sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2066: Em busca de... (9): Malta da CART 1746, a unidade do Alf Mil Gilberto Madail e do 1º Cabo Manuel Moreira (J. M. OIiveira Pereira)

1. Mensagem do nosso camarada José Maria de Oliveira Pereira, que presumo seja oriundo de e/ou residente em Ourém:

Sou um ex-combatente da CART 1746 e procuro, há muito tempo, contactos de ex-camaradas.

Ao ver este site e reparar que falavam no Gilberto Madail, que pertenceu à CART 1746 (1), e que era meu superior, fiquei com alguma esperança de que me pudessem enviar contactos de camaradas da minha companhia.

Fico a aguardar uma resposta. Desde já agradeço a disponibilidade prestada.

O ex-Combatente

José Maria de Oliveira Pereira

Contacto telefónico : 917794330
E-mail: paula.dias@mail.cm-ourem.pt

2. Comentário do editor do blogue: Camarada Oliveira Perereira:

Embora de férias, li a tua mensagem na minha caixa de correio. Apresso-me a deixar aqui o teu pedido na esperança de que a malta da CART 1746 te contacte directamente ou através do nosso blogue.

Infelizmente não temos tido muitas notícias nem publicado muitas estórias sobre a tua unidade. Temos, pelo menos, três posts sobre a tua CART 1746, sendo dois com referências ao então Alf Mil Gilberto Madaíl (1). Também já aqui publicámos uns versos do teu camarada Manuel Moreira, que é natural de Águeda. Volto a qui a reproduzi-los (2).

O Manuel Moreira é amigo e conterrâneo do camarada Paulo Santiago, membro da nossa tertúlia . Talvez o Paulo te possa ajudar a entrar em contacto com o Manuel Moreira. Se quiseres, podes fazer parte deste grupo de antigos combatentes e amigos da Guiné. Basta mandares duas fotos tuas (digitalizadas, em formato.jpg, sendo uma actual e outra do tempo da tropa) e dizeres algo mais sobre ti e a tua comissão na Guiné. Desejo que tenhas boas notícias da malta da CART 1746 através dos nossos amigos e camaradas da Guiné. És, naturalmente, bem vindo até nós. Luís Graça.


CANÇÃO DA FOME

Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês (3).
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da GUINÉ.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com Bianda,
E sardinha p'ró jantar
E uma pinga a acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos Turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar,
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:

MANUEL VIEIRA MOREIRA.

Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968.
________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P979: O Gilberto Madail pertenceu à CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (Paulo Santiago)

(2) Vd. post de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

(3) A CART 1746 (1967/69) veio de Bissorã para o Xime. Aqui tinha um destacamento na Ponta do Inglês . Este ponto estratégico, sito na margem direita do Rio Corubal, foi abandonado pelas NT em Novembro de 1968. Na altura era guarnecido por forças da CART 1746, a unidade de quadrícula do Sector L1 (Bambadinca): vd post de 19 de Março de 2006 >Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2065: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (8): Furriel Amorim, morto em combate

1. Mensagem do Raul Albino, ex-Alf Mil, CCAÇ 2402/BCAÇ 2851 (, Mansabá e Olossato, 1968/70) em 22 de Agosto:

Caro Luís e editores
Espero que as tuas férias estejam a ser repousantes. Qualquer um de vocês merece dois meses de férias (pagas a peso de ouro).
Aqui vai o 8.º texto das Memórias da CCAÇ 2402.
Espero que chegue em boas condições ao destino.
Um abraço a todos
Raul Albino


2. Furriel Amorim – Morto em Combate

Em 6 de Novembro de 1968 teve lugar uma operação, sem nome, de patrulhamento conjugado de emboscadas na região de Igate/Peconha, onde estava referenciada uma base do IN, a partir da qual, quase diariamente, saíam elementos que atacavam os trabalhos na estrada Bula-Có, logo ao nascer do dia.



Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Coluna em deslocação de Bula para Có.



Teve a duração de um dia e um efectivo de dois grupos de combate (nesta operação específica, o 1.º e 4.º grupos).
A missão era emboscar o IN, no seu regresso à base na Peconha.
Porque o 3.º Grupo de Combate que eu comandava ficou nesse dia de serviço ao aquartelamento, não serei o mais habilitado a descrever o que aconteceu neste dia infeliz para a nossa Companhia, tendo recorrido a alguns testemunhos de quem esteve presente na Operação e quis participar nesta narrativa.

Logo no início, esta Operação teve algo pouco habitual. Por razões que desconheço, o nosso Capitão Vargas Cardoso decidiu sair com os dois grupos de combate nesta Operação, passando a comandá-la no terreno. Digo pouco habitual, porque não era pressuposto o nosso Comandante de Companhia sair em operações no exterior, nem a isso estava obrigado pela sua hierarquia. Foi portanto da sua inteira iniciativa esta saída para o mato.




Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé, da esquerda para a direita: Aspirantes Francisco Silva e Raul Albino, e Capitão Vargas Cardoso (assinalado com um círculo a amarelo).

Fotos: © Raul Albino (2007). Direitos reservados.


As únicas imagens que retenho na memória com grande consternação, foi o regresso das nossas tropas na sua chegada à porta de armas. Era uma fileira de militares esgotados e abatidos, não tanto pelos contactos com o inimigo, mas principalmente pelo seu estado de saúde. Entravam em pequenos grupos amparando-se mutuamente, com os rostos irreconhecíveis, deformados pelo inchaço provocado pelas ferroadas das abelhas. Em alguns nem se viam os olhos e tinham de ser conduzidos por companheiros como se fossem cegos.

Durante toda a comissão poucas coisas me impressionaram tanto como esta visão do efeito causado pelo ataque das abelhas nas feições e no moral dos combatentes.

Como esclarecimento fica aqui a informação de que o Furriel Amorim, que recebera formação nos Comandos, tinha vindo em rendição individual dois ou três dias antes desta Operação, para substituir um furriel meu que fora evacuado por doença.

Como havia um grupo mais desfalcado do que o meu, não me foi atribuído, indo reforçar o 4.º Grupo de Combate. Foi efémera a sua passagem pela Companhia.

Era casado com uma professora primária em A-Ver-O-Mar/Póvoa de Varzim e esperava ser pai pela primeira vez em Dezembro.

Mas passemos à descrição sucinta da Operação propriamente dita.

Pelas 10,40 horas um pequeno grupo IN caiu na emboscada montada pelas NT, junto à antiga tabanca da Peconha. Reza a descrição oficial que logo aos primeiros tiros foi gravemente ferido o Furriel Amorim, pertencente ao 4.º Grupo de Combate.

Simultaneamente uma rajada terá atingido um enxame de abelhas que investiu furiosamente, pondo em debandada o grupo IN e as NT que estavam emboscadas. Pior coisa não podia ter acontecido e isso marcou esse dia fatídico e tudo aquilo que se seguiu.

Com o furriel ferido e a emboscada abortada pelo ataque das abelhas, foi pedida de imediato, por rádio, a evacuação por helicóptero do Furriel Amorim. A evacuação demorou bastante a ser feita e pelas 12,05 horas o furriel viria a falecer.

Já de regresso, as NT, já com manifestações nítidas de inchaço nos rostos, foram por sua vez emboscadas pelo IN, calculado entre 20 a 30 elementos ainda segundo a versão oficial, utilizando Morteiro 60, Lança Granadas Foguete, Metralhadoras Ligeiras e armas automáticas, durante cerca de 20 minutos. As NT reagiram pondo o IN em fuga.

Neste segundo contacto saiu ligeiramente ferido o nosso Capitão Vargas Cardoso, tendo sido evacuado de helicóptero com o falecido Furriel Amorim, pelas 14,15 horas. Segundo notícia posteriormente obtida pelo BCAV 1915, o inimigo terá sofrido na 2.ª emboscada dois mortos e vários feridos.

Seguem-se os depoimentos de alguns intervenientes nesta operação. Curiosamente o testemunho mais importante, o do Cap Vargas Cardoso, só recentemente chegou à minha posse. Está a ser trabalhado e irá ser incluído no 2.º volume das Memórias de Campanha da CCAÇ 2402. Será posteriormente enviado ao blogue se ele assim o autorizar.

Depoimento de António Coutinho da Silva:

Quando o Furriel Amorim chegou à nossa Companhia, via-se que era um homem activo, falava com o pessoal e estava sempre ansioso por saber situações de guerra, até que chegou o dia de ir para o mato com o meu pelotão (4.º) fazer uma patrulha na estrada de Có para Bula, na região da Peconha.

Estávamos emboscados, quando um milícia nativo subiu a uma árvore para vigiar a zona. Quando viu o inimigo, desceu da árvore e avisou o pessoal de que o inimigo estava perto.
Preparámo-nos para o contacto e quando o Furriel Amorim se levantou com a arma em posição de fogo, o inimigo foi mais rápido e uma rajada veio a atingi-lo gravemente. Apesar de todos os esforços dos nossos enfermeiros nada pôde ser feito, acabando por morrer perto de mim. Foi um momento que nunca mais esquecerei.
Paz à sua alma!

Depoimento de José Manuel Rodrigues Ferreira:

Quando do ataque das abelhas, também passei um mau bocado, perdi a arma G3 e duas granadas de bazuca, na aflição do momento.

Depois de deitarem fogo ao capim e quando tudo se acalmou, fui com um guia à procura da arma e das granadas, mas acabei por encontrar a arma com a coronha toda retorcida pelo fogo.

Depoimento de Armando Cruz Pimentel Pereira:

Há recordações que não posso esquecer, como por exemplo, aquela operação em Có onde o Furriel Amorim veio a morrer.

Ele tinha a mania de não se deitar e isso foi-lhe fatal ao receber uma rajada no corpo e como se isso não bastasse mandaram uma roquetada para uma árvore onde se encontrava um enxame de abelhas, que a muitos deixou a cara inchada pelas ferroadas. Alguns deixaram de ver e tivemos de os trazer pela mão.

Fomos novamente atacados e eles nem viam sequer o suficiente para se atirarem ao chão e protegerem-se.

Teve de vir um helicóptero para levar o morto e também o Capitão. Só aí ficou confiante o Capitão de que era verdade o que eu dizia que as divisas e o lenço verde no mato luzia ao longe. E ali ficou ele, perplexo, sem saber o que fazer, já nem sequer reagia com a poeira que não o deixava ver. Fui então socorrê-lo porque ali podia morrer.

Já no quartel foi-me ver para me agradecer, abraçando-se a mim e chorando por o ter ido socorrer, mas eu não fiz mais que a minha obrigação, foi isso que lhe disse e na verdade senti.

Depoimento de António Joaquim Rodrigues:

Além do segundo ataque a Có, o outro momento que mais me marcou foi a operação que fizemos à Peconha.

Eram dois pelotões e andámos toda a noite para chegarmos ao local de manhã cedo. Aí montámos uma emboscada em forma de L.

Detectei um enxame de abelhas numa árvore grossa e disse ao Alferes Caseiro: - Vamos ficar aqui? Se houver algo estamos tramados com as abelhas!

Assim aconteceu, a minha Secção foi mais para a frente, como era a primeira ficámos à beira do carreiro onde os turras passavam. Nesse dia a minha Secção era comandada por um furriel que era a primeira operação que fazia connosco. Infelizmente ficou ferido.

Nós tínhamos uma sentinela em cima de uma árvore para ver ao longe. No momento em que foi rendido, os turras surgiram, o Capitão só teve tempo de dizer pela rádio: - Caseiro, põe-te à tabela!

Eles mandaram uma roquetada para a árvore onde estava o enxame de abelhas que, espavoridas pelo fogo, picaram todos os que se encontravam ao redor, a ponto de alguns colegas desmaiarem.

O Bilito só dizia: 
- Rodrigues vai chamar o enfermeiro!

Ao que eu lhe respondia:
 - Tem calma, eu também estou mordido e há colegas piores do que tu!

Tive então de ir buscar o enfermeiro para fazer curativo ao furriel ferido, que, salvo seja, apanhou uma rajada no corpo, devido à qual acabou por falecer.

Depois fomos fazer um reconhecimento, porque muitos deixaram no terreno granadas, cartucheiras, barretes, etc.

Momentos depois fomos atacados de novo já em regresso ao quartel. Foi pedido apoio aéreo, mas o helicóptero chegou muito tarde, acabando por evacuar o já falecido Furriel e o nosso Capitão para Bissau.

Depoimento de Manfredo José Abrunhosa da Silva:

Eu estive presente no momento em que o Furriel morreu e assisti à grande tragédia que foi a sua morte.

Nós estávamos no meio da mata, quando fomos avisados por um vigia de que o IN se dirigia para nós. De imediato tentámos estar numa posição que nos defendesse do ataque dos inimigos e ao mesmo tempo estarmos prontos para o atacar.

O Furriel estava no meu grupo e levantou-se um pouco para ver se o IN estava próximo. Ele foi atingido de imediato por uma rajada de metralhadora. O seu lado esquerdo tinha sido completamente atingido, o sangue saltava cada vez que ele respirava, os nervos pareciam que lhe saíam do braço onde ele tinha empunhada a sua arma. Foi terrível assistir a tal sofrimento.

Depois do Furriel ter sido atingido, nós levámo-lo para a sombra de uma árvore onde esperámos pela ajuda do helicóptero. Neste entretanto, o Furriel foi assistido por militares-enfermeiros que fizeram tudo para o salvar. O esforço dos enfermeiros foi inglório, pois os ferimentos eram muitos e profundos. O seu estado era muito grave, mas tudo foi feito, dentro dos possíveis, para o salvar. O Furriel morreu antes de o helicóptero chegar.

Decidimos então levar o corpo do Furriel para o acampamento, mas caímos noutra emboscada. A mim não me mataram porque Deus protegeu-me. Eu rastejei e virei-me para trás para dar indicação a um colega que estava a 5 metros de mim, para lançar o dilagrama que era uma granada lançada pela própria espingarda G3. Ele lançou a granada e depois reinou o silêncio. Depois ouviram-se insultos, fomos chamados de assassinos, de bandidos e mandaram-nos embora para Lisboa.

Pouco tempo depois chegou o helicóptero que transportou o corpo do Furriel. A acompanhar o corpo do Furriel foi o nosso Capitão Vargas Cardoso.

Foram maus tempos, mas felizmente já passaram. Feliz fico eu por tudo ter ficado para trás.

Raul Albino
________________________

Nota do co-editor CV

Vd. último post da série de 16 de Agosto> Guiné 63/74 - P2053: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (7): O Pelotão dos Bravos na Ilha de Jete

Guiné 63/74 - P2064: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (12): Evocando todos os militares do 53




1. O nosso camarada Paulo Santiago, ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72, em mensagem de 18 de Agosto, dizia:

- Segue mais uma memória. Hoje evocando, já o devia ter feito, todos os militares do 53 que tive o orgulho e a honra de comandar.



Foto do Pel Caç Nat 53> Comandada pelo ex-Alf Mil Paulo Santiago

2. Como já escrevi há tempos atrás, o Pel Caç Nat 53 era bastante heterogéneo quanto a etnias, o que não impedia haver um excelente espírito de corpo. Tenho grandes saudades daqueles homens, principalmente dos africanos, imaginando os que ainda vivos e vivendo na Guiné, as imensas dificuldades a enfrentar no dia a dia. Felizmente encontrei alguns em Fevereiro de 2005.

Comecemos pelo Fur Mil Duarte, já no 53, quando da minha chegada, era o meu braço direito, meu substituto no comando, natural de S.Pedro do Sul e actualmente residente em Viseu. Era também conhecido, alcunha apradinhada pelo Julião da CCAÇ 2701, por Passarinho e ainda esteve no Saltinho com a CCAÇ 2406. Ajudou-me imenso na minha integração no Grupo de Combate e na minha adaptação à Guiné. Extrovertido e excelente jogador de futebol, sendo que, no 53, exceptuando o comandante e poucos mais, havia os melhores jogadores e a melhor equipe das redondezas. O Duarte foi rendido pelo Fur Mil Mário Rui, em fins de 71, quando me encontrava em Bambadinca. Continuamos a encontrar-nos, tendo-me convidado para o casamento, a que fui com prazer, da filha mais velha.

O Fur Mil Mário Rui, tinha sido colocado na 2701 dois meses antes da minha chegada à Guiné, pertencendo ao 4.º Pelotão, comandado pelo meu saudoso camarada e amigo Alf Mil Valentim Oliveira, tendo transitado, como disse atrás, para o 53 em fins de 71. Onde páras Mário Rui? O número de telemóvel que tinha, há muito que está emudecido.Tenho um carinho especial por este meu camarada. Era uma pessoa alegre, simpática e exímio tocador de viola, guitarra, para os puristas. Foi extremamente afectado pela tragédia do Quirafo, o auxilio aos sobreviventes, a recolha dos mortos, marcou-o para sempre, paralisou-lhe os dedos provocando o calar da guitarra. Quando cortámos com o proveta Lourenço e mudámos para o Reordenamento de Contabane, ocupando a 1.ª casa, para quem vinha da fronteira, o Rui era meu companheiro de quarto. Tomava vários calmantes durante o dia, terminando, ao deitar, com uma dose de Vallium. Eu, cheio de wisky, ouvia os pesadelos que tinha durante a noite, o que não impedia a sua operacionalidade, como contarei noutra memória, quando de um ataque a uma tabanca perto do Saltinho. Fiquei com muita pena, quando fui rendido e o Rui, que já tinha mais tempo de comissão, continuou à espera de substituto. Se algum camarada souber do paradeiro do Mário Rui Rodrigues, natural de Cebolais de Baixo (ou de Cima), Castelo Branco, dê-me uma apitadela.

O Fur Mil Martins, transmontano, natural de Bragança, era um tipo muito certinho, muito introvertido, não bebia, convivíamos pouco, mas é um camarada que não esqueci.

Por último havia o Fur Mil Dinis, açoriano da Terceira, com aquela pronúncia caracteristica, conheci-o em Bambadinca, ao iniciar a instrução da minha 2.ª Companhia de Milícias, na primeira quinzena de 1972. Em 6/01/72, dia em que fiz 24 anos, apareceu um heli no Saltinho, estando já previsto o meu regresso a Bambadinca, em coluna, via Galomaro, mas como ainda tinha tempo, com a cumplicidade do Clemente e a boleia oferecida pelo piloto, regressei a Bambadinca, via Bissau, onde andei três dias nos copos e no Pilão, indo de DO 27 para aquela Sede de Batalhão acompanhado pelo Major Anjos de Carvalho, que tinha vindo ao QG tratar de um qualquer assunto. O Fur Mil Dinis chegara ao Saltinho no dia 7 e de imediato, foi enviado para Bambadinca como instrutor de um dos pelotões de milícia. Era um óptimo camarada, gostava de ouvir aquela pronúncia. Tal como o Martins, nunca mais soube dele, mas gostava de os encontrar.

Vamos aos 1.ºs Cabos.

O Mamadu Sanhá, beafada, ainda hoje Cabo da Guarda Fiscal, tive muita pena de não o encontrar em Bafatá, em Fevereiro de 2005. Foi ferido em combate, em 4 de Dezembro de 1971, em Galomaro, quando uma das secções do 53 se encontrava destacada, naquela Sede de Batalhão, comandada pelo Fur Mil Martins. Escreveu-me há tempos uma carta, que muito me emocionou, agradecendo uns euros que lhe enviei através do Sado.

O Verdete de Maiorca, Figueira da Foz, temo-nos encontrado.

O António Cosme de Vilarinho do Bairro, Anadia, que pouco tempo depois de chegar à Guiné, soube da trágica notícia da morte da irmã e cunhado, quando uma noite, andando a regar milho, cairam num poço, deixando dois filhos menores, criados e educados pelo tio, após o regresso da Guiné. Foi em Junho de 2006, juntamente com o Carlos Clemente, minha testemunha abonatória, num processo por agressão corporal, que malevolamente me levantaram e do qual, felizmente, saí absolvido. Já por duas vezes, nos juntámos em casa do Cosme, eu, o Verdete e o Pina, outro dos meus 1.ºs Cabos, infelizmente falecido há pouco mais de um ano.

O Umaru Baldé, também 1.º Cabo, fula.

Fechando com o Cristóvão Mantudo dos Santos, papel e o mais instruído do Pel Caç Nat 53, tendo frequência do 5.º ano do liceu.

Evocando agora os soldados, começando pelo Putchane Obna, balanta, também conhecido por Cunha, bebedor inveterado, o único a quem dei um forte murro (o Martins Julião assistiu) encontrei-o a dormir no posto de sentinela mais sensível do quartel.
O Fieme, mandinga, o Morna, balanta, por quem tinha também uma especial amizade, grande bebedor, mas contava-me histórias deliciosas.
O Bari, penso que mandinga, o Samba Jau, fula, o Tuai Camará, fula, o Quebosse Embonda, outro bebedor, balanta como é óbvio, o Bobo Embaló, fula, o melhor futebolista do Saltinho, tinha uma Cruz de Guerra.
O Bubacar Só, fula, mais conhecido por Buba, encontrei-o em Fevereiro de 2005 em Bambadinca, o Queta Mané, mandinga, o Dauda Camará, fula, o Baró Turê, mandinga, sei que vive em Lisboa, mas não tenho contacto.
O Iero Seidi, fula, ferido em combate na mesma data e local com o Sanhá, já morreu, estive com o filho em Bambadinca em 2005.
O Samba Seidi, fula, o Fodé Sané, fula, não fazia na altura serviço operacional, fora gravemente ferido, anos antes, para os lados do Xime. Tinha uma Cruz de Guerra. Era bom alfaiate, reparava-me as fardas, limpava-me a arma, mesmo sem pedir e a mulher era a minha lavadeira, irmã do Jamanta da 1. ª CCOMS.
O Bacari Baldé, fula, o Iaia Dabó, mandinga, protagonista de uma história de amor proibido, contada em memória anterior, o Bobo Djaló, fula, o Abdulai Uaga, balanta, mais conhecido por Bagaço, o homem do morteiro 60, usava um boné de bombazine cor creme, quando ía para o mato, mesmo com algum álcool, colocava a granada onde queria.
O Queta Embaló, fula, o Correia, balanta, o Suleimane Baldé, mais tarde 1.º Cabo, actual Régulo de Contabane, ainda há poucos meses esteve em minha casa. Continua a tratar-me por meu comandante. Jamais esquecerei a recepção que a Fatema, mãe dele, me fez e ao meu filho, em Fevereiro de 2005 em Sincha Sambel.
Mamadu Jau, uma força da natureza, um dos meus guarda-costas, tratava uma MG 42, como eu uma G3. Encontrei-o em Bambadinca em 2005.
O Abdulai Baldé, fula, o meu mais encarniçado guarda-costas, tive muita pena de não o ter encontrado em 2005, só em Bissau na véspera do regresso, soube que tinha passado ao lado da tabanca onde agora vive. Disseram-me que tinha sido um dos fiéis aliados do Brigadeiro Ansumane Mané e, que este se dirigia para a zona do Saltinho, quando foi assassinado à paulada. Procuraria refúgio junto daquele meu ex-soldado e de outros amigos que tinha para aqueles lados.
Outro dos meus guarda-costas era o Amadú Baldé, fula, passou depois para comandante de um pelotão de milícias . Também me desencontrei dele em Fevereiro de 2005.

Para terminar, faltam dois homens, o Fali Dembo, fula e o Jorge, alfacinha de gema, era o transmissões do 53.


Fevereiro de 2005> Paulo Santiago em Bambadinca> Na foto: Mamadu Jau, Paulo Santiago, Bubacar Só e, de cócoras, o filho do Iero Seidi

Fotos: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados

Acho que tinha de falar de todos estes homens, que durante muitos meses me acompanharam, 24 sobre 24 horas. Com eles aprendi muito e também lhes devo muito, há uns que pela sua personalidade ou por qualquer outro motivo, recordo com mais facilidade, mas todos estão presentes no meu coração.

Paulo Santiago
ex-Alf Mil
CMDT Pel Caç Nat 53
______________________________

Nota do co-editor CV

Vd. último post da série de 8 de Agosto, Guiné 63/74 - P2036 - Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (11): Dr Brocas, o contador de estórias, que era gago.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2063: Álbum das Glórias (24): O pretoguês Queta Baldé, uma memória de elefante e um grandecíssimo camarada (Beja Santos)


Lisboa > Julho de 2007 > O Queta Baldé e o Beja Santos.

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.



Região de Bafatá > Xime > 1997 > Tabanca de Amedalai, de onde é natural o Queta Baldé. Foi, no nosso tempo, sede um destacamento de milícias, alvo de frequentes ataques do IN. Pertencia à Zona de Acção do Xime. Situa-se entre o Xime e a ponte do Rio Udunduma na estrada para Bambadinca.

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados


1. Texto enviado em 26 de Julho último pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):


Viva Queta Baldé, uma memória indefectível, 
um grandecissímo camarada da Guiné!


Comentários: Como vêem, o Queta, a memória que me falta e me ilumina as minhas recordações sombrias, existe. É português, nasceu há 71 anos atrás em Amedalai, que é também o chão do meu querido Mamadu Djau. Foi milícia na Ponta do Inglês e Finete, depois da aprendizagem em Bolama foi com o pEL cAÇ nAT 52 para Porto Gole e depois Missirá, e depois Bambadinca, e depois Fá Mandinga.

Pertenceu à 2ª Companhia de Comandos Africana, andou fugido a seguir à independência, vive agora na Amadora, depois de ter sofrido muito até se ter feito reparação da sua lealdade. Não conheço ninguém que diga "bandeira portuguesa" como ele, é um pacto de sangue que excede a gratidão que tem a Deus por estar vivo. E, meu Deus, o que é que eu seria a desfiar as minha memórias sem os aerogramas à Cristina e a memória do Queta?

Como é que estas coisas se agradecem? Tirámos esta fotografia no Luís Soares, ele entregou-me embaraçado a fotografia dizendo que o Queta está muito escuro... Respondi-lhe que não é por acaso que falamos dos pretos da Guiné que são igualmente os soldados mais leais à face da terra.

domingo, 19 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2062: Da Suécia com saudade (5) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (5): O General que não gostava de bigodes

O nosso camarada José Belo, ex-Alf Mil que pertenceu a Os Maiorais da CCAÇ 2381 (1968/70), Buba, Quebo, Mampatá e Empada , retrata nesta estória a mentalidade dos Combatentes de Gabinete que não compreendiam como no mato o pessoal se sujava tanto e cheirava tão mal. Seria por não haver ar condicionado?

Usar bigode e barba era arrojado, porque o Comandante da Unidade tinha autoridade para consentir ou não o seu uso.

Como sempre, a estória chegou até nós por intermédio do Zé Teixeira (CV) (1).

O General que não gostava de bigodes,
por José belo

Tenho tentado redescobrir alguma da papelada que, mais de trinta anos atrás, escrevi sobre alguns detalhes da passagem pela Guiné. Aqui mando mais um testemunho do que por lá se chafurdou!

O Império caía de podre. Não eram os nossos camuflados tão sujos, enlameados e suados que cheiravam mal.

Certo Oficial-General do Estado Maior do Exército (EME) encontrava-se de visita à Guiné. Passeou-se de helicóptero por vários Comandos de Batalhões e, entre eles, o de Buba. Depois de almoço de ronco, o senhor General botou discurso. O tema eram os esforços dos que, como ele, nas repartições de Lisboa, tudo faziam e principalmente sacrificavam, para que a tropa do mato dispusesse das melhores condições para o desempenho das suas missões de guerra (sic).

Ouvem-se ruídos na parada do aquartelamento. Chegava a coluna de reabastecimentos de Aldeia Formosa, escoltada por uma Companhia de Atiradores. Não eram muitos os quilómetros que separavam Buba de Aldeia Formosa. Eram muitas as minas, fornilhos e emboscadas.

Demorava-se dois dias. Dois infernais dias! Mortos, feridos, viaturas destruídas, eram o preço dos géneros transportados. Comandava normalmente aquelas colunas, um Capitão de Artilharia, já na sua terceira Comissão de guerra e segunda no mato da Guiné. Era um Oficial destemido e cumpridor, que pelo seu exemplo, tinha para além da admiração e respeito, a amizade dos que serviam sob as suas ordens.

Como habitualmente, as forças da escolta formaram na parada. Cobertos de lama, rotos, esgotados, mas em impecável formatura militar. Era necessário saber-se comandar, para naquelas circunstâncias se obter aquele resultado.

Ao ver o General, que entretanto chegara à porta da Messe, situada em edifício alto com domínio sobre a parada, o Capitão fez as tropas formadas prestarem as honras devidas ao Oficial Superior.

Impecável manejo de armas.

Após a Companhia dispersar, o Capitão acompanhado pelos Alferes, dirigiu-se à Messe para merecida cerveja fresca. Quando já aí se encontrava, conversando com os oficiais do Batalhão que pretendiam saber notícias sobre as peripécias da coluna, o senhor General levantou-se da mesa, onde, a sós, conversava com o Comandante do Batalhão e dirigiu-se ao grupo dos recém-chegados. Olhando o Capitão com expressão fria e superior, em contraste com o ambiente de calor amigo que se fazia sentir à volta do grupo, disse em voz razoavelmente elevada:
- Oh homem, vocês estão bem porcos. E francamente, quanto ao seu bigode... olhe que não gosto nada dele!

Fez-se profundo silêncio. Ainda hoje me pergunto, que complexos, que frustrações, que poder de impotente, existiam em conflituosos choques dentro daquele homem, em tão inoportuna manifestação de hierárquica estupidez, considerando as circunstâncias.

O Capitão, poisando o copo de cerveja no balcão e colocando-se frontalmente, em rígida posição de sentido, disse:
- É óbvio que vossa excelência não gosta de bigodes pois, pelos vistos, não os usa! Quanto ao estarmos emporcalhados, saiba vossa excelência que por estes matos da Guiné aparece e passa muita lama!

Estávamos então, AINDA, em fins de 1969!

Este REAL Capitão (*) de Artilharia já faleceu, com o posto de Coronel.

São recordações como esta, que nos ajudam a dar as verdadeiras perspectivas do que por lá andámos a chafurdar!

Um grande abraço.
J. Belo
__________

Nota de J.Teixeira:

(*) Tratava-se do Capitão Rei, Comandante da CCAÇ 1792
__________

Nota do co-editor CV:

(1) Vd. post anterior Guiné 63/74 - P2041: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil CCAÇ 2381, 1968/70) (4): Aventuras de Maiorais

Guiné 63/74 - P2061: A odisseia esquecida de Gandembel / Balana (Nuno Rubim / Idálio Reis)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > 1968 > Início da construção do aquartelamento > No comments! (As grandes fotografias dispensam legendas)

Foto: © Idálio Reis (2007). (Editada por L.G.). Direitos reservados.



1. Mensagem do Nuno Rubim, na sequência do post de 19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis): 28 de Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

Caro Luís

Concordo plenamente contigo !!! Vamos pensar num meio de apoiar o camarada Idálio Reis a preservar ( publicar ?) documentalmente, reunido cronologicamente, todo esse importantíssimo acervo escrito e fotográfico !

E a prova segue em attach ... Desde Janeiro deste ano que insisto com ele ...

Um abraço

Nuno Rubim

2. Mensagem do Idálio Reis para o Nuno Rubim, com data de 7 de Junho de 2007:


Assunto - Torpedos bengalórios

Meu caro Nuno Rubim

Alegrou-me esta sua ciber-visita, porque ademais mostra que está apegado a esta visceral questão (parece que cada vez mais candente) da guerra da Guiné. Porque o Luís Graça tem editado a minha estória de modo algo compassadamente (1), tenho o prazer de lhe anexar as partes que então lhe enviei.

E porque o faço para si? Peço-lhe para dar pouco valor histórico ao memorial da CCAÇ 2317, que se encontra no Arquivo [Histórico] Militar. Ele não narra a grande generalidade dos factos então passados e, quando o faz, comete omissões ou erros.

Dos 372 ataques/flagelações que Gandembel sofreu, o maior foi a 15 de Julho (de 1968) e, com consequências mais desastrosas, bem diferenciado dos 2 que tiveram lugar na 1ª quinzena de Setembro. É que quando se quer quantificar o arsenal que o IN fez utilizar, somente lhe posso reconhecer que foi variado e imenso, ter a sensação do tempo dispendido, avaliar o tipo de armamento posto nesse teatro e tentar reconhecer os resultados. Fui incapaz de reconhecer quanto armamento ou efectivos se cercaram de Gandembel.

A utilização dos torpedos bengalórios fez-se incidir muito em especial em 15 de Julho, em que se tornou bem visível que houve destruição do arame farpado em frente ao paiol.
Quanto ao comandante da Companhia, o então capitão Barroso de Moura, desculpe este meu desabafo, mas hoje julgo que foi o pior de todos nós. A Companhia de Gandembel teve um capitão em part-time, pois facilmente se esquivava para Bissau. E vencido 2/3 da comissão, regressou a Lisboa para se guindar a posto mais elevado do Exército.
Foi homem que jamais vi, nem mesmo à nossa chegada se dignou a estar presente. Nunca apareceu nos convívios e também deixou poucas saudades ao pessoal da Companhia. E que direi eu, que um certo dia me puniu com 2 dias de prisão, agravado para 7 dias, e que me impediu de gozar qualquer período de férias?
Viria a ser substituído, já a Companhia em Nova Lamego, por um capitão do quadro de nome Pinto Guedes e que fora integrado ab initio na CCS. Este tomou a atitude então mais consentânea às circunstâncias, de nunca se intrometer nos seus destinos.

Sempre ao seu dispôr. Um forte e cordial abraço do Idálio Reis.

3. Resposta do Nuno Rubim:

Caro Idálio Reis:

Muito obrigado pelos dados que me enviou.

O drama de Gandembel merece ficar para a história e o camarada poderia talvez escrever uma monografia ilustrada sobre o assunto. Seria um importantíssimo contributo para o estudo da guerra colonial.

O meu trabalho, no quadro do Projecto Guileje, limitou-se à recolha de informações (documentos e fotos) sobre as unidades que lá serviram, mas depressa realizei que não poderia dissociar essa informação das unidades envolventes. Mas não faço análises, embora uma ou outra vez tente explicar a razão de ser de alguns acontecimentos ocorridos.
Esse trabalho de interpretação há-de ser feito (julgo eu...) no futuro. Por isso todo o material que recolhi (e o que ainda espero recolher), quer de fontes nossas, quer do PAIGC, ficará depositado no centro de documentação do núcleo museológico a instalar pela AD em Guileje.
Mas já propuz ao Pepito (Carlos Schwarz ), que aceitou a ideia, de que lá fiquem expostas ampliações de algumas das mais significativas fotografias, bem como alguns mapas, para além do diorama e das miniaturas dos meios de combate.
Quanto aos Torpedos Bengalore, nenhuma das listas que possuo, quer nossas quer do PAIGC, os menciona.

Sobre o que me fala dos intervenientes no processo, pois acho que o melhor é um dia falarmos pessoalmente sobre isso. Terei muito prazer nisso.

Grande abraço
Nuno Rubim

___________

Nota de L.G.:
(1) Além do post supracitado, vd. os anteriores (que de facto foram saíndo no nosso blogue com bastante irregularidade, por razões que não são imputáveis ao autor, mas sim ao editor, nomeadamente devido à riqueza e à abundância do material fotográfico que é preciso, no entanto, editar).

sábado, 18 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2060: Bibliografia de uma guerra (14) : o testemunho de Pedro Pinto Pereira. "Memórias do Colonialismo e da Guerra", de Dalila Cabrita Mateus (Virgínio Briote)


Cópia da capa do livro de Dalila Cabrita Mateus . Memórias do Colonialismo e da Guerra. Porto: Edições ASA. 2006. Colecção: Arquivos Históricos. 672 pp. Preço: 24,00 € (com IVA).

Fonte: © Edições ASA (2006) (com a devida vénia...).


Testemunhos da Guiné, de quem esteve do outro lado, são raros, como se a guerra naquela terra tivesse sido um caso menor.  Pelo interesse e valor histórico, com a vénia devida a Dalila Cabrita Mateus (DCM), trancrevo excertos do longo e interessante depoimento prestado por Pedro Pinto Pereira (PPP) à autora, em Setembro de 2001 (páginas 547 a 569).
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Pedro P. Pereira nasceu em Bissau em 1926. Em Bissau concluiu o 5ª ano dos liceus. Em Portugal tirou um curso de Guarda-Livros. O seu tetravô, Honório Barreto, foi Governador. O avô foi director da Alfândega. E o pai, comerciante e vogal da Câmara de Bolama, terá sido arruinado pela Casa Gouveia, da CUF.

(....) Um primo seu, James Pinto Bull, foi secretário provincial e deputado pela Guiné à Assembleia Nacional. Um outro primo, Benjamim Pinto Bull, académico, foi agraciado com a Ordem do Infante. E um filho seu foi ministro da Administração Pública na Guiné (Kumba Yalá).

Foi preso pela PIDE em Março de 1966. Os agentes apoderaram-se, então, de duas medalhas com a efígie de Salazar, de que se confessa admirador. Uma emissão do PAIGC na Rádio Senegal afirmou que "até mesmo os seus cães...como o Pipi Pereira...foram parar ao campo de concentração" (1).
Levaram-no para a 2ª Esquadra da PSP, onde passou 335 dias. Em Fevereiro de 1967, por despacho do então ministro do Ultramar, Silva Cunha, foi-lhe fixada residência no Campo de S. Nicolau (Angola), onde permaneceu até Setembro de 1969.

Após a independência da Guiné, foi detido (pelo PAIGC) sob a acusação de ter sido fundador do Movimento de Libertação da Guiné (MLG).

Em 1976, intentou uma acção contra Portugal, sob a acusação de ter sido ilegalmente preso. Em 1992, Portugal foi condenado pela Comissão Europeia dos Direitos do Homem a pagar-lhe 800 contos.

(1) IAN/TT (Torre do Tombo), Arquivos da PIDE, Processo 641/61, PAIGC, 3º volume, "Emissão do PAIGC na Rádio Senegal, 8.02.1972, fls. 112 ss.
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Nota do co-editor Virgínio Briote: o depoimento de Pedro P. Pereira é extenso, a sequência é muitas vezes alterada, acontecimentos dos anos 60 misturam-se com alguns recentes, as opiniões pessoais abundam. Para melhor enquadrar os factos históricos, os que são dos nossos tempos, procurei sequenciá-los, respeitando o discurso do Pedro Pereira.
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" O primeiro governador da África Negra foi o meu tetravô, Honório Pereira Barreto. Embora não use Barreto, porque o governador apenas se "juntou" com uma prima minha, recusando-se a casar. Por isso, o meu avô não pôde usar o apelido. Mas foi o primeiro filho de Honório Barreto, que o mandou estudar em Portugal.

(...) mas não posso deixar de ter orgulho em ser descendente de Honório P. Barreto, que foi um grande governador, um grande defensor de Portugal. Grande mesmo, embora talvez prejudicando o próprio país, a terra que o viu nascer e que é a Guiné.

(...) naquela altura, quiseram tomar as ilhas de Bolama. Os ingleses foram lá com dois vasos de guerra e mandaram chamar o governador ao palácio. Sabe o que o governador fez? Foi a bordo de pijama e chinelos. eles é que deviam desembarcar e ir ter com o governador. Ele não se sujeitou àquele atrevimento de o mandarem chamar ao barco.

inauguração da estátua de Ulisses Grant (*) em Bolama (imagem in águalisa, de J. Tunes)
(...) O meu avô era de Cabo Verde, da Praia. Foi director da Alfândega da Guiné, primeiro substituto do juiz (...).

Mas o avô dele era biafada, de uma tabanca chamada Beduco.

(...) teve várias profissões (o pai, Vítor Gomes Pereira). Foi, por exemplo, comerciante: no seu tempo comprava 80 por cento dos produtos (mancarra, coconote), quando a CUF comprava 20 por cento. Então fizeram-lhe uma guerra terrível.

(...) Bastou dar o monopólio da exportação à Casa Gouveia, da CUF. Meu pai, natural da Guiné, era comerciante, empresário, comprava a mancarra e vendia-a para a Alemanha.

(...) Porque fui preso? Que me viram em casa de um rapaz chamado Mário Baldé, cujo pai fora criado na casa de meu pai. (....) Fui preso no dia 12 de Março de 1966. E acusado também de dar dinheiro para o partido, o que era mentira. Bem, tinha uma certa admiração pelo primeiro partido que existiu antes do PAIGC, que era o MLG (Movimento de Libertação da Guiné). O chefe desse partido era o Zé Lacerda, filho de um capitão português que viveu muito tempo em Bolama.

(...) Houve um desentendimento quando o Amílcar Cabral chegou à Guiné, como engenheiro agrónomo. De modo que dois rapazes de Cabo Verde, o Fernando Fortes e o Infante Souto Amado, foram ter com o Amílcar, e lá se fundou o PAIGC; também era a única maneira de Cabo Verde se tornar independente.

(...) (a sede da PIDE em Bissau), era ao pé do campo da bola, na altura o Estádio Nacional. Quem saía do Estádio para ir para a Praça do Império, era naquela rua. A primeira casa à direita de quem vai.

(...) (esteve em interrogatórios na Pide) Dois dias e tal.

(...) (o meu primo) Era o dr. James Pinto Bull. O pai dele era de origem inglesa, era da actual Serra Leoa. O Pinto era da irmã da minha mãe, e o Bull, do pai.

(...) (virei-me para o subinspector) O senhor já me devia ter dito (de que era acusado). Você fez isto e aquilo, mostrando-me as provas. Ou então mande-me para minha casa.(...)

Então isto é assim? Disseram-me que ia a tribunal, mas onde está o advogado, onde? Já passaram dois dias, e o meu advogado onde está? Veio cá para tratar comigo de uma procuração, e o senhor correu com ele, porque ele lhe perguntou o que é que eu tinha feito.

Este advogado era o dr. Macaísta Malheiros, que depois foi juiz.

(...) Mas voltando atrás. Não se atreveram a bater-me, mas eu também fui muito corajoso. (...) (estive) Sempre, durante trezentos e trinta e cinco dias preso na 2ª esquadra.

(...) Ouviu falar do dr. Henrique Medina Carreira? Foi ministro depois do 25 de Abril. É filho de António Barbosa Carreira, que só tinha a 4ª classe.
Esse Henrique Medina Carreira fez primeiro o curso de agente técnico de engenharia electrotécnica, depois foi para a Guiné trabalhar nos correios, esteve lá dois meses a trabalhar, mas foi ter com o pai e disse-lhe que se queria ir embora para estudar.

O pai respondeu-lhe que não tinha dinheiro, que dali não saía. Então ele foi ter com uma pessoa amiga do pai, um grande comerciante em Bissau, Mon Ali Amon, que também foi preso comigo.

(...) Mandaram chamar o Duarte Vieira, esse que tinha sido servente nas Obras Públicas e que chegou a tenente miliciano do Exército Português. (...) O tal Duarte Vieira, pediu a máquina de escrever e escreveu, escreveu, chamando-lhes nomes. Levou tanta pancada, que lhe quebraram a cabeça. Foi depois sepultado no cemitério.

(...) Mataram-no sim. Mas disseram que fugiu, que batera com a cabeça e morrera.

(...) (a acção contra Portugal) Meti. Foi o dr. Orlando Marcelo Curto que meteu a acção. Aqui em Portugal perdi três vezes. (...) Recorri sim, para a Comissão Europeia dos Direitos do Homem. E ganhei.

(...) Em 1976, mas só a ganhei em 1992, dezasseis anos depois.

(...) (quem assinou o despacho) Foi o dr. Silva Cunha, ministro do Ultramar e da Defesa. Foi ele que assinou a nossa deportação para Angola.

(...) Éramos catorze.

(...) O inspector Reis Teixeira disse que íamos para São Nicolau, que o governador-geral de Angola até tinha feito a proposta de voltarmos para a Guiné (Arnaldo Schulz, o então governador da Guiné, ter-se-á oposto). Estive em São Nicolau 56 meses.

(...) Que assistira ao fabrico de uma bomba. Quando eles (PIDE) é que tinham deitado uma bomba em Farim, onde mataram muita gente (**).

(...) (quem lançou a bomba?) Foi a PIDE que mandou, tenho a ceteza disso. Lançou a bomba para depois dizer que nós até matávamos africanos. Ali não havia quartéis, só havia casas comerciais, onde era fácil lançar bombas e fugir. Porque é que não lançavam as bombas nos quiosques, frequentados pelos militares portugueses? E iam deitar onde só estava a população?Queriam arranjar pretexto para fazer prisões. Havia, então, uma festa numa tabanca e morreram mais de cem pessoas. Isto passou-se no dia 1 de Novembro de 1965.

(...) Comigo foram o Fernando Fortes, o Souto Amado, e muitos mais. Esteve lá um europeu connosco, o Cordeiro. Ele era duro, insultava a PIDE na rua abertamente. Ele tinha dois cães, a um chamava "pide" e ao outro o nome de um inspector que estava lá.(...) Era um grande técnico de raios X.

(...) Saí em 18 de Setembro de 1969, às 5 horas da manhã. (...) E fui recebido pelo governador da altura, o general Spínola, quatro dias depois de lá estar.

(...) Olhe, já me esquecia de lhe contar. Na altura em que a PIDE me foi prender, roubaram-me medalhas de bronze com a figura de Salazar. Ainda hoje sou um grande admirador de Salazar. Sou admirador da sua honestidade, do seu valor. Até fui a Santa Comba Dão para conhecer a casa dele!

(...) (porque fui preso pelo PAIGC) Por ter fundado o partido MDG (Movimento Democrático da Guiné). Estive preso vinte e seis meses. No tempo de Nino Vieira também não me davam autorização para exportar, dava-na a toda a gente, menos a mim."
__________

(*)"Ulysses Grant foi um general e estadista americano, nascido em 1822 e falecido em 1885. Andou na Guerra do México, em 1847, e participou activamente na Guerra da Secessão, lutando ao lado dos Nortistas, tendo dado o golpe de misericórdia aos Sulistas em 1865. Candidato a Presidente dos Estados Unidos, venceu por maioria esmagadora, tendo governado de 1868 a 1876, como 18º Presidente. De 1877 a 1880 fez uma viagem triunfal em volta do mundo, onde foi sempre calorosamente recebido."

"Pois foi este famoso estadista que defendeu abertamente a posse da Guiné para Portugal. Em memória de alguém que, sendo grande, soube advogar com generosidade uma causa justa, o Governo Português encomendou a Manuel Pereira da Silva a respectiva estátua."


in Joaquim Costa Gomes - Três Escultores de Valia: António Fernandes de Sá, Henrique Moreira e Manuel Pereira da Silva. Ed. Confraria da Broa de Avintes.


(**) Confirmado o incidente, a PIDE, em mensagem por rádio existente nos arquivos de Salazar, afirma que, no dia 1 de Novembro de 1965, cerca das 20 horas, fora lançado um engenho explosivo para o meio dos africanos que se encontravam num batuque em Farim. A explosão teria provocado 63 mortos e feridos, na sua maioria mulheres e crianças.

Foi detida meia centena de pessoas. Confissões obtidas levaram à detenção de um tal Issufo Mané, que declarou pretender atingir militares (?). Para o fazer, teria recebido 14 contos de Júlio Lopes Pereira, o qual, por seu lado, actuara por indicação do chefe da Alfândega de Farim, Nelson Lima Miranda. E este teria vindo a declarar que a bomba fora lançada a mando da direcção do PAIGC.

(AOS/CO/UL- 50-A, Informações da PIDE, 1965-1966, 86 subdivisões, pasta 2, fls. 636, 637, 638, 641 e 642).

O interessante é que Pedro Pinto Pereira, um adepto do regime e admirador de Salazar, atribua o incidente à própria PIDE. Aliás, fazendo-se eco da versão que, na altura, circulou entre a população africana, como o reconhece a própria Polícia (DCM).

Guiné 63/74 - P2059: Um disco oferecido pelo MNF, às NT, no Natal de 1973 (Álvaro Basto/Carlos Vinhal)

Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873, Xitole, 1971/74 (1)


1. Em conversa, aquando do almoço da minitertúlia de Matosinhos, no dia 8 de Agosto, no qual tivemos como convidado especial o nosso amigo Batista, dizia-me o Álvaro Basto possuir um LP que o Movimento Nacional Feminino (MNF) tinha oferecido no Natal de 1973. 

 Achei que tal objecto seria interessante mostrar aos visitantes da nossa Página, porque significava muito do que na época se fazia para levantar (?) o moral das nossas tropas. Quem não se lembra das coisas mais desinteressantes, disparatadas e pouco úteis que nos ofereciam então ?! Desde medalhinhas de santos, em alumínio, maços de tabaco (de marcas que nós apelidavamos de mata-ratos), isqueiros (tipo petromax) e quejandos. 

 Confesso que não considero assim o caso vertente, pois ainda se pode reproduzir este vinil nos velhos gira-discos. Além disso, contém, no verso da capa, dedicatórias de figuras públicas da época, algumas das quais já falecidas, o que lhe confere um estatuto de raridade.

Foto 1> Frente da capa do disco


Foto 2> Verso da capa do disco, onde se podem ler (?) as dedicatórias 

 Fotos: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.


2. Por que não são legíveis as dedicatórias, aqui vão reproduzidas, com a identificação dos seus autores. 

 - Que o Menino Jesus vos ponha no sapatinho uma menina muito bonita. Amália

 - Com as saudações de simpatia do Jorge Alves 

 - Um abração do amigo que nunca vos esquece. Camilo Oliveira 

 -Do coração um beijinho muito sincero da amiguinha Hermínia Silva 

 - Com um abraço e até o mais breve possível Raúl Solnado 

 - Com admiração e respeito por todos vós. Um regresso muito breve. Fernanda Maria 

 - Para os soldados portugueses com abraço e afecto do amigo Ricardo Chibanga 

- Também quero jogar nesta equipa da amizade do Movimento Nacional Feminino. Por isso chuto daqui um grande abraço para a malta toda. Eusébio 

 - Por maiores que sejam os oceanos que nos separam, nada consegue vencer o amor que me liga a todos vós, meus irmãos. Florbela Queiroz-


3. E por que não indicar as faixas do disco? 

 Face A: - Abertura - Lisboa; Trás-os-Montes; Moçambique; Ribatejo; Madeira; Beiras; Timor e Açores 

 Face B: - Alentejo; São Tomé e Príncipe; Minho; Cabo Verde; Coimbra; Macau; Porto; Guiné; Algarve; Angola e MNF - Fecho. Como se depreende, música para todos os gostos e quadrantes geográficos. 

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Nota do co-editor CV: (1) Vd. Post de 26 de Junho> Guiné 63/74 - P1888: Tabanca Grande (19): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873 (Xitole, 71,74).

Guiné 63/74 - P2058: Estórias do Zé Teixeira (21): Fermero ká tem patacão prá paga, toma minha mudjer (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

José Teixeira, 1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , (1968/70). Sendo enfermeiro militar, proporcionou ajuda sanitária à população das tabancas por onde a sua Companhia passou. Dedicando todo o seu saber e desvelo à causa que tomou sobre os seus ombros, viveu estórias tocantes como esta.


Fermero ká tem patacão prá paga, toma minha mudjer

por Zé Teixeira (1)

De O meu diário

1969, 5 de Janeiro

Estou de volta a Mampatá , após uma coluna (de ida e volta) a Buba. Se todas as colunas decorressem como esta, não me importava de fazer colunas. Cerca de 400 homens em movimento.

Admiro esta população. Quando souberam que eu ia a Buba, vieram despedir-se de mim. As bajudas abraçavam-me… sei lá. Dá gosto viver com esta gente.

1969, 13 de Janeiro

Chamarra é o meu novo hatitat desde ontem. A despedida de Mampatá foi triste e chocante. Custou-me imenso deixar aquela gente que me ensinou que o africano é homem que sendo compreendido e ajudado, se dá numa amizade sincera. Muitos pediam que eu ficasse (*), outros para ir até lá, as bajudas beijavam-me, etc., etc...

Ao reler o diário que teimosamente fui escrevendo em cima dos acontecimentos, com o objectivo concreto de extravasar para o papel o que me ia na alma naquele exacto momento, esbarrei com estes dois pequenos textos, os quais posso afirmar encerram ou definem, quanto foi para mim agradável viver meio ano no convívio com aquela simpática gente, num “oásis” plantado em pleno teatro onde se praticava a mais dura guerra de guerrilha.

Passados que são trinta e nove anos, o meu pensamento mergulhou de novo em Mampatá Forreá. Pequena tabanca no sul da Guiné-Bissau situada a cerca de cinco quilómetros de Aldeia Formosa (Quebo). Cruzamento de quatro estradas (picadas), qual delas a mais apetecível para se passear acompanhado, no mínimo, com a G3 bem abastecida e em grupo destemido e disposto a vender cara a vida.

Não havia muito por onde escolher: uma direccionava-se para Gandembel, passando por Chamarra e Ponte Balana, continuando depois pelo corredor da morte até Guiledje.

Outra corria para Buba, passando por Uane (destruída e queimada pelo IN, onde tinham sido apanhados e feitos prisioneiros cinco camaradas em Maio último), Nhala e a temível bolanha dos passarinhos na Lagoa de Cufada.

Uma terceira, que lançando-se da direcção de Colibuia e Cumbijã, tabancas abandonadas recentemente, se partia em duas seguindo uma para Guiledje e outra para Buba, passando por Sinchã Cherno onde, quinze dias antes, eu vivera o drama de não poder valer a um camarada que partiu para o eterno aquartelamento, para desespero de todos nós.

A última, embora tivesse o seu fim em Bissau, passando por Aldeia Formosa, Saltinho, Xitole e Bambadinca, ficava-se por Aldeia Formosa, desde o fatídico dia 24 de Junho, em que o IN atacou Contabane, incendiou a tabanca, pondo a tropa e a população em fuga com a roupa que tinham no corpo.

Muitas cenas vividas me vieram à memória. Vou começar pela primeira.

Recordo a minha tímida chegada, integrado no 3.º Grupo de Combate para aqui destacado temporariamente em Agosto de 1968. Tinha como responsabilidade garantir a assistência, como enfermeiro, aos militares meus camaradas, ao pelotão de milícia e à população.

A forma como a população nos acolheu foi excelente. Tratava-se de uma pequena tabanca onde os habitantes não chegariam aos quinhentos, sem quartel, ficando os militares em abrigos construídos artesanalmente com troncos de madeira espalhados em redor da aldeia, para protecção da mesma.

Recordo o milícia que se dirigiu a mim, logo à minha chegada, dizendo que o pai “estava manga de doença”, “bariga e na dê” e “bariga ramassa” – suponho que me queria dizer que o pai tinha muitas dores de barriga e os intestinos presos.

Como ainda estava presente o enfermeiro que iria render (isto de aprendiz de enfermeiro passar a médico às três pancadas, não foi fácil para mim), pedi-lhe apoio para este problema e tive como resposta: - Este gajo é um chato. Tens ali uns comprimidos. Dá-lhe apenas um por dia. Não lhe dês o frasco, pois se o fizeres no dia seguinte está aqui de novo com a mesma ladainha e tu nãos tens remédio para o calares.

Cumpri as instruções do colega e o homem lá foi tirar as dores ao pai. Coitado.
Manhã cedo, lá estava o Suleimane: - “Fermero, parte quinino pra minha pai. Bariga na dê”.

Armei-me em xico esperto e acompanhei-o à morança para ver o pai, qual médico sabichão, sem conhecimentos, sem instrumentos, apenas com um frasco de pírulas castanhas que eram recomendadas para tirar dores em geral e nos pós-operatórios, aconselhando uma toma mínima de três por dia. Medicamento milagroso, cujo nome, por traição da memória, não consigo relembrar, mas que muito me ajudou a debelar dores a brancos e a pretos, que nos dezassete meses que se seguiram me procuraram, à procura de remédio para as suas maleitas, na ausência quase permanente de um médico.

Após uns minutos de difícil conversa, dado que o velho doente se exprimia apenas no seu dialecto, o filho palrava algumas palavras em português à mistura com crioulo que para mim ainda era chinês e eu fazia perguntas em português de Portugal, consegui deduzir que o homem não fazia o saneamento da tripa cagueira há mais de oito dias. A barriga parecia uma dura pedra. Ao fazer a apalpação como tinha visto o médico a fazer, provoquei a saída forçada de uma estrondosa e mal cheirosa bomba de gases, que por uns instantes perfumaram o ambiente, valendo-nos a porta que não havia e o telhado que era de capim, para desanuviar o ambiente.

Este acontecimento, acompanhado pela tomada de um dos comprimidos milagrosos, gerou temporariamente um aliviar das dores do velho, mas isso para mim não era solução.
Dirigi-me ao comandante do destacamento, o alferes José Belo, que depois de me ouvir atentamente, concluiu comigo que era urgente o doente ser visto por um médico, coisa rara por aquelas bandas, pelo que havia de ser pedida uma evacuação urgente, dado que a avioneta do correio só viria na Sexta-Feira e estávamos na Segunda.

Uma mensagem rádio para Aldeia Formosa, dali para Buba, suponho, e de lá para Bissau, com retorno a tentar saber da razão da urgência em pedir uma evacuação para a população. Resposta do alferes Belo: - Sou alferes atirador e não médico, o meu enfermeiro diz que não se responsabiliza, eu também não.

A meio da tarde recebemos novo rádio a comunicar a vinda da avioneta e lá vamos nós com o velho, a caminho de Aldeia Formosa, sem as devidas e normais cautelas, próprias de quem está em zona de guerra, sem azar, por aquele dia.
Embarcou pai e filho com destino ao hospital de Bissau, ficando eu aliviado em consciência e livre de um chato que deixou de me pedir “mesinho para pai di mim”.

Uns dias depois o filho regressou. Pude saber que o pai fora operado de urgência e estava recuperar bem.
Dois meses depois regressa o velhote, com outra cara, sem dores e até ao meu afastamento de Mampatá, nunca mais deu problemas.

Foi uma entrada de leão a minha, em Mampatá, por força das circunstâncias, mas que de algum modo marcou toda a relação entre a população nativa e a tropa, nos seis meses que por ali estacionamos. Ficou para mim o melhor quinhão, naturalmente. O Suleimane, quando o pai regressou curado, dirigiu-se a mim para me agradecer do seguinte modo: - ”Fermero, ká tem patacão prá paga. Toma minha mudjer. É tua mudjer”.

... E ficamos os dois abraçados.

Zé Teixeira
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Nota do autor

(*) Soube já em Chamarra que o alferes da milícia e chefe de tabanca Aliu Baldé e o sargento da milícia Amadu foram a Aldeia Formosa pedir ao Major Azeredo, para eu ficar em Mampatá, enquanto houvesse tropas da minha companhia no Sector – tinha ficado o 2.º Grupo de combate em Chamarra.

Como tal não era possível dado que em Mampatá tinha sido colocado um segundo pelotão de milícia com um africano como enfermeiro, fui então colocado na Chamarra com prejuízo para o meu colega, que foi com a Companhia para Buba, montar segurança na construção da estrada, tendo eu sido mandatado para ir uma ou duas vezes por semana a Mampatá atender e assistir a população.
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Nota do editor:

(1) Vd. último post desta série> 12 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2042: Estórias do Zé Teixeira (19): A vaca que deu sorte.

Guiné 63/74 - P2057: Questões politicamente (in)correctas (32): O monumento em Barcelos aos mortos do Ultramar (Luís Carvalhido)

O Luís Carvalhido, membro da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (APVG), foi soldado de transmissões da CCS do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74). É natural de (e residente em) Barcelos. Pertence à nossa tertúlia desde Abril de 2005, tendo entrado pela mão do Sousa de Castro, do mesmo batalhão (CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74).

Foto: Jornal de Barcelos. 9 de Julho de 2003 (com a devida autorização) (1)


1. Mensagem do nosso camarada Luís Carvalhido, com data de 14 de Julho:


Assunto - Barcelos Popular, 27/06/2007, página 5

Meu caro Luís:

Na data supra referida o Director do jornal Barcelos Popular, no seu editorial, fez uma análise medonha ao comportamento dos veteranos de guerra, nas províncias ultramarinas.

Segue a resposta que amanhã lhe vou entregar em mão. Se achares de interesse, podes redestribuir.

Um abraço,
Luís Carvalhido

2. O editor do blogue mandou-lhe, entretanto, a seguinte mensagem, em resposta ao camarada Luís Carvalhido:


Luís: Não tens cópia, em suporte digital, do editorial em causa ? Fui ao sítio do jornal mas não consegui localizar o dito editorial. Eles chegaram a publicar a tua resposta ? Se sim, diz quando, em que data...

Temos que ser objectivos e imparciais, publicando os dois pontos de vista... Não gostaria que isto parecesse uma polémica local, paroquial, no contexto de Barcelos (cidade, de resto, de que eu gosto, tal como toda a região)...


Tens que me dizer o que se passou exactamente: Barcelos inaugurou um monumento aos mortos do ultramar, o jornal (que é ideologicamante mais próximo da esquerda, é isso ?) não gostou e desancou... Tu respondeste, usando o trocadilho e a ironia (director inferior / geração superior)... Enfim, para garantir o pluralismo, eu preciso da outra peça... Pode ser ? Um abraço do Luís Graça e dos co-editores, CV e VB.


3. Em 27 de Julho último, o Carvalhido eslcareceu as minhas dúvidas:


Meu caro Luís:

Para que entendas a questão: Em Barcelos criou-se uma comissão para a feitura de um monumento ao combatente, vulgo veterano de guerra.

Este Director, presumivelmente homem de esquerda, contra a qual nada tenho, malha em tudo aquilo que lhe parece espiga, caindo na tentação de misturar alhos com bogalhos. Nada disso me importa desde que os factos relatados coincidam com total verdade e imparcialidade histórica.

Em nome de coisas que assisti na Guiné, tal como vós aliás e em nome do princípio de quem não esteve lá não pode saber nem pode sentir, considerei importante vir a terreiro dar a minha humilde opinião.

Como saberás, para nós nesta causa não deve existir esquerda nem direita, mas tão sómente aquilo que cada um perdeu... aquilo que cada um sentiu... mas muito mais importante: aquilo que cada um ainda não esqueceu.

Um abraço do companheiro ao dispor, relançando daqui o apelo a qualquer um de vós que por perto passe não hesite em me contactar. Estarei sempre disponível para um abraço.

Em breve recebes tudo aquilo a que me estou a referir.

Um abraço

Luis Carvalhido

4. Nova mensagem do nosso camarada de Barcelos:


Caro Luís:

Tal como combinado sou a enviar o artigo [editorial de 27 de Junho de 2007, publicado na página 5, sob o título Guerra Colonial: o último dos monumentos] que me levou a ir ao Barcelos Popular, entregar em mão aquela resposta que te enviei. Segue, noutro email, a resposta que adequei ao Jornal de Barcelos, uma vez queo Director editorialista [do Barcelos Popular] não foi capaz de me dizer nada, ou de escrever nada daquilo que eu lá deixei.

Um abraço
Luis Carvalhido

5. Artigo de opinião enviado pelo Luís Carvalhido ao Barcelos Popular ( auto-intitulado "semanário regional, democrático e independente "):

Um Director inferior faz parecer inferior uma geração superior

Senhor director do Barcelos Popular, li o seu editorial de 27 de Junho findo [vd. imagem em anexo, em cópia digitalizada do polémico artigo]. Devagar, devagarinho, como mandam as regras, tentei entender as suas críticas, à feitura do tal monumento que classifica de várias maneiras, todas elas muito pouco abonatórias.

Naturalmente que a sua opinião face ao monumento não me incomoda muito, até porque não faço parte da Comissão Organizadora. No entanto, como homem da tal ocupação, já não posso calar-me ao ler tamanhas obscenidades, provocadas a meu ver, por uma enorme falta de conhecimentos da realidade, ou por qualquer tipo de obaudição. Naturalmente que se fosse uma pessoa qualquer, não perderia tempo com a questão mas como o senhor é um ilustre Director, de um jornal da cidade, não posso deixar de lhe perguntar algumas coisas importantes, para depois lhe poder dar outras informações mais próximas da realidade.


Que idade tinha em 1961, no início da guerra colonial? E que idade tinha em 1974, data em que a mesma acabou? Era filho de uma família rica? Que formação política tinha nessa ocasião? Naturalmente que lhe faço estas perguntas porque penso, que foi um dos que fugiu graças ao poder económico da família.

Não quero crer que seja mais um daqueles que em Abril ainda andavam com as fraldas sujas e que pouco tempo depois já arvoravam em pseudo qualquer coisa. Já agora, antes de lhe dizer o que representa o monumento, porque me parece que o senhor Director nunca terá investigado o suficiente acerca do assunto, ou então terá lido aqueles que escrevem o que o momento dita, permita-me que lhe diga que fui um SOLDADO deste país e que prestei serviço na Spinolândia de Janeiro de 1972 até Abril de 1974.

Por este tempo de aprendizagem, atrevo-me a deixar-lhe outro tipo de informações que não contêm qualquer saudosismo bolorento. Inicio esta lição, dizendo-lhe que um batalhão com cerca de seiscentos homens apenas tinha cerce de dúzia e meia de SOLDADOS do quadro. Sendo assim e se ainda se lembra da regra de três simples, pegue num milhão de homens e veja quantos são os tais que mataram sadicamente, acobertados pela cédula salazarista.

Depois, senhor Director, deixe-me dizer-lhe o que pode representar o tal hediondo monumento: ele simboliza enaltecimento ao tal milhão de oprimidos que não tinham condições económicas para fugir.

Sim, senhor Director, ou será que já se esqueceu que éramos um povo pobre e que muitos, desse tal milhão, viviam na miséria? O senhor não, de certeza, por aquilo que as suas palavras deixam entender. Ele também simboliza a perda dos melhores anos da vida de um jovem; tempo de procura e tempo de decisões.
Embora só sejam cerca de onze mil os oficialmente reconhecidos, o monumento, senhor Director, também representa aqueles que caíram, vitimados pela tal opressão e pela falta de meios de fuga. Ele representa coxos, cegos, manetas e amputados da mente, vítimas para a vida inteira de outro tipo de opressão.

E não estarão lá representadas as mulheres e os filhos daqueles a quem ofende? Não serão estas mulheres e estes filhos tão sofredores, como aqueles que aprecem em primeiro plano? E, se o senhor soubesse um pouco de nada, disto, perceberia que esse monumento também lembra, pelo menos na nossa memória, os soldados africanos que tombaram do outro lado e do nosso lado. Mas isso, senhor Director, só nós é que sabemos porque o senhor e os outros não aprenderam.

Eu sei que isto já vai longo e eu teria muito, mas mesmo muito mais, para dizer se não soubesse o quanto é difícil arranjar um cantinho de opinião no seu jornal. Eu sei, que a si, tudo isto lhe parecerá pouco e eu até o compreendo, mas espere até lhe dizer o que representa o monumento. Ele representa um milhão de mães Portuguesas que não tinham dinheiro para mandar fugir os filhos e que sabiam menos de objecções de consciência que o senhor Director e os outros politicamente instruídos.

E para não mencionar muitas outras coisas, deixe só lembrar-lhe que o monumento também representa aqueles que, a um tempo, matavam e estropiavam; no outro, abriam estradas, construíam hospitais, ensinavam a ler e a escrever Português, curavam feridas, davam vacinas e praticavam medicina.
Não queremos branquear nada, senhor Director, e tal como o senhor não desejo a guerra. O monumento também afirmará isso, mas esta é a nossa história que só peca pela falta de qualidade com que os intelectuais deste país a escrevem ou a pintam. E já agora, para terminar, deixe lembrar-lhe, que o senhor, ao chamar a Câmara para o assunto, cometeu um erro, mais um, pois devia lembrar-se que também ocupa o lugar de director de um jornal, porque existem assinantes, pelos quais não demonstrou qualquer respeito, uma vez que usou o seu poder para entrar pelas casas dentro, ofendendo muitos que nelas moram.

Envergonhemo-nos, sim: da sua pequeníssima e pobre análise à questão e da utilização medíocre que deu à página cinco do Barcelos Popular da data supra referida.

Luís Carvalhido – Guiné 1972 / 1974

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Excertos do editorial do director José Santos > Guerra colonial: o último dos monumentos


A iniciativa de construir, no concelho, um monumento de homenagem aos ex-combatentes nas antigas colónias não é nova nem tampouco inédita no nosso país.

De facto, em muitas outras terras de Portugal (…) , esta mal disfarçada intenção de branquear um passado de crime e ocupação selvagem que a todos nos devia envergonhar, tem sido intencionada omitida a pretexto de um alegado tributo aos que ingloriamente tombaram no campo de batalha (…).

Para este peditório não damos. Mesmo que por detrás do movimento barcelense se encontre gente de bem e imbuída das melhores intenções. E a Câmara – eleita em regime democrático – tem a obrigação de obstar à concretização de 8uma obra que (…) só nos envergonha.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. 21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P977: Antologia (52): A guerra que Portugal quis esquecer (Luís Carvalhido, ao Jornal de Barcelos)

Meu caro Luís.
Na data supra referida o Director do jornal Barcelos Popular, no seu editorial fez uma análise medonha ao comportamento dos veteranos de guerra, nas províncias ultramarinas.
Segue a resposta, que amanhã lhe vou entregar em mão. Se achares de interesse, podes redestribuir.

Um abraço

14/7/07

Um Director inferior, faz parecer inferior uma geração superior.

Senhor director do Barcelos Popular, li o seu editorial de 27 de Junho findo. Devagar, devagarinho como mandam as regras, tentei entender as suas críticas, à feitura do tal monumento, que classifica de várias maneiras, todas elas muito pouco abonatórias. Naturalmente que a sua opinião face ao monumento não me incomoda muito, até porque, não faço parte da Comissão organizadora, no entanto, como homem da tal ocupação, já não posso calar-me ao ler tamanhas obscenidades, provocadas a meu ver, por uma enorme falta de
conhecimentos da realidade, ou por qualquer tipo de obaudição. Naturalmente que se fosse uma pessoa qualquer, não perderia tempo com a questão mas como o senhor, é um ilustre Director, de um jornal da cidade, não posso deixar de lhe perguntar algumas coisas importantes, para depois lhe poder dar outras informações mais próximas da realidade.
Que idade tinha em 1961, no inicio da guerra colonial? E que idade tinha em 1974, data em que a mesma acabou? Era filho de uma família rica? Que formação politica tinha nessa ocasião? Naturalmente que lhe faço estas perguntas porque penso, que foi um dos que fugiu graças ao poder económico da família. Não quero crer, que seja mais um daqueles, que em Abril ainda
andavam com as fraldas sujas e que pouco tempo depois, já arvoravam em pseudo qualquer coisa. Já agora, antes de lhe dizer o que representa o monumento, porque me parece que o senhor Director nunca terá investigado o suficiente acerca do assunto, ou então terá lido aqueles que escrevem o que o momento dita, permita-me que lhe diga que fui um SOLDADO deste país e que prestei serviço na Spinolandia de Janeiro de 1972 até Abril de 1974. Por este tempo de aprendizagem, atrevo-me a deixar-lhe outro tipo de informações, que não contêm qualquer saudosismo bolorento. Inicio esta lição, dizendo-lhe que um batalhão com cerca de seiscentos homens apenas tinha cerca de dúzia e meia de SOLDADOS do quadro. Sendo assim e se ainda se lembra da regra de três simples, pegue num milhão de homens e veja quantos são os tais que mataram sadicamente, acobertados pela cédula salazarista.
Depois senhor Director deixe-me dizer-lhe o que pode representar o tal hediondo monumento: ele simboliza enaltecimento ao tal milhão de oprimidos que não tinham condições económicas para fugir. Sim senhor Director, ou será que já se esqueceu que éramos um povo pobre e que muitos, desse tal milhão, viviam na miséria? O senhor não, de certeza, por aquilo que as suas palavras deixam entender. Ele também simboliza a perda dos melhores anos da vida de
um jovem; tempo de procura e tempo de decisões. Embora só sejam cerca de onze mil os oficialmente reconhecidos, o monumento senhor Director, também representa aqueles que caíram, vitimados pela tal opressão e pela falta de meios de fuga. Ele representa coxos, cegos, manetas e amputados da mente, vitimas para a vida inteira de outro tipo de opressão. E não estarão lá representadas as mulheres e os filhos daqueles a quem ofende? Não serão
estas mulheres e estes filhos tão sofredores, como aqueles que aprecem em primeiro plano? E, se o senhor soubesse um pouco de nada, disto, perceberia que esse monumento também lembra, pelo menos na nossa memória, os soldados africanos que tombaram do outro lado e do nosso lado. Mas isso senhor Director, só nós é que sabemos porque o senhor e os outros não aprenderam.
Eu sei que isto já vai longo e eu teria muito, mas mesmo muito mais para dizer se não soubesse o quanto é difícil arranjar um cantinho de opinião no seu jornal. Eu sei, que a si, tudo isto lhe parecerá pouco e eu até o compreendo, mas espere até lhe dizer o que representa o monumento. Ele representa um milhão de mães Portuguesas que não tinham dinheiro para mandar fugir os filhos e que sabiam menos de objecções de consciência que o senhor Director e os outros politicamente instruídos. E para não mencionar muitas outras coisas, deixe só lembrar-lhe que o monumento também representa aqueles, que a um tempo, matavam e estropiavam; no outro, abriam estradas, construíam hospitais, ensinavam a ler e a escrever Português, curavam
feridas, davam vacinas e praticavam medicina. Não queremos branquear nada senhor Director, e tal como o senhor não desejo a guerra. O monumento também afirmará isso, mas esta é a nossa história, que só peca pela falta de qualidade com que os intelectuais deste país a escrevem ou a pintam. E já agora, para terminar, deixe lembrar-lhe, que o senhor, ao chamar a Câmara
para o assunto, cometeu um erro, mais um, pois devia lembrar-se que também ocupa o lugar de director de um jornal, porque existem assinantes, pelos quais não demonstrou qualquer respeito, uma vez que usou o seu poder para entrar pelas casas dentro, ofendendo muitos que nelas moram.
Envergonhemo-nos sim: da sua pequeníssima e pobre análise à questão e da utilização medíocre que deu à página cinco do Barcelos Popular da data supra referida.

Luís Carvalhido – Guiné 1972 / 1974

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2056: Convívios (24): Notícias de convívios de Unidades que estiveram no TO da Guiné (Jorge Santos, Carlos Vinhal)

Para conhecimento de todos os frequentadores da nossa Página, damos notícia de convívios de Unidades que estiveram no TO da Guiné.


Companhia de Transportes 2642 (1969/1971)
No dia 25 de Agosto realiza-se o Convívio na Batalha, na Quinta de Santo Antão. A concentração é às 10h30 junto ao Mosteiro, seguindo-se missa às 11 horas pelos camaradas falecidos. Contacto: Armindo Neves 919 279 970 / E-mail: armindoneves@netcabo.pt





Companhia de Caçadores 1426 (Geba, 1965/1967
No dia 8 de Setembro realiza-se o Convívio em S. João da Ribeira (Rio Maior).
Contacto: Fernando 243 949 744





Companhia de Artilharia 2519 (1969/1971 )
No dia 8 de Setembro realiza-se o 5.º Convívio em Boleiros (Fátima).
Contacto: Henriques Martins 212 901 490




3.ª Companhia de Artilharia do Batalhão de Artilharia 6523 (1973/74)


No dia 8 de Setembro realiza-se o Convívio anual perto das Termas de S. Vicente, na Estrada entre Penafiel e Paredes.
Local de concentração junto ao Quartel da GNR, ex-Regimento de Artilharia Ligeira N.º 5, às 10 horas


Companhia de Caçadores 4541 (Caboxanque, 1972/1974)
4541
No dia 22 de Setembro realiza-se o 7.º Convívio na zona da Gafanha da Nazaré. Contacto: Guilhermino 914 679 51


Companhia de Polícia Militar 590 (1963/1965 )

No dia 23 de Setembro realiza-se o Convívio em Pombal.
Contacto: Domingos 212 740 744


Companhia de Caçadores 763 (Cufar, 1965/1966)

No dia 23 de Setembro realiza-se o Convívio em Ameirim.
Contacto: Albuquerque 214 684 787 – 914 908 920


Companhia de Artilharia 2714 (Mansambo, 1970/1972
No dia 29 de Setembro realiza-se o Convívio em Fátima.
Contacto: Mário 969 069 348


2.ª Companhia do Batalhão de Caçadores 4612/72 (Jugudul, 1972/1974
No dia 29 de Setembro realiza-se o Convívio no Fundão.
Contacto: Barata Ascensão 275 951 743 / Santos Costa 966 042 248



Companhia de Caçadores 4540/72 (Cabo Xanque, 1972/1974
No dia 6 de Outubro realiza-se o 4.º Convívio no “Complexo Turístico D. Nuno”, na Estrada Minde-Boleiros-Fátima.
Contacto: Virgílio Carvalho 249 831 228 – 969 619 102



3.ª Companhia do Batalhão de Caçadores 4612/72 (Mansoa, 1972/1974
No dia 13 de Outubro realiza-se o 18.º Convívio em Foros de Almada (Infantado).
Contacto: Alberto Melo 969 690 551 - Jorge Canhão 912 748 556 /mail: jorgea.ferreira@netcabo.pt



Batalhão de Cavalaria 1905 (CCS/CCav 1649/1650/1651)
(Guiné 1967/1968)
No dia 20 de Outubro realiza-se o 9.º Convívio em Celeiro – Reguengo do Fétal, no restaurante “Pérola do Fetal”, junto à EN 356 (entre Fátima e a Batalha). Contacto: António Paulo 917 416 460 – 243 329 924 – scalabis44@yahoo.co.uk

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Nota dos editores:

O Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné,agradece a preciosa colaboração do nosso companheiro Jorge Santos , que nos forneceu os elementos indispensáveis para a elaboração deste Post com notícias de convívios de Unidades que estiveram no TO da Guiné.