrada e colocar uma potente A/C no interior da mata, de modo a fazer ir ao ar o caterpillar de 14 toneladas, quando este se preparava para investir sobre uma árvore gigante para a derrubar, o que aparte o ferimentos ligeiros que provocou no operador e um susto ao alferes que, sentado no lugar do morto em amena cavaqueira procurava queimar o tempo, deu-nos uns dias férias, o que não foi nada mau.

Este vai-vem diário tornou-se extremamente cansativo e esgotante, tendo deixado a minha companhia reduzida a 36 operacionais activos. A CCaç 2317, oriunda de Gandembel (do Idálio Reis) , bem como a CCAÇ 2382 iam pelo mesmo caminho.


Ementas imaginárias

Julgo de interesse lembrar que também estavam estacionadas em Buba a 15º de Comandos e uma de Fuzileiros. Era um fartote de combatentes, o que provocava a apetência do IN para nos ir visitar. Era de dia no mato, era à noite, de madrugada ou manhã cedo no aquartelamento.

A juntar a este cenário, o barco que nos ia levar mantimentos foi metido ao fundo, ficando esta gente, uma temporada, a comer arroz com amostras de chispe ao almoço e amostras de chispe com arroz ao jantar.

Fomos visitados pelo Olho de Vidro e Pingalim que nos fez um discurso à sua maneira, tendo em determinada altura afirmado, mais ou menos isto:

Sei quanto está a ser difícil aguentar esta vida, mas é a Pátria que o está a exigir. Quando vos derem grão cozido, fechai os olhos e imaginai-vos em Lisboa a deliciar-vos com o belo peru recheado , ou uma lagosta suada (fiquei a saber que as lagostas também suam). Assim será mais fácil para vós, comer o grão. Precisais de comer para aguentar e sobreviver. Bla bla, bla….

O resultado da sua visita, foi transferir o centro de operações da estrada para um acampamento de lona em Samba Sabali, antiga tabanca abandonada, perto de Nhala, (onde hoje existe uma simpática povoação) onde havia um poço de água choca e lamacenta que nos permitiria refrescar o corpo.

Arroteada a terra, construída a paliçada com muros de terra e sacos cheios de terra, eis um moderno quartel, arejado, com cozinha, bar, e enfermaria ao ar livre, camas excelentes para combater os bicos de papagaio, pois a terra do chão estava macia, e, uma redondeza bem preparada para um cerco fácil a um pequeno espaço, sem luz eléctrica e com um grau de densidade populacional elevadíssimo.


Ataque a Samba Sabali

Três Gr Comb em quatro tendas tipo hospital de campanha, em redor, com um pequeno pátio no meio. Dois grupos de combate saíam para estrada e um ficava no acampamento, no dia seguinte, um ficava no acampamento e . . . dois seguiam para a estrada e ainda tínhamos a noite sem luz para o que desse e viesse.



Guiné > região de Quínara (Buba) > 1969 > Estrada (em construção) de Buba para Aldeia Formosa > Acampamento temporário de Samba Sabali (a noroeste de Uané)

Felizmente, quinze dias depois, apareceu uma Companhia de Piras e, como não cabíamos todos, abalámos para Buba, cansados, sujinhos até à medula, a roupa já não tinha cor, tanta era a terra encardida.

Apenas conheci de nome uma pessoa, o Banha, Cabo enfermeiro a quem passei o equipamento de enfermagem que havia. Foi para mim o adeus à estrada, pois uns dias depois regressei a Empada e só lá voltei em 2005 para matar saudades. ´

Uns dias depois, segunda feira de madrugada, lá parti para uma das últimas patrulhas, com montagem de emboscada e regresso ao fim da tarde.

Ao anoitecer e quando nos preparávamos para o regresso, rebenta um tremendo fogachal em Samba Sabali, eram as boas vindas aos periquitos, logo num quartel de lona sem condições mínimas de defesa e segurança. Pelo rádio ouvíamos as notícias e ainda houve tempo de recorrer à F.A. para calar o IN, caso contrário...

Um morto, três feridos graves e cinco menos graves, creio eu, foi o resultado da refrega.

A distância a que estávamos era relativamente longa do local do ataque, no entanto face à impossibilidade de o Helicóptero poder aterrar, por ser noite e por não haver local próprio, foi necessário fazer seguir uma coluna de socorro a partir de Buba. Como estávamos no terreno, recebemos ordem para seguir para a bolanha dos Passarinhos, ou seja a Lagoa de Cufada, sítio, historicamente de passagem não recomendada, sem as mais elementares cautelas, por ser um espaço muito conhecido pelas minas e emboscadas que o IN aí montava, proveniente de Sare Tuto, ali mesmo ao lado, aquando das colunas de e para Nhala e Aldeia Formosa ( Quebo).
Como era preciso proteger a coluna que partira de Buba, abalámos. 


Guiné-Bissau > Ilustração do livro Conhecer para amar, amar para proteger: Rio Grande de Buba e Lagoa de Cufada. Bissau: Tiniguena. 1995. Imagem gentilmente cedida por José Teixeira (2006).

Noite escura, de peito aberto, em passo de corrida acelarado, estômago vazio e garganta seca (tínhamos saído de madrugada com ração de combate para o almoço e prevíamos chegar a tempo de jantar), lá fomos nós estrada fora, até ao local que nos fora destinado. Já próximo embrenhmo-nos na mata e estacionámos precisamente no local, onde era hábito termos uma espera desagradável.

A coluna passou e regressou. Ainda ouvimos ruídos à nossa retaguarda e um tiro isolado, sem consequências. Apanhámos as últimas viaturas e regressámos a Buba. Eu segui para a enfermaria para continuar a minha missão em apoio dos meus colegas enfermeiros, e encontrei... o Banha. Estava morto, com um tiro de costureirinha na testa...

Zé Teixeira
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Notas de C.V.:

(1) Vd. último post desta série > 9 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1826: Estórias do Zé Teixeira (16): Eh fermero di caradjo, pára lá, a mim amigo di bó, amigo memo!

(2) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi

sábado, 16 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1852: Convívios (17): CCS/BCAÇ 2856, lugar de Alfeizerão, 2 de Junho de 2007 (Jorge Tavares)

Jorge Tavares, ex-Furriel Miliciano, Radiomontador, da CCS do Batalhão de Caçadores 2856 (Bafatá, 1968/1970).


Mensagem de 6 de Junho de 2007 do nosso camarada Jorge Tavares (1)

No dia 2 de Junho último, reuniram-se em convívio, no lugar de Alfeizerão, elementos da CCS do BCAÇ 2856.

Esta CCS esteve em Bafatá de de Outubro de 1968 a Outubro de 1970, dando apoio às CCAÇ 2435, 2436 e 2437.

O convívio decorreu com uma missa na Igreja matriz local, celebrada pelo capelão do nosso Batalhão, em que foram lembrados os camaradas já desaparecidos, seguindo-se o almoço no restaurante Viamar.

Em anexo envio duas fotografias, uma dos convivas presentes e outra do corte do bolo, que teve uma introdução do ex-Alf Linheiro, ex-Fur Cruz e ex-1.º Cabo Gonçalves.


Alfeizerão > 2 de Junho de 2007 > Convívio da CCS do BCAÇ 2856 (Bafatá, 1968/70) > O grupo dos participantes no convívio

Alfeizerão > 2 de Junho de 2007 > Convívio da CCS do BCAÇ 2856 (Bafatá, 1968/70) > O bolo pronto a ser fatiado. Na imagen, o ex-Alf Linheiro, o ex-Fur Cruz e o ex-1.º Cabo Gonçalves.


Fotos: © Jorge Tavares (2007). Direitos reervados

Um abraço,

Jorge Tavares

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Nota de C.V.:

(1) Vd. post de 31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVIII: A doce nostalgia de Bafatá (BCAÇ 2856, 1968/70) (Jorge Tavares / Luís Graça / Humberto Reis)

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1851: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (50): Do tiroteiro em Bambadinca na noite de 14 de Junho de 1969 à emboscada da bruxa


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Regulado do Cuor (a norte do Rio Geba) > Pessoal do 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) atravessando em coluna apeada a bolanha de Finete na margem direita do Rio Geba. A tabanca de Finete, em autodefesa, guarnecida pelo Pelotão de Milicia nº 102, é visível ao fundo. Nesta época (finais de 1969/princípios de 1970), Finete dependia da autoridade militar de Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá, 1968/70). Era sempre penosa a travessia da bolanha, mas obrigatória para se ir de (e para) Bambadinca, Finete e Missirá. Missirá era o destacamento mais avançado, a norte, do Sector L1 da Zona Leste.

No primeiro plano, para além de municiador da Metralhadora Ligeira HK 21, Mamadú Uri Colubali (se a me~mória não me atraiçoa), vê-se o Fur Mil Reis e o 1º Cabo Branco (LG).

Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).



Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados



50ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 25 de Maio de 2007. Subtítulos do editor do blogue.



Tiroteios inconsequentes em Bambadinca e Missirá... ou a 'emboscada da bruxa'
por Beja Santos

Seriam três da manhã de 14 de Junho [de 1969] quando os sons cavos das deflagrações começaram a sacudir Missirá. Não muito longe, alguém estava a ser atacado com morteiros, rockets e armas automáticas. Logo a seguir, ouviram-se as G3 e, espaçadamente, os morteiros 60 e 81. Levantei-me de imediato, supondo que chegara a vez de Finete. A tropa aglomerava-se no alto dos abrigos, nos postos dos sentinelas, em cima das viaturas. Os céus sulcavam-se de fogo descompassado, ouvia-se claramente o troar dos morteiros, até as rajadas das Daimlers.


Boleia de barco, do Mato Cão a Bambadinca


O que me surpreendia era um fogo que cuspia em várias direcções, mas não havia resposta, como se um quartel, electrizado, decidisse fazer fogo por capricho. As opiniões coincidiam: era de novo fogo em Bambadinca. Com auxílio do Teixeira, iniciou-se a comunicação com o batalhão, com o inevitável "maior deste" a perguntar ao "maior desse" o que se passava. E, subitamente, do outro lado informou-se que tudo estava calmo, não era necessário qualquer deslocação ao "maior deste".

Na parada confirmava-se o silêncio que passara a navegar para lá das matas do Cuor, só de quando em quando o tracejado das balas riscava o céu, até que tudo se acalmou em escassos minutos. Com a voz exausta, o Teixeira relembrou:
- Meu alferes, o contingente de barcos passa em Mato de Cão cerca das 8:30.

Pragmaticamente, fomos todos descansar, já que às cinco da manhã iríamos quebrar o capim encharcado pelo orvalho.

Com ligeiro atraso, o comboio de navios civis protegido por uma LDM entrou no Geba Estreito e deu-nos boleia até ao cais de Bambadinca. A vida na tabanca não conhecia alteração, ferviam gargalhadas no mercado, não se via sinal de destruição. No quartel, deparou-se o mesmo quadro, como se houvesse a maior casualidade nestas flagelações grandes ou pequenas.

Procurei falar com o Pimbas ou com o Major Pires da Silva, estava em reunião, ambos manifestaram interesse em falar-me, dividi tarefas pelos 20 homens que me acompanhavam, fui à messe escrever apressadamente um aerograma à Cristina, ajuntando as trivialidades do costume: que caiem chuvas diluvianas e as viaturas continuam empanadas; só encontro meias de nylon em Bafatá e ando a pedir meias de malha e altas a quem gosta de mim; tenho cada vez mais gente doente, fazem-se prodígios com duas secções desfalcadas que saem de Missirá, recolhem-se milícias em Finete, outro dia descobri que nem morteiros nem bazucas seguiam connosco, só dois apontadores de dilagramas; que está prometido ir a Bafatá dentro de dias tratar dos documentos para o casamento e aproveito para perguntar à minha futura mulher se já tem a minha certidão de baptismo; que o meu padrinho de baptismo me enviou um pacotão de livros mais ou menos fabulosos, entre eles Rumor Branco, de Almeida Faria, um amigo que ela tanta aprecia; que tenho muitas saudades e aguardo cheio de esperança o resultado o meu recurso.

Falo primeiro com o major Pires da Silva, um tanto insone que me relata a sequência do que se passou esta madrugada. Acho aquilo tudo estranho, que raio de inimigo é aquele que não consegue atingir uma instalação, um telhado, uma viatura? Aliás, nos comentários breves que escutei de alguns camaradas, acorre uma palavra aparentemente enigmática mas que teria correspondido à natureza do ataque e ao volume da respostas: uma comboiada.

A seguir, fala-me na operação Goldfinger II o mesmo é dizer que eu vou estar em Aldeia do Cuor, alguém virá por Santa Helena e Mero e patrulhará esmiuçadamente a outra margem do Geba, na expectativa de uma cambança onde eu apanharei os possíveis rebeldes. A operação terá lugar na madrugada de 16.


O último encontro com o Pimbas (2)

Com a serenidade possível, recordo ao Major de Operações que tenho 9 homens que vão ser examinados pelo David Payne, não podem dar um passo; que as camas em Missirá e Finete não estão cheias de gente indolente mas gente que sofre esta permanente canseira de Missirá a Mato de Cão, sem nenhum apoio da tropa de Bambadinca.

O Major Pires da Silva lembra-me que raramente somos chamados a operações. Respondo-lhe que sair com duas secções de Missirá e Finete, neste momento, e por mais de três noites, é comprometer todo o sistema defensivo.
- Ainda bem que me fala nisso, em Julho preciso exactamente de si e de mais 12 homens.

Despedimo-nos e sigo para o gabinete do Pimbas. Está jovial e prazenteiro.
- Menino, penso que tenho um consolo para te dar. Mais mês, menos mês, vais para Fá e depois trabalharás só para as operações de Bambadinca e no sector do Cossé. Até lá, não me tragas mais problemas, aguenta estoicamente.

Fora ali mais para cumprimentar os camaradas flagelados dessa Bambadinca que eu trago no coração. Não regresso nenhuma resposta com mais efectivos, não há disponibilidade para se apoiar o Cuor. Furioso, junto-me aos meus homens, não há almoço para ninguém, petisca-se no Zé Maria, o rumo é Finete, onde tenho a premonição de um duro ataque, a qualquer hora.

A marcha pela bolanha é um calvário, a ponto de se ter feito uma padiola em que levamos o gigante Serifo Candé que anda com as pernas entrapadas que escondem as úlceras. É uma coluna em que se levam cunhetes de granadas à cabeça, por cima de uma rodilha, e pacotes de espaguete nos bolsos.

Trabalhamos com Bacari nas folhas de pagamentos dos milícias de Finete e aproveito para vistoriar as obras de um abrigo, praticamente pronto. Serifo não vem connosco, a marcha para Finete é enriquecida por uma dezena de civis que vieram de Galomaro e vão ajudar nas fainas agrícolas os Soncó e os Mané. É uma progressão difícil de 14 Km cheios de lama, com o olhar sempre atento às possíveis minas.

São 17:30, o céu é chumbo, o entardecer esfria quando, no preciso instante em que uma coluna de militares e civis abatidos pela chuva inclemente entram pela porta de armas, o fogo de morteiros 82 e rockets vem de Cancumba para o interior de Missirá. É a debandada, os militares vão para as posições preestabelecidas, os civis, enlouquecidos, esparvoados, gritando socorro, atiram-se para qualquer sítio. As nossas armas respondem, Cherno começa a sua corrida , o seu olhar perscruta a mata, põe e tira cargas nas granadas de morteiro, manda os seus recados para Cancumba.

É no meio do caos deste foguetório que dou comigo no abrigo de morteiro 81 com o Queirós. Este prepara-se para meter a primeira granada, quando lhe suspendo o gesto:
- Pá, aconteceu qualquer coisa, os gajos retiram, não há mais fogo.

E não havia mesmo, tal como em Bambadinca, um grupo não estimado limitou-se a deixar um cartão, um aviso de que sempre que podem e querem, os de Madina têm ao seu dispor a nossa intranquilidade. Os próximos minutos destinaram-se a mandar silenciar as armas e avaliar os estragos. Felizmente, estragos mínimos, umas pernas e braços escoriados, o Adão teve trabalho para as horas seguintes, tem até mesmo comprimidos para pôr a dormir os mais excitados.

Tudo somado, jantou-se mais tarde e chegou-se ao cúmulo de cumprir as ordens emanadas de Bafatá, 15 homens foram emboscar a cerca de 600 metros, vi-os seguir com o coração apertado, não há nenhuma lei que defina que a seguir a uma curta flagelação não venha um ataque demolidor. Mas, de facto, tudo não passara de um grupo que a pretexto de um patrulhamento se limitara a dar conta da sua existência. Deixara como lembrança vários buracos na parada e pedaços de rockets. O patrulhamento ao princípio da manhã confirmará exactamente isto: eram poucos e retiraram pela estrada de Moruncunda. Trouxemos alguns cartuchos inteiros e cápsulas que mais tarde entreguei em Bambadinca.


Operação Goldfinger II

O dia 15 seria imperativamente dedicado às obras, já que nos competia sair para a Aldeia do Cuor pelas 4 da tarde. A Goldfinger II é uma acção sem história, é um dos picantes de todas as guerras, que por natureza são imprevisíveis. Chovia a cântaros, lá levámos a capa dita impermeável e rações de combate. De acordo com o plano, ficámos primeiro dentro da Aldeia de Cuor e quando anoiteceu totalmente caminhámos para a orla da bolanha, uma emboscada que garantia total visibilidade para o caminho que vinha de Fá Madinga e da antiga tabanca de Canchebeu, a seguir a Biana.

As horas passaram, de novo vi chegar um pelotão (era o Pel Caç Nat 53, comandado pelo Alves Correia, tanto quanto me recordo), ouviam-se gritos desta unidade militar a tornear toda a bolanha, como se procurasse acossar um presumível grupo que tivesse vindo abastecer-se ali perto. Mais tarde, vim a saber que houvera um novo roubo de vacas em Bissaque, perto de Mero, espalhou-se o boato que 100 rebeldes iriam procurar entrar no quartel de Fá. Pois bem, nada aconteceu até às cinco da manhã, e com a primeira luz do dia regressámos moídos a Missirá.

Eu pedi há dias ao Queta Baldé que viesse conversar comigo sobre acontecimentos que mais tarde aqui se descreverão, ligados sobretudo à flagelação de 15 de Julho. A remexer os meus papéis, encontrara um louvor que lhe fora concedido e onde se referia concretamente que ele ripostara ao fogo do inimigo como apontador de metralhadora ligeira, a despeito desta ter sido atingida, tendo concorrido para baixas ao inimigo e captura de armamento.


Nosso alfero, eu que sei que não acredita em bruxas, mas que as há, há - assegura o Queta Baldé


Como a memória do Queta é praticamente infalível, depois de eu lhe ter pedido confirmação sobre os acontecimentos de Bambadinca, Missirá e Aldeia de Cuor, tudo ocorrido em escassas horas, ele que me ouve sempre a manear a cabeça, erguendo de quando em quando um dedo para depois dar uma explicação ou fazer um complemento, a certa altura disse:
- Nosso alfero, tudo isso aconteceu, mas ainda não falou na emboscada da bruxa, que foi logo a seguir, quando levámos população civil para Finete.

Olhei-o atónito, nunca tinha ouvido falar numa emboscada da bruxa e pedi-lhe pormenores.
-Nosso alfero, eu sei que não acredita mas as bruxas são os maus espíritos que andam pelas matas. Inderissa Mané, um dos filhos de Mussá, e quero lembrar que o pai de Mussá era o guarda-costas de Bacari Soncó, o pai de Malã, estava possuído por esses maus espíritos. Então, depois das flagelações a Bambadinca e Missirá, depois de termos passado a noite em Aldeia de Cuor, creio que dois dias depois de tudo isto, e ainda sem viaturas, fomos de Missirá a Finete para juntar mais gente e seguir para Mato de Cão. Estávamos a chegar junto do sítio onde fora a grande tabanca de Canturé, quando Inderissa, um rapaz que fora sempre doente, desatou a babar-se, roubou uma G3 e ameaçou que disparava sobre nós. Felizmente que ia connosco o padre Lânsana que falou com ele de mansinho e acalmou a bruxa. Olhe que podíamos ter morrido ali muitos. Nesse dia, a bruxa perdeu.

Ouvi esta explicação do Queta em completo silêncio, tomei nota de tudo e do alto da minha suficiência para encontrar outras explicações plausíveis, ocorreu-me pensar que Inderissa era epiléptico e que fazia parte dos jogos da vida morrer em acidentes, tão imprevisíveis como aquele.


Leituras: Do Prazer de Matar (F. Brown) ao Rumor Branco (Almeida Faria)

A época das chuvas prossegue desalmada, caminhamos pela bolanha de Finete enregelados com água pela cintura. Fazemos todas as acrobacias possíveis para aguentar a falta de recursos. Escrevo muito, recebi correio do meu padrinho, do Carlos Sampaio, a caminho do norte de Moçambique, de amigos de S. Miguel, cartas íntimas da Cristina, da minha mãe, chegou mais apoio do Ruy Cinatti. Procuro embalar-me nestes estímulos enquanto desabam todas as chuvas do mundo sobre o Cuor, alastrando para a Guiné.

Capa do romance policial O Prazer de Matar, de F. Brown. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. (Colecção Vampiro, 137). Capa: Lima de Freitas.

Foto: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.



Apetecia-me poetar, mas relembro a obra do Cinnati descubro a minha falta de vocação. Pego em O Livro do Nómada Meu Amigo e meço a força de um poema de Sophia de Mello Breyner Andersen endereçada ao Cinatti:

Intacta é a sua ausência
Como a estátua de um Deus
Poupada pelos invasores de uma cidade em ruínas.

O Ruy, que me tem enviado alguns dos seus poemas sintéticos, escreve em Ilha: Ave!/Prenúncio de arvoredo . Como é que se pode ser tão admiravelmente simples? Ou então:

Não sei quem me criou. Deus sobre todos
Paira. Esta canção pertence-lhe:
O pão de cada dia nos dai hoje.
Não sei quem me criou. O ar que respiro
Não me deixa ser menos do que sou.

Não me deixa o mar omnipotente,
A terra inteira erguida ao céu profundo.
Cada passo da História me é presente.
Sou o compasso do Mundo.

Volto a reler Frederic Brown, um autor prolífico que tudo experimentou na ficção, desde o policial à ficção científica. O prazer de matar é mais um desses livros da Colecção Vampiro que felizmente se pode encontrar em Bafatá. É um livro soberbo. O detective não o é, é um redactor a quem mandaram fazer a notícia sobre um jovem que sofreu um acidente mortal na montanha russa, num parque de diversões. Este jovem foi identificado devido a uma carteira onde constavam os seus elementos. Afinal não era bem assim, a carteira era de outro jovem, e começa uma investigação informal na semana de férias de Sam Evans, este polícia por empréstimo e curiosidade. No final, o jornalista é confrontado com uma história de esquizofrenia, alguém aparentemente normal que tem sede a toda a hora de destroçar vidas humanas.


Capa do romance Rumor Branco, de Almeida Faria. Lisboa: Portugália Editora, 1962. (Colecção Novos, Série Novos Romancistas, 1). Prefácio de Virgílio Ferreira.

Foto: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

A grande surpresa é a leitura de Rumor Branco, por Almeida Faria. Ele não tinha ainda 20 anos quando se estreou na literatura e recebeu o Prémio Revelação de Romance, da Sociedade Portuguesa de Escritores. No prefácio, Virgílio Ferreira anuncia o aparecimento de um futuro grande escritor e refere-se a obra fragmentada, uma história sem história, catadupas de frases onde mudam as pessoas, uma bebedeira que lembra Faulkner ou James Joyce.

O personagem é um tal Daniel João, que se vai colando a vários personagens, é pequeno burguês, mas é operário, uma vezes é muito culto, outras vezes não tanto, leva uma vida carregada de mistério, cola-se à nossa pele recorrendo a múltiplos disfarces, procurando empolgar-nos através da descoberta das suas experiências. A pontuação do texto é terrível mas original, obrigado a uma leitura concentrada, a voltar atrás, a perceber a voz e o tumulto interior. Fala da vida cosmopolita mas também do Alentejo, rescreve as palavras à luz do sotaque alentejano, sobe ao sonho da burguesia e desce à miséria dos proletários alentejanos. É preso e perseguido e condenado a uma prisão quase perpétua. Visita Paris e percorre esfuziante Saint-German e Montparnasse. Maneja os cânones do novo romance e do neo-realismo. Lê-se em exaltação e fica-nos uma secura na despedida.

Tenho que escrever à Cristina para lhe contar esta novidade, já que o Almeida Faria é seu colega de curso. Vou escrever e depois deito-me, poderá ser um sono mais regrado, só ao fim da tarde é que parto para Mato de Cão. Todo o mês de Junho vai ser assim. Mas em Julho virá o ciclone, depois um novo período e operações. Ora oiçam.

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Notas de L.G.:


(1) Vd. relação dos dez últimos posts anteriores desta série:
11 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1833: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (49): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (4)

1 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1806: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (48): Junho de 1969: Missirá em estado de sítio

25 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1786: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (47): Finete já está a arder ? Ou o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969

20 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1770: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (46): Encontros de morte em Sinchã Corubal, com a gente de Madina

11 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1748: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (45): A visita do Coronel, o Grande Inquiridor~

4 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1730: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (44): Uma temerária e clandestina ida a Bucol

27 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1704: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (43): Em louvor de Bambadinca, a nossa tabanca grande

20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1680: Operação Macaréu á Vista (Beja Santos) (42): O Tigre de Missirá volta a rugir

13 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1657: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (41): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (3)

30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1637: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (40): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (2)

(2) Será o último encontro do autor com o tenente-coronel Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852, e seu amigo; punido por Spínola, é colocado em Bissau, ou melhor, posto na prateleira... Uma situação humilhante, para ele. Beja Santos só voltará a encontrar o seu amigo em Lisboa.