terça-feira, 18 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > ... E as vulneráveis colunas de reabastecimento, sempre tão frágeis e fáceis das ciladas, transformaram-se num calvário de pesar e dor.

Foto 501 > No cruzamento de Guileje, uma viatura entra por uma picada abandonada já há tempo (desde quando?) a caminho de Gandembel.

Foto 502 > A coluna que nos trouxera até Gandembel, prepara o regresso.

Foto 503 > De quando em vez, apareciam os destroços de viaturas, já carcomidos pela voragem dos tempos.

Foto 504 > Uma outra coluna de Guileje, com tanta tragédia de permeio, prepara o regresso.

Foto 505 > De uma coluna de Aldeia Formosa (Quebo), a proceder às descargas de modo muito rápido.

Foto 506 > Um dos troços da estrada de ligação a Guileje.

Foto 507 > Um aspecto de outra coluna, mas esta a caminho de Aldeia Formosa.

Foto 508 > A fatídica zona de Changue-Iaia, a seguir a Chamarra, na estrada de Aldeia Formosa - Guileje.

Foto 509 > E daqui, se retiraram este conjunto de minas (mais de 6 dezenas!)...


Numa das últimas colunas de Aldeia, a ponte do Balana ruíu ao peso de uma GMC cheia de bidões...

Foto 510 > A colocação do passadiço na ribeira do Changue-Iaia [foto gentilmente cedida pelo José Samouco] (1)

Foto 511 > A parte posterior da GMC assenta no leito do rio, ainda cheia de bidões.

Foto 512 > A carga, com alguma perícia, lá se foi retirando.

Foto 513 > Toda a estrutura da ponte ruiu, felizmente sem grandes consequências pessoais.


Fotos: © Idálio Reis (2007). (Editadas por L.G.). Direitos reservados.




X Parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1).

Texto enviado em 28 de Fevereiro de 2007. Continuação (2).

Assunto: As colunas de reabastecimento para Gandembel / Ponte Balana. Tanta ousadia cerceada no passo incerto, e a folha fustigada pelo sopro de um fornilho, já não encontra outro sítio para cair, senão em corpos dilacerados.

Caros Luís e demais companheiros da Tertúlia:

Aquando da incauta tomada de resolução sobre a implantação de Gandembel/Ponte Balana, dever-se-ia, desde logo:

— reconhecer que a execução de um aquartelamento, com uma finalidade claramente definida, em local inóspito, onde não havia qualquer população nativa, requereria um conjunto avultado e variado de materiais de construção;

— prever que para a realização de Gandembel e de Ponte Balana havia que enviar amiúde uma grande quantidade de víveres, pois o efectivo militar que estaria continuamente em acção, seria sempre o de um contingente com muitos homens, mesmo que uma parte estivesse em regime de transição;

— considerar que um posto militar fixo naquela zona determinaria à exigência de o dotar em suficiência com material bélico, de características meramente defensivas, a acrescer ao facto de ter de haver uma grande disponibilidade de um arsenal de munições.

E tudo isto teria de ser transportado unicamente por via terrestre, em colunas de reabastecimento, que só dispunham de 2 rotas, com ambas a utilizarem uma mesma estrada, que o PAIGC se tinha apoderado do seu controlo já há algum tempo.


Duas linhas de abastecimento: Gadamael-Porto/Guileje/Gandembel (sul) e BUba/Aldeia Formosa/Gandembel (norte)


A proveniência de Sul começava em Guileje, com reabastecimento prévio em Gadamael-Porto. Da parte Norte, partia-se de Aldeia Formosa, que por sua vez tinha em Buba o seu porto alimentador.

Dada a enorme imprevisibilidade que a guerra de guerrilhas, travada na província da Guiné, conseguia alcançar num qualquer sítio e num curto espaço de tempo, poder-se-ia afirmar que o vasto perímetro que englobava esses locais, estava sitiado entre 2 zonas nevrálgicas do maior interesse estratégico-político para o PAIGC.

Gandembel/Ponte Balana: um espinho encravado no coração de um região de vital importância estratégica e logística para o PAIGC


De um lado, na base de uma comprovada aliança com a Guiné-Conacri, ao dispor de uma fronteira aberta e sempre bastante próxima; do outro, a região de Salancaur, já no interior da Província, como grande bastião de apoio logístico e de disseminação de efectivos, com localização no centro de um arco geográfico, que ligava os braços dos grandes rios Cacine e Buba, abrangendo portanto Gadamael, Guileje e Mejo, Gandembel, Aldeia Formosa, Buba, Bedanda e Catió.

A intenção da construção de Gandembel/Ponte Balana, como forma de inflectir ou alterar profundamente toda essa estratégia de vital interesse para o PAIGC, provocou neste uma atitude de antagonismo e confrontação, puro e duro, e evidentemente a única que lhe caberia enfrentar perante tais circunstâncias. Ousa fazer ainda uma mais ampla concentração de efectivos militares extremamente organizados, a fim de poderem desencadear um substancial recrudescimento no campo bélico, tanto mais provocante e mortífero quanto maior o grau de abrangência e incisividade.

As flagelações e ataques aos postos fixos das NT aumentaram substantivamente, onde Gandembel pontificava por razões óbvias. E as vulneráveis colunas de reabastecimento, sempre tão frágeis e fáceis das ciladas, seriam os alvos preferenciais para o desgaste, o desalento e o cansaço, com um único intuito de provocarem acintosamente o sofrimento, a dor, a morte.


23 colunas logísticas em 9 meses (Abril de 1968/Janeiro de 1969)


As colunas de reabastecimento intimidavam pela sua violência. Para além de não facultarem percursos alternativos, os efectivos que as acompanhavam eram sempre bastante insuficientes para uma missão de protecção em cada lado da estrada; mesmo com a ajuda de certos meios aéreos, estes mostravam ser muito pouco eficazes.

As colunas de reabastecimentos assemelhavam-se a lutas desleais, em que um dos contendores caminhava na iminência do perigo, ao encontro do desastre, enquanto o outro, sabotador, escolhia os melhores locais do precipício, e que no geral resultava em consequências de uma devastadora crueldade.


Durante o lapso de tempo da existência de Gandembel/Ponte Balana, de 8 de Abril de 1968 a 28 de Janeiro de 1969 (2), a minha contagem atinge o global de 23 colunas, das quais somente 5 é que são provindas de Guileje.

A narração dos factos mais amargurados e pungentes que algumas destas colunas foram testemunho, baseiam-se muito do baú da minha memória pessoal, à míngua de documentação oficial. Em razão desta lacuna, certamente este excerto pecará por defeito, tanto mais que várias Companhias estiveram envolvidas.


10 de Abril de 1968: dois mortos e um dezena de feridos logo na 1ª coluna


Assim, logo a 10 de Abril, parte de Guileje a primeira coluna, que chegou ao anoitecer, com algumas minas anti-carro de permeio e uma forte emboscada a causar a perda de 2 homens, um dos quais pertença do Pelotão de Reconhecimento Fox.

Na madrugada do dia seguinte há o regresso, e à passagem nas imediações do corredor de Guileje ouvem-se os ecos de um tiroteio de uma intensa emboscada, que se repetiriam mais adiante, como também mais uma série de minas a travar a marcha.

As consequências foram pesadas: mais 2 mortos (1 furriel de um Pelotão de Caçadores Nativos e 1 cabo da CART 1613), e mais de uma dezena de feridos graves e ligeiros a terem que ser evacuados para Bissau.

Com tantas colunas ainda por concretizar, pressagiavam-se para as sequentes, o pesadelo de tenebrosas vivências de terror e horror, a dilacerarem sem dó nem piedade muitos de nós. Mas o que causava maior angústia, pela envolvência intemperada do sofrimento inumano, cruel e doloroso, é que era indispensável a realização destas colunas a um ritmo bastante repetitivo, sem alternância.

E estas circunstâncias favoreciam o desempenho beligerante do PAIGC, na preparação cuidada e ardilosa dos mais adequados estratagemas para desferirem os seus ataques, até porque era reconhecidamente, detentor de um forte arsenal bélico. E para este tipo de operação militar, em que a vantagem pendia essencialmente para o seu lado, só lhe restava saber agir com argúcia e sageza bastantes, de forma a incutir a perturbação, a desconfiança, a inquietação, o nervosismo.


24 de Abril de 1968: a barbaridade dos fornilhos


Mesmo nas colunas que se realizavam sem o registo de quaisquer incidências, o pânico e o terror continuavam a prevalecer, ainda que dissimuladamente. É que muito em breve, haveria mais uma, para surgir dentro de dias mais uma outra.

À 3ª coluna proveniente de Guileje, a 24 de Abril, surge, quiçá, o artefacto mais temível e aterrador de todos, para o qual não havia nenhum método de defesa possível: os fornilhos accionados por comando à distância.

Estes engenhos explosivos, dissimulados em plena estrada, eram comummente construídos com um forte poder de detonação, e constituídos por substâncias distintas, desde componentes metálicos até materiais pétreos.

Em geral, o inimigo montava uma emboscada, minava as bermas e fazia rebentar os fornilhos. E esta cruenta simbiose, provocava sempre efeitos devastadores e terríveis para as NT, matando, desagregando corpos, causando muitos feridos pelo efeito do sopro e das minas ou dos projécteis das armas, danificando material.

Na vinda, há a lamentar a perda de 2 homens, um dos quais ficaria completamente desintegrado, e mais de uma dezena de feridos a serem evacuados, muitos como resultado do sopro; já o regresso, no dia seguinte, far-se-ia sem quaisquer problemas.

E a partir desta data, as consequências do accionamento destes fornilhos, sempre presentes, mostrar-se-iam de uma enorme barbaridade, impiedosa, desumana, pungente.

E comprovadamente, as colunas de Guileje eram caminhos de calvário, martirizantes pela razia das agruras que provocavam às NT. Para além dos mortos, os feridos evacuados atingiam quantitativos absurdos, e a fobia instintiva ia-se apoderando dos restantes, com um efectivo disponível já muito diminuto, a ter que ser considerado mais que insuficiente.

Julgo mesmo que, do efeito deste acentuado recrudescimento das acções bélicas do PAIGC, é que a partir de uma determinada data se começaram a realizar colunas de ambos os lados, uma vez que as provenientes de Guileje, desde logo, se tornaram extremamente complexas, pela acerada violência exercida pelo inimigo, que fazia demorar a percorrer os cerca de vinte quilómetros de uma estrada de um piso sofrível, durante toda uma longa jornada. Tantas vicissitudes de permeio!


A alternativa de Aldeia Formosa e o tabu do Cherno Rachid


Ter-se-ia pois que gizar uma outra estratégia, para a qual só havia uma única alternativa: a proveniência passaria para Aldeia Formosa, a distâncias similares, e onde o PAIGC parecia, até então, dar a entender não desejar tomar medidas de represália para esses lados.

Em meu entendimento, a postura refreada para esta atitude, passava pela presença do chefe religioso Cherno Rachid (3).

E o que é verdade, é que as 2 primeiras colunas efectuadas na primeira década de Maio, e advindas de Aldeia, realizam-se sem incidentes e com regresso no mesmo dia.

Todavia, o putativo estado de graça que o PAIGC parecia manter, sofre uma notória inversão, porque num espaço de tempo muito curto, toda a região envolvente de Aldeia Formosa é acintosamente fustigada por uma acentuada, provocante e violenta movimentação dos seus grupos.

Todos aqueles destacamentos, onde havia muita população local, são coagidos a alterarem o seu estado de vigilância, com alguns deles a virem a sofrer rudes reveses, mesmo o do abandono.

Parece ter-se quebrado, de vez, um pacto de não agressão, com o PAIGC a sentir-se ofendido pela afronta com este tipo de movimentações das NT, oriundas de Aldeia Formosa, e porventura não expectáveis.


15 de Maio de 1968: 6 corpos desintegrados e uma dezena de feridos

E então, só lhes restou esperar a ocasião para dar início às hostilidades, que recaiu no dia 15 de Maio, data da 3ª coluna de reabastecimentos, com consequências bastante funestas, resultantes de emboscadas com um grande potencial de fogo e também do accionamento de fornilhos.

Já quase a chegar a Ponte Balana, o grupo que vinha na picagem, na sua quase generalidade composto por elementos de um Pelotão de Nativos, depara-se surpreso com um fio eléctrico que as chuvadas puseram a descoberto e param. Um dos alferes da CART 1612, que vinha à cabeça da coluna, aproxima-se do grupo para indagar as causas da paragem. Num relance, o accionamento em simultâneo de vários fornilhos, provocariam de imediato a morte a 6 homens, cujos corpos são desintegrados; e como resultado do forte efeito do poder de sopro, mais de uma dezena de militares são feridos, a obrigar a sua evacuação para Bissau.

Um ponto fatídico no troço Aldeia Formosa / Chamarra / Ponte Balana / Gandembel: Changue-Iaia


Para além do mais, a época das chuvas começava a fazer agravar a situação, uma vez que as colunas advindas de Aldeia Formosa deparavam-se um pouco a seguir ao povoamento de Chamarra, com um obstáculo natural, configurado por um pequeno riacho em zona arbórea mais aberta — o Changue-Iaia —, que obrigava à montagem de um passadiço constituído por peças móveis de madeira.

E consequentemente, as colunas sustinham o andamento, e as forçadas paragens sempre afeitas ao olhar do espião, poderia a todo o momento fazer irromper o embate do inimigo, aparecido do lado da fronteira ali tão próxima. Era, foi, um dos locais em que PAICC fez concentrar o campo de minas mais denso (renques de centenas de minas anti-pessoais, num pequeno tramo), e que se tornou o mais assustador e terrífico de todos, a perdurar sempre com grande apreensão durante bastante tempo. Foi, neste sítio de suplício, que as colunas para Gandembel, tiveram mais perdas, e lhes causaram maior sofrimento.

« passagem sobre o rio Balana, mesmo no destacamento de Ponte Balana, com uma ponte improvisada construída pela Engenharia Militar, a substituir uma outra destruída há anos pelo PAIGC, também não oferecia a segurança adequada, como mais tardiamente se viria a comprovar.

Mas Gandembel/Ponte Balana continuava a precisar de mais alguns materiais de construção, para acabar definitivamente com as casernas-abrigo, em especial para o reforço das suas coberturas, a fim de os seus homens se protegerem da inclemência das chuvas ou da deflagração de uma qualquer granada de morteiro.


5 de Juho de 1968: a morte do Alf Leitão


Ainda restava em Guileje algum deste material; também lá se encontrava um grupo de combate para regressar ao seio da Companhia. A parte restante do material, os víveres e outros meios logísticos haviam de aparecer do lado de Aldeia Formosa.

E a 5 de Junho, partem 2 colunas de ambas as origens. A proveniente de Aldeia, vem e regressa no mesmo dia, sem incidentes. Contudo, a de Guileje, é sujeita a fortes ataques, por força de emboscadas envolvidas com o rebentamento de fornilhos, que vêm a provocar 2 mortos e mais de uma dezenas de feridos evacuados para Bissau. O regresso também se faz com imensas dificuldades, a causar 2 feridos graves.

Desta fatídica coluna, a Companhia perde o seu 3º elemento, o alferes Álvaro Vale Leitão, que é atingido mortalmente na cabeça por fragmentos de um fornilho, e 5 elementos que foram cuspidos pelo sopro, com alguma gravidade, mas que após cura das mazelas em Bissau, ainda conseguem regressar ao nosso seio.

E de Guileje, a partir dessa data, restaria apenas a separação. Só havia conhecimento da sua presença, quando por vezes, se ouviam distintamente os estrondos de algum ataque ao aquartelamento, em que foi fustigada por várias vezes.

E o PAIGC, na prática, recuperava uma parte do seu reduto, e então faz deslocar efectivos para tentar entravar as colunas entre Buba e Aldeia Formosa, uma vez que as condições geomorfológicas do trajecto a isso proporcionavam.

O que reconheço, e surpreendentemente não encontro motivos para tal, é que as 4 colunas realizadas na última quinzena de Junho e de todo o mês de Julho, advindas de Aldeia, se processaram sem registo de acções da presença inimiga, embora o mesmo não viesse a acontecer com os postos fixos de Gandembel/Ponte Balana.


4 de Agosto de 1968: o massacre de Changue-Iaia


Mas, a 4 de Agosto, acontece o maior desaire para a Companhia. Dois grupos de combate saem de Gandembel em viaturas, com o propósito de em Changue-Iaia se proceder à permuta dos reabastecimentos, como solução encontrada para a imensa dificuldade no atravessamento do riacho, cada vez mais largo e de maior débito.

Quando as nossas viaturas alcançam o local, desencadeia-se uma emboscada com rebentamento de fornilhos, e as bermas do caminho pejadas de minas anti-pessoais. A resistência mostra-se demasiado ténue, ante a visibilidade do terror que se lhe antepara. Não há outra solução, que não procurar sair do local a todo o transe.

As consequências são terríveis, pois para além de alguns feridos, dos quais 2 com bastante gravidade, há a lamentar a morte de 5 homens (1 era um soldado nativo), em que o corpo de um deles se desintegra, pelo efeito deletério dos malfazejos fornilhos.

A perda definitiva, num único dia, de 4 elementos da Companhia, provocou-lhe um forte abalo moral, muito em especial ao grupo de combate que faziam parte, mas o apoio a prestar só poderia ser superada pelo forte sentido gregário que existia entre todos, e ter a esperança que nos tempos sequentes não houvesse contrariedades a pesar. Foi um período crítico, o mais difícil de ultrapassar, de cair no rol do esquecimento, como tive o cuidado de referir no excerto anterior.


22 de Agosto de 1968. coluna com apoio dos pára-quedistas, com 64 minas anti-pessoais


Passados alguns dias, a 20 de Agosto, que marca a chegada dos pára-quedistas, intentou-se fazer uma outra coluna, mas ante o poderio ameaçador do inimigo, as partes que partiram de Gandembel e de Aldeia Formosa, voltaram para trás. Esta detectou 2 fornilhos e 5 minas anti-pessoais, enquanto a minha Companhia conseguiu levantar nas imediações do Changue-Iaia, 68 minas anti-pessoais.

Estes víveres acabariam por chegar a Gandembel a 22 de Agosto, mas a coluna com o apoio dos pára-quedistas, teve 64 minas anti-pessoais para desactivarem, mas a postura do inimigo é de tal modo vincado, que já no regresso de Aldeia, mais propriamente entre Chamarra e Mampatá (um troço tão curto), monta uma emboscada e causa 5 feridos graves aos homens da CCAÇ 381 que vinham na escolta.


Reabastecimentos por meios aéreos


Indubitavelmente que estas colunas, revelavam uma terrível ameaça para a integridade dos homens que lhes prestavam segurança, e algumas chefias de bom senso não desejavam criar cemitérios para alguns, e levar ao desespero como porta de entrada à loucura, para outros tantos.

Muito provavelmente foram estas as razões que determinaram que até ao fim do período das chuvas, as colunas tivessem um hiato, mas nunca me foi dado a conhecer os seus reais motivos. E Gandembel/Ponte Balana foi servida por meios aéreos, muito em especial por helicópteros, já que as Dorniers que tinham de lançar os seus sacos, só serviam para objectos mais leves.

A partir de fins de Setembro, reatam-se então as colunas via terrestre, e até ao fim de Gandembel realizam-se mais 7, nas quais não há registos de danos de grande monta para as NT. Não tenho conhecimento de mortos, apenas de alguns feridos ligeiros, mas o que é incontestável, é o reconhecimento que a agressividade do inimigo tinha diminuído substancialmente.

Procurei fazer uma descrição dos factos que se desencadearam nas colunas de reabastecimento para Gandembel, as suas tragédias, os seus dramas e pesares. Elas desenvolvem-se em 2 períodos bem distintos e assentam em 2 espaços territoriais de pouca similitude.

As colunas advindas de Guileje duram apenas 2 meses, com consequências funestas para as NT. Claramente, o PAIGC detinha um forte contingente bélico na zona, com um conjunto de acções consecutivas nos aquartelamentos de Gandembel e também de Guileje, e espera os dias das colunas, de si tão fáceis de tomar conhecimento.

Nos sítios mais propícios, cria pontos de paragem com abatises, armadilha a estrada com minas e fornilhos, e ser-lhe-ia fácil encetar com a sua estultícia, todo um sortilégio de façanhas, que tinham como fim, massacrar os homens que escoltavam essas colunas, e se possível, fazer destruir os meios logísticos.

Em meu entendimento, não há aqui, por parte do PAIGC, factos ousados. O acesso à estrada, mesmo vindo da fronteira, faz-se rapidamente, e com tudo preparado, só lhes restava agir, sem pôr em perigo os seus homens. Mas este acesso facilitado devia-se fundamentalmente a uma notória falta de efectivos suficientes das NT, para tentarem cercear os seus propósitos.

O rescaldo das cinco colunas de Guileje

Com a percepção clara das dificuldades que os esperavam, a saída de Guileje a caminho de Gandembel, era um calvário para os homens da escolta, cada vez em menor número, pois que não se lhes deparava na iminência do confronto com o inimigo, quaisquer alternativas de resguardo. Meios alternativos de protecção, os aéreos com 1 ou 2 T-6, mas que em pouco ou nada serviam. O único que amedrontava e desempenhava uma função altamente dissuasiva era o héli-canhão, mas este nem sempre aparecia.

O rescaldo das 5 colunas de Guileje é inquietamente pesado. Muito em especial para a CART 1613, sedeada num local bastante problemático, com a comissão a mais de metade, com um contingente fatigado, e que é chamada a desempenhar uma impiedosa missão, onde vem a perder muitos homens (mortos e feridos graves); dos que restaram, é gente molestada, vincadamente traumatizada.

Para todos eles e o seu grande comandante, o Capitão Eurico Corvacho [da CART 1613], um sentido testemunho de gratidão (4).


Rescaldo das colunas de Aldeia Formosa


Quanto às colunas provenientes de Aldeia Formosa, elas poderiam ser consideradas bietápicas: em primeiro, de Buba a Aldeia, e depois até ao destino final — Gandembel.

Já me referi sobre a coluna de 15 de Maio, e o que ela parece contextualizar quanto ao procedimento que o PAIGC viria a fazer incidir nesta zona.

A estrada de ligação de Buba a Aldeia era de um péssimo piso, mormente na época das chuvas. E os artefactos armadilhados e as emboscadas começaram a revelar os seus perniciosos efeitos.

Na verdade, este itinerário começa também a ser alvo das maiores contrariedades, avassalado pela perda de muitos militares, com incidência especial na CART 1612 [tristes sinas para estas Companhias-gémeas!] e no Pelotão Fox. E estes reveses, mais se vêm a ampliar com o abandono de Gandembel, mas aqui as razões prendem-se, em muito, com os trabalhos de reperfilamento/construção da nova estrada.

À notória obsessão que o PAIGC se firmava a este tipo de acções, com uma grande concentração de guerrilheiros, fortemente organizados e armados, bem conhecedores dos locais a intervir, é justo reconhecer que os cenários que se anteviam aos homens que se empenhavam na segurança destas colunas, era perfeitamente dantescos.

Spínola, com a fixação dos pára-quedistas em Gandembel, alivia notoriamente o pesadelo das colunas de Aldeia Formosa para este local, mas não as que provinham de Buba, agora sentidamente muito mais perigosas.

E estas, forçosamente, tinham que ter a sua continuidade, agora com mais dificuldades, pelo agravo de uma mais forte concentração inimiga.

De toda esta pungente história das colunas, estiveram largas centenas de homens envolvidos na beira do abismo. Dos parcos dados que o meu baú das memórias tem recolhido, não pecarei demasiado em afirmar, que elas dizimaram entre mortos e feridos de maior gravidade, muito mais de meia centena de militares.

Na faceta deste tipo de guerra, a envolvência dos 2 contendores com modos de actuação inteiramente distintos, para além de desproporcionada, era de uma iniquidade extrema. E o nosso militar, que era compelido para a protecção a estas colunas, entrava em estado de enorme tensão para uma antecâmara infernal, de alojamento do desespero, da raiva e da dor.

A última foi a do regresso definitivo, só com a Companhia. E julgo que a estrada de Guileje a Aldeia Formosa continuou para sempre à guarda do PAIGC, tanto mais que a ponte sobre o Balana tinha derrocado numa das últimas colunas: a 22 de Novembro.

Nas descrições que narrei quanto aos postos fixos de Gandembel/Ponte Balana, tentei-me confrontar com a forma como Spínola explanava as suas concepções no seu dossier sobre este arrepiante teatro de guerra.


A estratégia militar do PAIGC, sob o comando de Nino Vieira

Resta-me agora, procurar tentar fazer um julgamento de valor quanto à estratégia militar encetada pelo PAIGC, em que Nino Vieira foi o protagonista maior e fortemente se comprometeu.

Terminadas as colunas de Guileje, Nino proclama vitória. Restar-lhe-ia, para cercear quaisquer veleidades que ainda restassem às NT, de tomar de assalto ou destruir Gandembel, e na vertente das colunas de reabastecimento, incidir mais sobre as que envolviam directamente Aldeia Formosa.

E toma, como resolução, reduzir substancialmente as suas acções. Usa o velho e pérfido estratagema, o de procurar incutir um clima de maior sossego, de maneira a que se percam ou minimizem alguns dos predicados essenciais neste tipo de guerra: a compenetração, a previdência, a cautela, etc.

Se assim foi, no que se refere aos homens da minha Companhia, e porque de algum modo já estávamos bastante acossados, não conseguiu minimamente alcançar as suas intenções.

Todos estávamos sobreavisados e bem conscientes que na guerra insidiosa que nos circundava (era o nosso meio-ambiente), subjazia uma matiz de casualidade tão forte, que a impreparação aliada a uma menor concentração, poderia levar a um desencontro fatal, e um grande ronco surgir inopinadamente. A vida de cada um de nós pulava a cada momento entre a sorte e o azar, e saber dar-lhe o dom da primazia, não tentando aventuras de risco, revelava-se fundamental. Era uma condição necessária, mas tantas vezes, debalde, resvalava para o infortúnio.

Nino Vieira então prepara cuidadosa e convenientemente um ataque de assalto a Gandembel, firmemente convicto da sua destruição. E envolve todo o arsenal bélico que tinha à sua mercê, para atingir esse fim, e que tem lugar a 15 de Julho.

Contudo, sai vexado pela derrota, e reconhece que está ante um grupo de homens, já bem resguardados, que reagiram de forma que jamais supôs.

O fatídico 4 de Agosto, em Changue-Iaia, será uma retaliação contundente por parte de Nino? Em minha opinião, numa qualquer coluna de reabastecimentos, tudo era possível acontecer. E bastou um pequeno grupo a desencadear a emboscada, já que a troca de tiros foi ligeira, para semear o terror, pois a grande destruição foi provocada pelos fornilhos e uma infinidade de minas anti-pessoais. Pelo que me foi descrito, pois não fiz parte dessa coluna, se o inimigo dispusesse de um grande efectivo, poderia até ter provocado acentuadas baixas àqueles 2 grupos de combate.

Os acontecimentos posteriores a este dia, com a permanência dos pára-quedistas em Gandembel, contêm toda esta impetuosidade e refreia quaisquer veleidades.

O Changue-Iaia é inteiramente desminado, passa a ser bem vigiado, e o PAIGC recua atemorizado, apenas mantendo grupos localizados no lado da Guiné, apoiado na forte bateria de morteiros que sempre demonstrou conservar.

As 7 colunas necessárias fazem-se com poucos incidentes, e quando chega o dia 28 de Janeiro de 1969 [o do abandono de Gandembel/Ponte Balana], há efectivamente uma outra serenidade, mas responsável. E nesse dia, chegávamos sem problemas a Aldeia.

E acabo as narrativas da odisseia de Gandembel/Ponte Balana, dedicando um capítulo muito sentido aos que se viram compelidos a tomarem parte nessas violentas e aterrorizadoras colunas de reabastecimento. Em especial, os 3 trajectos de curta distância, Guileje — Gandembel, Aldeia Formosa — Gandembel e Buba — Aldeia Formosa, foram locais de uma acção temível, onde a tragédia surgia tão repentinamente, da forma mais absurda e cruel, a espalhar a miséria.

Quantas vidas num permanente suspenso, e num ápice todos os desígnios feneciam estupidamente. Para ínvios caminhos, só o tamanho da falsidade das colunas de reabastecimento parecia caber.

As colunas de reabastecimento que se contextualizam com Gandembel, ficaram gravadas nos caminhos do desalento, do pesadelo e horror. E por isso, procuravam protelar-se até soar o grito da clemência, pois os bens essenciais estavam a esgotar-se, e o espectro da fome, em forma de um tipo de alimentação quase intragável, pairou algumas vezes em Gandembel.

E esta desapiedada e frustrante sensação de um forçado isolamento, também contribuiu em muito para o alquebramento das forças físicas e morais, tão vitais para ousar enfrentar com denodo as vicissitudes que se nos deparavam quotidianamente.

E, embora reconheça, que para a grande generalidade dos militares, a guerra foi-lhes sempre tenebrosa, ela era, ainda assim, bem díspar nos diferentes chãos da Província.

Restar-me-á apenas tentar alinhavar o último capítulo, que se prende com a permanência da Companhia em Buba, e que se prolongou até 14 de Maio de 1969.

E até breve.


Um abraço do Idálio Reis.

______

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXII: A tragédia da ponte sobre o Rio Balana (José M. Samouco)

(2) Vd. os postes anteriores desta série (que foram saíndo no nosso blogue com bastante irregularidade, por razões que não são imputáveis ao autor, mas sim ao editor, nomeadamente devido à riqueza e à abundância do material fotográfico que é preciso, no entanto, editar, consumindo bastante tempo):

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá.

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel.

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras.

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel.

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço.

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28.

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968.

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques


(3) Sobre o dignatário religioso Cherno Rachid, vd. posts de:

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).


(4) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba

Guiné 63/74 - P2116: Fur Mil Júlio Lemos, da CCAÇ 797, morto em Rio Louvado, por ferimentos em combate (A. Marques Lopes)

1. Mensagem do nosso camarada A. Marques Lopes:

Caros camaradas:

No Livro do Mortos na Guiné da CECA (enviei-vos em tempos uma cópia da lista d' "Aqueles que nem no caixão regressaram") não diz bem o que contaram ao Afonso de Sousa (1):



Reproduzo: Júlio de Lemos Pereira Martins, Furriel, da CCAÇ 797, morto em 2 de Agosto de 1965, em Rio Louvado, na sequência de ferimentos em combate. Era natural de Ponte Lima. O corpo não foi recuperado.

Abraço

A. Marques Lopes

__________

Nota dos editores:

(1) Vd. post de 18 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2115: Em busca de...(12): Notícias do desaparecimento de Júlio Lemos, ex-Fur Mil da CCAÇ 797, Tite, 1965/67 (Júlio Pinto)

Guiné 63/74 - P2115: Em busca de...(12): Notícias do desaparecimento de Júlio Lemos, ex-Fur Mil da CCAÇ 797, Tite, 1965/67 (Júlio Pinto)

1. O nosso camarada Júlio Pinto, ex-combatente em Angola, em mensagem de 6 de Setembro de 2007, dirigia-se assim ao editor do nosso Blogue:

Vi estas indicações na internet pelo que presumo que esteve na Guiné na guerra colonial. Eu estive em Angola de 1967 a 1969.

Na CCAÇ 797 desapareceu um amigo meu de infância e de escola, o ex-Fur Mil Júlio Lemos. Gostava de saber mais sobre o seu desaparecimento, pelo que se for possível agradecia me dissesse algo.

Obrigado.
Júlio Pinto

2. Em 13 de Setembro o co-editor CV respondia:

Camarada Júlio Pinto:

Incumbiu-me o editor do Blogue, que eu te ajudasse na procura de elementos sobre o teu malogrado amigo e nosso camarada Júlio Lemos.

Assim no site www.guerracolonial.home.sapo.pt/, Secção de Convívios, Ponto de Encontro, encontrei 4 contactos da CCAÇ 797, onde poderás eventualmente saber alguma coisa do teu amigo.

Tenta pois com o Emílio Abrantes, telefone 238 691 390 e/ou José Bayó, telefone 917 291 778 e/ou Jorge Duarte, telefone 962 397 036 e/ou Santos Costa, telefone 917 415 288.

Vou também fazer circular por entre a nossa Tertúlia uma mensagem a perguntar se alguém tem conhecimento do que aconteceu ao nosso camarada Júlio Lemos.

Da nossa parte se houver novidades chegarão ao teu conhecimento. Entretanto espero que tenhas êxito junto dos contactos que te envio.

Um abraço do camarada
Carlos Vinhal

3. Ao mesmo tempo era enviada uma mensagem a toda a tertúlia nos seguintes modos:

Caros amigos tertulianos:

Haverá alguém entre nós que possa ajudar o nosso camarada Júlio Pinto?

Ele procura saber pormenores do desaparecimanto de um nosso camarada e seu amigo de infância de nome Júlio Lemos que pertenceu à CCAÇ 797. Esta Companhia esteve na Guiné entre 1965/67.

Se alguém tiver informações, pode enviá-las directamente para o Júlio ou para nós, que as faremos chegar ao destino.

Recebam saudações dos editores
Carlos Vinhal

4. Os resultados não se fizeram esperar.

O Afonso Sousa, nosso camarada tertuliano por demais conhecido pelas suas incursões no passado da Guerra Colonial da Guiné, prontamente deu resposta

Caro Carlos Vinhal & C.ª :

Acabo de falar com o ex-furriel da CCAÇ 797 Jorge Duarte que, sobre o assunto, diz:

O furriel Júlio Lemos, no termo de uma Operação e quando se preparavam para proceder ao atravessamento do rio Bissilon (Bissilão), tomou a iniciativa de efectuar a travessia a nado. Algo correu mal. Nunca mais foi encontrado, mesmo depois das buscas efectuadas por meios navais. Tal facto terá estado relacionado com o efeito do macaréu, verificado no momento.

Notas:

A CCAÇ 797 estava sediada em Tite (adida ao BCAÇ 1860)

CCAÇ 797 - RI 1 - Serra Carregueira/Lisboa, de Abril de 1965 a Janeiro de 1967

BCAÇ 1860 - RI 15 - Tomar, de Setembro de 1965 a Maio de 1967

Lista de mortos da CCAÇ 797

Inácio de Freitas Ferreira em 12-08-1965
Aníbal Alves Pires em 30-09-1965
Diogo Amaro Neves em 19-10-1965
Manuel António Amaral Nobre em 01-11-1965
Alberto Tibério da Silva em 18-03-1966
Jorge Augusto Maria Brás em 18-06-1966

Saudações
A.Sousa

5. Embora sabendo que o Afonso teria feito chegar esta informação ao Júlio Pinto, os editores do Blogue, redireccionaram-lhe esta informação.

Caro Júlio Pinto:

Reenvio-te uma mensagem do nosso tertuliano Afonso Sousa onde dá conta do episódio onde desapareceu o teu amigo Lemos.

Se mais não vieres a saber, tens aqui algo. Continuo ao dispor para o que precisares.

Um abraço e boa saúde

O camarada
Carlos Vinhal

6. Posteriormente, em contacto telefónico comigo, o Júlio Pinto agradeceu e confirmou as informações do Afonso. Comunicou com os camaradas do Júlio Lemos, que lhe indicámos, e eles corroboraram as trágicas condições da morte do seu amigo.
_______________________

Nota do co-editor CV

O Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné agradece a prestimosa colaboração do Afonso Sousa pela ajuda prestada a este nosso amigo. Agradecimentos também ao Jorge Santos que com a sua página
Guerra Colonial Portuguesa disponibiliza um vasto e actualizado manancial de informações. A ela recorremos inúmeras vezes para auxiliar o nosso trabalho de pesquisa.

Guiné 63/74 - P2114: Bibliografia de uma guerra (17): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte I)

Cópia da capa do livro de Aristides Pereira, Guiné-Bissau e Cabo Verde, Uma luta, um partido, dois países. Lisboa: Editorial Notícias. Novembro de 2002.
Para quem se interessa por aquelas terras, Guiné-Bissau e Cabo Verde, Uma luta, um partido, dois países é uma obra a não perder. São páginas que nos ajudam a reflectir sobre a época de tempestades de que fomos protagonistas.
Os apontamentos abaixo descritos são transcrições e notas soltas (da responsabilidade do co-editor VB) respigadas da obra. Com a devida vénia, a Aristides Pereira e à Editorial Notícias.
V. Briote, co-editor
__________

"As páginas que se seguem constituem uma visão retrospectiva da História que reflecte anos de tempestade e de ciclones; anos quentes nos quais os debates das armas da razão precediam os combates da razão das armas. Assistimos, nesta retrospectiva, ao desfile de actores verdadeiros ou falsos, tendo como cenário o crepúsculo dos tempos de exclusão colonial e de marcha irreprimível dos povos." (Prólogo, texto do Professor Joseph Ki-Zerbo, Ouagadougou, Burkina-Fasso)

Aristides Pereira recusa o título de Memórias, que muitos achavam dever ser o título da obra.

Iva Cabral, filha mais velha de Amílcar Cabral, escreveu-lhe após as eleições de 1991:

"Agora que tens mais tempo e sossego, espero que comeces a escrever as tuas memórias, já que é um dever que tens não só perante a História mas também perante mim e todos os outros jovens que vocês criaram e que por isso estão ligados ao nosso passado. A história de amanhã será escrita, terá que ter o vosso testemunho. Senão corre-se o risco de ela vir a ser contada por gente que tem como objectivo diminuir, denegrir a vossa luta, que representa no teu caso a maior parte da tua vida."


Aristides Pereira chegou a Bissau em Outubro de 1948, para prestar provas de concurso para operador dos CTT, tendo sido colocado na estação dos Correios de Bafatá.

Naquele tempo, Bissau era a Amura e a parte conhecida por Bissau Velho, onde moravam os civilizados, um conjunto pequeno de casas onde viviam comerciantes portugueses, libaneses e sírios, que se estendia até ao barracão da Casa Gouveia e que era a única parte electrificada da cidade.
A catedral e o Palácio do Governador estavam ainda em construção, a avenida principal já estava delineada, com uma placa central e numerosas mangueiras a ladeá-la.
Depois havia os bairros indígenas, chão de papel, Pilum. Era uma cidade com muito pó no tempo seco e muita lama na época das chuvas, porque as ruas não estavam ainda alcatroadas.

Tendo sido colocado em Bafatá, fez a viagem à boleia na carroçaria de um camião de mercadorias de um comerciante libanês do Gabu. Tempos depois ficou seriamente doente, tendo sido evacuado de urgência para o Hospital Central de Bissau. Após um período de convalescença em Cabo Verde, voltou a Bissau em Novembro de 1949, onde se manteve até 1951.

Havia muito entusiasmo pelo futebol. A UDIB (União Desportiva Internacional de Bissau) juntava os brancos de Bissau, o Benfica os colonos benfiquistas, embora fosse considerado o clube dos cabo-verdianos por ter muitos jogadores oriundos do arquipélago e o Sporting dos irmãos Peralta (proprietários de uma fábrica de telhas e tijolos), que se esforçavam por recrutar nativos.
É nesta altura que Aristides Pereira conhece a Dr.ª Sofia Pomba Guerra (1) e é também nesta mesma época que se iniciaram os contactos com Abílio Duarte, Fernando Fortes e muitos outros.
Destacado para Bolama, cedo constata que as pessoas tinham medo de falar de tudo o que cheirasse a política. Priva com José Lacerda, funcionário da Capitania dos Portos, Carlos Gomes, empregado da casa comercial Nososco e já na altura nacionalista convicto, James Pinto Bull que exercia as funções de administrador e de cujo círculo de relações fazia parte o médico, o comandante militar e alguns oficiais do exército.

Depois de ter estado em Portugal de férias, onde aproveitou para fazer exames médicos, regressou a Bissau, decidido mais que nunca a envolver-se em algo que modificasse a dominação e a exploração a que via submetidos os povos da Guiné e de Cabo Verde.
É então que conhece Amílcar Cabral, acontecimento que, diz Aristides Pereira, modificaria definitivamente o rumo da sua vida.

A acção do Partido Democrático de Guinée (PDG, Conacri), nos finais dos anos 50, contou com um numeroso grupo de militantes que, no território da então Guiné Portuguesa, trocava ideias sobre a unidade africana na luta pela independência.

Esta consciencialização fez-se sentir no sul da província, sobretudo em Cacine, vindo mais tarde a aparecer em Dacar o RDAG, que reclamava ser uma secção da RDA (2) que tinha por objectivo lutar pela independência da Guiné-Bissau.
Incidentes em 1942, no tempo do governador Vaz Monteiro, em que, diz-se, ocorreram mortandades, agudizaram a consciência da luta pela emancipação.
Elisée Turpin assegura que houve na Guiné, logo a seguir à 2ª Grande Guerra, uma organização liderada por José Ferreira de Lacerda, funcionário público em Bolama, que tinha alguma influência no governo colonial e que esteve quase a ganhar uma eleição para esse órgão, organização essa que acabou por ser reprimida pelas autoridades.
Nessa época, ainda segundo Elisée Turpin, embora não tenha havido um movimento estruturado, houve um que procurava, dentro do quadro das instituições então em vigor, introduzir alterações. Nessa eleição, em 1956, fizeram parte da oposição, Benjamim Correia, Armando António Pereira, João da Silva Rosa e Gastão Seguy Júnior.



Rafael Barbosa (1926/2007) fotografado por Leopoldo Amado (3) em 1989


Rafael Barbosa, refere numa entrevista (3), que em 1948 tinha sido fundado o Partido Socialista, fundado por José Lacerda, César Fernandes, Hipólito Fernandes, Ladislau Justado e por ele próprio. Esse Partido Socialista desapareceu porque, diz Barbosa, “o Hipólito e o César não estavam a gostar muito do trabalho do Lacerda, que queria influenciar as coisas segundo o modelo brasileiro”.

Foram, portanto, muitas as correntes que se opuseram ao regime colonial, nessa época mais na perspectiva de exigência de direitos dos povos guineenses do que propriamente na independência.

Após a 2ª Grande Guerra, alguns estudantes, organizados na Casa dos Estudantes do Império, falhada a tentativa de politização da Casa, criaram em 1951 o Centro de Estudos Africanos, com o objectivo de “reafricanizar os espíritos”, em que Amílcar Cabral desempenhou um papel histórico.
Hugo Azancot de Menezes, são-tomense, fora enviado pelos nacionalistas à República da Guiné (Conacri) com o objectivo de reagrupar os interessados em lutar contra o colonialismo português, de que resultou o Movimento de Libertação dos Territórios sob Dominação Portuguesa.

Com a protecção de numerosas organizações anti-colonialistas, a direcção do então fundado MPLA (com a ajuda de Amílcar Cabral) instalou-se em Conacri, nos finais dos anos 50, a que se seguiu o PAIGC em 1960.

Cópia da brochura do Recenseamento Agrícola da Guiné, Estimativa em 1953, de Amílcar Lopes Cabral

Amílcar Cabral regressou à Guiné em 1952, tendo sido encarregado pelo então governador do território para proceder ao recenseamento agrícola da Guiné, trabalho que executou ajudado pela então mulher, Eng.ª Maria Helena Rodrigues.

Esta tarefa permitiu-lhe contactar com gente de todo o território e conhecer de perto as populações e os seus problemas.

“Em cada tabanca deixava uma palavra como só ele sabia dizer, embora o povo só viesse a interpretá-la devidamente quando lá chegasse a palavra de ordem do Partido para a luta”, escreve Aristides Pereira.

Em 1954, Amílcar, para disfarçar as actividades políticas que vinha desenvolvendo, tentou criar um clube recreativo e desportivo, juntamente com Carlos Silva Júnior, João Vaz, Ricardo Teixeira, Pedro Mendes Pereira, Inácio Alvarenga, Paulo Martins, Julião Correia, Martinho Ramos, Vítor Fernandes e Bernardo Máximo Vieira.

Luís Cabral (4) diz “(…)o projecto de associação começava a tomar corpo e a ter aceitação, enquanto o Amílcar provava não estar disposto a recuar diante das dificuldades. E a denúncia surgiu (…)”.

Vítor Robalo, em entrevista a Leopoldo Amado: “(…) aquilo morreu, mas o Amílcar não parou. Depois, veio a ideia da criação de uma cooperativa (…). Era uma cooperativa de sociedade por quotas de 500 escudos na altura. Cada cooperativista entrava com o que tivesse até completar aquilo, que era para ver se as coisas marchavam”.

Este processo culminou com a fundação do PAIGC em 1956, tendo o encontro, segundo Luís Cabral, “reunido à volta do Amílcar os cinco elementos que estavam em Bissau (...).
Foi no fim da tarde de 19 de Setembro, no número 9-C da Rua Guerra Junqueiro, na casa onde moravam Aristides Pereira e o Fernando Fortes”.

Ainda, fazendo fé em Luís Cabral, "primeiro chegaram o Amílcar e o Luís, depois o Júlio Almeida, tendo Elisée Turpin sido o último. E assim foi fundado o PAI"

Em Fevereiro de 1956 houve uma greve dos trabalhadores do porto de Bissau.
Amílcar, proibido de permanecer na Guiné, foi trabalhar para Angola, tendo ainda passado pela Guiné em Setembro de 1959, afim de se reunir com os seus camaradas.

Em Fevereiro desse mesmo ano, tinha ocorrido o que ficou conhecido como o “massacre do Pindjiguiti”.

Em 1958, Rafael Barbosa, José Francisco Gomes “Maneta”, Ladislau Justado, Epifânio Souto Amado, Tomás Cabral de Almada e Paulo Fernandes fundaram em Bissau, o Movimento de Libertação da Guiné (MLG), criando ainda mais dificuldades ao projecto de unidade que Amílcar perseguia, a par do incremento das perseguições policiais.

O MLG, segundo Aristides Pereira “cedo hostilizou Amílcar, a quem alcunhou pejorativamente de cabo-verdiano”, acusava os cabo-verdianos de serem os homens de mão das autoridades colonialistas, e que pretendiam substituir os portugueses quando estes se fossem embora.
__________

Notas de vb, co-editor:

(1) Activista, com ligações ao PCP. Deportada para Moçambique, acabou por ir parar à Guiné, onde, segundo Aristides, "desenvolveu uma acção importantíssima na mobilização e consciencialização dos jovens que mais tarde vieram a adeir à luta de libertação nacional. "

(2) Ressemblement Democratique Africain

(3) Leopoldo Amado, historiador bem nosso conhecido, e membro da nossa tertúlia, é amplamente citado por Aristides Pereira

(4) Luís Cabral, meio-irmão de Amílcar, 1º Presidente da Guiné-Bissau (1974/80), foi deposto em 14 de Novembro de 1980 por um golpe militar liderado por Nino Vieira. Luís Cabral e outros membros do PAIGC foram acusados por alguns militantes de dominarem o partido. Esteve preso 13 meses, tendo sido exilado para Cuba, que se tinha oferecido para o receber, até vir para Portugal, onde ainda reside, depois do governo português lhe proporcionar condições para viver com a família. Regressou para uma visita à Guiné-Bissau, em 1999, quando Nino foi desalojado, também por um golpe militar.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2113: Blogoterapia (33): Nós nunca esquecemos as nossas mulheres (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos:

A Conceição Brito Lopes alerta para o papel primordial que tiveram as nossas mulheres, mães, namoradas, irmãs, amigas, avós e outras familiares no desenvolvimento afectivo onde se deve também situar a análise da Guerra Colonial (1). O que exige a todos nós uma reconfiguração dos testemunhos. Talvez a Conceição esteja de posse unicamente dos registos que se fazem dos eventos bélicos, reuniões de ex-camaradas da guerra, narrativas factuais de idas e regressos dos contigentes milítares. Seja como for, o seu apelo deve ser devidamente considerado.

Da minha parte, tive muita sorte: sem aquele correio, o escrito pelo meu punho e o recebido, a minha esperança teria seguramente definhado, aqueles afectos eram água purissíma, era o amor que nos esperava na hora do regresso, a par dos projectos que tinham ficado suspensos (2). Às vezes, diga-se em abono da verdade, água envenenada, nuns casos por incapacidade de se entender as mudanças que se estavam a operar nas nossas mentalidades e daí os choques e os choros, noutros casos recordo miseráveis cartas anónimas que levaram militares ao desespero, tal a fragilidade do isolamento.

A Conceição tem que nos perdoar estarmos ainda numa fase de desabafo, fazendo saltar para a cena o mais traumático e o aparentemente mais marcante. Certamente que muitissímos outros testemunhos como o da Conceição irão reposicionar o trânsito das nossas memórias. Oxalá o apelo da Conceição seja lido por muitas mulheres, as nossas companheiras e nosso sustentáculo para aqueles anos duríssimos que tudo tranformaram, inclusivé o amor que lhes dedicávamos.

Mário Beja Santos

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Notas dos editores:

(1) Vd. post de 17 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74: P2112: Blogoterapia (32): Não se esqueçam das mulheres, que apenas podiam morrer de saudade (Conceição Brito Lopes)

(2) Vd. 6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2031: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (57): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (6).

Guiné 63/74 - P2112: Blogoterapia (32): Não se esqueçam das mulheres, que apenas podiam morrer de saudade (Conceição Brito Lopes)

Aqui temos falado muito da solidão dos nossos homens... E muito pouco da solidão das nossas mulheres. No foto, um intelectual das Avenidas Novas de Lisboa no meio dos Mamadu > Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71, autor das nossas estórias cabralianas.

Foto : © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados


1. Mensagem de 3 de Setembro de 2007, enviada por Conceição Brito Lopes:

Caros Senhores, parabéns pela vossa iniciativa. Vejo com algum temor a nossa geração a morrer e a História da guerra, que flagelou a nossa juventude, a desaparecer da memória nacional colectiva.

Não consegui ler o vosso blogue, mas queria pedir dois favores: o primeiro é que não se esqueçam das mulheres que ficaram cá, particularmente as mulheres, noivas e namoradas, que apenas podiam morrer de saudades e tentar animar o outro lado com correspondência ou outros mimos. Não havia Net nem telemóveis, e falar para a Guiné podia ter uma espera de mais de um dia (em 1966/67). Tinha que se escrever, o mais e o melhor possível. Estive em Angola (1970/72) e sei que foi mais difícil esperar aqui em Lisboa durante a comissão na Guiné do que ir para Angola. O receio e as saudades são nsuportavelmente dolorosas.

Em segundo lugar queria pedir que não deixem de organizar todos esses testemunhos de forma a passarem um documento que guarde a vossa memória para a nossa História. Ainda estou à espera que façam justiça à geração que fez a guerra, os/as que foram e as que ficaram.

Cumprimentos.

Conceição Brito Lopes

Advogada

2. Comentário dos editores:

Não esquecemos das nossas mulheres, não esquecemos as mulheres, todas, que, de um lado e de outro (e algumas como combatentes) sofreram tanto ou mais do que nós...Elas têm assento na nossa Tabanca Grande, como esposas, viúvas, mães, irmãs e madrinhas de guerra de antigos combatentes. Ou simplesmente como órfãos de guerra. Ou tão apenas como amigas pu antigas namoradas... A nossa Tabanca Grande não tem portas. Mas é evidente que os testemunhos no feminino ainda são muito minorotários no nosso blogue (1). Obrigado, Conceição, pelo apelo à participação das mulheres e à maior sensibilidade feminina dos... homens!


6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2031: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (57): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (6)

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquinos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)

20 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)

(...) Quando vi a mensagem do Sr. António Pinto e vi o nome do meu irmão ali escrito com todas as letras, nem parei para pensar e foi então que um murro me atingiu em cheio o estômago, a cabeça começou a girar e as lágrimas não paravam de brotar dos meus olhos.

Ali à minha frente estava aquilo que durante anos e anos eu tentei saber e nunca tive ninguém que mo dissesse. Como foi a morte do Martinho Gramunha Marques ? O meu coração pedia a Deus que tivesse sido rápido, que ele não tenha sofrido.

Agora sei que isso não foi assim. Agora que já passaram 2 dias desde que tive conhecimento da vossa existência, e tendo lido com mais calma alguns dos comentários e narrativas, acho que foi bom, esta revelação aproximou-me mais dele (...).



3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1812: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (10): As mulheres dos meus homens eram minhas irmãs
















8 de Março 2006 > Guiné 63/74 - DCXVIII: Dia Internacional da Mulher (6): a guerra no feminino (Manuela Gonçalves)

(...) Esta noite, ao navegar pelos blogs que visito habitualmente, fui parar, através de hiperligações de posts, ao Blogue Fora-Nada, que reúne documentos e memórias de ex-combatentes da Guiné-Bissau.

Não fui combatente na Guiné, mas esses caminhos foram percorridos por mim de modo e tempo diferentes... Tornaram-se mesmo decisivos na minha vida de jovem estudante universitária rebelde, namorada de um alferes miliciano que para ali fora enviado para a guerra, mais tarde meu companheiro de vida (já lá vão 35 anos) e de mulher e mãe, que considerou importante ir para Bissau, como cooperante!

A Guiné dos aerogramas despertara um desejo imenso de conhecer a Guiné das bolanhas, das tabancas, dos mosquitos, dos rios e pântanos e das gentes que ali viviam, dos flupes, dos mandingas, dos papéis, de Amílcar Cabral, dos guerrilheiros do PAIGC...

Nunca tinha aceite a Guerra Colonial, mas uma vez que ela tinha entrado nas nossas vidas abruptamente e deixado incapacidades físicas ao maridão, senti uma vontade imensa de viajar para aquele pequeno país e conhecê-lo bem! (...).



18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLV: Teresa: amores e desamores (Virgínio Briote)

(...) VB: Esta é já (ou pode vir a ser) uma das mais belas novelas sobre o amor em tempo de guerra (colonial)... Vem confirmar o teu já suspeitado talento de escritor... Que garra, que (con)tensão, que ritmo!... É um privilégio, para mim e para os demais tertulianos, podermos ler esta tua mininovela em primeira mão ! LG (...)




12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá (Luís Graça)

23 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

(...) Trinta e cinco anos depois.

No 25 de Abril de 2004 presto a minha homenagem às mulheres portuguesas.

Que se vestiam de luto enquanto os maridos ou noivos andavam no ultramar.

Às que rastejavam no chão de Fátima, implorando à Virgem o regresso dos seus filhos, sãos e salvos.

Às que continuavam, silenciosas e inquietas, ao lado dos homens nos campos, nas fábricas e nos escritórios.

Às que ficavam em casa, rezando o terço à noite.

Às que aguardavam com angústia a hora matinal do correio.

Às que, poucas, subscreviam abaixo-assinados contra o regime e contra a guerra.

Às que, poucas, liam e divulgavam folhetos clandestinos ou sintonizavam altas horas da madrugada as vozes que vinham de longe e que falavam de resistência em tempo de solidão.

Às que, muitas, carinhosamente tiravam do fumeiro (e da barriga) as chouriças e os salpicões que iriam levar até junto dos seus filhos, no outro lado do mundo, um pouco do amor de mãe, das saudades da terra, dos sabores da comida e da alegria da festa.

E sobretudo às, muitas, e em geral adolescentes e jovens solteiras, que se correspondiam com os soldados mobilizados para a guerra colonial, na qualidade de madrinhas de guerra. (...).

domingo, 16 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2111: Convívios (29): CCAÇ 1426, Geba, Camamudo, Cantacunda e Banjara, 1965/67 (Fernando Chapouto)




Fernando Chapouto, ex-Fur Mil da CCAÇ 1426 (1965/67), Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda






Emblema da CCAÇ 1426



Fotografia do 3.º Encontro dos ex-combatentes da CCAÇ 1426> Guiné> Geba, Banjara, Camamudo e Cantacunda. Salientam-se o Chapouto de boina; o Vaqueiro que é o primeiro a contar da esquerda em pé; de canadianas o ex-Furriel Marques e o ex-Furriel Paio que é o primeiro à direita em pé.

Fotos: © Fernando Chapouto Direitos reservados.

O encontro realizou-se no dia 8 de Setembro de 2007 no Centro Cívico de S. João da Ribeira entre Rio Maior em Santarém.

Lamento a pouca adesão dos ex-combatentes, pois apenas compareceram vinte e um. Compreende-se porque o local escolhido fica longe do Baixo Alentejo e do Algarve, de onde são noventa por cento dos ex-militares da CCAÇ 1426.

Um abraço a todos os tertulianos e saúde
Chapouto
Fur Mil
CCAÇ 1426
_________________________________

Nota do co-editor CV

(1) Vd. post de 30 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXIX: Recordando Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda, Bafatá (CCAÇ 1426) (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P2110: Cusa di nos terra (9): Susana, Chão Felupe - Parte IV: Mulher e Comunitarismo (Luís Fonseca)


Guiné> Susana> Recolha de lenha para a população

Em mensagem do dia 10 de Setembro de 2007, o nosso camarada Luís Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73), enviou-nos a IV Parte de Susana, Chão Felupe (1).

Dizia, então:

Caríssimos editores:
A prosa de hoje versa a mulher Felupe.

Parte IV: Mulher Felupe

Comecemos por dizer que a povoação mais importante do Chão Felupe, que não da zona norte do Cacheu, tem nome de mulher: Suzana (com z).

Tendo em atenção os nossos padrões de sociedade, poderemos afirmar que a mulher felupe é uma mulher emancipada. Recebe todas as honras e desenvolve um papel extremamente importante na sociedade em que se integra.

Como exemplo, as suas actividades na família estão claramente definidas.
Ocupam-se dos trabalhos ligados à casa (fazer cestos, esteiras, redes de dormir, bem como trabalhos de olaria: vasos, potes e panelas). Podem, igualmente, ocupar-se da extracção do óleo de palma para ser vendido ou trocado, ou ainda proceder à colheita de palha nova para a substituição da existente na cobertura da casa. Cabe-lhes também armazenar madeiras e fabricar carvão para uso na cozinha.

É responsável pela culinária da morança, que pode ser providenciada também pelo marido, faz a limpeza da casa que o marido construiu, tira a água do poço que o marido cavou.

É sempre consultada pelo marido no que diz respeito à educação dos filhos ou outros assuntos do âmbito familiar.

Pode ainda, em determinadas condições, tornar-se uma sacerdotisa.

Quando casa, conserva o nome de solteira, o que de certa forma a faz ainda mais emancipada, tomando como termo comparativo as mulheres de outras etnias e de outros continentes.

Ocorrendo a morte do marido, a casa que ele construiu, os campos de arroz que ele plantou e todos os demais bens não são entregues à viúva mas sim ao irmão mais velho do falecido, que, por norma e bondade, permite que ela continue a habitar a morança. Confesso que nunca me ocorreu questionar o que seria feito se o falecido não tivesse irmãos, dado tratarem-se de famílias, normalmente, numerosas. Também nas pesquisas feitas não encontrei, até ao momento, resposta a tal dúvida.

Se a viúva for ainda jovem, regressará a casa dos pais e voltará a casar. Temos que ter em consideração o significado de jovem na etnia felupe, quando a esperança média de vida é de 47 anos e apenas 3% atingem os 65 anos.

Se for já de idade terá os cuidados dos filhos que além de casa onde morar providenciam também o seu sustento.

Em termos de direito de propriedade o Felupe só admite como privado a sua própria casa e os objectos de uso pessoal, nomeadamente os utensílios de lavoura, caça e pesca. São igualmente propriedade privada um reduzido número de cabeças de gado e os galináceos.

Pertencem à tabanca: a bolanha, as matas e a manada de gado bovino. A bolanha encontra-se distribuída em lotes atribuídos pelo homem grande (ancião mais velho) aos vários elementos da aldeia. As colheitas dos lotes são propriedade de quem a trabalha.

As palmeiras das várias matas, propriedade colectiva, são distribuídas a cada um dos moradores que se entregam à sua limpeza e donde só os próprios podem extrair o vinho.

A manada pode incluir as poucas cabeças de gado particular, mas só com o conhecimento e consentimento dos restantes moradores da tabanca. A manada é entregue ao cuidado dos jovens, alguns mesmo muito jovens, e pasta livremente porque as pastagens não têm dono.

Por decisão do Comandante da nossa Unidade, foi estipulada uma rotatividade das tabancas que entendessem fornecer um animal da sua manada para abate e alimentação da Companhia. Com as tabancas que aceitaram nunca se manifestou qualquer problema, sendo a carcaça pesada e o pagamento feito, à boa maneira Felupe, em géneros (farinha, açucar, muito raramente batatas, que apenas engordam e não criam força e músculos, como o arroz - afirmação felupe).

A grande dificuldade residia no apanhar do bicho que, desde longe, era indicado pelo chefe de tabanca. Tinha que ser aquele e só aquele, sem hipótese de troca. A tropa lá tinha que se preparar para uma pega de caras ou cernelha, com técnica TM (tudo a monte) com a ajuda de cordas, de forma a capturar o animal para o transportar para o aquartelamento. Sinal de melhoria de rancho.

Guiné> Susana> Caçar o bicho era uma autêntica tourada... para a nossa tropa

Os poços ou outros bens de utilidade pública são, como é bom de ver, propriedade de toda a tabanca. Uma bolanha está sempre vinculada a uma dada família, existindo um laço místico com os antepassados. Mesmo que uma dada família não tenha, temporariamente, homens válidos para o cultivo da sua bolanha, esta será explorada, depois de cerimónia religiosa para o efeito, por alguém estranho à mesma que voltará à "sua" família quando esta tiver individuo apto para retomar o seu cultivo.

Que melhores provas de espírito comunitário e solidariedade podemos pedir ?!

Por hoje terminado.
Kassumai

Luis Fonseca
Ex-Fur MilTrms
CCAV 3366

Texto e fotos: © Luís Fonseca (2007). Direitos reservados.
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Nota do co-editor CV

(1) Vd. post anterior, de 5 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luís Fonseca)

Guiné 63/74 - P2109: Tabanca Grande (34): António Manuel Salvador, ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74, hoje funcionário da KLM, Amsterdão

Guine > Região de Tomboli > Cufar > PINT 9288 > 1974 > O 1º cabo enfermeiro Baia. Foto: © António Baia / Fernando Franco (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem de 7 de Julho que, por lappso, só agora é publicada:


Remetente: António Manuel Salvador, um camarada da diáspora

Assunto - Informação geral sobre alguns episódios na Guine, zona de Tombali/Cufar 72/74

Amigo Luís:

Foi deveras surpreendente ao ver o vosso blogue na Internet aqui na Holanda, Amsterdão.

Estou aqui desde treze de outubro de 1974. Cheguei, a Lisboa, vindo da Guiné a 3 de Agosto de 1974, mas a minha estadia em Portugal foi de pouca dura. E por aqui ando. Trabalho no aeroporto de Amesterdão, vou a portugal várias vezes ao ano. Como sou funcionário da KLM tenho as viagens mais baratas.

Falando um pouco de mim na Guiné... Eu era primeiro cabo enfermeiro numa companhia de açorianos, a CCAÇ 4740, os Leões de Cufar. Por lá andámos até para lá do fim (normal) da comissão. Já tínhamos os 24 meses quando foi o 25 de Abril e como não aparecia a rendição e não podíamos entregar aquilo sem mais nem menos, depois lá apareceu uma companhia com 7 meses e que nos rendeu. A bianda nunca faltou mas o conduto era as vezes o mais desejado...

Amigo Luís, o que eu gostava de saber era o seguinte: vi no blogue umas fotos de um barco a arder e um jipe todo desfeito. Ora eu assisti a tudo isso! Quando cheguei ao local,o cenário era horrível. Tenho aqui na minha agenda de 1974 em que se diz que morreram três pretos e dois brancos. A um deles chamavam-lhe o Jeová, não sei se seria essa a religião dele...

Luís Graça, o que gostava de saber era se o Furriel Pita tinha escapado porque foi o único que ainda dava sinal de vida. Quem deve saber isso ao certo, é o António Baia porque era ele o enfermeiro do Pelotão de Intendência. Pelos vistos ele mora na Amadora mas de resto não sei mais nada (1).

Antes que me esqueça, este acidente com as minas foi a 2 de Março de 1974, a um sábado.

Estou a ir férias 19 de Julho a 13 de Agosto... Se por acaso tiveres o número do telefone do Baia, ele que me ligue para 261932410, zona de Torres Vedras. Eu moro perto de Santa Cruz.

Sem mais me despeço, enviando um forte abraço a todos os tertulianos.

2. Comentário de L.G.:

Caro António: Foi bom saber notícias tuas… Só agora te respondo, porque só hoje li a tua mensagem, recebida na minha caixa de correio do local de trabalho. Estou a pôr a correspondência em dia… Enfim, meteu-se também o período de férias… Agora temos um endereço de email colectivo, para onde deve ser canalizada, de futuro, a correspondência do blogue: https://webmail.ensp.unl.pt/owa/redir.aspx?URL=mailto%3aluisgracaecamaradasdaguine%40gmail.com

O episódio trágico que relatas, já me tinha sido referido por dois camaradas ligados à Intendência, o Baia e o Franco. Já nos encontrámos duas vezes. O Baia não tem mail. Podes contactá-lo através do vizinho e amigo dele, o Fernando Franco ( https://webmail.ensp.unl.pt/owa/redir.aspx?URL=mailto%3afasfranco%40netcabo.pt ). Este episódio, já publicado no blogue (1), também vem descrito no livro do António Graça de Abreu ( https://webmail.ensp.unl.pt/owa/redir.aspx?URL=mailto%3aabreuchina%40netcabo.pt ), Diário da Guiné, publicado em 2007 (2). Hei-de divulgar essa parte do Diário do António, que estava em Cufar nessa altura.

Quanto a ti, convido-te para fazer parte da nossa tertúlia ou Tabanca Grande, se isso for do teu interesse. Basta que me/nos mandes as duas fotos da praxe e me/nos fales um pouco mais do teu tempo de Guiné, em Cufar. Vejo que somos vizinhos: eu nasci na Lourinhã. E de vez em quando passo por Amsterdão, em viagem. Tudo de bom para ti, e desculpa o atraso.

PS - Vou também publicar a tua mensagem, estes dias próximos. Estamos com algum atraso devido às férias, muito embora já sejamos três editores… em part-time.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)

16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1283: Os nossos intendentes, os homens da bianda (Fernando Franco / António Baia)

(2) Vd. posts de:

5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P2108: Documentos (3): A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (2) (A. Marques Lopes / António Pimentel)






Conjunto habitacional de Nhabijões > 1970 > O furriel miliciano Henriques, da CCAÇ 12 (fundador e editor deste bloge) junto a um dos locais de culto dos irãs (espíritos da floresta). A população era maioritariamente balanta, animista. Era conhecida a sua colaboração com o PAIGG, sobretudo com as populações e os guerrilheiros de Madina/Belel, no limite do Cuor, a Noroeste de Missirá. O reordemanento desta população, considerada até então sob duplo controlo e pouco colaborante com (e senão mesmo hostil a) as NT, iniciou-se em 1969, sob a iniciatica do Comando e CCS do BCAÇ 2852 (1970/72), tendo sido continuada pelo BART 2852 (1970/72).




Na foto, vê-se o Fur Mil Henriques num jipe, no destacamento que defendia Nhabijões. Ao fundo, descortinam-se as casas do reordenamento (a que ele na época um verdadeiro etnocídio...). Em 13 de Janeiro de 1971, duas minas anticarro recebentaram à saída do reordenamento, na estrada Nhabijões-Bambadinca (LG).


Fotos: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Reordenamento de Nhabijões> Trocando a espada pelo arado, ou melhor, a G3 pela pá e pela enxada... Pessoal da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) nos trabalhos do reordenamento de Nhabijões, um conjunto de aldeias sob duplo controlo, junto ao Geba Estreito, pertencente ao posto administrativo de Bambadinca, sede do Sector L1, Zona Leste.
Foto de finais de 1970 gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-alf. mil. sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).


Foto: © Luís Moreira (2005). Direitos reservados.


Continuação da publicação do documento Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações. Província da Guiné, Bissau: Comando-Chefe das Forças Armadas da Guine. Quartel General. Repartição AC/AP. s/d. (2).


Fixação do texto: Virgínio Briote, co-editor


LOCALIZAÇÃO HISTÓRICA E DEMOGRÁFICA (p.4)

1. É difícil fazer uma exacta localização geográfica das diferentes etnias da Guiné, atendendo principalmente ao factor emigração. Efectivamente, mercê de muitas e várias circunstâncias históricas e políticas, os povos guineenses constituíram muitas, e algumas delas significativas, correntes migratórias que partindo do seu chão originário se estabeleceram um pouco por todo o território, por tal forma que se pode dizer que vivem hoje, indistintamente, lado a lado, etnias animistas e islamizados, muitas vezes interpenetrando-se e constituindo, como já foi notado anteriormente, subgrupos híbridos. Uma das circunstâncias mais importantes para o surto migratório foi sem dúvida a eclosão do terrorismo, obrigando povoações inteiras a desalojarem-se e a imigrarem para zonas sob a protecção das Nossas Tropas.


No mapa 1, apresenta-se a localização das principais etnias nos seus chãos de origem.

2. A localização histórica dos povos da Guiné, dada a infinidade de etnias existentes, torna-se difícil. Em apontamentos desta natureza, não cabem pormenores que se destinariam a um estudo aprofundado. Bastará, talvez, dizer que a maioria das etnias aparece como fusão de várias outras que foram as originárias e são referidas largamente pelos navegadores e descobridores nas suas crónicas. Nelas se dá conta de existirem no século XVI Balantas e Papéis na ilha de Bissau e Buranos (nome primitivo dos Papéis) e Felupes na zona do Cacheu. Estas três etnias são das mais antigas, sendo os Felupes considerados os mais antigos dos povos originários.


Alguns outros povos existiam já no actual território da Guiné Portuguesa – colónias de Mandingas e Fulas – aquando da sua descoberta. No entanto, o contacto com eles só se verificou mais tarde, dado o tipo de colonização portuguesa, feita através de feitorias junto aos rios. Assim, o contacto fez-se primeiro com os habitantes da faixa litoral e, mais raramente com povos que vinham transaccionar com os portugueses, de pontos mais afastados do interior.
Já a partir do século XV se inicia a invasão de povos provenientes de vários países do continente Africano. No entanto, só mais tarde há a grande invasão vinda especialmente do Futa-Jalon e territórios limítrofes (Labé, Boé Francês, Futa-Tere, Futa-Quebo, etc.), da Bandú (território situado entre o Alto Senegal e o Alto Gâmbia), Sudão, etc. Fulas e Mandingas instalam-se na zona do Gabú, trazidos por lutas intestinas, pela necessidade de novas almas para a difusão do Alcorão, pelo desejo de novas pastagens para o seu gado e novas lavras. Travaram lutas com os povos aí estabelecidos (os Beafadas principalmente que se viram subjugados pelos Fulas-Forros em Jaladú que mais tarde se tornou na Forro-ia ou Forreá) e conquistaram posições.
[… ilegível].



Mapa 1- Os chãos dos Povos da Guiné


3. Povo nómada, os Fulas emigraram do Gabú para quase todo o território, especialmente o Leste, onde se encontra ainda hoje em força. Mas, de uma maneira geral, como já foi dito, todas as etnias registam movimentos migratórios. Apontaremos dois ou três exemplos:


A região de Mansoa é chão Balanta. No entanto encontramos aí estabelecidas a par da maioria Balanta, Mandingas e Fulas.



  • Na zona de Farim, onde existiam primitivamente os Oincas (ou do Oio, subgrupo Mandinga), encontramos Fulas e Balantas. Aqui, notamos como curiosidade, Balantas e Mandingas permanecem em quase constante conflito, por causa dos roubos que os primeiros praticam por costume tradicional e é condenado pelo Alcorão. Alguns Balantas foram absorvidos pelos islamizados constituindo os Balantas-Mané, que também encontramos em Mansoa.

  • No actual concelho de Bafatá, habitado primeiramente por Beafadas, Mandingas e Fulas, encontram-se numerosas colónias de Manjacos, Papeis, Saracolés e Balantas, estes em maior percentagem.


No mapa 2, podem ver-se, como curiosidade, as primeiras migrações de Mancanhas (ou Brames), Manjacos e Balantas.




FUNÇÕES CIVIS EXERCIDAS POR MILITARES (p 6/7)




1. Estando a Guiné sob a pressão de um estado de subversão que visa a conquista das populações por vários meios, entre os quais a luta armada; existindo um Quadro Administrativo com graves deficiências quantitativas e qualitativas e possuidor da falta de meios para realizar a manobra de contra-subversão em tempo útil e ainda por razões de controle e segurança, não é possível à Administração Civil encarar sózinha, de momento, o esforço que se pretende realizar.


Assim, porque possuidoras de vários meios, humanos, técnicos e de defesa, as Forças Armadas estão aptas a colaborar, com carácter temporário, com as estruturas administrativas na solução dos problemas sócio-económicos. Porque, também, os problemas de desenvolvimento social e económico constituem a manobra da contra-subversão que é preciso fazer rapidamente e pertence à missão das Forças Armadas.


As F.A. são, pois, chamadas a participar temporariamente em funções que seriam da competência civil, se os quadros administrativos estivessem em condições de as desempenhar, e que lhes serão totalmente confiadas quando as condições o permitam. São funções de colaboração e reforço da orgânica...[ilegível].


2. (...) Os civis do Q. A. pensam e actuam de maneira diferente. E a diferença reside em dois pontos distintos: a estagnação e carências várias do próprio Q. A. e no diferente carácter de obrigatoriedade de uns e outros. As Forças Armadas são uma organização profunadmente hierarquizada, com escalões de comando definidos, com leis e regulamentos mais rígidos e pormenorizados, prevalecendo um forte espírito de disciplina. Arreigados a conceitos burocráticos ultra passados e morosos por natureza , regulados por leis mais vastas, com um carácter de disciplina menos acentuado e relativo momento a leis de carácter mais geral, os civis do Q. A. têm um diferente comportamento face a situações que exigem a resolução adequada em tempo próprio. A base de toda a actuação entre militares e civis terá de basear-se na compreensão e na colaboração, já que ambos servem o objectivo comum.


3. O tratamento para com as populações terá de ser diferente também. Não se podem obrigar as populações a tomar determinadas posições ou aceitar determinadas soluções pela força ou coacção, excepto quando o determine o interesse colectivo, o bem comunitário. Interessa muito mais usar argumentos válidos, convicentes e visíveis para os levar a optar melhor. No caso concreto das populações com quem vamos trabalhar, há que contar com os seguintes factores de oposição às nossas soluções:



  • São populações menos evoluídas

  • Têm sofrido pressões físicas e psicológicas dos agentes subversivos

  • São muito arreigados aos seus costumes étnicos e às tradições e práticas religiosas

  • São diferentes entre si, na sua evolução natural

  • Duvidam por sistema, devido à estagnação sócio-económica anterior à guerra, às promessas que nunca foram cumpridas antes nessa época e à propaganda inimiga orientada para esse passado.


Sintetizando, é preciso entender os civis do Q. A. e as populações como tal e como tal actuar nas relações com eles.




IMPORTÂNCIA SOCIAL E ECONÓMICA DOS REORDENAMENTOS (p. 6/9)


1. A ideia de se fazer o reordenamento das populações em aldeamentos, tem três razões de ser fundamentais



  1. A defesa e controle

  2. desenvolvimento social

  3. O desenvolvimento económico


Deixando de parte as questões da defesa, vamo-nos debruçar mais [...ilegível]




Mapa 2 - Primeiras migrações


2. A constituição geográfica da Guiné - sulcada de muitos rios, plana, densamente urbanizada-, a exploração agrícola fazendo-se especialmente junto das bolanhas e as diferenças étnicas que individualizam os agregados, conduziram à dispersão por inúmeros núcleos populacionais. Com uma população dispersa em áreas muito vastas, torna-se difícil se não impossível, tomar medidas de desenvolvimento que abranjam a totalidade ou, mesmo a maioria. O esforço económico e humano seria insustentável de momento e, especialmente moroso.


3. O que se pretende, pois, com os reordenamentos? Agrupar as populções de uma determinada zona num só ou em vários agragados populacionais significativos, possibilitando:



  1. A construção de casas com melhores condições de higiene e construídas com materiais mais resistentes aos factores climáticos e aos incêndios.

  2. A construção de condições de protecção social que abranjam um maior número de pessoas (escolas, postos sanitários, fontanários, assistência médica).

  3. A construção de condições de carácter económico que englobem uma população maior (construção de celeiros colectivos, garantia de mercados para venda da produção agrícola, condições técnicas para maior produtividade e outrs possíveis a desenvolver futuramente).

  4. O mais rápido desenvolvimento comunitário considerando um melhor rendimento no aproveitamento dos meios e quadros técnicos empenhados no esforço do desenvolvimento.


4. Pode parecer sem discussão, a priori, que o reordenamento das populações oferecendo tantas vantagens para o seu desenvolvimento, é sempre bem aceite. Efectivamente, nem sempre isto acontece e por várias razões. Vamos apontar esquematicamente, algumas das principais:

  • Motivações étnicas

  • Questões havidas entre grupos de uma mesmo etnia que os opõem e obstam a uma vida comunitária

  • Receio de perda de autoridade dos Chefes tradicionais

  • Proibição dos Guardas do Irã por motivos de interesse pessoal

  • Desejo de não mudar de chão

  • Receio de que faltem, no novo aglomerado, os meios suficientes de subsistência

  • Desejo de não se separarem dos seus haveres

  • Outras que só localmente poderão ser detectadas


5. Não devendo em princípio existir um carácter de obrigatoriedade quanto à deslocação das populações das suas tabancas para um aldeamento, a não ser que o interesse comunitário superiormente o determine, há que empregar meios persuasivos quando se encontre alguma resistência. Para se criar ...[ilegível]


Esquematicamente vemos, assim:


Antes da construção

  • Auscultação das populações (indirecta, directa)

  • Auscultação e elucidação do Chefe da Tabanca

  • Auscultação e elucidação do Guarda de "Irã"

  • Auscultação e elucidação das autoridades religiosas islâmicas


Durante a construção

  • Garantir a autoridade constituída

  • Garantir, tanto quanto possível, os interesses da localização dos aglomerados correspondentes às antigas tabancas, dentro do plano urbanístico

  • Respeitar os usos e costumes das populações

  • Colaborar no transporte de todos os haveres das populações deslocadas

  • Interessar as populações na construção das casas, escolas, postos sanitários, etc., permitindo e desenvolvendo o sentimento de posse.


6. A forma mais prática de se assegurar o deslocamento das populações para os reordenamentos é criar nelas a necessiade desse reordenamento. Para isso é necessário elucidá-las dos benefícios que vão auferir e garantir os seus desejos quanto a aspectos respeitantes aos seus usos e costumes. Será de toda a conveniência o conhecimento das suas motivações religiosas e étnicas. Nos quadros anteriores já foi feito um esquema suficientemente desenvolvido. Em novo quadro, indicar-se-ão as principais motivações a explorar para um útil e efectivo trabalho de consciencialização das populações.


1.BENEFíCIOS SOCIAIS
  • melhores casas

  • escolas

  • postos de socorros

  • assistência médica

  • água


2. BENEFíCIOS ECONÓMICOS
  • melhores lavras

  • celeiros colectivos

  • mercado para escoamento da produção

  • lojas


ISLAMIZADOS


Fulas
  • construção de mesquitas

  • difundir a religião

  • os régulos governarão melhor com toda a população junta

  • os fulas têm de voltar a ser senhores dos seu "chão" que o IN quer roubar

  • os antepassados foram valentes


Mandingas
  • construção de mesquitas

  • difundir a religião

  • os chefes poderão dirigir melhor

  • as novas tabancas poderão ter lojas e fazerem comércio para terem riqueza

  • os antigos foram valentes e têm de os saber imitar


ANIMISTAS


Balantas

  • terão maior protecção dos Irãs

  • o Balanta terá a liberdade na tabanca e no mato, que o IN impede

  • o Balanta vai deixar de ser escravo do IN

  • os Balantas juntos têm força para exterminar o IN

  • haverá sempre muita fartura


Manjacos

  • terão maior protecção dos Irãs

  • juntos terão muita força

  • impedirão o roubo de mulheres quando estiverem juntos

  • poderão fazer comércio

  • cada família poderá ter os seu Irã


Brames

  • terão maior protecção dos Irãs

  • o régulo governará melhor

  • vão ter mais vacas para estrumar as terras e para o choro

  • os Brames não terão necessidade de emigrar porque nada lhes faltará

  • o IN quer escravizá-los e não o poderá fazer estando todos juntos.


_________


Notas do co-ditor vb:


(1) Vd. posts de:


1 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1558: Inesperada visita a Luís Graça, em Nhabijões, na noite de 3 de Fevereiro de 1970 (Beja Santos)


28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCIX: Luís Moreira, de alferes sapador a professor de matemática (Luís Graça)


23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)


22 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCII: O reordenamento de Nhabijões (1969/70) (Luís Moreira)


22 de Setembro de 2005 > (2) Vd. post de 12 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2100: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (1) (A. Marques Lopes / António Pimentel)


Reproduzo aqui o comentário de Abreu dos Santos:

  • Spínola não inventou os Reordamentos, antes reaplicou na Guiné o que anteriormente já o major Hélio Felgas ali havia posto em prática (cerca de 3/4 anos antes);

  • a guerra do Vietname, pelos vistos, continua a ser – erradamente – termo de comparação para quem esteve na Guiné;

  • mais remotamente, foram os romanos quem iniciou por regiões várias a táctica militar da colonização por recurso ao que, modernamente, se passou a chamar aldeamentos estratégicos; e em meados do séc. XIX foi o general francês Bigeaud quem, na Argélia, reformulou na prática tal conceito, retomado em 1955-59 naquele mesmo território através do Plano Challe, com objectivo de conter o alastramento de actos terroristas por parte da FLN;

  • Em Portugal, a responsabilidade pelo estabelecimento de doutrina castrense nesse sentido coube ao então ministro do Exército, na sequência do 1º relatório da missão militar que pouco antes havia concluído em Arzew (na Argélia), um estágio de contra-insurreição. Daí, o CIOE; e, também daí, a origem da instrução ministrada a tropas de Operações Especiais e aos Comandos, como aliás muito bem sabe o editor Briote, ao qual peço que releve quaisquer imprecisões minhas nesta breve resenha, tanto mais escrita directamente para esta janela...


Comentário do co-editor vb: Grato ao Abreu dos Santos, pelo oportuno comentário, que contribui para um melhor conhecimento sobre o reagrupamento das populações.

  • Entre os anos 1965/67, os reordenamentos da população não eram, em geral, muito discutidos no terreno, embora já se vissem esforços de alguns dos nossos militares nesse sentido, e foi até a um ou outro que pela primeira vez ouviu falar das aldeias estratégicas no Vietname.

  • Parece ser aceite que foi com Spínola, como Governador-Geral, que o plano foi implementado e estendido a praticamente todo o território.