terça-feira, 18 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2114: Bibliografia de uma guerra (17): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte I)

Cópia da capa do livro de Aristides Pereira, Guiné-Bissau e Cabo Verde, Uma luta, um partido, dois países. Lisboa: Editorial Notícias. Novembro de 2002.
Para quem se interessa por aquelas terras, Guiné-Bissau e Cabo Verde, Uma luta, um partido, dois países é uma obra a não perder. São páginas que nos ajudam a reflectir sobre a época de tempestades de que fomos protagonistas.
Os apontamentos abaixo descritos são transcrições e notas soltas (da responsabilidade do co-editor VB) respigadas da obra. Com a devida vénia, a Aristides Pereira e à Editorial Notícias.
V. Briote, co-editor
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"As páginas que se seguem constituem uma visão retrospectiva da História que reflecte anos de tempestade e de ciclones; anos quentes nos quais os debates das armas da razão precediam os combates da razão das armas. Assistimos, nesta retrospectiva, ao desfile de actores verdadeiros ou falsos, tendo como cenário o crepúsculo dos tempos de exclusão colonial e de marcha irreprimível dos povos." (Prólogo, texto do Professor Joseph Ki-Zerbo, Ouagadougou, Burkina-Fasso)

Aristides Pereira recusa o título de Memórias, que muitos achavam dever ser o título da obra.

Iva Cabral, filha mais velha de Amílcar Cabral, escreveu-lhe após as eleições de 1991:

"Agora que tens mais tempo e sossego, espero que comeces a escrever as tuas memórias, já que é um dever que tens não só perante a História mas também perante mim e todos os outros jovens que vocês criaram e que por isso estão ligados ao nosso passado. A história de amanhã será escrita, terá que ter o vosso testemunho. Senão corre-se o risco de ela vir a ser contada por gente que tem como objectivo diminuir, denegrir a vossa luta, que representa no teu caso a maior parte da tua vida."


Aristides Pereira chegou a Bissau em Outubro de 1948, para prestar provas de concurso para operador dos CTT, tendo sido colocado na estação dos Correios de Bafatá.

Naquele tempo, Bissau era a Amura e a parte conhecida por Bissau Velho, onde moravam os civilizados, um conjunto pequeno de casas onde viviam comerciantes portugueses, libaneses e sírios, que se estendia até ao barracão da Casa Gouveia e que era a única parte electrificada da cidade.
A catedral e o Palácio do Governador estavam ainda em construção, a avenida principal já estava delineada, com uma placa central e numerosas mangueiras a ladeá-la.
Depois havia os bairros indígenas, chão de papel, Pilum. Era uma cidade com muito pó no tempo seco e muita lama na época das chuvas, porque as ruas não estavam ainda alcatroadas.

Tendo sido colocado em Bafatá, fez a viagem à boleia na carroçaria de um camião de mercadorias de um comerciante libanês do Gabu. Tempos depois ficou seriamente doente, tendo sido evacuado de urgência para o Hospital Central de Bissau. Após um período de convalescença em Cabo Verde, voltou a Bissau em Novembro de 1949, onde se manteve até 1951.

Havia muito entusiasmo pelo futebol. A UDIB (União Desportiva Internacional de Bissau) juntava os brancos de Bissau, o Benfica os colonos benfiquistas, embora fosse considerado o clube dos cabo-verdianos por ter muitos jogadores oriundos do arquipélago e o Sporting dos irmãos Peralta (proprietários de uma fábrica de telhas e tijolos), que se esforçavam por recrutar nativos.
É nesta altura que Aristides Pereira conhece a Dr.ª Sofia Pomba Guerra (1) e é também nesta mesma época que se iniciaram os contactos com Abílio Duarte, Fernando Fortes e muitos outros.
Destacado para Bolama, cedo constata que as pessoas tinham medo de falar de tudo o que cheirasse a política. Priva com José Lacerda, funcionário da Capitania dos Portos, Carlos Gomes, empregado da casa comercial Nososco e já na altura nacionalista convicto, James Pinto Bull que exercia as funções de administrador e de cujo círculo de relações fazia parte o médico, o comandante militar e alguns oficiais do exército.

Depois de ter estado em Portugal de férias, onde aproveitou para fazer exames médicos, regressou a Bissau, decidido mais que nunca a envolver-se em algo que modificasse a dominação e a exploração a que via submetidos os povos da Guiné e de Cabo Verde.
É então que conhece Amílcar Cabral, acontecimento que, diz Aristides Pereira, modificaria definitivamente o rumo da sua vida.

A acção do Partido Democrático de Guinée (PDG, Conacri), nos finais dos anos 50, contou com um numeroso grupo de militantes que, no território da então Guiné Portuguesa, trocava ideias sobre a unidade africana na luta pela independência.

Esta consciencialização fez-se sentir no sul da província, sobretudo em Cacine, vindo mais tarde a aparecer em Dacar o RDAG, que reclamava ser uma secção da RDA (2) que tinha por objectivo lutar pela independência da Guiné-Bissau.
Incidentes em 1942, no tempo do governador Vaz Monteiro, em que, diz-se, ocorreram mortandades, agudizaram a consciência da luta pela emancipação.
Elisée Turpin assegura que houve na Guiné, logo a seguir à 2ª Grande Guerra, uma organização liderada por José Ferreira de Lacerda, funcionário público em Bolama, que tinha alguma influência no governo colonial e que esteve quase a ganhar uma eleição para esse órgão, organização essa que acabou por ser reprimida pelas autoridades.
Nessa época, ainda segundo Elisée Turpin, embora não tenha havido um movimento estruturado, houve um que procurava, dentro do quadro das instituições então em vigor, introduzir alterações. Nessa eleição, em 1956, fizeram parte da oposição, Benjamim Correia, Armando António Pereira, João da Silva Rosa e Gastão Seguy Júnior.



Rafael Barbosa (1926/2007) fotografado por Leopoldo Amado (3) em 1989


Rafael Barbosa, refere numa entrevista (3), que em 1948 tinha sido fundado o Partido Socialista, fundado por José Lacerda, César Fernandes, Hipólito Fernandes, Ladislau Justado e por ele próprio. Esse Partido Socialista desapareceu porque, diz Barbosa, “o Hipólito e o César não estavam a gostar muito do trabalho do Lacerda, que queria influenciar as coisas segundo o modelo brasileiro”.

Foram, portanto, muitas as correntes que se opuseram ao regime colonial, nessa época mais na perspectiva de exigência de direitos dos povos guineenses do que propriamente na independência.

Após a 2ª Grande Guerra, alguns estudantes, organizados na Casa dos Estudantes do Império, falhada a tentativa de politização da Casa, criaram em 1951 o Centro de Estudos Africanos, com o objectivo de “reafricanizar os espíritos”, em que Amílcar Cabral desempenhou um papel histórico.
Hugo Azancot de Menezes, são-tomense, fora enviado pelos nacionalistas à República da Guiné (Conacri) com o objectivo de reagrupar os interessados em lutar contra o colonialismo português, de que resultou o Movimento de Libertação dos Territórios sob Dominação Portuguesa.

Com a protecção de numerosas organizações anti-colonialistas, a direcção do então fundado MPLA (com a ajuda de Amílcar Cabral) instalou-se em Conacri, nos finais dos anos 50, a que se seguiu o PAIGC em 1960.

Cópia da brochura do Recenseamento Agrícola da Guiné, Estimativa em 1953, de Amílcar Lopes Cabral

Amílcar Cabral regressou à Guiné em 1952, tendo sido encarregado pelo então governador do território para proceder ao recenseamento agrícola da Guiné, trabalho que executou ajudado pela então mulher, Eng.ª Maria Helena Rodrigues.

Esta tarefa permitiu-lhe contactar com gente de todo o território e conhecer de perto as populações e os seus problemas.

“Em cada tabanca deixava uma palavra como só ele sabia dizer, embora o povo só viesse a interpretá-la devidamente quando lá chegasse a palavra de ordem do Partido para a luta”, escreve Aristides Pereira.

Em 1954, Amílcar, para disfarçar as actividades políticas que vinha desenvolvendo, tentou criar um clube recreativo e desportivo, juntamente com Carlos Silva Júnior, João Vaz, Ricardo Teixeira, Pedro Mendes Pereira, Inácio Alvarenga, Paulo Martins, Julião Correia, Martinho Ramos, Vítor Fernandes e Bernardo Máximo Vieira.

Luís Cabral (4) diz “(…)o projecto de associação começava a tomar corpo e a ter aceitação, enquanto o Amílcar provava não estar disposto a recuar diante das dificuldades. E a denúncia surgiu (…)”.

Vítor Robalo, em entrevista a Leopoldo Amado: “(…) aquilo morreu, mas o Amílcar não parou. Depois, veio a ideia da criação de uma cooperativa (…). Era uma cooperativa de sociedade por quotas de 500 escudos na altura. Cada cooperativista entrava com o que tivesse até completar aquilo, que era para ver se as coisas marchavam”.

Este processo culminou com a fundação do PAIGC em 1956, tendo o encontro, segundo Luís Cabral, “reunido à volta do Amílcar os cinco elementos que estavam em Bissau (...).
Foi no fim da tarde de 19 de Setembro, no número 9-C da Rua Guerra Junqueiro, na casa onde moravam Aristides Pereira e o Fernando Fortes”.

Ainda, fazendo fé em Luís Cabral, "primeiro chegaram o Amílcar e o Luís, depois o Júlio Almeida, tendo Elisée Turpin sido o último. E assim foi fundado o PAI"

Em Fevereiro de 1956 houve uma greve dos trabalhadores do porto de Bissau.
Amílcar, proibido de permanecer na Guiné, foi trabalhar para Angola, tendo ainda passado pela Guiné em Setembro de 1959, afim de se reunir com os seus camaradas.

Em Fevereiro desse mesmo ano, tinha ocorrido o que ficou conhecido como o “massacre do Pindjiguiti”.

Em 1958, Rafael Barbosa, José Francisco Gomes “Maneta”, Ladislau Justado, Epifânio Souto Amado, Tomás Cabral de Almada e Paulo Fernandes fundaram em Bissau, o Movimento de Libertação da Guiné (MLG), criando ainda mais dificuldades ao projecto de unidade que Amílcar perseguia, a par do incremento das perseguições policiais.

O MLG, segundo Aristides Pereira “cedo hostilizou Amílcar, a quem alcunhou pejorativamente de cabo-verdiano”, acusava os cabo-verdianos de serem os homens de mão das autoridades colonialistas, e que pretendiam substituir os portugueses quando estes se fossem embora.
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Notas de vb, co-editor:

(1) Activista, com ligações ao PCP. Deportada para Moçambique, acabou por ir parar à Guiné, onde, segundo Aristides, "desenvolveu uma acção importantíssima na mobilização e consciencialização dos jovens que mais tarde vieram a adeir à luta de libertação nacional. "

(2) Ressemblement Democratique Africain

(3) Leopoldo Amado, historiador bem nosso conhecido, e membro da nossa tertúlia, é amplamente citado por Aristides Pereira

(4) Luís Cabral, meio-irmão de Amílcar, 1º Presidente da Guiné-Bissau (1974/80), foi deposto em 14 de Novembro de 1980 por um golpe militar liderado por Nino Vieira. Luís Cabral e outros membros do PAIGC foram acusados por alguns militantes de dominarem o partido. Esteve preso 13 meses, tendo sido exilado para Cuba, que se tinha oferecido para o receber, até vir para Portugal, onde ainda reside, depois do governo português lhe proporcionar condições para viver com a família. Regressou para uma visita à Guiné-Bissau, em 1999, quando Nino foi desalojado, também por um golpe militar.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2113: Blogoterapia (33): Nós nunca esquecemos as nossas mulheres (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos:

A Conceição Brito Lopes alerta para o papel primordial que tiveram as nossas mulheres, mães, namoradas, irmãs, amigas, avós e outras familiares no desenvolvimento afectivo onde se deve também situar a análise da Guerra Colonial (1). O que exige a todos nós uma reconfiguração dos testemunhos. Talvez a Conceição esteja de posse unicamente dos registos que se fazem dos eventos bélicos, reuniões de ex-camaradas da guerra, narrativas factuais de idas e regressos dos contigentes milítares. Seja como for, o seu apelo deve ser devidamente considerado.

Da minha parte, tive muita sorte: sem aquele correio, o escrito pelo meu punho e o recebido, a minha esperança teria seguramente definhado, aqueles afectos eram água purissíma, era o amor que nos esperava na hora do regresso, a par dos projectos que tinham ficado suspensos (2). Às vezes, diga-se em abono da verdade, água envenenada, nuns casos por incapacidade de se entender as mudanças que se estavam a operar nas nossas mentalidades e daí os choques e os choros, noutros casos recordo miseráveis cartas anónimas que levaram militares ao desespero, tal a fragilidade do isolamento.

A Conceição tem que nos perdoar estarmos ainda numa fase de desabafo, fazendo saltar para a cena o mais traumático e o aparentemente mais marcante. Certamente que muitissímos outros testemunhos como o da Conceição irão reposicionar o trânsito das nossas memórias. Oxalá o apelo da Conceição seja lido por muitas mulheres, as nossas companheiras e nosso sustentáculo para aqueles anos duríssimos que tudo tranformaram, inclusivé o amor que lhes dedicávamos.

Mário Beja Santos

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Notas dos editores:

(1) Vd. post de 17 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74: P2112: Blogoterapia (32): Não se esqueçam das mulheres, que apenas podiam morrer de saudade (Conceição Brito Lopes)

(2) Vd. 6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2031: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (57): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (6).

Guiné 63/74 - P2112: Blogoterapia (32): Não se esqueçam das mulheres, que apenas podiam morrer de saudade (Conceição Brito Lopes)

Aqui temos falado muito da solidão dos nossos homens... E muito pouco da solidão das nossas mulheres. No foto, um intelectual das Avenidas Novas de Lisboa no meio dos Mamadu > Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71, autor das nossas estórias cabralianas.

Foto : © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados


1. Mensagem de 3 de Setembro de 2007, enviada por Conceição Brito Lopes:

Caros Senhores, parabéns pela vossa iniciativa. Vejo com algum temor a nossa geração a morrer e a História da guerra, que flagelou a nossa juventude, a desaparecer da memória nacional colectiva.

Não consegui ler o vosso blogue, mas queria pedir dois favores: o primeiro é que não se esqueçam das mulheres que ficaram cá, particularmente as mulheres, noivas e namoradas, que apenas podiam morrer de saudades e tentar animar o outro lado com correspondência ou outros mimos. Não havia Net nem telemóveis, e falar para a Guiné podia ter uma espera de mais de um dia (em 1966/67). Tinha que se escrever, o mais e o melhor possível. Estive em Angola (1970/72) e sei que foi mais difícil esperar aqui em Lisboa durante a comissão na Guiné do que ir para Angola. O receio e as saudades são nsuportavelmente dolorosas.

Em segundo lugar queria pedir que não deixem de organizar todos esses testemunhos de forma a passarem um documento que guarde a vossa memória para a nossa História. Ainda estou à espera que façam justiça à geração que fez a guerra, os/as que foram e as que ficaram.

Cumprimentos.

Conceição Brito Lopes

Advogada

2. Comentário dos editores:

Não esquecemos das nossas mulheres, não esquecemos as mulheres, todas, que, de um lado e de outro (e algumas como combatentes) sofreram tanto ou mais do que nós...Elas têm assento na nossa Tabanca Grande, como esposas, viúvas, mães, irmãs e madrinhas de guerra de antigos combatentes. Ou simplesmente como órfãos de guerra. Ou tão apenas como amigas pu antigas namoradas... A nossa Tabanca Grande não tem portas. Mas é evidente que os testemunhos no feminino ainda são muito minorotários no nosso blogue (1). Obrigado, Conceição, pelo apelo à participação das mulheres e à maior sensibilidade feminina dos... homens!


6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2031: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (57): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (6)

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquinos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)

20 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)

(...) Quando vi a mensagem do Sr. António Pinto e vi o nome do meu irmão ali escrito com todas as letras, nem parei para pensar e foi então que um murro me atingiu em cheio o estômago, a cabeça começou a girar e as lágrimas não paravam de brotar dos meus olhos.

Ali à minha frente estava aquilo que durante anos e anos eu tentei saber e nunca tive ninguém que mo dissesse. Como foi a morte do Martinho Gramunha Marques ? O meu coração pedia a Deus que tivesse sido rápido, que ele não tenha sofrido.

Agora sei que isso não foi assim. Agora que já passaram 2 dias desde que tive conhecimento da vossa existência, e tendo lido com mais calma alguns dos comentários e narrativas, acho que foi bom, esta revelação aproximou-me mais dele (...).



3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1812: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (10): As mulheres dos meus homens eram minhas irmãs
















8 de Março 2006 > Guiné 63/74 - DCXVIII: Dia Internacional da Mulher (6): a guerra no feminino (Manuela Gonçalves)

(...) Esta noite, ao navegar pelos blogs que visito habitualmente, fui parar, através de hiperligações de posts, ao Blogue Fora-Nada, que reúne documentos e memórias de ex-combatentes da Guiné-Bissau.

Não fui combatente na Guiné, mas esses caminhos foram percorridos por mim de modo e tempo diferentes... Tornaram-se mesmo decisivos na minha vida de jovem estudante universitária rebelde, namorada de um alferes miliciano que para ali fora enviado para a guerra, mais tarde meu companheiro de vida (já lá vão 35 anos) e de mulher e mãe, que considerou importante ir para Bissau, como cooperante!

A Guiné dos aerogramas despertara um desejo imenso de conhecer a Guiné das bolanhas, das tabancas, dos mosquitos, dos rios e pântanos e das gentes que ali viviam, dos flupes, dos mandingas, dos papéis, de Amílcar Cabral, dos guerrilheiros do PAIGC...

Nunca tinha aceite a Guerra Colonial, mas uma vez que ela tinha entrado nas nossas vidas abruptamente e deixado incapacidades físicas ao maridão, senti uma vontade imensa de viajar para aquele pequeno país e conhecê-lo bem! (...).



18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLV: Teresa: amores e desamores (Virgínio Briote)

(...) VB: Esta é já (ou pode vir a ser) uma das mais belas novelas sobre o amor em tempo de guerra (colonial)... Vem confirmar o teu já suspeitado talento de escritor... Que garra, que (con)tensão, que ritmo!... É um privilégio, para mim e para os demais tertulianos, podermos ler esta tua mininovela em primeira mão ! LG (...)




12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá (Luís Graça)

23 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

(...) Trinta e cinco anos depois.

No 25 de Abril de 2004 presto a minha homenagem às mulheres portuguesas.

Que se vestiam de luto enquanto os maridos ou noivos andavam no ultramar.

Às que rastejavam no chão de Fátima, implorando à Virgem o regresso dos seus filhos, sãos e salvos.

Às que continuavam, silenciosas e inquietas, ao lado dos homens nos campos, nas fábricas e nos escritórios.

Às que ficavam em casa, rezando o terço à noite.

Às que aguardavam com angústia a hora matinal do correio.

Às que, poucas, subscreviam abaixo-assinados contra o regime e contra a guerra.

Às que, poucas, liam e divulgavam folhetos clandestinos ou sintonizavam altas horas da madrugada as vozes que vinham de longe e que falavam de resistência em tempo de solidão.

Às que, muitas, carinhosamente tiravam do fumeiro (e da barriga) as chouriças e os salpicões que iriam levar até junto dos seus filhos, no outro lado do mundo, um pouco do amor de mãe, das saudades da terra, dos sabores da comida e da alegria da festa.

E sobretudo às, muitas, e em geral adolescentes e jovens solteiras, que se correspondiam com os soldados mobilizados para a guerra colonial, na qualidade de madrinhas de guerra. (...).

domingo, 16 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2111: Convívios (29): CCAÇ 1426, Geba, Camamudo, Cantacunda e Banjara, 1965/67 (Fernando Chapouto)




Fernando Chapouto, ex-Fur Mil da CCAÇ 1426 (1965/67), Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda






Emblema da CCAÇ 1426



Fotografia do 3.º Encontro dos ex-combatentes da CCAÇ 1426> Guiné> Geba, Banjara, Camamudo e Cantacunda. Salientam-se o Chapouto de boina; o Vaqueiro que é o primeiro a contar da esquerda em pé; de canadianas o ex-Furriel Marques e o ex-Furriel Paio que é o primeiro à direita em pé.

Fotos: © Fernando Chapouto Direitos reservados.

O encontro realizou-se no dia 8 de Setembro de 2007 no Centro Cívico de S. João da Ribeira entre Rio Maior em Santarém.

Lamento a pouca adesão dos ex-combatentes, pois apenas compareceram vinte e um. Compreende-se porque o local escolhido fica longe do Baixo Alentejo e do Algarve, de onde são noventa por cento dos ex-militares da CCAÇ 1426.

Um abraço a todos os tertulianos e saúde
Chapouto
Fur Mil
CCAÇ 1426
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Nota do co-editor CV

(1) Vd. post de 30 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXIX: Recordando Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda, Bafatá (CCAÇ 1426) (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P2110: Cusa di nos terra (9): Susana, Chão Felupe - Parte IV: Mulher e Comunitarismo (Luís Fonseca)


Guiné> Susana> Recolha de lenha para a população

Em mensagem do dia 10 de Setembro de 2007, o nosso camarada Luís Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73), enviou-nos a IV Parte de Susana, Chão Felupe (1).

Dizia, então:

Caríssimos editores:
A prosa de hoje versa a mulher Felupe.

Parte IV: Mulher Felupe

Comecemos por dizer que a povoação mais importante do Chão Felupe, que não da zona norte do Cacheu, tem nome de mulher: Suzana (com z).

Tendo em atenção os nossos padrões de sociedade, poderemos afirmar que a mulher felupe é uma mulher emancipada. Recebe todas as honras e desenvolve um papel extremamente importante na sociedade em que se integra.

Como exemplo, as suas actividades na família estão claramente definidas.
Ocupam-se dos trabalhos ligados à casa (fazer cestos, esteiras, redes de dormir, bem como trabalhos de olaria: vasos, potes e panelas). Podem, igualmente, ocupar-se da extracção do óleo de palma para ser vendido ou trocado, ou ainda proceder à colheita de palha nova para a substituição da existente na cobertura da casa. Cabe-lhes também armazenar madeiras e fabricar carvão para uso na cozinha.

É responsável pela culinária da morança, que pode ser providenciada também pelo marido, faz a limpeza da casa que o marido construiu, tira a água do poço que o marido cavou.

É sempre consultada pelo marido no que diz respeito à educação dos filhos ou outros assuntos do âmbito familiar.

Pode ainda, em determinadas condições, tornar-se uma sacerdotisa.

Quando casa, conserva o nome de solteira, o que de certa forma a faz ainda mais emancipada, tomando como termo comparativo as mulheres de outras etnias e de outros continentes.

Ocorrendo a morte do marido, a casa que ele construiu, os campos de arroz que ele plantou e todos os demais bens não são entregues à viúva mas sim ao irmão mais velho do falecido, que, por norma e bondade, permite que ela continue a habitar a morança. Confesso que nunca me ocorreu questionar o que seria feito se o falecido não tivesse irmãos, dado tratarem-se de famílias, normalmente, numerosas. Também nas pesquisas feitas não encontrei, até ao momento, resposta a tal dúvida.

Se a viúva for ainda jovem, regressará a casa dos pais e voltará a casar. Temos que ter em consideração o significado de jovem na etnia felupe, quando a esperança média de vida é de 47 anos e apenas 3% atingem os 65 anos.

Se for já de idade terá os cuidados dos filhos que além de casa onde morar providenciam também o seu sustento.

Em termos de direito de propriedade o Felupe só admite como privado a sua própria casa e os objectos de uso pessoal, nomeadamente os utensílios de lavoura, caça e pesca. São igualmente propriedade privada um reduzido número de cabeças de gado e os galináceos.

Pertencem à tabanca: a bolanha, as matas e a manada de gado bovino. A bolanha encontra-se distribuída em lotes atribuídos pelo homem grande (ancião mais velho) aos vários elementos da aldeia. As colheitas dos lotes são propriedade de quem a trabalha.

As palmeiras das várias matas, propriedade colectiva, são distribuídas a cada um dos moradores que se entregam à sua limpeza e donde só os próprios podem extrair o vinho.

A manada pode incluir as poucas cabeças de gado particular, mas só com o conhecimento e consentimento dos restantes moradores da tabanca. A manada é entregue ao cuidado dos jovens, alguns mesmo muito jovens, e pasta livremente porque as pastagens não têm dono.

Por decisão do Comandante da nossa Unidade, foi estipulada uma rotatividade das tabancas que entendessem fornecer um animal da sua manada para abate e alimentação da Companhia. Com as tabancas que aceitaram nunca se manifestou qualquer problema, sendo a carcaça pesada e o pagamento feito, à boa maneira Felupe, em géneros (farinha, açucar, muito raramente batatas, que apenas engordam e não criam força e músculos, como o arroz - afirmação felupe).

A grande dificuldade residia no apanhar do bicho que, desde longe, era indicado pelo chefe de tabanca. Tinha que ser aquele e só aquele, sem hipótese de troca. A tropa lá tinha que se preparar para uma pega de caras ou cernelha, com técnica TM (tudo a monte) com a ajuda de cordas, de forma a capturar o animal para o transportar para o aquartelamento. Sinal de melhoria de rancho.

Guiné> Susana> Caçar o bicho era uma autêntica tourada... para a nossa tropa

Os poços ou outros bens de utilidade pública são, como é bom de ver, propriedade de toda a tabanca. Uma bolanha está sempre vinculada a uma dada família, existindo um laço místico com os antepassados. Mesmo que uma dada família não tenha, temporariamente, homens válidos para o cultivo da sua bolanha, esta será explorada, depois de cerimónia religiosa para o efeito, por alguém estranho à mesma que voltará à "sua" família quando esta tiver individuo apto para retomar o seu cultivo.

Que melhores provas de espírito comunitário e solidariedade podemos pedir ?!

Por hoje terminado.
Kassumai

Luis Fonseca
Ex-Fur MilTrms
CCAV 3366

Texto e fotos: © Luís Fonseca (2007). Direitos reservados.
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Nota do co-editor CV

(1) Vd. post anterior, de 5 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luís Fonseca)

Guiné 63/74 - P2109: Tabanca Grande (34): António Manuel Salvador, ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74, hoje funcionário da KLM, Amsterdão

Guine > Região de Tomboli > Cufar > PINT 9288 > 1974 > O 1º cabo enfermeiro Baia. Foto: © António Baia / Fernando Franco (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem de 7 de Julho que, por lappso, só agora é publicada:


Remetente: António Manuel Salvador, um camarada da diáspora

Assunto - Informação geral sobre alguns episódios na Guine, zona de Tombali/Cufar 72/74

Amigo Luís:

Foi deveras surpreendente ao ver o vosso blogue na Internet aqui na Holanda, Amsterdão.

Estou aqui desde treze de outubro de 1974. Cheguei, a Lisboa, vindo da Guiné a 3 de Agosto de 1974, mas a minha estadia em Portugal foi de pouca dura. E por aqui ando. Trabalho no aeroporto de Amesterdão, vou a portugal várias vezes ao ano. Como sou funcionário da KLM tenho as viagens mais baratas.

Falando um pouco de mim na Guiné... Eu era primeiro cabo enfermeiro numa companhia de açorianos, a CCAÇ 4740, os Leões de Cufar. Por lá andámos até para lá do fim (normal) da comissão. Já tínhamos os 24 meses quando foi o 25 de Abril e como não aparecia a rendição e não podíamos entregar aquilo sem mais nem menos, depois lá apareceu uma companhia com 7 meses e que nos rendeu. A bianda nunca faltou mas o conduto era as vezes o mais desejado...

Amigo Luís, o que eu gostava de saber era o seguinte: vi no blogue umas fotos de um barco a arder e um jipe todo desfeito. Ora eu assisti a tudo isso! Quando cheguei ao local,o cenário era horrível. Tenho aqui na minha agenda de 1974 em que se diz que morreram três pretos e dois brancos. A um deles chamavam-lhe o Jeová, não sei se seria essa a religião dele...

Luís Graça, o que gostava de saber era se o Furriel Pita tinha escapado porque foi o único que ainda dava sinal de vida. Quem deve saber isso ao certo, é o António Baia porque era ele o enfermeiro do Pelotão de Intendência. Pelos vistos ele mora na Amadora mas de resto não sei mais nada (1).

Antes que me esqueça, este acidente com as minas foi a 2 de Março de 1974, a um sábado.

Estou a ir férias 19 de Julho a 13 de Agosto... Se por acaso tiveres o número do telefone do Baia, ele que me ligue para 261932410, zona de Torres Vedras. Eu moro perto de Santa Cruz.

Sem mais me despeço, enviando um forte abraço a todos os tertulianos.

2. Comentário de L.G.:

Caro António: Foi bom saber notícias tuas… Só agora te respondo, porque só hoje li a tua mensagem, recebida na minha caixa de correio do local de trabalho. Estou a pôr a correspondência em dia… Enfim, meteu-se também o período de férias… Agora temos um endereço de email colectivo, para onde deve ser canalizada, de futuro, a correspondência do blogue: https://webmail.ensp.unl.pt/owa/redir.aspx?URL=mailto%3aluisgracaecamaradasdaguine%40gmail.com

O episódio trágico que relatas, já me tinha sido referido por dois camaradas ligados à Intendência, o Baia e o Franco. Já nos encontrámos duas vezes. O Baia não tem mail. Podes contactá-lo através do vizinho e amigo dele, o Fernando Franco ( https://webmail.ensp.unl.pt/owa/redir.aspx?URL=mailto%3afasfranco%40netcabo.pt ). Este episódio, já publicado no blogue (1), também vem descrito no livro do António Graça de Abreu ( https://webmail.ensp.unl.pt/owa/redir.aspx?URL=mailto%3aabreuchina%40netcabo.pt ), Diário da Guiné, publicado em 2007 (2). Hei-de divulgar essa parte do Diário do António, que estava em Cufar nessa altura.

Quanto a ti, convido-te para fazer parte da nossa tertúlia ou Tabanca Grande, se isso for do teu interesse. Basta que me/nos mandes as duas fotos da praxe e me/nos fales um pouco mais do teu tempo de Guiné, em Cufar. Vejo que somos vizinhos: eu nasci na Lourinhã. E de vez em quando passo por Amsterdão, em viagem. Tudo de bom para ti, e desculpa o atraso.

PS - Vou também publicar a tua mensagem, estes dias próximos. Estamos com algum atraso devido às férias, muito embora já sejamos três editores… em part-time.

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)

16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1283: Os nossos intendentes, os homens da bianda (Fernando Franco / António Baia)

(2) Vd. posts de:

5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P2108: Documentos (3): A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (2) (A. Marques Lopes / António Pimentel)






Conjunto habitacional de Nhabijões > 1970 > O furriel miliciano Henriques, da CCAÇ 12 (fundador e editor deste bloge) junto a um dos locais de culto dos irãs (espíritos da floresta). A população era maioritariamente balanta, animista. Era conhecida a sua colaboração com o PAIGG, sobretudo com as populações e os guerrilheiros de Madina/Belel, no limite do Cuor, a Noroeste de Missirá. O reordemanento desta população, considerada até então sob duplo controlo e pouco colaborante com (e senão mesmo hostil a) as NT, iniciou-se em 1969, sob a iniciatica do Comando e CCS do BCAÇ 2852 (1970/72), tendo sido continuada pelo BART 2852 (1970/72).




Na foto, vê-se o Fur Mil Henriques num jipe, no destacamento que defendia Nhabijões. Ao fundo, descortinam-se as casas do reordenamento (a que ele na época um verdadeiro etnocídio...). Em 13 de Janeiro de 1971, duas minas anticarro recebentaram à saída do reordenamento, na estrada Nhabijões-Bambadinca (LG).


Fotos: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Reordenamento de Nhabijões> Trocando a espada pelo arado, ou melhor, a G3 pela pá e pela enxada... Pessoal da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) nos trabalhos do reordenamento de Nhabijões, um conjunto de aldeias sob duplo controlo, junto ao Geba Estreito, pertencente ao posto administrativo de Bambadinca, sede do Sector L1, Zona Leste.
Foto de finais de 1970 gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-alf. mil. sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).


Foto: © Luís Moreira (2005). Direitos reservados.


Continuação da publicação do documento Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações. Província da Guiné, Bissau: Comando-Chefe das Forças Armadas da Guine. Quartel General. Repartição AC/AP. s/d. (2).


Fixação do texto: Virgínio Briote, co-editor


LOCALIZAÇÃO HISTÓRICA E DEMOGRÁFICA (p.4)

1. É difícil fazer uma exacta localização geográfica das diferentes etnias da Guiné, atendendo principalmente ao factor emigração. Efectivamente, mercê de muitas e várias circunstâncias históricas e políticas, os povos guineenses constituíram muitas, e algumas delas significativas, correntes migratórias que partindo do seu chão originário se estabeleceram um pouco por todo o território, por tal forma que se pode dizer que vivem hoje, indistintamente, lado a lado, etnias animistas e islamizados, muitas vezes interpenetrando-se e constituindo, como já foi notado anteriormente, subgrupos híbridos. Uma das circunstâncias mais importantes para o surto migratório foi sem dúvida a eclosão do terrorismo, obrigando povoações inteiras a desalojarem-se e a imigrarem para zonas sob a protecção das Nossas Tropas.


No mapa 1, apresenta-se a localização das principais etnias nos seus chãos de origem.

2. A localização histórica dos povos da Guiné, dada a infinidade de etnias existentes, torna-se difícil. Em apontamentos desta natureza, não cabem pormenores que se destinariam a um estudo aprofundado. Bastará, talvez, dizer que a maioria das etnias aparece como fusão de várias outras que foram as originárias e são referidas largamente pelos navegadores e descobridores nas suas crónicas. Nelas se dá conta de existirem no século XVI Balantas e Papéis na ilha de Bissau e Buranos (nome primitivo dos Papéis) e Felupes na zona do Cacheu. Estas três etnias são das mais antigas, sendo os Felupes considerados os mais antigos dos povos originários.


Alguns outros povos existiam já no actual território da Guiné Portuguesa – colónias de Mandingas e Fulas – aquando da sua descoberta. No entanto, o contacto com eles só se verificou mais tarde, dado o tipo de colonização portuguesa, feita através de feitorias junto aos rios. Assim, o contacto fez-se primeiro com os habitantes da faixa litoral e, mais raramente com povos que vinham transaccionar com os portugueses, de pontos mais afastados do interior.
Já a partir do século XV se inicia a invasão de povos provenientes de vários países do continente Africano. No entanto, só mais tarde há a grande invasão vinda especialmente do Futa-Jalon e territórios limítrofes (Labé, Boé Francês, Futa-Tere, Futa-Quebo, etc.), da Bandú (território situado entre o Alto Senegal e o Alto Gâmbia), Sudão, etc. Fulas e Mandingas instalam-se na zona do Gabú, trazidos por lutas intestinas, pela necessidade de novas almas para a difusão do Alcorão, pelo desejo de novas pastagens para o seu gado e novas lavras. Travaram lutas com os povos aí estabelecidos (os Beafadas principalmente que se viram subjugados pelos Fulas-Forros em Jaladú que mais tarde se tornou na Forro-ia ou Forreá) e conquistaram posições.
[… ilegível].



Mapa 1- Os chãos dos Povos da Guiné


3. Povo nómada, os Fulas emigraram do Gabú para quase todo o território, especialmente o Leste, onde se encontra ainda hoje em força. Mas, de uma maneira geral, como já foi dito, todas as etnias registam movimentos migratórios. Apontaremos dois ou três exemplos:


A região de Mansoa é chão Balanta. No entanto encontramos aí estabelecidas a par da maioria Balanta, Mandingas e Fulas.



  • Na zona de Farim, onde existiam primitivamente os Oincas (ou do Oio, subgrupo Mandinga), encontramos Fulas e Balantas. Aqui, notamos como curiosidade, Balantas e Mandingas permanecem em quase constante conflito, por causa dos roubos que os primeiros praticam por costume tradicional e é condenado pelo Alcorão. Alguns Balantas foram absorvidos pelos islamizados constituindo os Balantas-Mané, que também encontramos em Mansoa.

  • No actual concelho de Bafatá, habitado primeiramente por Beafadas, Mandingas e Fulas, encontram-se numerosas colónias de Manjacos, Papeis, Saracolés e Balantas, estes em maior percentagem.


No mapa 2, podem ver-se, como curiosidade, as primeiras migrações de Mancanhas (ou Brames), Manjacos e Balantas.




FUNÇÕES CIVIS EXERCIDAS POR MILITARES (p 6/7)




1. Estando a Guiné sob a pressão de um estado de subversão que visa a conquista das populações por vários meios, entre os quais a luta armada; existindo um Quadro Administrativo com graves deficiências quantitativas e qualitativas e possuidor da falta de meios para realizar a manobra de contra-subversão em tempo útil e ainda por razões de controle e segurança, não é possível à Administração Civil encarar sózinha, de momento, o esforço que se pretende realizar.


Assim, porque possuidoras de vários meios, humanos, técnicos e de defesa, as Forças Armadas estão aptas a colaborar, com carácter temporário, com as estruturas administrativas na solução dos problemas sócio-económicos. Porque, também, os problemas de desenvolvimento social e económico constituem a manobra da contra-subversão que é preciso fazer rapidamente e pertence à missão das Forças Armadas.


As F.A. são, pois, chamadas a participar temporariamente em funções que seriam da competência civil, se os quadros administrativos estivessem em condições de as desempenhar, e que lhes serão totalmente confiadas quando as condições o permitam. São funções de colaboração e reforço da orgânica...[ilegível].


2. (...) Os civis do Q. A. pensam e actuam de maneira diferente. E a diferença reside em dois pontos distintos: a estagnação e carências várias do próprio Q. A. e no diferente carácter de obrigatoriedade de uns e outros. As Forças Armadas são uma organização profunadmente hierarquizada, com escalões de comando definidos, com leis e regulamentos mais rígidos e pormenorizados, prevalecendo um forte espírito de disciplina. Arreigados a conceitos burocráticos ultra passados e morosos por natureza , regulados por leis mais vastas, com um carácter de disciplina menos acentuado e relativo momento a leis de carácter mais geral, os civis do Q. A. têm um diferente comportamento face a situações que exigem a resolução adequada em tempo próprio. A base de toda a actuação entre militares e civis terá de basear-se na compreensão e na colaboração, já que ambos servem o objectivo comum.


3. O tratamento para com as populações terá de ser diferente também. Não se podem obrigar as populações a tomar determinadas posições ou aceitar determinadas soluções pela força ou coacção, excepto quando o determine o interesse colectivo, o bem comunitário. Interessa muito mais usar argumentos válidos, convicentes e visíveis para os levar a optar melhor. No caso concreto das populações com quem vamos trabalhar, há que contar com os seguintes factores de oposição às nossas soluções:



  • São populações menos evoluídas

  • Têm sofrido pressões físicas e psicológicas dos agentes subversivos

  • São muito arreigados aos seus costumes étnicos e às tradições e práticas religiosas

  • São diferentes entre si, na sua evolução natural

  • Duvidam por sistema, devido à estagnação sócio-económica anterior à guerra, às promessas que nunca foram cumpridas antes nessa época e à propaganda inimiga orientada para esse passado.


Sintetizando, é preciso entender os civis do Q. A. e as populações como tal e como tal actuar nas relações com eles.




IMPORTÂNCIA SOCIAL E ECONÓMICA DOS REORDENAMENTOS (p. 6/9)


1. A ideia de se fazer o reordenamento das populações em aldeamentos, tem três razões de ser fundamentais



  1. A defesa e controle

  2. desenvolvimento social

  3. O desenvolvimento económico


Deixando de parte as questões da defesa, vamo-nos debruçar mais [...ilegível]




Mapa 2 - Primeiras migrações


2. A constituição geográfica da Guiné - sulcada de muitos rios, plana, densamente urbanizada-, a exploração agrícola fazendo-se especialmente junto das bolanhas e as diferenças étnicas que individualizam os agregados, conduziram à dispersão por inúmeros núcleos populacionais. Com uma população dispersa em áreas muito vastas, torna-se difícil se não impossível, tomar medidas de desenvolvimento que abranjam a totalidade ou, mesmo a maioria. O esforço económico e humano seria insustentável de momento e, especialmente moroso.


3. O que se pretende, pois, com os reordenamentos? Agrupar as populções de uma determinada zona num só ou em vários agragados populacionais significativos, possibilitando:



  1. A construção de casas com melhores condições de higiene e construídas com materiais mais resistentes aos factores climáticos e aos incêndios.

  2. A construção de condições de protecção social que abranjam um maior número de pessoas (escolas, postos sanitários, fontanários, assistência médica).

  3. A construção de condições de carácter económico que englobem uma população maior (construção de celeiros colectivos, garantia de mercados para venda da produção agrícola, condições técnicas para maior produtividade e outrs possíveis a desenvolver futuramente).

  4. O mais rápido desenvolvimento comunitário considerando um melhor rendimento no aproveitamento dos meios e quadros técnicos empenhados no esforço do desenvolvimento.


4. Pode parecer sem discussão, a priori, que o reordenamento das populações oferecendo tantas vantagens para o seu desenvolvimento, é sempre bem aceite. Efectivamente, nem sempre isto acontece e por várias razões. Vamos apontar esquematicamente, algumas das principais:

  • Motivações étnicas

  • Questões havidas entre grupos de uma mesmo etnia que os opõem e obstam a uma vida comunitária

  • Receio de perda de autoridade dos Chefes tradicionais

  • Proibição dos Guardas do Irã por motivos de interesse pessoal

  • Desejo de não mudar de chão

  • Receio de que faltem, no novo aglomerado, os meios suficientes de subsistência

  • Desejo de não se separarem dos seus haveres

  • Outras que só localmente poderão ser detectadas


5. Não devendo em princípio existir um carácter de obrigatoriedade quanto à deslocação das populações das suas tabancas para um aldeamento, a não ser que o interesse comunitário superiormente o determine, há que empregar meios persuasivos quando se encontre alguma resistência. Para se criar ...[ilegível]


Esquematicamente vemos, assim:


Antes da construção

  • Auscultação das populações (indirecta, directa)

  • Auscultação e elucidação do Chefe da Tabanca

  • Auscultação e elucidação do Guarda de "Irã"

  • Auscultação e elucidação das autoridades religiosas islâmicas


Durante a construção

  • Garantir a autoridade constituída

  • Garantir, tanto quanto possível, os interesses da localização dos aglomerados correspondentes às antigas tabancas, dentro do plano urbanístico

  • Respeitar os usos e costumes das populações

  • Colaborar no transporte de todos os haveres das populações deslocadas

  • Interessar as populações na construção das casas, escolas, postos sanitários, etc., permitindo e desenvolvendo o sentimento de posse.


6. A forma mais prática de se assegurar o deslocamento das populações para os reordenamentos é criar nelas a necessiade desse reordenamento. Para isso é necessário elucidá-las dos benefícios que vão auferir e garantir os seus desejos quanto a aspectos respeitantes aos seus usos e costumes. Será de toda a conveniência o conhecimento das suas motivações religiosas e étnicas. Nos quadros anteriores já foi feito um esquema suficientemente desenvolvido. Em novo quadro, indicar-se-ão as principais motivações a explorar para um útil e efectivo trabalho de consciencialização das populações.


1.BENEFíCIOS SOCIAIS
  • melhores casas

  • escolas

  • postos de socorros

  • assistência médica

  • água


2. BENEFíCIOS ECONÓMICOS
  • melhores lavras

  • celeiros colectivos

  • mercado para escoamento da produção

  • lojas


ISLAMIZADOS


Fulas
  • construção de mesquitas

  • difundir a religião

  • os régulos governarão melhor com toda a população junta

  • os fulas têm de voltar a ser senhores dos seu "chão" que o IN quer roubar

  • os antepassados foram valentes


Mandingas
  • construção de mesquitas

  • difundir a religião

  • os chefes poderão dirigir melhor

  • as novas tabancas poderão ter lojas e fazerem comércio para terem riqueza

  • os antigos foram valentes e têm de os saber imitar


ANIMISTAS


Balantas

  • terão maior protecção dos Irãs

  • o Balanta terá a liberdade na tabanca e no mato, que o IN impede

  • o Balanta vai deixar de ser escravo do IN

  • os Balantas juntos têm força para exterminar o IN

  • haverá sempre muita fartura


Manjacos

  • terão maior protecção dos Irãs

  • juntos terão muita força

  • impedirão o roubo de mulheres quando estiverem juntos

  • poderão fazer comércio

  • cada família poderá ter os seu Irã


Brames

  • terão maior protecção dos Irãs

  • o régulo governará melhor

  • vão ter mais vacas para estrumar as terras e para o choro

  • os Brames não terão necessidade de emigrar porque nada lhes faltará

  • o IN quer escravizá-los e não o poderá fazer estando todos juntos.


_________


Notas do co-ditor vb:


(1) Vd. posts de:


1 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1558: Inesperada visita a Luís Graça, em Nhabijões, na noite de 3 de Fevereiro de 1970 (Beja Santos)


28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCIX: Luís Moreira, de alferes sapador a professor de matemática (Luís Graça)


23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)


22 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCII: O reordenamento de Nhabijões (1969/70) (Luís Moreira)


22 de Setembro de 2005 > (2) Vd. post de 12 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2100: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (1) (A. Marques Lopes / António Pimentel)


Reproduzo aqui o comentário de Abreu dos Santos:

  • Spínola não inventou os Reordamentos, antes reaplicou na Guiné o que anteriormente já o major Hélio Felgas ali havia posto em prática (cerca de 3/4 anos antes);

  • a guerra do Vietname, pelos vistos, continua a ser – erradamente – termo de comparação para quem esteve na Guiné;

  • mais remotamente, foram os romanos quem iniciou por regiões várias a táctica militar da colonização por recurso ao que, modernamente, se passou a chamar aldeamentos estratégicos; e em meados do séc. XIX foi o general francês Bigeaud quem, na Argélia, reformulou na prática tal conceito, retomado em 1955-59 naquele mesmo território através do Plano Challe, com objectivo de conter o alastramento de actos terroristas por parte da FLN;

  • Em Portugal, a responsabilidade pelo estabelecimento de doutrina castrense nesse sentido coube ao então ministro do Exército, na sequência do 1º relatório da missão militar que pouco antes havia concluído em Arzew (na Argélia), um estágio de contra-insurreição. Daí, o CIOE; e, também daí, a origem da instrução ministrada a tropas de Operações Especiais e aos Comandos, como aliás muito bem sabe o editor Briote, ao qual peço que releve quaisquer imprecisões minhas nesta breve resenha, tanto mais escrita directamente para esta janela...


Comentário do co-editor vb: Grato ao Abreu dos Santos, pelo oportuno comentário, que contribui para um melhor conhecimento sobre o reagrupamento das populações.

  • Entre os anos 1965/67, os reordenamentos da população não eram, em geral, muito discutidos no terreno, embora já se vissem esforços de alguns dos nossos militares nesse sentido, e foi até a um ou outro que pela primeira vez ouviu falar das aldeias estratégicas no Vietname.

  • Parece ser aceite que foi com Spínola, como Governador-Geral, que o plano foi implementado e estendido a praticamente todo o território.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2107: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (2): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte II)

Guiné > Zona Leste > Cuor > Missirá > 1966 > Pel Caç Nat 54 > O Alf Mil Marchand, comandante do destacamento, a avaliar os estragos do ataque de 22 de Dezembro de 1966, três dias antes da noite de Consoada.

 
Guiné > Zona Leste > Cuor > Missirá > Pela Caç Nat 54 > 1966 > O Alf Mil Freitas da CCAÇ 1439 que estava no Enxalé e avançou com um grupo para as primeiras ajudas.

Guiné > Zona Leste > Cuor > Missirá > 1966 > Alguns elementos do Pel Caç Nat 54 e da CCaç 1439, fotografados num cenário de destruição, na sequência do ataque do PAIGC.


  Guiné > Zona Leste > Cuor > Missirá > 1966 > A messe...

Guine> Zona Leste > Cuor > Missirá > Pel Caç Nat 54 > 1966 > ... e a morança do comandante que desta vez escaparam. 


 Fotos: ©: José Viegas / Henrique Matos (2007). Direitos reservados. 


 Segunda e última parte do texto de 12 de Julho de 2007,enviado pelo Henrique Matos, que foi o 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)(1). 


 Para a história de Missirá, mando o resto das fotografias cedidas pelo Fur Mil José Viegas, do Pel Caç Nat 54. Este pelotão que estava naquele destacamento, ainda há pouco tempo, quando foi atacado em 22 de Dezembro de 1966, cerca das 22 horas. 


No ataque o IN usou canhão s/r (que deixou marcas no terreno), foram ouvidas vozes de comando de cubanos e houve 5 mortos da população civil. Henrique Matos 

__________ 

 Nota de L.G.: 

 (1) Vd. posts de:

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2105: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (1): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte I)

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

Guiné 63/74 - P2106: Tabanca Grande (33): José Rodrigues Firmino, ex-Soldado Atirador (CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884, Jolmete, 1969/71)

José Rodrigues Firmino, ex-Soldado Atirador da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete 1969/71

1. Mensagem do nosso camarada Sousa de Castro, com data de 5 de Setembro de 2007:

Encontrei no [sítio] HI 5 um ex-combatente à procura de companheiros e que pertenceu à CCAC 2585 do BCAC 2884. Esteve na Guiné nos anos 1969 a 1971, na zona de Jolmete (1).

Dei-lhe a conhecer o nosso blogue, fazendo-lhe o convite a participar e tornar-se membro da nossa grande caserna de ex-combatentes da Guiné.

Chama-se José Rodrigues Firmino, ex-Soldado Atirador, casado, 60 anos de idade, natural de Armamar, Distrito de Viseu, residente em Paredes, Distrito do Porto.

Destaque para o louvor à CCAC 2585 atribuído pelo COM-CHEFE pelas acções e resultados obtidos em pouco espaço de tempo. Esta Companhia esteve envolvida em acções de combate, quando da morte dos três Majores na zona do Pelundo/Jolmete.

O Firmino, alegando pouco traquejo nestas coisas, pediu-me para fazer chegar à tertúlia e com pedido de publicação no blogue o trabalho que anexei.

Juntei também as duas fotos da praxe, uma da época e outra actual, retiradas da página pessoal dele no HI5. Gostaria também que o Firmino enviasse as fotos que tem no HI5 sobre a passagem dele pela Guiné para o blogue.

Cumprimentos,

Sousa de Castro
ex-1.º Cabo Radiotelegrafista
CART 3494/BART 3873
Xime e Mansambo
JAN72/ABR74

2. Mensagem de José Firmino de 6 de Setembro de 2007, chegada até nós por intermédio do nosso camarada Sousa de Castro:

Chamo-me José Rodrigues Firmino, ex-Soldado Atirador da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884.
A nossa Companhia esteve na Guiné - Jolmete, de 17 de Maio de 1969 a Fevereiro 1971.

Embarcámos em Lisboa a 7 de Maio de 1969 e desembarcámos em Bissau a 12 do mesmo mês.
Embarcámos em Bissau em 25 de Fevereiro de 1971 com destino à Metrópole e chegámos a Lisboa em 3 de Março.
Vou dar conta de algumas acções levadas a cabo pela minha Companhia.

(i) Em 21 de Maio de 1969
Missão: Patrulhamento de combate conjugado com emboscada na região de Pelundo GF4, com a finalidade de capturar ou aniquilar elementos IN que se revelem, destruir instalações e meios de vida e apreender material e documentos.

Tropas executantes: CCAÇ 2366 com o 1.º GCOMB e a CCAÇ 2585 com o PEL CAÇ NAT 59 e PEL MIL 128. Duração: 11h e 45m.

Resultados: As NT detectaram um grupo IN estimado entre 8 a 10 elementos armados de morteiro 60, LGF e armas automáticas ligeiras, com quem estabeleceram contacto, tendo o IN sofrido 3 feridos confirmados refugiando-se na mata. As NT não sofreram consequências tendo regressado ao quartel pelas 16h e 45min.

(ii) Em 23 de Maio

No quartel em Jolmete terminada que foi a segurança à escolta de abastecimento e transporte de pessoal, regresso da CCAÇ 2366 a Teixeira Pinto, no regresso ao quartel em Jolmete, deu-se um acidente grave com arma de fogo (Bazooca) com elementos da CCAÇ 2585 resultando daí alguns feridos graves sendo eles:

1.º Cabo n.º 19983868 Francisco Inácio da Paz
Soldado n.º 15606668 José Martins de Almeida
Soldado n.º 18119468 António Nunes Lopes
Soldado n.º 18457168 Henrique Pinto Araújo
Soldado n.º 18450068 António Fernandes Barbosa
Soldado Mil n.º 50/57 João da Silva do PEL MIL 128

Todos os feridos foram evacuados para o HM 241 de Bissau

(iii) Em 29 de Maio

Tropas da CCAÇ 2585 levaram a efeito mais uma acção de patrulhamento conjugado com emboscada Região de Bugula onde foi accionada uma mina AP na Região do Pelundo 617-28 que causou 2 feridos graves às NT.

Soldado Mil n.º 53/64 Mamadu Só
Soldado Mil n.º 56/67 Martinho Landi

Ambos evacuados para Bissau, pertenciam ao PEL MIL 128

(iv) Em 2 de Junho

Durante uma acção levada a cabo, pela CCAÇ 2585 com o 2.º GCOMB, o PEL CAÇ NAT 59 e PEL MIL 128 esta Operação demorou cerca de 8 horas, durante a qual foi recolhida cerca de 1 tonelada de arroz, que foi distribuído pelos elementos da população. Os celeiros foram destruídos pelo fogo.

(v) Em 8 de Junho

Patrulhamento e combate na Região de Cassical com a finalidade de capturar, aniquilar elementos IN e recolher o arroz referenciado nos dois celeiros encontrados nesta Região.

(vi) Em 16 de Junho

Operação À Carga

Missão - Patrulhamento conjugado com emboscada na Região de Ponta-Badá-Bugula, com a finalidade de capturar ou aniquilar o IN, destruir instalações e meios de vida, apreender material e documentos, e recuperar população fora do nosso controle.

Tropas executantes: CCAÇ 2585 juntamente com o 3.º GCOMB e PEL CAÇ NAT 59.

A Operação teve uma duração de cerca de 33h e 30m com o seguinte resultado: As NT estabeleceram contacto com um grupo IN armado estimado em cerca de 20 a 25 elementos armados de morteiro 60, LGF e armas automáticas ligeiras na Região do Pelundo 9C2-47, causando às NT 3 feridos ligeiros. O IN que se encontrava a construir um acampamento naquela Região foi obrigado a retirar perante a reacção das NT pelo fogo e movimento, sofrendo 2 mortos confirmados e sete feridos e a captura do seguinte material:

1 pistola metralhadora Sepagin 7,62mm
2 carregadores para p/metralhadora Sepagin 7,62mm
7 granadas de Morteiro 82
1 granada de mão defensiva F1
1 sabre baioneta
142 cartuchos para armas ligeiras
1 fita carregadora para metralhadora ligeira
1 bolsa de lona para carregador de PM SEGAGIN (PPSH)
1 rádio transistor
Várias roupas
Utensílios domésticos e vária documentação.
Foram destruídos os acampamentos que o IN se propunha construir.

Um grupo IN estimado em 15 elementos emboscou as NT com Morteiro 60, LGF e armas auto ligeiras na Região do Pelundo, causando 2 feridos ligeiros às NT. O IN retirou perante a rápida reacção das NT.

(vii) Operação com o código Não Passam

Numa missão de patrulhamento conjugado em emboscada na Região Ponta Nhaga, com a finalidade de capturar, aniquilar elementos IN, destruir instalações e apreender material e documentos.

Tropas executantes: CCAÇ 2585, 2.º GCOMB, PEL CAÇ NAT 59 e PEL MIL 128

Duração da operação: 1 dia.

Resultados obtidos: Cerca das 12h foram referenciadas 2 sentinelas IN armadas, na Região do Pelundo, tendo as NT aberto fogo e os elementos IN retiraram para além do limite do sector 05 acolhendo-se no sector 01 (Bula).

No regresso ao quartel pelas 16h45m um grupo IN estimado em 15 elementos emboscou fortemente as nossas tropas, utilizando LGF, MP e armas ligeiras automáticas, na Região do Pelundo.
Após a reacção das NT, o IN desencadeou nova emboscada com um grupo de 4 a 5 elementos armados de LGF e armas ligeiras automáticas a uma distância de 100 metros do aquartelamento, impedindo a saída das forças que tentavam manobrar para fora do aquartelamento e em socorro das NT emboscadas.

Nesta operação as nossas tropas sofreram 1 ferido grave e 3 ligeiros. O IN que retirou em face da reacção das NT, sofrendo 2 mortos confirmados e outras baixas prováveis.

Feridos evacuados para o HM 241 de Bissau:

Soldado n.º 57/68 Morel Biai PEL MIL 128 - Ferido grave
Soldado n.º 61/67 Gabriel Bramer PEL MIL 128
Soldado n.º 61/67 Granque Jaló PEL MIL 128
Soldado n.º 31/58 Augusto Balanta PEL CAÇ NAT 59

Destaque para o louvor à CCAC 2585 atribuído pelo COMCHEFE pelas acções e resultados obtidos em pouco espaço de tempo. Esta Companhia esteve envolvida em acções de combate, quando da morte dos três Majores na zona do Pelundo/Jolmete.

Sinto orgulho em ter contribuído com o meu trabalho e dedicação juntamente com os meus camaradas na construção de 22 casas para a população, 1 escola, 1 pequena capela que servia também para pedir à Mãe Protectora sorte, 1 cozinha e tantos outros trabalhos ali efectuados e no distribuir da comida àqueles miúdos após a nossa refeição. Lembro do mal que se comia na altura, tanto cá como lá e na ida no Niassa, a dormir em camas feitas de tábuas.

Mais teria para descrever no entanto penso ser suficiente. Um abraço e obrigado. José Firmino


3. Comentário do co-editor CV:

Caro Firmino sê bem-vindo à nossa Tabanca Grande. Esperamos de ti estórias e fotografias dos acontecimentos da tua Companhia, que pelos vistos foi mesmo importante em termos operacionais.
Não te acanhes em contactar directamente o nosso Blogue e em mandar o que achares importante para aumentar o nosso espólio e os nossos conhecimentos sobre a guerra na Guiné.

Carlos Vinhal
Co-editor
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Nota de CV:

(1) Sobre a CCAÇ 2585, vd. os posts de:
27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

27 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1629: Lendo os vossos depoimentos com um nó na garganta... O que é feito da CCAÇ 2585 ? (Raul Nobre, ex-Alf Mil Médico)

(...) Tenho lido estes depoimentos com um nó na garganta. É muito importante em todos os sentidos, quer histórica quer emocionalmente.
Em 1969 fui incorporado como médico na CCAÇ 2585, comandada pelo Capitão Tomaz da Costa. Ainda fiz o IAO na Arrábida e gozei os 10 dias de licença antes do embarque. Entretanto deu-se o "atentado" ao Niassa e o embarque do Batalhão fez-se com atraso. Eu não cheguei a embarcar, pois deferiram-me o requerimento que fizera para poder terminar a especialidade de Estomatologia e em 1971 mandaram-me para Timor donde regressei em 1973.
Nunca mais tive notícias de ninguém. Recordo-me que havia um Alferes chamado Almendra, creio que natural de Trás-os Montes.O meu contacto com os camaradas foi de curta duraçáo, pois tinha sido reinspeccionado, fizera uma recruta de um mês em Santarém e tinham-me colocado naquela Companhia que, por sua vez, tinha sido constituída a toda a pressa.Gostava de ter notícias daqueles rapazes (...).

Guiné 63/74 - P2105: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (1): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte I)

Guiné > Zona Leste > Cuor > Missirá > 1966 > O Fur Mil José  António Viegas, do Pel Caç Nat 54, autor das fotografias.


Guiné > Zona Leste > Cuor > MIssirá > Pel Caç Nat 54 > Imagens de Missirá após o ataque de 22/12/1966 

 Fotos: ©: José António  Viegas / Henrique Matos (2007). Direitos reservados. 

 Texto de 12 de Julho de 2007,enviado pelo Henrique Matos, que foi o 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)(1): 

 Meu caro Beja Santos e camaradas da Tabanca Rrande: O desafio lançado para ajudar a escrever a história do Pel Caç Nat 52 é aliciante e devo acrescentar que gostava de a ilustrar também com imagens dos lugares que conheci: Enxalé, Porto Gole e Missirá, este sempre de passagem durante os reabastecimentos. 

A tarefa não é fácil e não se faz de repente. A memória é traiçoeira e os camaradas com quem tenho contactado sofrem do mesmo mal. Estamos longe uns dos outros, as conversas por telefone são sempre inconclusivas e para mal dos nossos pecados tenho verificado que o pessoal do meu tempo não percebe nada destas coisas da Internet. Tenho de digitalizar as fotos e retocar algumas que estão degradadas. 

 Para a história de Missirá mando hoje uma séria de fotografias cedidas pelo Fur Mil José Viegas, do Pel Caç Nat 54 (2). Este pelotão que estava naquele destacamento não havia muito tempo quando foi atacado em 22 de Dezembro de 1966, cerca das 22 horas. 

Do ataque deve referir-se que o IN usou o canhão s/r que deixou marcas no terreno, foram ouvidas vozes de comando de cubanos e houve 5 mortos da população civil. 

 Ainda não aprendi a inserir comentários, como gostaria o nosso comandante Luís, por isso aproveito para enaltecer a entrada do coeditor Virgínio Briote de quem já li tudo o que escreveu e que, tal como eu, passou pelo BII 17. Tenho a certeza que quando nos encontrarmos vamos ter coisas para contar, não esquecendo o saudoso (no bom sentido) Ten Cor Garrido Borges. 

 Também gostaria de mandar uma saudação especial ao Rui Alexandrino Ferreira, com quem estive na Companhia de Adidos em Brá nos primeiros meses de 67 (não me recordo a data exacta) e que me contou umas coisas sobre Madina do Boé. 

 Abraços Henrique Matos

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 Nota de L.G.: