terça-feira, 20 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2289: Antropologia (2): A literatura infanto-juvenil dos anos 40 e os estereótipos coloniais (Beja Santos)

Capa do livro de Emília de Sousa Costa, No Reino do Sol. Lisboa: Ática. 1947. Ilustrações de Ofélia Marques.


1. Texto e imagens de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70)

No Reino do Sol, é um livro deslumbrante, quer por um discurso sensível ao imaginário infantil quer pelas ilustrações, de elevado nível artistico, todas da Ofélia Marques.

Emília de Sousa Costa (1877-1959) foi uma autora de nomeada no seu tempo, tendo gozado de grande prestígio. Os seus livros foram ilustrados por artistas conceituados como Raquel Roque Gameiro, Emárico Nunes, Francisco Velença, Alfredo Morais, Ofélia Marques, entre outros.

A Emília escrevia ao gosto da época, era um fraseado para fazer deslumbrar a pequenada: "Ressoam no espaço infinito, com desusado clangor, as trombetas da Ursa-Maior, tocando a alvorada. No seu leito fulgurante de púrpura e oiro, tendo como dossel o enastrado colorido de inúmeros arco-iris, acordo a sua majestade o Rei Sol".

Ora, a autora resolve falar da Guiné. Para a autora o indígenas da Guiné têm "língua de trapos", não é a nossa doce língua portuguesa. Fala-nos na história de um casal sem filhos que procurava descendência até que surgiu Himbo-Inéné. Se a mãe falava uma "lígua de trapos" no conto passa a falar a doce língua portuguesa. Prevendo ser castigado, o menino pede ao régulo: "Sei que vais matar-me. Mas antes uma coisa te rogo: que me dês uma folha grande de bananeira, para me cobrir".

O menino desaparece e vai encontrar-se com o lobo, elefante, o tigre, o leão e a cabra (escusado será dizer que, tirando a cabra, os outros animais não existem na Guiné).

Himbo-Inéné é um meio para explicar como é que estas cinco espécies de animais passaram a viver em separado, segundo afirma o "gentío" da Guiné. Eram estes alguns dos preconceitos ou estereótipos em que foi educada a nossa geração...



2. Comentário de L.G.:

Obrigado ao Mário, homem de grande sensibilidade cultural, bibliófilo, escritor, e sobretudo amante da Guiné e das gentes, para além de nosso camarada e amigo.

A história do nosso mútuo (des)conhecimento, entre portugueses e guineenses, tem muito destas coisas: os muitos anos de convívio, ora pacífico ora belicoso, com os povos da Senegâmbia, por nossa parte - desde meados do Séc. XV - são natualmente pontuadas de coisas boas, de coisas menos boas e de coisas más...

A pior de todos foi a violência (física)... Mas também há/houve violênca psicológica, verbal, cultural... onde se incluem os estereótipos, os preconceitos, as representações que temos uns sobre os outros. Hoje, como países independentes, em pé de igualdade, numa base de respeito e de amizade, podemos olhar paras as coisas que escrevemps e dissemos - os nossos antecessdores, pais, avós, bisavós... - com outra sabedoria, com outro olhar, com outro conhecimento... Mas nós próprios - é bom não esquecê-lo - também tínhamos muitas ideias estereotipadas sobre a Guiné, a terra e os seus povos - quando lá fomos para lá, formatados e equipados para fazer a guerra...

Em sociologia e psicologia social, fala-se em estereótipos como sendo um conjunto de generalizações inapropriadas, simplistas, redutoras, acerca de um grupo de indivíduos (por ex., ciganos) permitindo aos outros (neste caso, os não-ciganos) a categorizar os membros desse grupo (os ciganos) e a tratá-los sistematicamente de acordo com as expectativas criadas: por exemplo, os ciganos são falsos, fechados, etnocêntricos, etc.; sou abordado por um cigano e julgo logo sumaraimente como façso, fechado, etnocêntrico, etc.

E a propósito dos nossos preconceitos (ou pré-conceitos) sobre a Áftica e os africanos, deixem-me evocar aqui o nosso saudoso capitão Zé Neto (1929-2007) que um ano e picos antes de morrer me escrevia o seguinte mail (em 8 de Janeiro de 2006):

Meu caro Luis: Depois de muito meditar cheguei à conclusão de que, pelo menos tu, mereces a minha confiança para partillhar contigo uma parte muito significativa das memórias da minha vida militar.

São trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só a matar pretos enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família...


Sobre a Emília de Sousa Costa, vd. sitografia (sumária):

Blog da Rua Nove > 19 de Setembro de 2007

Ecrivaines africaines lusophones / A Bibliography of Lusophone Women Writers Joanito africanista / / Emília de Sousa Costa ; ilustrações de ...

La educación femenina: una escala para alcanzar la categoría de ciudadana. Portugal y los Congresos Feministas y de Educación (1924-1928)". por: Rosa Mª BALLESTEROS GARCÍA
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post anterior desta nova série Antropologia [ a disciplina das ciências socais que estuda as estruturas e as culturas produzidas pelo Homo Sapiens Sapiens, a única espécie humana - raça, dizíamos nós até há pouco tempo - a que pertencemos todos nós: nharros, tugas, gringos, chinocas, etc... Na Europa também é sinónimo de Etnologia]:

9 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2252: Antropologia (1): A guerrilha invisível ou o Poder da Invisibilidade (Virgínio Briote / Wilson Trajano Filho)

(2) Vd. post de 30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1801: Capitão José Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68), a última batalha

Guiné 63/74 - P2288: Também não possuo a minha Caderneta Militar (José Martins)

José Martins
ex-Fur Mil Trms
CCAÇ 5
Canjadude
1968/70



1. Oportuníssima mensagem, de hoje, do nosso camarada José Martins:

Caros Camaradas:

Também não possuo a minha Caderneta Militar.

Soube que ela chegou à minha Unidade, Guarnição Normal da Guiné, porque o Furriel Amanuense falou nisso, mas não cheguei a vê-la e, sinceramente, nunca me importou.

Porém, quando tive necessidade de tirar a carta de condução (1970) era documento obrigatório, pelo que contactei o Depósito de Adidos, em Lisboa (já extinto), que me remeteu para a Unidade à qual, naquela data e após passagem à disponibilidade, passei a pertencer: Regimento de Infantaria n.º 6, no Porto, já extinto.

No momento presente, todos os elementos pertencentes aos militares, nomeadamente Sargentos e Praças do Exército a partir dos meados do século XIX, estão no Arquivo Geral do Exército, sito na Estrada de Chelas - 1900-159 Lisboa.

Assim, creio que os interessados poderão solicitar ao Director do Arquivo que lhes mande passar uma Certidão Narrativa Completa, do que constar nos arquivos.

Neste momento não sei como funciona. Parece-me que está muito burocratizado. Em tempos consegui as fotocópias das Notas de Assento do meu avô materno e de um tio paterno, ambos militares de carreira e presentes em França durante a I Grande Guerra.

Espero que esta mensagem dê os resultados que se pretendem.

Um abraço
José Martins


2. Comentário de CV:

Aqui ficam umas dicas importantes para quem queira obter documentos ou dados dos seus tempos de campanha.

CV

Guiné 63/74 - P2287: Convívios (35): BCAÇ 2905 (Cacheu, 1970/71), Chaves, 8 de Dezembro de 2007 (Jorge Santos)

Brasão do BCAÇ 2905 - Cacheu (1970/71)

1. Mensagem do nosso amigo e camarada Jorge Santos, a pedir-nos a divulgação do convívio do pessoal do BCAÇ 2905 que se realiza no dia 8 de Dezembro próximo, em Chaves, no restaurante “O Retornado”.

Para qualquer informação, contactar o nosso camarada Júlio César - Telemóvel 933 251 480 (1)

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Nota de CV:

(1) Vd. posts de:

10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1940: O dia de S. Martinho que jamais esquecerei... (Júlio César, CCAÇ 2659, 1970/71)

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1931: Tabanca Grande (24): Júlio César, ex-1º Cabo, CCAÇ 2659 do BCAÇ 2905 (Cacheu, 1970/71

Guiné 63/74 - P2286: Bibliografia de uma Guerra (24): O meu diário, de Inácio Maria Góis (CCAÇ 674, 1964/66)


Capa do livro do nosso camarada Inácio Maria Góis, O meu diário: Guiné 1964/66. Companhia de Caçadores 674. Edição de autor. Mineira, Aljustrel. 2006.

Inácio Maria Góis esteve na Guiné entre 13 Maio de 1964 e 27 Abril de 1966. Fez parte da CCAÇ 674 e pisou os trilhos de Fajonquito e Farim. Dia a dia, foi anotando o que se passava dentro dos aquartelamentos e fora deles. Viviam-se, então, os primeiros anos da luta armada e à medida que as surpresas iam ocorrendo, Inácio ia constatando que estava a participar numa guerra que não fazia sentido.

"Porque estás sempre a escrever essas simples palavras, se elas não fazem qualquer sentido", perguntava-lhe um ou outro camarada. E à medida que ia escrevendo ia descontando os dias. Foram vinte e três meses e catorze dias de vivência naquelas terras que nunca mais esqueceu, reduzidas a um diário a que mais tarde pôs o nome de O meu diário.

nota de vb: tive conhecimento de O meu diário através do Professor R. Pélissier (1), de quem viremos a falar mais para diante. Esta é uma primeira recensão bibliográfica. Esperamos voltar a falar do livro e do seu autor (2).
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Um excerto do livro:

Este diário narra parte da minha vida e da minha convivência com os meus camaradas de guerra, que comigo combateram na Guiné-Bissau, contra os guerrilheiros do PAIGC.(...)
Narra o nosso sofrimento, as nossas emoções. (...)

Por vezes, as nossas lágrimas foram difíceis de conter nas matas infernais da Guiné, entre a região norte de Bafatá e nordeste de Farim, junto à fronteira com o Senegal, onde a CCAÇ 674/63 se encontrava acantonada na pequena povoação de Fajonquito. Na zona norte e onde começou o combate a partir do dia 4 de Julho de 1964, sábado, até 30 de Março de 1966, quarta-feira...(...).


Edição do Autor
416 pgs
500 exemplares
Gráfica Mineira, Ltd.-Aljustrel
Abril de 2006
Custo do exemplar: 7,5 €

Inácio Maria Góis
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Notas de vb:

(1) Doutorado em letras, René Pélissier é um especialista em história colonial Portuguesa recente. A vasta obra publicada não abarca apenas Portugal, estende-se também a Espanha, com várias obras publicadas, tentando levar o leitor a entender as aventuras africanas e asiáticas dos povos ibéricos.

(2) Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1926: Bibliografia de uma guerra (21): Pami Na Dondo ajuda-nos à reconciliação com a guerrilha (Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P2285: Roubaram-me a Caderneta Militar (Júlio Benavente/Carlos Vinhal)


A nossa Caderneta Militar que tinha uma cor muito triste. Neste caso, a minha (CV)...

Foto: © Carlos Vinhal (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada Júlio Benavente, ex-Fur Mil da CCS/BCAV 1905, de 15 de Novembro:

Nunca se sabe o que a net nos pode dar.

Em 1990 fui de férias a Portugal (vivo nos States) e na Batalha fui roubado.

Entre várias coisas, lá foi a minha Caderneta Militar. Parece estranho, mas entre muitas coisas quiçá mais importantes, esta é a que tem mais valor para mim.

Claro que participei o roubo à GNR da Batalha.

Muitos anos já se passaram e, como a vida é cheia de surpresas, é possível que já tenha acontecido o mesmo a outros camaradas.

O que fazer? Ideias?

Julio da Silva Benavente


2. Comentário de CV:

O nosso camarada Júlio Benavente ficou sem o símbolo da sua vida militar. Lá estariam registados todos os passos que ele deu, desde a Incorporação até à Disponibilidade.

Na nossa Caderneta podem constar Unidades por onde passámos, postos, datas das promoções, louvores, punições, licenças, etc.

Para ele, que está nos Estados Unidos, longe da sua Pátria, há tantos anos, a Caderneta representava o tempo em que serviu Portugal para o bem e para o mal. Não tínhamos grande escolha, então. Nas suas entrelinhas podiam ler-se as horas de Sangue, Suor e Lágrimas. Saudades e privações de toda a ordem.

Perguntei-lhe porque razão não pedia uma segunda via, ao que ele respondeu que não seria a mesma coisa. Que interessa um segundo documento onde diz que esteve aqui, ali e acolá, se já não é o original?

Se calhar, muitos de nós nem sabemos onde está a nossa Caderneta Militar neste momento. As gavetas do tempo guardam muita coisa fora de ordem.

Se alguém achar este post despropositado, lembre-se do nosso camarada Baptista que tem sido espoliado, precisamente por lhe negarem o direito de ter uma Caderneta Militar (1).

E se alguém que acede à nossa página tivesse o Documento Militar do Júlio Benavente? Porque não devolvê-lo?

Afinal não serve a ninguém, a Caderneta, a não ser ao próprio.

CV

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Nota de CV:

(1) Vd. post de 30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2011: Vamos ajudar o António Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490/BART 3872 (Júlio César / Paulo Santiago / Álvaro Basto / Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P2284: Antologia (66): A tropa do bacalhau, na Terra Nova e na Gronelândia: uma estória de vida (Joaquim Sampaio de Azevedo)

Ílhavo > Museu Marítimo de Ílhavo > DVD: A Campanha do Argus, um filme de Alan Villiers.

Veleiro da frota portuguesa da pesca do bacalhau nos Bancos da Terra Nova, construído em 1938, o lugre Argus tornou-se mundialmente conhecido através do livro do escritor Alan Villiers, The Quest of the Schooner Argus,  bem como do seu artigo, publicado no National Geograhic Magazine, em Maio de 1952, "I Sailed With The Portuguese Brave Captains".

Houve uma edição original, em português, sob o título A Campanha do Argus: Uma viagem aos Bancos da Terra Nova e à Groenlândia, com a chacela da Livraria Clássica Editora. Em 2005 , o livro foi reeditad, com o título A Campanha do Argus - Uma Viagem na Pesca do Bacalhau, em iniciativa conjunta da Editora Cavalo de Pau e o Museu Marítimo de Ílhavo .

A campanha do lugre decorreu entre Abril e Outubro de 1950. As filmagens feitas durante essa viagem deram origem ao filme The Bankers - The Quest of the Schooner Argus - do qual existe uma edição em DVD do Museu Marítimo de Ílhavo.


Figueira da Foz > Centro de Artes da Figueira da Foz > Julho de 2006 > Foto de um trabalhador da pesca do bacalhau. Presume-se que a foto original seja de Alan Villiers.

Imagem capturada por Luís Graça (2006).



Capa da revista Ardentia, 2, 2005. Propriedade da Federación Galega Pola Cultura Marítima e Fluvial

"Ardentía é unha Revista Galega de Cultura Marítima e Fluvial como consta na súa portada desde o seu primeiro número.

"O obxectivo da revista é publicar traballos dentro do seu ámbito temático que teñán unha contrastada calidade e interese, e tentando que parte de cada número esté relacionado coa actualidade do tempo no que se pública".


1. Amigos e camaradas: Hoje falamos do pesadelo da guerra que marcou toda uma geração, a nossa geração (Índia, Angola, Guiné, Moçambique, Timor)... 

Mas há outro inferno que tem sido ignorado ou escamoteado: a pesca do bacalhau... Sabiam que um mancebo, oriundo de comunidades piscatórias como por exemplo Ílhavo ou Viana do Castelo, podia escapar à Guiné, oferecendo-se como voluntário para a longínqua pesca do bacalhau na Terra Nova ou na Gronelândia ? 

Tratava-se de trocar um inferno por outro: As condições de vida a bordo eram duríssimas e o capitão de navio era um senhor todo-poderoso... Como se pode avaliar por esta estória de vida... Confesso que sempre tive um enorme fascínio e admiração por esta gente da pesca longínqua. (LG)


Extractos do artigo A pesca do bacalhau. (autores: Ivone Magalhães e João Baptista. Ardentia. 2 (2005): 41-46.


Esta entrevista, inserida no trabalho de campo sob o tema: 'A pesca do Bacalhau, recolha oral de histórias de vida de antigos pescadores', por parte da Associação Barcos do Norte junto da comunidade de antigos pescadores do Bacalhau de Castelo do Neiva foi realizada em 7 de Fevereiro de 2005 por João Baptista e tratada por Ivone Magalhães (comentários, notas de rodapé e arranjo ideográfico a partir de um guião tipo elaborado para a entrevista).


[ Excertos da entrevista a Joaquim Sampaio de Azevedo, de alcunha O Bucha, nascido em 1939, na freguesia de Vila Nova de Anha, Viana do Castelo. Aconselhamos a leitura do artigo na íntegra.]

(...)

Com que idade começou a andar ao mar?

-Comecei a andar ao mar aqui no nosso "mar do castelo" com 14 anos. Aqui pela nossa costa.

E na pesca do bacalhau?

-No bacalhau foi com 20 anos, em 1959.

Porque é que escolheu andar na pesca do bacalhau?

-Para me livrar à tropa, naquele tempo era preciso para livrar à tropa andar 6 anos seguidos ao bacalhau. Chamava-se a Tropa do Bacalhau. Eu fugi mais à tropa por isto: Eu casei com 19 anos e aos 20 estava viúvo, vi-me assim e disse: bom! Vou pró bacalhau pra livrar à tropa. Fiz lá seis anos seguidos pra livrar a tropa. Num passei esses anos e acabou, fui enganado.

Quando acabei a tropa do bacalhau tive de fazer mais 3 anos, fui obrigado pelo Tenreiro senão ia refractário para a tropa e isso não me convinha, pois os refractários eram os que eram apanhados a fugir à tropa e davam-lhe os piores sítios de combate, era para morrerem, eram carne para canhão... por isso no fim continuei, fiz nove anos só para a tropa... Ganhava dinheiro, mais do que se estivesse na tropa mas no fim, não sei se foi boa escolha. Fiz nove campanhas e depois para ganhar mais dinheiro fiz uma viagem ao Alasca a fazer um carregamento de bacalhau.

Em que navios andou embarcado?

- Andei no navio São Gabriel seis anos, no navio Ilhavense dois anos, e no navio Sotto Maior fiz duas campanhas, dez campanhas ao todo.

(...)
Que categoria desempenhava a bordo?

- A bordo era salgador. A minha categoria era salgador, os pescadores é que iam pescar e no fim de cada faina à linha no barquinho "Dóri" ainda vinham para bordo tratar do peixe, escalar, salgar, partir cabeças, tinham que fazer de tudo. 

Mas à parte dos pescadores havia pessoal da companha que tinha uma única categoria a bordo, como os maquinistas, os electricistas, os redeiros... cada um tinha o seu emprego, havia outros, normalmente os moços de primeira viagem a que chamávamos "verdes", porque não sabiam ao que iam, que tinham como função ajudar em tudo e aproveitar nas tripas do peixe o fígado para fazer o óleo, e nas cabeças aproveitar as caras e as línguas. Num navio daqueles cada um tinha a sua função, cada um tinha o seu emprego.

(...)

Como era a vida a bordo?

- A vida a bordo era trabalhar, passar fome e ser maltratados.

E a nível de camaradagem entre os pescadores?

- Os pescadores davam-se todos bem uns com os outros.

E com o Capitão como era o relacionamento?

- Nós tínhamos de nos dar bem senão o capitão mandava-nos prender. Só nos ameaçava com prisão, com cadeia.

Tem conhecimento de alguns que tenham ficado presos a bordo?

- Atão! Só num navio que eu andei e numa só viagem de uma vez foram 7 presos a bordo. Só por reclamar do comer.

(...)

Cuidados de Higiene e Saúde?

- Banho, nunca soubemos o que era tomar banho nesses seis meses que durava cada viagem.

(...)

E alguma história que o tenha marcado?

- Outras historiais que me lembre?... Bem... Muitas. Morrer homens no nosso navio só
morreram dois, afogados, perderam-se e desapareceram com o mau tempo, dizemos que se afogaram, mas nunca mais ninguém os viu... e o mais era quando os navios iam ao fundo, ardiam, estavam velhos.

(...)

Em jeito de conclusão o que nos diria?

- Dizia que ainda bem que hoje as coisas são diferentes. A pesca ainda é dura mas os riscos são menos e as pessoas já são tratadas de outra maneira. São tratadas
como pessoas. Naqueles tempos éramos tratados como animais.


Fonte: Ardentia, 2, 2005, pp. 41-46. (com a devida vénia...)

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2283: Bibliografia de uma guerra (23): Lançamento do livro de Cesário Costa, Morto por Te Ver (José Martins)

1. O nosso camarada José Martins, sempre atento a este tipo de eventos, enviou-nos o seguinte mail:

Caros Camaradas:

Agradeço que publicitem o lançamento do Camarada Cesário Costa, que esteve em Angola entre Agosto de 1967 e Outubro de 1969, como Operador Cripto da CCAÇ 1738, formada no BII17.

São cartas pessoais, as possíveis na altura, descodificadas quase quarenta anos depois.

Convite em anexo ou na página Afrontamento na área lançamentos.
José Martins


Convite, bem conseguido, em forma de telegrama, que tantas notícias portava, boas e más. Desta feita dá conta de um feliz acontecimento


Como a imagem do convite não é perceptível por ter sido copiada a partir do formato PDF, aqui fica o respectivo texto.

CONVITE

As Edições Afrontamento e a Câmara Municipal do Porto têm o prazer de convidar V.Exa. para a sessão de apresentação do livro de Cesário Costa

MORTO POR TE VER
Cartas de um soldado à namorada (Angola, 1967-1969)



A sessão tem lugar no dia 24 de Novembro, pelas 16 horas no Palácio Visconde de Balsemão, Praça Carlos Alberto, 71 - Porto.

A obra será apresentada pelo Professor Hélder Pacheco.

Haverá um momento musical (voz e guitarra) com a participação de Maria Amélia Oliveira e David Ferreira.


Pequena nota biográfica:

António CESÁRIO Guedes da COSTA, natural de Vila Nova de Gaia, é autor de outro livro com o título Memórias da Memória, lançado pela Editora Ausência.

Depois de ter passado pelo BC10 (Chaves), RAL4 (Leiria) e CHERET (Trafaria), foi mobilizado para Angola, onde esteve entre Agosto de 1967 e Outubro de 1969, incorporado na CCAÇ 1738 formada no BII17 (Ilha Terceira), como Operador Cripto.

José Martins

Guiné 63/74 - P2282: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (7): A revolta do pessoal da geração de 1961/66 (Santos Oliveira)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317, BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana 1968/69) > Um espaldão de morteiro 81. Não temos aqui falado muito dos nossos camaradas de armas pesadas de infantaria... Curiosamente, o fundador do nosso blogue tirou essa especialidade que nunca chegou a exercer... no TO da Guiné. (LG)

Foto: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.

1. O nosso camarada e amigo Torcato Mendonça acaba de reenviar, para o blogue, a mensagem que recebeu, ontem , do Santos Oliveira, que foi Sargento Miliciano Apontador de Armas Pesadas de Infantaria, Pelotão de Morteiro 912 (Guiné, 1964/66)


Caro companheiro:

Acabo de ler o teu comentário no “post” [de 1 de Novembro de 2007], Guiné 63/74 - P2234: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (5): Os bons, os maus e os vilões (Torcato Mendonça)

Tens a minha concordância, o meu louvor e o meu apoio incondicional.

Sou um principiante na Net, pelo que apenas quero agradecer-te, em nome dos da minha geração (talvez), a clareza que colocaste no teu comentário; é que das classes de 61 a 66 (mais os de 61 a 64), pouquíssimos camaradas disseram de sua justiça. Pelo menos, não são muito visíveis (como eu).

Saí de Tite por 3 meses e passei 9 na Ilha do Como (após a OpTridente), mais 4 em Cufar. A minha Unidade (???) foi o extinto Pelotão de Morteiros 912 (adido ao BCAÇ 599, Tite) e regressei a Tite ao BCAÇ 1860; não consta que o Pel Mort 912 saísse do BCAÇ 600, ou mesmo que tivesse tido um Pel de Mort, como se diz.

Sou Sargento Mil A.P. de Inf (Tirocinado Ranger), do extinto Pelotão de Morteiros 912, Guiné 64/66. Chamo-me: Santos Oliveira.


Contactos:
Rua do Rochio, 94 – Vilar do Paraíso
4405 VILA NOVA DE GAIA
Tel.: 227112117 e 914001255
Correio electrónico: santosoliveira912@gmail.com

Aproveito para te desejar um óptimo e Feliz Natal, como a todos os Camaradas.

Um abraço, do
Santos Oliveira

2. Comentário dos editores:

Santos:


És bem vindo à nossa Tabanca Grande, e ainda para mais pertencendo tu a uma camada, mais velha, da chamada geração da guerra colonial... De facto, a malta de 1961/66 está menos representada no nosso blogue... Em número, não em qualidade...

Podes pertencer à nossa tertúlia, juntando aos teus elementos de identificação (que tiveste a gentileza de nos mandar) mais duas fotos (digitalizadas, em formato.jpg), uma do teu tempo de Tite e do Como e outra actual...

Já agora, e como é da praxe, escreve mais umas tantas linhas sobre o teu Pelotão, a tua actividdade operacional, a Operação Tridente (1), os teus camaradas, a Guiné do teu tempo, etc. Se tiveres fotos e/ou estórias de Tite, manda, que é raro aparecerem referências a essa terra onde, oficialmente (segundo o PAIGC e as autoridades portuguesas da época), a guerra começou, a 23 de Janeiro de 1973 (2)...

_______

Notas dos editores:

(1) Sobre a Operação Tridente, pdoes ler (se ainda não leste) os textos que publicámos em primeira mão do sargento comando Mário Dias que esteve contigo no Como:





Guiné 63/74 - P2281: Estórias de Bissau (13) : O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339,(1968/69) > No final da comissão, em Novembro de 1969, o "autocarro do Amor" está pronto a deixar o "campo fortificado de Mansambo", como lhe chamavam os guerrilheiros do PAIGC, e embarcar no Uíge de regresso a casa...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339,(1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça, ao centro, num dos abrigos subterrâneos do aquartelamento, onde as fotos as estrelas de cinema (Catherine Deneuve ?) ajudavam os jovens, nos seus verdes anos, a alimentar e a sublimar o ardente desejo... de viver! Com Lisboa e o Porto, tão longe... e Bissau (1) pelo meio, mas só para alguns privilegiados....


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga> CART 2339,(1968/69) > No início da comissão, nos dias tranquilos, um guerreiro devidamente ataviado... E ainda havia, escondida, na camisa, a Manelinha, a 6.35, que fez jeito (ou melhor, deu alguma tranquilidade...) numa certa noite no Pilão, a oito dias do embarque no Uíge... É uma bela estória, Torcato! Se não a constasses, os teus filhos, os teus amigos, os teus camaradas, ficariam privados do conhecimento desta tua escapadela ao Pilão... e do prazer da tua escrita.

Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.

1. Texto do Torcato Mendonça. Enviado do Fundão com a nostalgia própria de um domingo outonal, 18 de Novembro de 2007.

Meu Caro aí vai o resto [da estória] do Pilão. Ao lado, a RTPN mostra A Guerra, em repetição. Que dizer? Digo boa noite ou bom dia…

Um dia falo disso, dos Estudos Ultramarinos, do Prof. Adriano Moreira, outras vidas de minha vida…


Um abraço,

Estórias de Bissau ( ) > O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô
por Torcato Mendonça


(i) Rotinas


Pela manhã ligar o computador, tomar o pequeno-almoço e voltar para espreitar o Blogue. Rotinas.

Hoje dez fotos, recentes, a mexerem comigo e certamente mais nos que por aqueles locais passaram. Trouxeram-me, não prazeres da memória, mas só, isso sim, memórias de um passado distante.

Sentei-me à mesa, com caneta, bloco e escrevo, como sempre ao correr da pena, nesta manhã fria, neste domingo com o Sol a entrar pela porta entreaberta da varanda aquecendo-me, a mim e ao Pluto, com os seus raios do calor de Outono. Ao fundo a Serra da Gardunha, o Monte de S. Brás e Alcongosta – capital da fruta – envoltas pela leve neblina do levantar da geada e orvalho.

Mais ao alto, muito mais alto, num céu muito azul, traços deixados por dois aviões, um vindo o outro indo para Lisboa. Cidade que foi Capital, dizem, de um Império glorioso. Paro em breve reflexão e abano a cabeça em discordância. Continuo a olhar o céu azul e o traço de dois, e mais um, três aviões, certamente a caminho dessa Europa ou sei lá.

Imagino viagem para terra distante. Para a Guiné? Porque não rever aquela terra, as suas gentes, sentir o calor e, nesta época, talvez ainda a chuva. Cumpriria assim a promessa feita em Amedalai, quando do regresso ao meu País. Eu volto. Nunca o fiz. Certamente não o farei. Sinto uma certa mágoa, um certo aperto no peito, uma vontade de voltar aos verdes anos. Hoje, já velho, iria em busca de outros velhos e velhas, mas em paz ou a acertar contas com ela, finalmente. São recordações de prazer e tormento. Fico aqui. Vou sempre ficando aqui, em tempo cada vez mais curto. Paro novamente. Sinto a tristeza do desejo não realizado e a solidão a entrar. Só. É isso, só. As dez imagens, o recordar outras, deixaram-me só.

Se passar à tecla e enviar aproveito para fazer a declaração de voto. Porque não recordar Bissau e o Pilão ? ! Agora não. Vou beber mais um café.


(ii) Declaração de voto

É difícil, muito difícil, pensar hoje como nos meus verdes anos. Regredir quarenta anos não é fácil. Depois, o medo de errar no relato dos factos ora passados. Hoje vejo tudo de forma diferente. Só que os relatos feitos são os do passado e analisados como tal. O ter durante tanto tempo recalcado na memória, bem lá no fundo, tudo isso não dará uma deformação ou erro ao relato actual? Assumamos contudo o que escrevemos hoje. Objectividade, honestidade e, sempre, a tentar relatar o que efectivamente aconteceu.


Difícil responder á sondagem sobre o Pilão!

Não sei se o azeiteiro, chulo ou proxeneta, não terá razão, ao avisar para os perigos da noite no Pilão. Todos, ou praticamente todos, os que passaram pela Guiné deram uma volta pelo Pilão. Qualquer graduado pediu aos militares que comandava para, no Pilão ou noutro lugar da “noite guineense”, terem cuidados redobrados. Desde que se seguissem as regras elementares, próprias daqueles “locais”, o perigo era menor. Todos conhecem as regras, a maioria visitaram cá em Portugal locais de diversão nocturna. Essas regras são estabelecidas pelos donos da noite.

É difícil votar em N/ discordo, N/concordo…. Voto em Discordo. Até porque não gosto de meias tintas e muita gente do Pilão e de outros Pilões são gente boa, igual á que habita por tanta cidade com a “noite”, ali ao lado.


(iii) Bissau e o Pilão


Bissau foi para mim uma cidade de passagem. Chegadas e partidas de e para a Metrópole e uma vinda até ao Hospital Militar. Ao todo, cerca de oito chegadas e partidas que certamente não totalizaram mais de quinze ou vinte dias de estadia. Não sei ao certo. Nesses dias confesso que procurei “viver”. Mas o que era viver numa cidade daquelas? Comer, beber e beber, ter encontros e fazer as visitas possíveis. Visitei pois o Pilão, o bordel, o hotel, a pensão, o quarto particular, o café, o restaurante e até, em Santa Luzia, a piscina.

Conheci gente boa e recomendável, gente, dita, menos boa e não recomendável. São factos que a todos aconteceram. Uns contam-se, outros ficam no arquivo da memória. Um do Pilão, quase no fim da comissão conto; de Santa Luzia, não.

Só um breve relato, certamente aconteceu a muitos, algum ou alguns desejos loucos. Já no fim da comissão tinha dois desejos: comer uma sandes de fiambre e manteiga, acompanhada com uma Cola gelada e depois beber um café duplo… lentamente. O outro era passar debaixo da Ponte do Tejo – 25 de Abril, hoje, pois nessa altura, era Salazar.

Levanto só um pouquito de outre desejo… comer uma branca…ponto!

Satisfiz os desejos?! Razoavelmente. O pão da sandes era bera e não vi bem a parte debaixo da ponte… Era arruivada… a ponte claro… por debaixo.


(iv) O Pilão em Novembro de 69

Bem. Fica para amanhã ou num outro dia qualquer. Nem só o sujeito dos conselhos era chulo. Este, o que me calhou na “rifa” no Pilão, tratava da vidinha por dez réis. Quantos, bem colocados, não a tratavam por milhares?

(…) Em finais de Novembro de 1969, vim para Bissau à espera do embarque. Devido ao Capitão L. Henriques ter menos tempo de comissão e o Alf Cardoso (2º Cmdt) estar no Hospital Militar, doente – felizmente esperava-nos em Lisboa – fiquei eu a comandar a Companhia.

Todos os dias, pela manhã, tinha que aturar o 1º Clemente com a papelada. Depois ia de jipe ver os militares e tratar de vários assuntos. O condutor, bom conhecedor de Bissau, encurtava viagem atravessando o Pilão. Eu ia vendo, fixando lugares e, confesso, ia sempre armado e atento. Foi isso que talvez me tenha safado, no mínimo de levar uma valente tareia, dias depois. Mantive esse costume.

No verão quente de 75, mesmo antes e depois, quando atravessava o Alentejo era mandado parar muitas vezes. Revistado por GNR, aprumados militares e civis, grandes defensores dos valores revolucionários e democráticos. Enojava-me. Só abri a boca, se bem me lembro, duas vezes. Uma para dizer a um GNR:
- Cuidado, esse saco tem fraldas com caca do meu filho… - E.a outra para “pedir” a um oficial, barba e cabelo grande, farda em desalinho:
- .Respeite o uniforme que enverga. - Olhou-me e calou-se. Nunca viram que eu estava armado. Mas que tem isto a ver com o Pilão? Pouco ou nada, a não ser o andar armado.

A tarde ou o fim dela, ficava livre para passear por Bissau. Eram horas então de lanchar/jantar nos lugares habituais. Ostras, camarão, mais um sólido ou outro e muito líquido. Seguia-se a digestão com auxílio de uísque e ida aos lugares de todos conhecidos. Um deles era A Meta. Ainda não ouvi aqui referência a ela. Não se entrava fardado, tinha uma pista de carros e pouco mais. Era do Viriato, ex- Fuzileiro ( como o meu amigo Sargento Fuzileiro “Piçarra” – alcunha devido a cantar bem – o nome era Ludgero e estava talvez na terceira ou quarta comissão). Outras vidas.

Em noite de bom consumo de bebida, acompanhado de dois amigos, fomos até ao Pilão. O taxista largou-nos junto a um dancing ou night-club qualquer. Por ali andei e, como a música não me agradava, vim apanhar ar. Aproveitei um táxi que largava”malta”. Pedi ao taxista para me levar onde houvesse uma cabo verdiana. È já perto. Parou pouco depois, saiu e voltou rápido. Tudo certo. Paguei bem a “corrida” e lá fui. Era jeitosa a Nônô. O resto foi o normal. Só que eu queria ficar mais um pouco, ela a dizer ser tarde e a ficar inquieta. De repente batem forte à porta. Ela olha-me a tremer. Sentei-me na cama, os últimos restos de álcool evaporaram-se. Puxei para junto de mim a cadeira onde estava a roupa. Pus a mão na camisa. Ela abriu a porta a um furacão. Um chulo branco.
- Que raio é isto ? - vociferou o matulão - Veste-te e desaparece.
- Ia já, respondi-lhe.

Puxei a camisa e poisei as mãos na Manelinha (a 6.35,e coitada) e na Zézinha (faca com cerca de palmo e pouco de bom aço). O tipo olhou-me. Fundiram-se olhares de ódio ou de bestas. Ele foi-se, batendo fortemente a porta. Ela estava aterrada. Vesti-me e pedi-lhe:
- Baixa a luz do candeeiro e abre a porta.

Sabia que havia, frente à porta uma vala funda e um pequeno passadiço. Só depois estava a estrada.

Ela abriu, a medo, a porta. Empurrei-a para a rua e saltei, baixo, para o lado. Esperei pouco. Vim rua abaixo, coração a bater e sentidos alerta, pensamento a dizer-me:
- Parvo, a menos de uma semana do embarque.

Estrada com candeeiros de luzes fracas e postes muito distanciados. Aparece um mercado à esquerda e à direita vislumbro dois ou três tipos. Sinto que me olham. Sei onde estou e a estrada, Santa Luzia/Bissau estar logo ali. Chego lá rápido e espero pouco. Ao fundo vejo luzes de uma viatura. Quando se aproxima salto para a estrada com braços ao alto. Pára um jipe, com dois militares. Meto a mão ao bolso e identifico-me. Estava à civil e a custo levaram-me.

Voltei a Santa Luzia na carrinha que parava, salvo erro, próximo da Amura.

No outro dia depois do almoço vim, como era habitual, estar com a Companhia. Descobri a casa dela. Pedi para parar e fui lá. Bati à porta e ela abriu. Olhou-me admirada e recuou. Entrei e acalmei-a.
- Desculpa o empurrão. - Conversamos e fizemos as pazes. Voltei lá mais vezes.

Ela disse-me quem ele era. Encontrei-o junto ao táxi. Reconheceu-me e ficou expectante. Eu tinha as mãos nos bolsos. Sorrimos, porque compreendemos o ridículo da situação.

Falamos e disse-me ter ficado em Bissau a tratar da vidinha. Cá, em Portugal, não tinha grandes hipóteses. Prometeu, em palavra de chulo, não voltar incomodar branco. Ainda utilizei o táxi e bebemos um copo.

O resto arquiva-se.

Poucos dias depois, a 4 de Dezembro de , embarquei. Entrei no barco com medo de me virem buscar para a Comissão Liquidatária. Só pedia:
- Desatraca e anda, Uíge dum cabrão!… - E partiu finalmente.

Ficou o Capitão, para agrado dos Sargentos, a tratar da papelada. Coisas de profissionais.

___________

Notas dos editores:

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosismos (Sousa de Castro)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1391: Estórias de Bissau (9): Uma noite no Grande Hotel (José Casimiro Carvalho / Luís Graça)

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

(2) Vd. posts de:

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2272: As nossas (in)confidências sobre o Cupelom, Cupilão ou Pilão (Helder Sousa / Luís Graça)

14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P2280: Blogoterapia (35): Freedom first, not security... Primeiro, a liberdade e depois a segurança... (Manuel Lema Santos)

1. Mensagem do Manuel Lema Santos, que é um querido camarada da Marinha, ou melhor da Reserva Naval (1):

Estimados Tertulianos e ex-Camaradas,

A função tempo não perdoa e, infelizmente, não cresce quando necessário. Neste caminho perdi claramente o fio à meada e não tenho acompanhado, como gostaria de fazer, a pedalada do nosso Blogue mas as pessoas têm de fazer opções e eu assumo as minhas.

Entretanto, também decidi simplificar algumas coisas da minha vida profissional nas quais incluo os endereços de correio electrónico. Gostaria que alterassem o meu e passassem a utilizar este de onde envio a mensagem:
mlemasantos@gmail.com

Tenho tido bastantes problemas com o lixo dos servidores da Telepac e estou a diligenciar mudar de operador. Já agora, pedia o favor de o comunicarem, aos restantes elementos da Tertúlia uma vez que tenho a minha lista de endereços mais que desactualizada e até incompleta.

Aproveito, porque li a mensagem do Jorge Tavares (2), para manifestar a minha opinião sobre o assunto e já muitas vezes o fiz quer particularmente quer em até artigos de opinião.

A Internet é um meio único de comunicação, pesquisa, registo, interacção, etc.
Protegê-la sim (todos se devem preocupar com esta vertente), limitá-la nunca, muito menos em comunidades abertas como o fenómeno Guiné em que é desejável que todos os que passaram por aquela vivência possam comunicar com todos os que estão nas mesmas condições ainda que, por opção pessoal ou outra, normalmente até nem o façam.


Tal como a liberdade, limitá-la é uma situação que deve ser devidamente ponderada e avaliada em função dos riscos para a própria Comunidade, que se deseja aberta e universal no debate e troca de ideias.

Não representará directamente o princípio de uma indesejável e mal amada hierarquização da própria comunicação entre tertulianos, filtrando?

Afinal a Tertúlia não se destina a fomentar a Comunicação, Diálogo, efectuando troca de Relatos, Acontecimentos com a finalidade de reescrever a História vivida pelos próprios Tertulianos na Guiné?

Vou regredir no tempo e no espírito com que aderi, partindo do princípio de que não devem comunicar comigo suportando o conceito numa ameaça velada de que o meu endereço de correio electrónico pode vir a ser indevidamente utilizado?

A comunidade de ex-combatentes da Guiné merece melhor!

Um abraço para todos,
Manuel Lema Santos

2. Comentário de L.G.:

Ou não será Armindo Batata, em vez de Jorge Tavares ? Julgo haver aqui uma confusão, ou por minha parte ou parte do Lema Santos. Eu julgo que ele queria referir-se ao Armindo, que nos mandou em 25 de Outubro último, uma mensagem anti-SPAM:

Caros camaradas: A generalidade das mensagens de email que recebo dos membros da tertúlia, contêm os endereços de todos os outros. Os profissionais das listas de email chamarão a estas mensagens 'um figo'. Em consequência, a quantidade de SPAM vem aumentando de forma perfeitamente inusitada. Sugiro que coloquem os endereços em CCo ou BCC de forma a circularem invisíveis na Rede, como está a acontecer com este email que está a ser lido por todos os membros da tertúlia.

Obrigado
Cumprimentos
Armindo Batata


Eis a minha resposta, passados alguns dias (29 de Outubro)... Ao mail dele, eu respondi, ao Armindo, nos seguintes termos:

Armindo:

Tens toda razão... A malta só que tem que actualizar, periodicamentre, a lista de endereços que vai crescendo todas as semanas... Lamento que tenhas decidido sair da lista, mas entendo a tua preocpuação com a
security, first... Este mail vai ser lido por ti e pelo resto da Tabanca Grande, uma vez que estou a usar o Cco (ou BBC, em inglês) para ocultar os nossos endereços... De qualquer modo, estes estão visíveis na página da nossa tertúlia... Quem tem caixa de correio no Gmail, pode sempre denunciar como Spam todas as mensagens suspeitas e/ou indesejáveis. Um Alfa Bravo. Luís


Estou inteiramente de acordo com o Lema Santos: Primeiro, a liberdade, depois a segurança... Alguns procedimentos, simples, devem ajudar-nos a protegermo-nos contra o SPAM, os hackers, os provocadores, os inimigos da liberdade, etc... Mas não entremos em paranóia... Como na guerra, ontem, a sabedoria, o bom senso, a frontalidade e a camaradagem são meio caminho andado para a sobrevivência e o sucesso de qualquer indivíduo ou grupo... Afinal, o nosso objectivo comum é... comunicar uns com os outros (Etimologicamente, do latim communicare, pôr em comum, partilhar...).

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd.posts do Manuel Lema Santos:

13 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1842: 10 de Junho: Nós também estivemos lá (A. Marques Lopes / Lema Santos)

21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1665: Operação Larga Agora, Tancroal, Cacheu, local maldito para a Marinha (Parte I) (Lema Santos)

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema

7 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1571: A Operação Larga Agora, o Tancroal / Porto Batu e as cartas náuticas do Instituto Hidrográfico (Lema Santos)

11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

domingo, 18 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2279: Bissorã: As rondas nocturnas (Rui Silva, CCAÇ 816, 1965/67)

Guiné > Região do Óio > Bissorã > CCAÇ 816 > Foto 1: Furriéis da 816 à porta da sua casa em Bissorã – Julho de 1966.

Guiné > Região do Óio > Bissorã > CCAÇ 816 > Foto 2 > Furriéis da 816 numa rua de Bissorã – Julho de 1966 ( Ludgero, Rui Silva, Vieira, Baião, Martins e o Silva - este falecido em combate em Agosto seguinte, na estrada do K3).

Guiné > Região do Óio > Bissorã > CCAÇ 816 > Foto 3 > À porta de uma morança furriéis da 816 - Julho de 1966.

Guiné > Região do Óio > Bissorã > CCAÇ 816 > Foto 4: No Campo de futebol do Atlético de Bissorã uma equipa da 816. Eu seguro a bola - Agosto de 1966.

Guiné > Região do Óio > Bissorã > CCAÇ 816 > Foto 5 > Ao almoço na casa de pasto do Sr. Maximiano, em Bissorã, Agosto de 1966: De pé, o Vieira (o açoreano da Terceira) e o Fontes; sentados e da esquerda para a direita, o Doutor, o Baião, o Coutinho, o Belchior, o Carneiro, o Domingues (de garfo na boca) e eu.

Fotos e legendas: © Rui Silva (2007). Direitos reservados.


1. Texto de Rui Silva, ex-Fur Mil,
CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa
1965/67),
e que vive hoje em Vila da Feira (1).
Enviado em 4 de Maio de 2007 .

Assunto - Das rondas nocturnas em Bissorã. Que pincel!!!

À noite em Bissorã havia ronda. Alternávamos com a outra Companhia - a [CART] 643 dos Águias Negras - , isto é, um dia pertencia a nós fazê-la, outro pertencia a eles.

Era um prato pouco pretendido, pois a ronda, que era feita aos postos de sentinela exteriores, alguns ainda bastante longe do quartel, eram feitos sempre no mesmo itinerário todos os dias e sensivelmente à mesma hora.

Esta rotina era um acicate para o inimigo nos preparar alguma emboscada, como aliás ia acontecendo certa vez.

Estes postos de sentinela eram feitos pelos nativos das milícias, que sempre, e ainda bem, se mostravam vigilantes e denotavam raro destemor. Metia impressão o isolamento destes: um homem só na escuridão da noite, atrás de uma árvore,… com uma Mauser!

Todas as noites faziam esta ronda dois grupos: um das 21 horas até às 2 da madrugada, e o outro a partir desta hora até ao alvorecer. Cada grupo era constituído por 2 soldados, um cabo, um furriel, este na qualidade de comandante da ronda, para além ainda do condutor do jipe.

O roncar da viatura fazia-se ouvir, inevitavelmente, no silêncio da noite, o que nos fazia desesperar, pois para além de nos tirar a hipótese de possivelmente detectarmos algum movimento inimigo, concomitantemente alertava este da nossa presença. Acontecia muitas vezes pararmos a viatura e o motor desta, sempre que alguém dizia ter ouvido qualquer coisa. Nestas alturas ficávamos petrificados, silenciosos, com o dedo no gatilho ou na argola da granada de mão tentando ver (e/ou) ouvir mais do que era humanamente possível.

De olhos extasiados e entreolhando-nos, aguardávamos assim uns segundos, prontos a saltar da viatura numa fracção de segundo, caso o inimigo atacasse.

Depois de concluirmos que o ruído, se o houve, foi provocado por qualquer animal dos muitos que abundam naquelas paragens ou até pelo vento que sibilava no capim, o condutor punha novamente a viatura em marcha. Era tudo automático. Não era preciso falar.

Éramos cinco mas parecia estarmos ligados à mesma mola. O coração deixava então de bater tão fortemente, os músculos descontraíam-se e a ronda prosseguia. Era uma jornada bastante temerosa esta da ronda pois, uma vez isolados do quartel, em plena obscuridade da noite, em terreno muito estranho, tínhamos a plena consciência que o inimigo, com mais ou menos dificuldade podia abafar uma ronda. É certo que havendo tiroteio, logo (…) surgiriam reforços do quartel, mas o certo, é que o inimigo, em tais circunstâncias, não precisava de muito tempo para aniquilar uma ronda.

Preferíamos uma operação no mato, mesmo das mais difíceis, do que aquele biscate. O jipe baloiçava muito sempre que entrava em terreno acidentado o que acontecia para se chegar a certos postos de sentinela. Era muito incomodativo, pois por vezes dava a sensação de ir virar o que fazia-nos mesmo desequilibrar dentro da viatura.

Outros postos, no entanto, eram de acesso mais ou menos fácil. Estes eram por coincidência, ou talvez não, os mais temerosos, aqueles virados à mata do Oio.

Era a estrada para a pista, ou seja aquela com continuava para Maqué e Olossato; era a que dava par Mansoa, e por fim a que dava para Mansabá, esta no entanto já muito acidentada também, muito escura durante largas dezenas de metros, marginada por alto e denso capim o que nos obrigava a redobrar de atenção. E a base de Morés ali tão perto…

Aqui o instinto aconselhava a pôr um dedo na argola da cavilha da granada. Seria uma fracção de segundo o accionar da granada e essa fracção de tempo ganha, naquela situação, podia dar muito a ganhar no confronto. Muitas das vezes cheguei a segurar uma granada na mão esquerda e com o dedo indicador da mão direita experimentar a pressão da cavilha.

Para a estrada para Barro e para a outra banda também; aqui atravessávamos a ponte do rio Armada.

É com alguma emoção que descrevo as rondas nocturnas de Bissorã, e sinto mesmo algum suor frio percorrer o corpo, dada a temorosidade de tal operação. Ainda hoje me interrogo, e dado que o inimigo conhecia por certo todos os nossos passos, ou Bissorã não estivesse cheia de espiões, como é que as rondas não eram atacadas.

No entanto, enquanto estivemos em Bissorã, não houve qualquer percalço com a ronda a não ser uma vez e por circunstâncias nada tendo a ver directamente com a guerra, que um condutor menos cuidadoso, não viu a quantidade de gasolina que tinha no "jeep" antes de sair do quartel, e o Sargento Silva e os seus homens tiveram que andar a empurrar o jipe ainda a uma boa distância do aquartelamento.

2. Comentário dos editores:

Rui, vais desculpar o atraso de meses, na publicação deste teu texto, mas também tu foste vítima da nossa reestruturação editorial... De qualquer modo, o teu mail e as tuas fotos não se perderam,como vês. Volta sempre.

Um abraço dos editores, Luís, Carlos e Virgínio.

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Nota dos editores:

(1) Vd. posts de:

13 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2103: Gente do Olossato (Rui Silva, CCAÇ 816, 1965/67)

3 de Junho de 2007> Guiné 63/74 - P1810: Convívios (14): CCAÇ 816 (Oio, 1965/67), em Joane, Famalicão, em 5 de Maio de 2007 (Rui Silva)

3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1809: Base do PAIGC, em Iracunda, Oio: Eram quatro horas e meia da madrugada... (Rui Silva)

30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1711: Tertúlia: Apresenta-se o Fur Mil Rui Silva, CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67)

Guiné 63/74 - P2278: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (1): A triste sorte do sapador Quaresma... morto por aquela maldita granada vermelha

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 716 (1970/72) > Abrigo onde estavam alojados a maior parte dos furriéis da companhia. Na foto, o David, cronologicamente o nosso tertuliano nº 3...

Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > O Fado da Guerra ou... das Minas e Armadilhas ? Os Fur Mil Guimarães (tocando viola) e Quaresma, sapadores...
Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Os Fur Mil Guimarães e Quaresma, sapadores, junto ao abrigo de sargentos.
Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.


Texto do David J. Guimarães, ex-furriel miliciano da CART 2716 (Xitole, 1970/1972). Originalmente publicado em 10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez' (David Guimarães)


Estórias do Xitole (1): A morte do sapador Quaresma...

por David Guimarães


O RAP 2 (Gaia) semppre fez parte da minha família



Sempre me preocupei, durante a guerra, em contar cá para a Metrópole (era assim que então se dizia) não propriamente as peripécias da nossa vida militar mas as coisas mais belas que encontrava na Guiné: os mangueiros carregados de mangas, os milhares de morcegos que povoavam o céu ao escurecer e ao amanhecer e que dormiam nas árvores, os macacos, as galinhas de mato, etc.

Eu achava que deveria poupar a minha família e que esta não teria que ouvir e até viver a guerra em directo: bastava para isso o sofrimento de saber que eu andava por lá...

Foi assim que eu senti e vivi a guerra. Lembro-me um dia, quando alguém me disse:
- Guimarães, este batalhão [BART 2917] vai para a Guiné (ainda estávamos no RAP 2 em Gaia). E eu exclamei:
- Ainda bem, é a província mais próxima de Portugal para vir de férias...

Não será aqui o sítio certo para falar do RAP 2. Mas na minha vida pessoal foi um marco importante. Foi de lá que foi mobilizado o meu pai, militar de carreira, para ir servir em França… na 1ª Grande Guerra (Ele nasceu em 1893 e eu nasci quando ele tinha 54) (1). É de lá mobilizado o meu irmão que parte, com o BART 525, para Angola e sou eu mobilizado, no BART 2917, para servir na Guiné...

Ironias do destino ou coincidências de graus de parentesco... É que, entre o meu irmão e o meu pai, também é mobilizado para África um primo meu, em 1º grau. Não há dúvida, aquele Regimento entrou na nossa casa, muito antes de eu ter nascido... Se fosse isto um romance serviria para dizer que a minha existência como que começou ali. Mas isto é outra história que, não sendo menos curiosa, não vem agora a propósito...


O soldado Almeida: a nossa primeira baixa


Uma noite, no início da comissão no Xitole, ainda estava eu de serviço, de sargento de dia... O Leones, furriel miliciano, meu camarada, informa-me:
- Guimarães, um teu soldado está mal…

E estava mesmo: quando lá cheguei vi a equipa de enfermagem em volta dele mas já nada havia a fazer... O soldado Almeida tinha morrido no seu posto de sentinela, fulminado por um ataque... de coração!

Foi a nossa primeira baixa. No dia a seguir chega um médico à Companhia e lá vai autopsiar o Almeida... Confirma o óbito: enfarte do miocárdio. Assina: Alferes miliciano médico Horta e Vale. Curioso, este médico (quem o conheceu teve sorte, contava cada história!), hoje é um distinto médico dentista da Clínica da Circunvalação, aqui junto à cidade do Porto.

Bem, nada como pegar no pessoal mais chegado, eu era um deles, pois o Almeida era meu soldado (meu, e aí surge o termo militar de posse, meu). Mas como dizia, aquando da evacuação - e tudo foi rápido, mesmo! - aí fomos nós fazer patrulhamento para as zonas próximas de Seco Braima [vd. mapa do Sector L1, Zona Leste]. Nos céus do Xitole levantava um helicóptero e lá levava o Almeida: tinha adormecido no seu posto… Para sempre.... Deus o guarde!






Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BART 2917 (1970/72) > Monumento aos mortos do batalhão e unidades adidas (este monumento foi destruído a seguir à independência da Guiné-Bissau). O Fur Mil Quaresma e o Sold Almeida pertenciam à CART 2617.

A vida lá volta à rotina, os patrulhamentos, as acções psico e a ida à Ponte dos Fulas... Ui, aqueles 3 a 4 Km que todos os dias eram picados e onde se ia sempre levar os géneros!... A Ponte dos Fulas, onde fiz o primeiro mês da minha comissão, a Ponte dos Fulas!...

Era o local onde efectivamente o repouso era enorme, mas cansativo. Ali é que não havia ninguém a não ser o pelotão de serviço... Comia-se, bebia-se e mais nada, além da missão de vigilância permanente, que consistia em guardar aquela ponte de origem militar sobre o Rio Pulon...


Era uma vez um granada instantânea com fio de tropeçar

O aquartelamento do Xitole estava bem minado em seu redor. Do lado da pista de aviação, tinha eu mesmo montado um poderoso fornilho às ordens do capitão. Esse fornilho era comandado do abrigo dos furriéis (vd. foto onde estou eu sentado em cima de um bidão). De resto todo o terreno à volta estava semeado de minas A/P m/966 (2)...

Para a protecção total e permanente do aquartelamento no Xitole só faltava um ponto por armadilhar: a estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho... Os ex-combatentes da CCAÇ 12 conheciam-na bem e sabiam onde era a casa de Jamil Nasser, um comerciante libanês que vivia no Xitole (*) ... Pois era exactamente ali, naquela rampazinha que dava acesso ao aquartelamento.

Resolveu-se então que todas as noites essa entrada do quartel fosse armadilhada... Essa operação era sempre feita ao cair do dia. O material era simples: uma granada instantânea e arame de tropeçar, do mesmo tipo daquela granada que um dia matou o macaco.... Lembram-se dessa estória que eu aqui já contei [vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas ]

E lá foi naquele dia o Quaresma, sempre ele, que já tratava por tu essa maldita granada. E como gostava dela, o furriel miliciano Quaresma!

Mais um dia, e novamente o armadilhamento da entrada. Dessa vez ele até foi contrariado, estava a preparar uma galinha para churrasco, lerpou, não comeu…

O quadro é simples: ouve-se um rebentamento, só um. O Quaresma é decapitado (**), o Leones fica cego e sem dedos… Ficámos todos em estado de choque:
-Não podia ser!!!

Mas foi: um parte para a eternidade, o outro é evacuado... O Quaresma desta vez tinha falhado, nunca mais armadilharia na vida (3)...

David J. Guimarães

Notas do D.G.:


(1) Não pensem que há algum anacronismo quando eu refiro que o meu pai foi mobilizado, pelo RAP 2, para servir a Pátria, em França, em 1917... O meu pai nasceu em 1893 e eu em 1947, o que quer dizer que nos separam 54 anos... 2º Sargento de Artilharia de Campanha, segue para França integrado no Corpo expedicionário, comandado pelo General Gomes da Costa. Como mera curiosidade, sou eu que tenho a caderneta militar e as condecorações de meu pai: guardo com toda a estima sete medalhas sendo uma delas a da Vitória... Por outro lado, e como sabem, nós estivemos na 1ª Guerra Mundial e não na 2ª.
(2) Não sei se sabiam, aqueles que não eram de artilharia, mas uma CART como a 2716 tinha três Furriéis de Minas e Armadilhas e um Alferes. Todos levantámos uma PMD-6 do IN em diversos locais: o Alferes Sampaio, o Furriel Quaresma, 0 Furriel Ferreira e eu. A PMD-6 é exactamente aquela mina que se encontra já documentada em fotografia (vd. acima). De fabrico russo com espoleta MUV. Esta espoleta tinha uma particularidade curiosa: poderia funcionar por pressão ou tracção...



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Mina antipessoal PDM-6 reforçada com uma carga de trotil de 9 kg (as barras do lado direito). Detectada e levantada na estrada Bambadinca-Xitole pelo furriel de minas e armadilhas Guiimarães da CART 2716 ("Bem, ia uma GMC ao ar, isso sim!!!".

Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.


Amigos, este caso que aqui relato foi, e ainda é, bastante doloroso para mim. Confesso que, ao evocá-lo trinta e tal anos depois, não consegui conter uma lágrima...

As grandes batalhas eram travadas nestas pequenas guerras surdas, que quase não se davam por elas. Muitos diziam que eram acidentes e não contabilizavam estas baixas como mortes em combate. Sempre tive opinião diversa, porque o combate estava exactamente sempre que havia necessidade de manusear uma arma de fogo, preparando-a para a defesa ou ataque...

Centenas, talvez milhares de indivíduos morreram a armadilhar… mas não morreram em combate, segundo as estatísticas. Dá-me vontade de perguntar:
- Terá sido a brincar ? E será que armadilhávamos os terrenos para apanhar gazelas, cabritos e cabras?
Pois, não era para caçar e muito menos para nos matarmo-nos a nós próprios....

Tive um amigo, alferes (antes andava embarcado, a tropa foi lá buscá-lo com 30 anos)... Isso é pouco interessante. O que eu quero referir, em concreto, é que, já no nosso tempo, na estrada de Mansoa - Mansabá ele levantou uma mina PMD-6 e… morreu a olhar para ela. Rebentou-lhe na mão!!!
- Como é que isso aconteceu ? ...
Ele já não está cá, entre nós, para contar o que aconteceu... Chamava-se Couto... Talvez haja alguém que um dia apareça na nossa tertúlia e saiba contar melhor esta estória…

(3) O Leones ainda hoje é vivo, está cego e trabalha na Previdência em Lisboa. O Rebelo, furriel sapador do BART 2917, escolhido para delegado do Batalhão em Bissau, era quem tomou conta do espólio do Quaresma. Quando estava doente com paludismo, assaltaram-lhe o espólio do Quaresma. Bem, acontece que eu, como estava de férias, lá fui a Algés (onde morava os pais do Quaresma) tentar negociar...

Sabem o que a mãe me perguntava? Se o filho estava interinho... E eu lá tive que mentir, dizendo que sim... Como é que eu podia contar-lhe a verdade, dizendo de chofre que ele ficara sem a cabeça no local onde armadilhava com uma granada instantânea, aquela maldita granada vermelha com espiras de aço !?... É claro que não podia contar essa história a uma mãe. Mais me perguntava ela pelo fio de ouro que ele usava...Eu tive que lhe dizer que possivelmente alguém tinha guardado, não se sabia aonde...

Mais tarde, o pai tentou negociar o espólio, tentando sei lá o quê (ganhar algum junto da tropa no Quartel General, extorquir o desgraçado do Rebelo...). Não conseguiu, mas o Rebelo passou uns maus bocados.
_______

Notas de L.G.:

(*) Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)

(**) Joaquim Manuel da Palma Quaresma, Fur Mil do Exército, morreu a 20 de Outubro de 1970... por acidente. É assim que consta, para a posteridade nos registos da tropa...

Guiné 63/74 - P2277: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) - Anexo II: Gandembel/Balana, Março de 2007 (Pepito)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 1 > Restos do brazão da CCAÇ 2317 (Abril de 1968/Janeiro de 1969), Os Dragões Dourados....

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 2 > Um antigo abrigo, vendo-se restos das estruturas metálicas que sustentavam o tecto.

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 3 > Mais restos do aquartelamento

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 4

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 5

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 6

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 7

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 8

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 9

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 10>

Imagens de vestígios do antigo aquartelamento de Gandembel, outrora guarnecido pela CCAÇ 2317 (Gandembel/Balana, 1968/69), tendo sido abandonado em 28 de Janeiro de 1969 (1).


Fotos: © Pepito / AD - Acão para o Desenvol vimento (2007). Direitos reservados


1. Imagens que nos foram enviadas pelo Pepito, fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, em 13 de Março de 2007:


Caro Luís Graça:

Seguem 10 fotos do antigo aquartelamento de Gandembel/Balana, que tirei há dois dias no sul.

Se todos estarão interessados, o Idálio Reis, mais ainda. Ele terá é que redescobrir o aquartelamento, pois o que sobrou foi pouco.

Abraços

Pepito


2. Comentário do Idálio Reis,


Meu caro Luís


Há itinerários pessoais particularmente difíceis de definir e perceber, quando reclamam o fulgor da plenitude, porquanto muito poucos a conseguem atingir. É o caso do Pepito, que um dia teve um forte apelo, para dar cumprimento a uma singular missão. Este seu apego à Guiné, um dos países mais pobres do Mundo, para se empenhar em acções de ajuda filantrópica aos seus naturais, sem nada reivindicar, merece um hino de louvor. Para ele, uma dedicação muito carinhosa, e que possa continuar por muitos anos, esse seu aliciante e abnegado préstimo ao povo-irmão guinéu.

As imagens que se revelam ante o meu olhar, sufocam de estupefacção. Causam-me um pesado sentimento de perda, ainda que reconheça que elas são circunstanciadas pela voragem avassaladora do binómio tempo/homem.

Passaram-se já 4 decénios, é certo, mas o que apenas resta, são fantasmas de uma obra tecida com muito sofrimento. Soerguida por um denodado esforço braçal, sofrida e chagada pelo fenecimento de tantos.

Reassumem estas fotos, a quem agradeço muito sensibilizado ao Pepito, também uma incontida emoção, porque me confrontei com aqueles recônditos, onde sobrevivi uma parte bastante curta, mas crucial da minha vida. A acção de existir é uma dádiva, e esta minha passagem por Gandembel/Ponte Balana, teve a particularidade de sublimar num jovem, a verdadeira dimensão da vida e o real significado da sua importância.

Com as fotografias que em tempos te enviei, tentarei inserir estas que como o Nuno Rubim me referiu, são “fresquinhas...acabadas de chegar”.


Eis então:

Foto 1 > [Minha foto 412] (1)

Sobre uma camada de betão fresco, pode surgir um mosaico gravado, que pode ser essoutro ou um bastante similar.

O que nos interessa é que possa e deva ser uma lápide a colocar no museu de Guileje, de forma a perpetuar no interminável, a presença dos Dragões Dourados da CCaç 2317.

Foto 2 > [Minhas fotos 301 a 308] (1).

Há uma visualização das estruturas metálicas que sustentavam as casernas-abrigo, e que na sua parte exterior eram colocadas: como paredes laterais, troncos de árvores justapostos e uma camada de pedras (bem visíveis), e na parte superior, uma forte camada de betão assente em aplainadas chapas aproveitadas dos bidões, as quais assentavam sobre cibes.

Há ainda uma parede adobada, que julgo ser parte integrante do forno, e que teve de ser refeito parcialmente pelo menos 2 vezes (as minha recordações!), em virtude de ataques ao aquartelamento.

Foto 3 > [Minhas fotos 419 a 421] (2)

Um achado mais complexo. Mas, porque o Pepito também refere o destacamento de Ponte Balana, a minha inclinação propende para este belo sítio. Este destacamento tinha 2 entradas: a nascente, a própria ponte; do outro lado, vislumbro os restos de um pequeno fortim aí situado.


Foto 4 > Uma inscrição, como a de milhares que devem estar espalhados por esse País. Consigo ler: VISEUS,..., GLOB-TROTTERS.

O que se me afigura dizer?. Havia cerca de uma vintena de militares deste distrito, que como se testemunha, se consideravam vagamundos de um destino cruel e incerto.

Mas estes Viriatos também se dignaram fazer a sua história, à maneira do seu antepassado, deixando as suas marcas ao tempo, numa terra tão diferenciada da que os viu nascer.

Foto 5 > Numa outra qualquer parede, um paraquedista também quis deixar o seu registo. Foi um Barreto. E também os que por aqui tiveram uma passagem mais efémera, mas de uma enorme valia, dedicados, valentes e intemeratos, quiseram deixar gravado que Gandembel também lhes foi ponto de passagem e encontro.

Foto 6 > Parece que esta infra-estrutura tomou a intenção de melhor resistir, onde inclusive, na parte superior de uma parede lateral, sobressai ainda a concavidade onde assentava a trave mestra.

Era o armazém dos víveres, uma das últimas construções a substituir uma tenda de campanha.

Foto 7 > Sombras do passado..., mas há aqui restos de uma caserna-abrigo. E à sua direita, um muro de formato circular, que me leva a apontar que era aqui que esteve postado o ninho da metralhadora pesada Browning.

Foto 8 > Parece manifestamente ser o resto de uma edificação mais isolada, a brotar do subsolo. E por isso, só pode ser o paiol, onde milhares munições de todo o tipo, foram guardadas.

Já não espera nenhum SOS, para que um helicóptero se desloque de Bissau, a aportar mais uns cunhetes em falta.

Foto 9 > Uma estrutura metálica que servia de viga, o que indicia que aqui se implantou mais uma das 8 casernas-abrigo.
De pé, eventualmente o resto da parede posterior, que ainda resiste, porventura como cofre-forte a resguardar alguma mágoa mais dolente.

Foto 10 > Trata-se de uma outra perspectiva do local da Foto 2. Esta caserna-abrigo parece tenazmente guardar as suas estruturas metálicas. E como se trata da última fotografia, deixem-me exorcizar os meus fantasmas, e digam da vossa justiça. Aqueles 3 pilares mais seguidos, hoje colocados numa rotunda de uma nossa qualquer cidade ou vila, não daria um belo monumento aos combatentes da guerra colonial?

E se fosse possível transmutá-las, tal e qual, para a nossa Guileje?

É tudo caro Luís. Em nome da minha Companhia, ficam estes 2 pedidos. Sê o mediador com o Pepito, a quem reitero os meus agradecimentos.

E o resto por lá ficará!

Com uma imensa cordialidade, Idálio Reis.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

(2) Vd. post de 18 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2276: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) - Anexo I: Destacamento da Ponte Balana

Guiné 63/74 - P2276: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) - Anexo I: Destacamento da Ponte Balana

Guiné <> CCAÇ 2317 (1968/69) > O pequeno destacamento de Ponte Balana, foi um bastião na defesa de uma ponte que a engenharia militar recuperaria, mas que também acabaria por ruir

Foto 422 > Aproveitando os restos da antiga ponte, davam-se belos mergulhos para banhos retemperadores



Foto 419 > Ponte Balana: Uma visão do destacamento

Foto 420 > Um aspecto interior de Ponte Balana

Foto 421 > Uma vista da entrada contrária à ponte

Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) >

Foto 423 > A retirada de Gandembel, deixa para a posterioridade, este facto pungente, ainda que nenhum documento oficial o revele: 372 ataques e flagelações ao aquartelamento...

Nota de L.G.: Na parede, o seguinte grafito: 17-1-68. [CCAÇ] 2317, A Velhice de Gandembel. 372 ataques. É Pouco ? É!...

Fotos e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados (1).
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Nota dos editores:

(1) Idálio Reis, engenheiro agrónomo, reformado, foi Alf Mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69)
Vd. post de 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)