segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2379: O meu Natal no mato (12): Mansoa, 1971: Uma de caixão à cova... para esquecer o horror (Germano Santos)

1. Mensagem do Germano Santos:

Caros Editores,

Antes de mais, votos de que tudo esteja a correr bem convosco e com os vossos familiares.

Está a escrever para o blogue alguém que até hoje só por uma vez bebeu uísque. E fê-lo exactamente na noite de 24 para 25 de Dezembro de 1971, na longínqua Mansoa, tendo apanhado uma bebedeira de caixão à cova.

Nunca mais mais, até hoje, voltei a ficar embriagado e, como já disse, nunca mais voltei a beber uísque. Nem sequer o seu cheiro suporto, quanto mais o seu sabor. E a razão dessa ingestão e bebedeira de uísque ficou a dever-se a uma situação muito grave e lamentável a que assisti parcialmente.

Já não me recordo que horas eram, mas estaríamos muito próximo da meia-noite de 24 para 25 de Dezembro de 1971, quando um ou dois helicópteros aterraram de urgência na pista de Mansoa para evacuar uns seis militares gravemente feridos em Mansabá. Como sabem, Mansabá dista cerca de 30 Kilómetros de Mansoa e os feridos foram transportados por via terrestre de Mansabá para Mansoa a fim de serem evacuados para o Hospital de Bissau.

O que é que tinha acontecido ? Segundo me disseram, exactamente por ser véspera de Natal, um grupo de camaradas nossos, talvez fartos da guerra que viviam e que não queriam, e ainda pelas saudades dos seus familiares, que nestas épocas são sempre mais fortes, quer estejamos na guerra quer estejamos noutro lado qualquer, pôs-se a brincar com granadas, atirando-as ao ar, até que uma delas levou a sua missão até ao fim e explodíu.

Estive a assistir à transferência deles para os helicópteros e vi cenas que preferia nunca ter visto na minha vida. O estado de todos eles era gravíssimo e ainda hoje me interrogo se algum escapou.

Também não sei qual era a Companhia que na altura estava em Mansabá, sei sim que não era nenhuma companhia do meu batalhão.

Do que vi e que não queria ver nunca, resultou a minha única incursão pelo uísque e também a minha única bebedeira da vida. Foi uma noite muito difícil de passar, podem crer.

Um abraço e votos de Boas Festas e um Feliz Natal para todos os tertulianos camaradas da Guiné.

Germano Santos
Op Cripto da CCAÇ 3305 do BCAÇ 3832

Guiné 63/74 - P2378: O meu Natal no mato (11): Saltinho, 1972: O melhor bolo rei que comi até hoje, o da avó Clementina (Paulo Santiago)

1. Mensagem do Paulo Santiago, com data de 19 de Dezembro:

Tinha chegado à Guiné em Outubro. Com a aproximação do Natal,na época não era o hino ao consumismo que hoje se verifica,sentia-me triste e acrabunhado. As saudades dos meus pais e irmã apertavam-me o coração.

No Saltinho na noite de Consoada, apesar do bacalhau com batatas bem regado, notava-se que todos tinham o pensamento a muitos quilómetros de distância.

No dia 25 de manhã chegou um heli com o Gen Spínola que desejou as Boas Festas ao pessoal da CCAÇ 2701 e do Pel Caç Nat 53. O astral continuou em baixo.

Na semana a seguir ao Natal, recebi uma carta do meu Pai,onde me informava das saudades que tinham sentido naquela quadra e, para as minorar, o meu lugar à mesa, na noite de 24, tinha sido ocupado por um meu conterrâneo, doente e sem família. Senti isto como uma bela prenda de Natal, oferecida pelo meu saudoso Pai.

Como já referi em memórias anteriores, em 1971, apanhei boleia em 24 de Dezembro, no heli do Spínola de Bambadinca, onde estava desde Outubro, para o Saltinho onde passei mais um Natal com os meus camaradas do 53 e da 2701. Em 6 de Janeiro de 1972, dia em que fiz 24 anos, regressei a Bambadinca, via Bissau.

A minha avó Clementina, avó materna, resolveu enviar-me, por encomenda postal, um bolo-rei, dirigido para o SPM de Bambadinca. Como chegou após o dia 24, reenviaram-no para o SPM 3948 (era do Pel Caç Nat 53). Chegou ao Saltinho, já tinha vindo eu para Bissau. Reenviaram a encomenda para Bambadinca, acabando por receber o bolo-rei em meados de Janeiro.

Estava duríssimo, mas...foi o melhor bolo-rei que comi até hoje.

Abraço com desejos de BOM NATAL

Paulo Santiago

domingo, 23 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2377: Em busca de ... (13): Malta da CCAÇ 11, Paunca, 1970/72 (Jaime Antunes)

Guiné > Zona Leste > Paunca > CCAÇ 11 > Pós 25 de Abril de 1974 > Confraternização entre o Fur Mil Op Esp J Casimiro Carvalho e um guerrilheiro do PAIGC, apontador de RPG (1).

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de Jaime Antunes, a quem saudamos e convidamos a integrar a nossa Tabanca Grande:

Caros amigos,

Nestas coisas da vida há recordações que sempre perduram. Como muitos dos Portugueses, na minha juventude, também estive em África. Por uma escolha do Senhor Ganeral Spínola, 25 Milicianos, no dia 20 de Novembro de 1970, embarcaram no navio Ana Mafalda com destino ao CTIG. Todos classificados nos primeiros lugares dos cursos. Esta situação levantou-nos muitas dúvidas que foram esclarecidas à nossa chegada ao QG. Tínhamos sido selecionados para integrar uma Companhia de Africanos... a CCART 11. Posteriormente e porque uma Companhia de Artilharia... não era ... uma Companhia de Infantaria... o Senhor General ... passou a CCAÇ 11 para que já não houvesse reclamações quanto às constantes saídas de Paunca (1) para ir reforçar outras zonas.

Fui colocado no 4º Pelotão e ... cheguei em Novembro de 1970 e fui rendido em Setembro de 1972.

Mantenho contacto com alguns dos elementos que estiveram nessa altura na CCAÇ 11 mas faltam outros que lhe perdemos o rasto. Manifesto aminha disponibilidade para conseguir reunir mais alguns camaradas.

Jaime Antunes

___________

Nota de L.G.:

(1) Sobre Paunca e a CCAÇ 11, vd. posts de:

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1636: Álbum das Glórias (10): Paunca, CCAÇ 11: Com o PAIGC, depois do 25 de Abril de 1974 (J. Casimiro Carvalho)

Recorde-se que a CCAÇ 11 (recruta, instrução de especialidade e IAO) foi formada em Contuboel.

Sobre esta unidade formada a partir da CART 11/CART 2479, há já também diversos posts (uma parte dos quais da autoria do meu amigo Renato Monteiro):

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1015: CART 2479, CART 11 e CCAÇ 11 (Zona Leste, Gabu, subsector de Paunca)

Guiné 63/74 - P2376: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (6): Insularidade e solidariedade no Natal dos açorianos

Guiné-Bissau > Região do Oio > Porto Gole > Marco comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné (1446-1946) > Porto Gole, na margem direita do Rio, na estrada Bissau - Nhacra - Mansoa - Porto Gole - Bafatá (interdita no meu tempo, 1969/71.

Guiné-Bissau > Região do Oio > Porto Gole 2005 > Monumento erigido pela CART 1661 (Porto Gole, Enxalé, Bissá, 1967/68). Dizeres, gravados na base do monumento, em pedra: "Para ti, soldado, o testemunho do teu esforço".

Guiné-Bissau > Região do Oio > Porto Gole > 2005 > Restos do brazão da CART 1661 (Porto Gole, Enxalé, Bissá, 1967/68). Dizeres, inscritos na chapa em bronze: "Coragem, Esperança".

Guiné-Bissau > Região do Oio > Porto Gole > 2005> O Rio Geba, visto de Porto Gole. Do outro lado, a margem esquerda. Mais à frente, para leste, antes do Xime, o Rio Corubal vai desaguar no Rio Geba.

Fotos: © Jorge Neto (2005), ou melhor, Jorge Rosmaninho, o autor de Autor do blogue Africanidades ("Vivências, imagens, e relatos sobre o grande continente - África vista pelos olhos de um branco", um andarilho de África, incluindo a nossa Guiné-Bissau) que entretanto se mudou para um outro poiso: vd. a nova versão do Africanidades. Com a devida vénia, ao Jorge, desejando-lhe o possível meljor ano de 2008, para ele, para a nossa África e para os nossos amigos africanos. Estas fotos já tinham sido divulgadas em post publicado no nosso blogue (versão anterior) (1). Justifica-se a sua (re)publicação, em novo formato, por haver poucas referências e pouca documentação no nosso blogue em relação a Porto Gole onde o Henrique Matos passou, emboscado, o seu Natal de 1967. (LG)


1. Mensagem do do Henrique Matos, 1º comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68), açoriano que vive hoje em Olhão (2):

Caro Luís e co-editores:

Hesitei antes de escrever este post pois não tenho qualquer episódio interessante relacionado com o Natal no mato. Pretendo apenas dar uma imagem das dificuldades acrescidas que os açorianos sentiam quando eram arrancados das suas ilhas para servir a Pátria.

Se achares interessante avança, se não também não há problema.Aqui vai com um título sugestivo:

2. Comentário de L.G.:


Obrigado, Henrique... Vou-te publicar estes apontamentos biográficos na tua série Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52... Faço votos para que a tua insularidade seja apenas física, e que continues a contar, no Natal e pela vida fora, com a solidariedade dos teus velhos camaradas de tropa e de guerra. Daqui do Porto, onde vim passar o Natal, vai um Alfa Bravo para ti e todos os nossos camaradas açorianos (que infelizmente ainda são poucos na nossa Tabanca Grande: para além de ti, assim de repente só me lembro do Mário Armas de Sousa, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, 1968/70, que no entanto não tem dado notícias) (3). (LG).


3. O meu Natal no mato ou as peripécias dos natais de um ilhéu na tropa

por Henrique Matos


1.º Natal - Acabada a recruta em Dezembro de 66, já próximo do Natal, tínhamos umas férias de não sei quantos dias até começar aespecialidade. Ir aos Açores estava fora de questão, as viagens só se faziam de barco e demoravam 3 a 4 dias para cada lado, quando o mar deixava.

Estava assim preparado para passar o Natal no quartel tal como os outros açorianos que não tinham família no continente. Mas a sorte estava do meu lado. Tinha feito amizade com um camarada que me convidou a ir com ele. Lá fomos de comboio até Rio Torto, perto de Gouveia, onde encontrei uma família espectacular que me fez esquecer um pouco o primeiro Natal longe dos meus. Até deu para fazer uma grande festa, pois como tocava umas coisas em viola e bandolim, animei o grupo lá do sítio com umas Janeiras.


2º Natal - Este, [o de 1967, ] passado na Guiné, em Porto Gole, e de que guardo apenas a breve recordação de estar toda a noite de prevenção à espera de um grupo IN que uma mensagem codificada dizia ter atacado uma coluna Bissau-Mansoa seguindo depois na nossa direcção.

3.º Natal - Internado no HMDIC (Hospital Militar de Doenças Infecto-Contagiosas) na Boa-Hora, [em Lisboa,] mais uma vez estava na contingência de passar o Natal sozinho. Mas... lá está a sorte. Um camarada ali internado, também vindo da Guiné, convida-me e lá fomos fazer a consoada em casa de seus pais, ali mesmo em Lisboa. Neste caso deu apenas para ter uma ceia excelente porque tinhamos de regressar ao hospital antes da meia noite.

Depois disto resta apenas desejar a toda a tertúlia o melhor Natal do mundo e que no próximo ano sejam muito felizes. Como sempre com um grande abraço.

Henrique Matos

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 30 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXV: CCART 1661 (Porto Gole, Enxalé, Bissá, 1967/68) (Luís Graça)

(2) Vd. último post desta série:

18 de Outubro de 2007 >Guiné 63/74 - P2191: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (5): O baptismo de um periquito no Enxalé
Vd. também post de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)


(3) 26 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXIII: O açoreano Mário Armas de Sousa (Pel Caç Nat 54: Missirá, 1969/70) (Luís Graça)

(...) Caro colega: Sou ex-furriel miliciano e estive na Guiné de 1968 a 1970, em Porto Gole, Enxalé, Xime e Missirá. Também estou na fotografia da vossa página, tirada no quartel do Xime, junto dos bidões.Tenho alguma informação e fotografias do meu grupo de combate para acrescentar à vossa página se possível (...)

(...) Meu caro Mário:

Fico muito contente (e o resto dos camaradas também) por este feliz reencontro, ao fim de tantos anos. Andámos juntos, no mesmo sector, e na mesma altura (mais tarde conhecido como o Sector L1, Zona Leste, com sede em Bambadinca e que incluía entre outros aquartelamentos e destacamentos, além da sede, o Xime, o Enxalé, Mansambo, o Xitole, Missirá...

No meu tempo, Portogole creio que já pertencia a Mansoa (e não a Bambadinca). Esta povoação ficava na estrada Bafáta-Mansoa-Bissau (interdita no nosso tempo) (...)

Guiné 63/74 - P2375: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (8): A Batalha do Como (Mário Dias / Santos Oliveira)

Photobucket

Guiné > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > "A designada Ilha do Como é, na realidade, constituída por 3 ilhas: Caiar, Como e Catunco mas que formam na prática um todo, já que a separação entre elas é feita por canais relativamente estreitos e apenas na maré-cheia essa separação é notória.

"Na ilha não existia qualquer autoridade administrativa nem força militar pelo que o PAIGC a ocupou (não conquistou) sem qualquer dificuldade em 1963. As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

"Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil. A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha.

"Portugal não exercia, de facto, qualquer espécie de soberania sobre a ilha. Tornava-se imperioso a recuperação do Como. Foi então planeada pelo Com-Chefe a Operação Tridente na qual foram envolvidos numerosos efectivos, divididos em 4 Agrupamentos (...), num total de cerca de 1200/1300 homens"

Fonte: Mário Dias > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias) (15 de Dezembro de 2005)

Foto e legenda: © Mário Dias (2005). Direitos reservados. Imagem alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2007 Photobucket Inc. All rights reserved.

Guiné > Região de Tombali > Como> 1964 > Pel Mort 912 > Carta de tiro para a posição ocupada no do Cachil

1. Mensagem enviada dia 19 de Dezembro, pelo editor, ao pessoal da Tabanca Grande:

Amigos e camaradas:

A quem viu ontem o último episódio desta primeira série sobre A Guerra - a II Parte será só para o ano, foi o que deduzi - , gostaria que comentassem a batalha do Como, que teve o merecido destaque (2ª parte do programa). Acho que foi um bom trabalho de investigação documental... Mário Dias: Não queres quebrar o teu silêncio ? Santos Oliveira, que achaste ? Luís Graça


2. A resposta do Mário Dias e do Santos Oliveira não se fez esperar. Aqui vai já a do Mário Dias, de 20 de Dezembro:


Caro Luís e camaradas desta Tabanca Grande que já é mais Hipertabanca.

Luís:

Só mesmo tu, com esses teus apelos tão subtis, consegues fazer-me sair da
hibernação na qual tão bem me sinto. A este meu despertar - momentâneo - não é estranha a deixa que o Santos Oliveira (a quem particularmente saúdo) me lança na resposta à tua mensagem.

Ele, embora não participante na Op Tridente [Jan/Mar 1964], esteve no Cachil e portanto conhece bem o terreno e como era aquela mata do centro da ilha. Já agora, antes que me esqueça, a minha admiração pela carta de tiro que elaborou e que está muito correcta quanto aos objectivos principais. Ao vê-la no blogue, recordei todos aqueles locais por onde andei e que lá estão referenciados: Cauane, Curcô, S.Nicolau, Cassaca, Cachida e Cachil (1).

Mas vamos ao que interessa, isto é, a minha opinião sobre o episódio da Batalha do Como, da série "A Guerra", exibido pela RTP (2).

Também eu julgo que, de um modo geral, os relatos feitos por ambas as partes estão certos e não houve exageros nas opiniões dos intervenientes. O que se me afigura é que deveria conter mais imagens que ilustrassem as dificuldades do terreno, tanto das bolanhas como da cerrada mata, bem como cenas de combate, que existem. Recordo que por lá andou um reporter que na Guiné cobria todos os acontecimentos de relevo para a RTP. Chamava-se Sousa Santos e filmava tudo nas velhas máquinas com suporte de película de 16 mm.

Também um 1º cabo fotocine, de seu nome Raimundo e ao qual me referi nos relatos que fiz sobre esta operação, filmou alguns combates para o EME [Estado Maior do Exército]. Nas imagens apresentadas reconheci, como é natural, muitos dos participantes e relembrei algumas cenas tais como:

(i) A incrível improvisação do acampamento onde se instalou a chamada "Base Logística" e que servia também de comando da operação;

(ii) As péssimas condições de alimentação, que foram exclusivamente ração de combate nos primeiros 23 dias e de apenas uma refeição quente por dia no tempo restante;

(iii) A travessia de um braço de ria sobre uma ponte pedonal no trajecto entre a base e Cauane. A cena é de uma fase já mais avançada pois, de início, nesse local existiam apenas uns troncos muito toscos que só podiamos utilizar na maré vazia. Essa ponte foi construida com ferros de andaime e pranchas de madeira pelos sapadores de engenharia. A isso me refiro também nos meus relatos;

(iv) A outra imagem que me fez sorrir foi a do grupo de comandos em Cauane junto ao tosco mastro onde estava hasteada a bandeira nacional. Parecemos mais um grupo de maltrapilhos do que os combatentes empenhados, aprumados e disciplinados que, modéstia à parte, realmente eramos. O que se passou foi que à chegada ao local do reporter (de helicóptero, claro) nós tínhamos os camuflados e enxugar da água e da lama do atravessamento de uma bolanha. Tem o seu quê pitoresco.

Quanto aos aspectos operacionais propriamente ditos, podes verificar que os relatos que fiz para o blogue estão correctos e confirmados pela "outra parte" da contenda. Os guerrilheiros do PAIGC abandonaram as tabancas e instalaram-se na mata muito cerrada onde se escondiam mas fomos à procura deles. Ao princípio foi bem difícil pois o seu poder de fogo e a abordagem da mata feita por terreno descoberto deu-lhes vantagem. Porém, tentando a aproximação de noite e também com algumas manobras de diversão fomos conseguindo. Se de início eles faziam muito mais fogo do que nós, na fase final já estavam debilitados e com falta de munições conforme se ouviu na reportagem.

Entravamos e saíamos da mata com relativa facilidade e evitavam o contacto. Limitavam-se a tiros isolados dados pelos sentinelas para avisar da nossa presença.

Certamente que durante a operação Tridente muita gente, principalmente população, abandonou a ilha. É possível que após a nossa retirada, sentindo-se mais seguros, tivessem regressado bem como a própria guerrilha se tivesse reequipado e fortalecido. O que eu sei, e disso estou seguro, é que no final da batalha era fácil para qualquer tropa, continuando a patrulhar e a efectuar acções ofensivas, dominar a situação no terreno o que não teria permitido a reinstalação em força da guerrilha. Não sei se isso foi feito ou não mas, só por curiosidade, talvez o Santos Oliveira que esteve no Cachil depois da Batalha do Como nos possa esclarecer sobre a actividade operacional, fora do arame farpado, desenvolvida pela companhia ali aquartelada.

Para todos os habitantes da nossa Tabanca Grande, com especial relevo para o régulo Luís, os meus desejos de Feliz Natal.

A todos envolvo no meu abraço
Mário Dias


3. Comentário do Santos Oliveira (a quem agradeço a gentileza de me ter telefonado, ontem à tarde, desejando Bom Natal... Não o atendi, mas deram-me o recado... Desculpa lá, Oliveira, andava a passear na Praia da Cova... Sábdao, vim almoçar, de propósito, ao restaurante Carrossel - Largo Beira Mar, Cova, Gala, a Figueira da Foz à vista -, recomentado pelo António Pimentel que é um grande gastrónomo, vive no Porto mas é natural de Figueira... António: Adorei! Fui nuns Samos de peixe, numas Choras de línguas de bacalhau e numa Feijoada de búzios... Excelentes três sabores do mar, que partilhei com a minha mulher e a minha filha, para preparar o estômago para o Natal minhoto-duriense... E assim cheguei ao Porto, já ao fim da noite, vim nas calmas, pela A8, A17, A29):

Caríssimo e Digníssimo Régulo:

Saudações

Luís, afinal quem é vivo...

Cá vai a minha visão acerca da dúvida levantada pelo Mário Dias: Eu, Pel Independente de Morteiros 912 (em miniatura), recebi Ordens Divinas (CEM e Governador Militar) de que a Posição era para ser mantida com os meios próprios e sem interferências de mais ninguém (As CCAÇ destacadas para o Cachil), tão-somente me reportaria ao CEM (1).

A Secção estava permanentemente vigilante e de prevenção.

As Ordens recebidas pelas Companhias que por lá passavam, desconheço-as totalmente (nem dava, nem recebia confiança das ditas). Mas, na verdade, NUNCA vi qualquer das Unidades a sair, a não ser para ir à Lancha da Marinha que, diariamente, nos trazia a Água Potável desde Catió, em BARRIS de Vinho (e com sabor e cheiro ao tinto), ou a LDP que nos trazia Géneros a cada mês.

Eu, particularmente, sofri o tormento da água, já que não desinfectava o sangue com álcool (whisky, bagaço, vinho ou outros).

Sei que não respondo ao Mário, mas que se levanta uma dúvida, lá isso levanta. Já o disse (e volto a repetir) que só os Cmds das Unidades poderão esclarecer este ponto.

Não haverá, por aí, alguém das Companhias, que tivesse residido no Cachil após a Op Tridente, que seja senhor deste tipo de informação?

Delator, precisa-se!

Cordiais saudações à Tabanca e a toda a Aldeia, mas em particular retribuindo-as ao Mário Dias. Obrigado, amigo por acordares do teu Inverno. Também renovo os meus Votos de Boas Festas.

Um abraço com o Espírito da Época, do
Santos Oliveira

______________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

(2) Vd, último post: 19 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2282: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (7): A revolta do pessoal da geração de 1961/66 (Santos Oliveira)

(3) Vd. o dossiê sobre a Operação Tridente, da autoria do Mário Dias, que participou nessa famosa operação:

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

sábado, 22 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2374: O meu Natal no mato (10): Bissau, 1968: Nosso Cabo, não, meu alferes, sou o Marco Paulo (Hugo Guerra)

1. Mensagem do Hugo Guerra (ex-Alf Mil, hoje Coronel DFA, Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 50, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70) (1):

Camaradas Tertulianos:

Não queria deixar passar esta oportunidade sem vos contar uma estória que se passou comigo em Bissau, aí por volta do Natal.

Ao longo dos anos que já passaram recordo-a com graça e só tenho pena de não ter sido filmada porque era capaz de ser publicada no Youtube ou outra coisa parecida.

Dezembro 1968 . Tinha vindo a Bissau ao hospital fazer uma desintoxicação de Gandembel.

Com mais dois camaradas descíamos a Avenida que vinha do Palácio do Governo em direcção à baixa ,mais concretamente aos Correios. Eis senão quando, qual emboscada do IN, aparece a Polícia Militar, que no cumprimento da sua espinhosa missão me ataca com todas as armas de que dispunha e me passa um raspanete por eu ter mais botões desabotoados do que os permitidos no RDM. Logo a mim que me considerava um dos poucos da tropa-macaca que tinha experiência in loco do famoso corredor de Guileje...

Fiquei urso, mas os rapazes até tinham razão e lá abotoámos os botões. Chegados aos Correios, no meio da barafunda total estava um esganiçado e aperaltado 1º Cabo, com a camisa desabotoada até ao umbigo.

Depois do que me acontecera pouco antes, aquela situação caía como sopa no mel... Afiando as garras tivemos este diálogo:
- Ó nosso cabo, ouça lá.
- Ó Nosso Cabo não, meu Alferes, sou o Marco Paulo... (Desconhecia em absoluto quem era semelhante personalidade) (2).
- Marco Paulo uma merda, ou abotoa esses botões todos ou temos chatice! - respondi eu.

Claro que o obriguei a estar em sentido até acabar o castigo e comecei a aperceber-me duns sorrisos à socapa dos Camaradas que estavam por ali….

Satisfeito com a minha façanha do dia, viemos para fora e só então fiquei a saber que tive muita sorte por ele não ter dito nada…..senão ainda levava uma porrada e era enviado pra Gandembel, aliás para onde regressei passados 2 ou 3 dias depois.

Ao longo dos anos ainda sorrio quando me lembro desta estória …de Natal.

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Notas de L.G:

(1) Vd. post de 29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

(2) Extactos de uma recente entrevista do cantor Parco Paulo (nascido em Mourão, há 62 anos de idade, e com 41 anos de carreira...), ao Correio da Manhã, em 9 de Junho de 2007:

Fez tropa na Guiné durante dois anos. Do que se recorda?
– Recordo-me de ter pedido a todos os santos para não ir, acima de tudo porque eu sabia que se fosse para a Guiné possivelmente quando regressasse já não podia dar seguimento à minha carreira. A minha sorte foi que o meu produtor, Mário Martins, fazia sempre questão que eu viesse de férias. Durante esse período eu gravava, e quando voltava para a Guiné a editora lançava o disco. Por isso nunca caí no esquecimento.

Chegou a sentir medo?

– Quando cheguei à Guiné não foi fácil. Pensei: “Olha, vou para o mato. Levo lá um tiro na cabeça e pronto!” Só que fui para o quartel da Amura, para a secção de Justiça, como escriturário. Ouvia os bombardeamentos, mas não deu propriamente para sentir medo. Depois, como a rádio lá passava muitos discos meus, eu era aproveitado para abrilhantar as festas militares.

Compreendeu, à época, as motivações daquela guerra?

– Eu não estava por dentro dos assuntos da política. Disseram-me que Guiné era Portugal e eu acreditei. Hoje, olhando para trás, vejo que foram dois anos perdidos.


Também nas Selecções do Reader's Digest - Portugal - Revista, pode ler-se uma entrevita com o Marco Paulo, a propósito dos 35 anos de carreira e dos 3 milhões de discos vendidos. Alguns excertos relativos ao tempo que o MP esteve na Guiné:

(...) LO: Voltando um pouco atrás. Onde cumpriu o serviço militar?
MP: Na Guiné. Quando fui para a guerra, já tinha gravado dois ou três discos, discos sem grandes sucesso mas que passavam na rádio e que já vendiam alguma coisa. Ao regressar da guerra, não fazia ideia do que seria a minha vida no futuro, não era líquido que o meu futuro passasse pelas cantigas.


LO: Recorda o dia em que partiu para a guerra?

MP: Muito bem. No fundo, não sabia para onde ia. Foram dias muito inquietantes, mas por sorte acabei por ir parar a Bissau. Os meus pais choraram quando se despediram de mim, choraram tanto como eu. Aliás, lembro-me de ter chorado duas vezes na minha vida: nessa ocasião e quando me deram a notícia de que tinha um cancro. Não é nada fácil alguém me ver chorar, nada fácil mesmo.

LO: O estatuto de cantor beneficiou-o de alguma forma durante a Guerra Colonial?

MP: De forma nenhuma. Por sorte, não estive nos sítios onde se vivia a guerra, limitei-me a estar numa zona mais resguardada. Fui obrigado a ir. Estava numa secção de escritório a fazer cartas, para mim foram quase umas férias. Só me apercebia de que existia guerra quando me convidavam para ir cantar a algum hospital ou à Força Aérea; no sítio onde estava não percebia nada. Deu-me muito prazer cantar na Guiné, os meus camaradas pediam-me e eu nunca recusava. (...)


Também no blogue do Luís de Matos (ex-Fur Mil, da CCAÇ 1590, Os Gazelas, 1966/68), há uma referência ao Marco Paulo, aquando da chegada a Bissau, a 11 de Agosto de 1966:

(...) Findo este trabalho, o capitão deu folga a todo o pessoal para conhecer a cidade. Logo na primeira noite, juntei-me a um pequeno grupo para irmos dar uma volta, para conhecermos um pouco da noite guineense. O furriel miliciano Charneca, que é natural de Beja, ou arredores, não sei bem, pertence à CCS do meu batalhão, o 1894, disse-me que há um nosso camarada, já “velho”, o que equivale a dizer que não é “periquito”, que está no rádio do Quartel-General com o Marco Paulo, um artista da rádio e da TV e também alentejano, de Mourão. Vamos lá ter com eles, para nos mostrarem como é isto. Ou pelo menos, aquele meu amigo vai connosco. Estava uma noite escura como breu. Não me recordo de mais nada. O que sei é que me vi dentro dum táxi, com o Charneca e o tal amigo do QG, por um trilho, em que o capim era bem mais alto que o nosso transporte e fomos parar a uma vivenda onde havia música. Muita música cabo verdiana e dança, frangos no churrasco, cerveja e whisky. Não conseguia deixar de pensar que me podiam cortar a cabeça com uma catana. É que a gente ouvia contar cada estória!. Mas ao mesmo tempo, tinha uma certa confiança no tal camarada mais velho. Se ele estava ali e continuava vivo, é porque o local e as pessoas eram de confiança. Há-de ser o que Deus quiser. Coração ao largo, pensei cá prós meus botões" (...)

Guiné 63/74 - P2373: O meu Natal no mato (9): Embarquei no N/M Niassa a 21 de Dezembro de 1971... Que maldade! (João Lima Rodrigues)





N/M Niassa > 21 de Dezembro de 1971 > O luxuoso paquete em que cerca de 500 militares do BART 3873 foram obrigados a viajar, para a Guiné, nas vésperas de Natal.

Fotos: © João Lima Rodrigues (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem que nos chega através do Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, CART 3492 (Xitole, 1972/74):

O Lima Rodrigues foi Alferes Miliciano e esteve na Guiné entre 1971 e 1974, integrado no BART 3873: esteve primeiro no Xitole na CART 3492 e posteriormente na CCS do Batalhão em Bambadinca a desempenhar funções nas áreas das operações, juntamente com o então major Jales Moreira.

Actualmente é técnico superior da Portucel, de Viana, continua ser homem dos nossos, bem disposto, aliás basta ler-se-lhe a prosa... Enfim, alguém com quem é facil travar-se amizade. Peca só pela timidez.

Embora ande há muito a insistir com ele, para nos contar as suas estórias que as conheço bem interessantes, não tenho sido muito bem sucedido.. Mas enfim desta vez, por ser Natal lá se dispôs a escrever e eis o resultado.


2. Texto do João Lima Rodrigues (1):

Meus caros:

Estão a cumprir-se 36 anos sobre a data de embarque para o cruzeiro memorável para a Guiné, em que a maior parte de nós teve o privilégio de participar. O paquete Niassa, de seu nome, foi equipado a preceito, como bem se recordam, com camaratas tipo andaime num porão, onde mais de 500 jovens partilhavam essa inovação tipo open space - embora praticamente não houvesse escotilhas (?) para o exterior - e que só agora está na moda, para transporte de clandestinos no sentido inverso!

A carga de melaço com que o outro porão foi carregado, só por maldade ou manifesto mau gosto, alguns disseram ter um cheiro horrorosamente enjoativo (a maledicência é realmente uma característica dos portugueses...). A data, que foi alvo das mais elaboradas cogitações pelos altos cérebros (?) das forças Armadas da altura, não poderia ter sido melhor escolhida.

Como seria possível aos mais de 500 ex-militares, respectivas famílias e amigos, ainda hoje terem esta recordação tão viva e forte desse evento ? Todos temos garantidamente inumeras recordações desse memorável cruzeiro, mas permito-me recordar as que ainda hoje sinto como mais marcantes:

Aquela sessão de cinema ao ar livre com a projecção do filme A Batalha das Ardenas - escolhido garantidamente pelos tais cérebros (?) brilhantes). Sim, quem tem dúvidas sobre o enorme efeito moralizador que um filme de guerra teria sobre aqule enorme grupo de jovens ansiosos por saber como era a guerra? (Os tais maledicentes lá vieram com o argumento de que se tratava de uma batalha mais adequada para a cavalaria, porque quase só metia tanques, e que nós eramos tropa de artilharia. Mentira e má vontade, porque toda a gente sabe que nenhum de nós sabia raspas de peças de artilharia (seriam o morteiro 60 ou a bazooka peças de artilharia? Agora fiquei um pouco baralhado , mas como eu era um generalista de operações especiais e com a ajuda da idade posso estar a fazer algumas confusões...).

Mas, e os jogos de ping-pong que invariavelmente terminavam por falta de bolas, pois ao longo do jogo iam voando borda fora... ?! E para os mais privilegiados, o grupo musical, a que o Mexia já se referiu (2), e cujo repertório de músicas românticas abalava mesmo os mais machões!

E só por pudor termino este evocar de recordações, em que o cinismo apenas serviu para atenuar toda a revolta que ainda hoje sinto por tamanha estupidez, que é mandar mais de 500 jovens para a guerra na véspera de Natal, quando nada justificava essa decisão, pois ainda havia para cumprir um mês de IAO.

Felizmente para todos nós, poderemos festejar este Natal com aqueles que para nós são importantes e recordar todos aqueles com quem, infelizmente, já não podemos partilhar esta alegria.

A todos desejo que passem um Santo Natal e um óptimo 2008!!!

João Lima Rodrigues

3. Comentário de L.G.:

João, cumpriste todas as formalidades para poderes entrar na Tabanca Grande... O privilégio é teu, mas a honra é toda nossa... Arranja p'ra aí um lugar confortável. Espero que te sintas bem por cá, muito melhor do que a outra vez, quando andaste pelo Xitole e por Bambadinca, nos já idos anos de 1972/74... Só te falta um endereço de e-mail... Presumo que o tenhas, mas o Álvaro não mo mandou...

De facto, foi um sacanice o que te fizeram, mandarem-te para a Guiné, ainda por cima em 1971, em tempo de guerra, e mais grave ainda na véspera de Natal... Mas, olha, gostei da tua prosa... Ao menos vingaste-te, este Natal, dos Filhos da Mãe que te tramaram da outa vez...contando a história da sua sacanice... Escrever faz bem, a ti, a todos nós... Obrigado também ao Álvaro por, delicadamente, te trazer até à porta da nossa Tabanca. É um camaradão, esse Álvaro. Até à próxima. Luís

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post anterior desta série: 21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - 2372: O meu Natal no mato (8): Bissorã, 1964 (João Parreira, CART 730)


(2) Vd. post de 12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2372: O meu Natal no mato (8): Bissorã, 1964 (João Parreira, CART 730)



Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2006 > 13º Encontro Nacional de Combatentes >O João Parreira, à esquerda, e o Miranda, à direita: dois veteranos dos velhos comandos de Brá. O Miranda, do Grupo Os Panteras, foi instrutor do Parreira, do Grupo Os Fantasmas. O Parreira, voluntário nos Comandos, veio da CART 730/BART 733 (Bissorá, 1964/65).
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006). Direitos reservados.


Mensagem do João S. Parreira, ex-Fur Mil da CART 730/BART 733, ex-Comando (Guiné, 1964/66):


Caros Luís, Carlos e Virgínio,

FELIZ NATAL e PRÓSPERO ANO NOVO
extensivos aos vossos familiares
são os sinceros votos do
amigo e ex-camarada de armas
João

Caros Camaradas Editores Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote,


Sob o tema dos Natais passados na Guiné durante a nossa comissão tenho uma vaga recordação, tal como a de outros camaradas com quem contactei, de que o Natal de 1964, da CART 730, do BART 733 foi passado normalmente no aquartelamento de Bissorã onde não tinhamos nada que celebrar, ou antes, jovens como eramos tinha apenas que agradecer ao Poder Divino o facto de ainda nos encontrarmos vivos.

Por outro lado os nossos chefes, que estavam pomposamente instalados nos seus gabinetes, pouco ou nada se ralavam com a forma como passavamos as épocas natalícias, ou quaisquer outras.

Pensar muito na família nessa quadra natalícia também não ajudava muito pois embora estivessem a sofrer em silêncio com ausência de um dos seus, tentariam por certo gozá-la da melhor maneira.

Dois dias antes tinhamos regressado de uma nomadização de dois dias em que já no regresso e bastante fatigados pois tinhamos percorrido cerca de 40 kms nos encontrávamos com uma escassa energia para chegar ao ponto de irradiação quando sofremos uma emboscada na estrada de Barro que nos causou 3 feridos.

Para mitigar um pouco o clima em que se vivia, principalmente naquela quadra, talvez contribuisse a convivência com as duas inocentes bajudas que por aquela altura apareceram no aquartelamento. O fim do ano de 1964 passou-se igualmente com uma nomadização de dois dias.

Em Bissajar o IN reagiu com fogo ao cerco a uma casa de mato, e na bolanha de Marecunda fomos emboscados.


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Natal – Ano Novo 2007/2008
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Os verdadeiros camaradas são como as estrelas.
Nem sempre as vês, mas estão sempre lá.
Feliz Natal e Próspero Ano Novo

para todos os nossos camaradas e familiares
são os votos do João Parreira

Um abraço.

João Parreira

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Nota dos editores:



(1) Vd. posts de:









Guiné 63/74 - P2371: O Sold António Baptista não constava das listas de PG (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)


Maia > Moreira > Cemitério local > Foto do Jornal de Notícias, edição de 18 de Setembro de 1974, mostrando o soldado António da Silva Batista, a visitar a sua própria campa.

A notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide pode ler-se: "Em memória de António da Silva Batista. Falecido em combate na província da Guiné em 17-4-1972".

A foto, de má qualidade, foi feita pelo nosso camarada Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CArt 3492 (Xitole, 1971/1973), com o seu telemóvel, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, e remetida ao Paulo Santiago.
Foto: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.


A troca de prisioneiros de Guerra (PG)


Relatório da 2ª Rep. /Pág. 67/QG/CTIG

- (…) Presentes ainda: Maj Inf Hugo dos Santos, 1º Ten. Marinha Brandão, Cap. Cav. Sousa Pinto, Cap Cav Ramalho Ortigão e duas praças da PM. Todos estes elementos foram transportados num Nord-Atlas (Cmdt Cap Pil Av Carvalho) que fez duas viagens entre Bissau e Aldeia Formosa e que levou igualmente um representante do PAIGC, Cmdt Lamine Sissé, e cerca de vinte jornalistas nacionais e estrangeiros que se propunham fazer a cobertura do acontecimento.

- A permuta de PG não chegou a efectuar-se em 09Set, em virtude do PAIGC não ter apresentado os PG/NT, retidos em seu poder, nessa data. Como consequência, os elementos das NT e jornalistas regressaram pelas 16h00 a Bissau, tendo ficado em Aldeia Formosa o Cap. Ten. Patrício com os 35 PG/PAIGC, que aí aguardariam até à chegada dos PG/NT. Nesse mesmo dia, o Encarregado do Governo da PU telegrafaria à Direcção do PAIGC, manifestando a sua estranheza pela não apresentação dos PG por parte do PAIGC. Em resposta, Luís Cabral apresentaria desculpas, esclarecendo que a demora tinha sido devida ao mau estado das estradas, não tendo sido possível, por isso, transportar os PG como fora planeado.

- A troca dos 35 PG/PAIGC, pelos 07 PG/NT, retidos pelo PAIGC no Boé, só veio finalmente a concretizar-se em 14 Set. 74, às 11h00, no aquartelamento de Aldeia Formosa.

Estiveram presentes pelas NT:

Maj Inf Tito Capela
Maj Art Aragão
Cap Ten Patrício
Cap Inf Manarte
Fur Elias (2ª Rep/QG/CTIG)

O PAIGC esteve representado pelos seguintes elementos:

Manuel dos Santos (Sub-Secretário Informaçõ e Turismo/GB)
Carmen Pereira (membro do Conselho de Estado/GB)
Iafai Camará (Cmdt Aquartelamento de Aldeia Formosa)

- Recebidos os PG/NT, estes foram identificados imediatamente, tendo-se constatado que dos 07 PG entregues, 01 deles – Sold 109980-71, António da Silva Baptista/BCAÇ 3872 – não constava dos ficheiros de retidos pelo IN ou desaparecidos existente na 2ª REP/QG/CCFAG, pelo que foi imediatamente elaborada uma ficha, que foi entregue na 1ª Rep/QG, a fim de que fosse pesquisada a situação do referido elemento.

Feita a pesquisa, verificou-se que o Soldado mencionado tinha sido dado como morto, em 17Abr72, durante uma acção de emboscada em Madina-Buco, na qual as NT sofreram 01 desaparecidos e 10 mortos, 06 dos quais queimados por explosão na viatura em que seguiam. Este facto levou a confundir um dos corpos queimados com o elemento desaparecido, que veio a verificar-se agora ser o PG entregue pelo PAIGC, Sold Nº 10998071, António da Silva Baptista.

- Imediatamente após a identificação, os PG e comitiva regressaram, por via aérea, a Bissau onde desembarcaram cerca das 12h30 de 14 de Set 74. Ficaram instalados no HM Bissau, data em que seguiram por via aérea para Lisboa (1).

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Nota de vb:

1) vd posts de:


24 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1990: Carta aberta ao Cor Ayala Botto: O caso Batista: O que fazer para salvar a sua honra militar ? (Paulo Santiago)

3 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P2370: O meu Natal no mato (7): Destacamento do Rio Udunduma, 1969, Pel Caç Nat 52 (Beja Santos)

Guiné Sector L1 > Bambadinca > Pel Caç Nat 52 (1968/70) > Destacamento (!) da Ponte do Rio Udunduma, na estrada Bambadinca- Xime. Natal de 1969. Destacamento, é favor: uns bidões de areia, umas valas, umas chapas ... como tecto. Este rio era uma fluente do grande Geba...

Foto : © Beja Santos (2007). Direitos reservados.






Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > CART 2339 (1968/69) > 1969 > Pôr do sol.

Foto: © Carlos Marques Santos (2005). Direitos reservados.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Estrada Xime - Bambadinca > 1997 : Ponte (velha) do Rio Udunduma. Tudo (ou quase...) como dantes... Em 1969/71, no nosso tempo (CART 2339, do Torcato Menodnça e do Carlos Marques dos Santos, do Pel Caç Nat 52, do Beja Santos, da CCAÇ 12, do Henriques, do Reis, do Levezinho...) a segurança desta ponte, construída em 1952, era de importância vital para toda a zona leste (regiões de Bafatá e Nova Lamego). Ficava a 4 km de Bambadinca e a 7 do Xime. No ataque em força, a Bambadinca, em 28 de Maio de 1969, os guerrilheiros do PAIGC tentaram dinamitá-la. Embora parcialmente destruída (era de bom cimento armado...), continuou operacional (até à construção da nova estrada. já inaugurada em 1971), e por cima dela continuaram a passar inúmeros batalhões, viaturas blindadas, Matadores rebocando peças de artilharia, auto-gruas da engenharia, camiões civis e militares...

Já sabemos que a partir daí passou a ser defendida permanentemente por uma força a nível de pelotão, a cargo das unidades do BCAÇ 2852, como foi o caso por exemplo da CART 2339 (Mansambo) . A partir de 16 de Dezembro de 1969 a segurança permanente passou a ser feita pelos Gr Comb da CCAÇ 12 e pelo Pel Caç Nat 52 (Bambadinca) .

Havia apenas abrigos individuais, extremamente precários: bidões de areia com cobertura de chapa de zinco, e valas em zê comunicando entre os precários abrigos individuais. O destacamento (!) assentava sobre uma elevação de terreno, sobranceira ao rio e à ponte. (LG)

Foto: © Humberto Reis (2005) . Direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > O Tony (Levezinho) e o Humberto sentados na manjedoura... Era ali, protegidos da canícula, que tomavámos em conjunto as nossas refeições, escrevíamos as nossas cartas e aerogramas, jogávamos à lerpa, bebíamos um copo, matávamos o tédio... Os nossos soldados africanos, desarranchados, tinham que cozinhar a sua própria bianda e arranjar o mafé (conduto) ... Caricato: andavam com o saco de arroz às costas... O rio era rico em peixe, que se pescava à granada de sopro... Durante o dia, brincavam como putos, dando saltos para o rio e andando de canoa... (LG)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados


Série O meu Natal no Mato > Destacamento do Rio Udunduma, 1969, Pel Caç Nat 52

O texto aseguir é do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70). Por razões que se prendem com o stresse de Natal, não nos é possível publicar o episódio semanal da série Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos).
Ao nosso bom amigo e camarada Mário, e a todos os visitante deste blogue, as nossas amáveis desculpas e votos de boa continuação desta quadra festiva que, na Guiné, em tempo de guerra, tinha uma termendo significado para nós... Em geral, para muitos de nós, operacionais, a noite de 24 para 25 de Dezembro era passada no mato, ao frio e aos mosquitos... E, Dezembro, a temperatura atingia, à noite, valores (cerca de 15º!) que nos fazia bater o queixo, tornando ainda mais insuportável a solidão, a distância, a saudade... (2) (LG)


Tudo aquilo era horrível na ponte [o Rio Udunduma ] que protegia Bambadinca, mas estou rodeado de camaradas inesquecíveis, com quem partilhei as broas, os sonhos, os bolos e até os frutos secos, tão bem recebidos.

Podia dissertar sobre qualquer um desses camaradões, escolho o Mamadu Djau, o primeiro à esquerda, de pé, o nosso bazuqueiro de elite, Cruz de Guerra de 3ª classe. Destemido nas flagelações de Missirá, devo-lhe o governo das tropas depois da mina anticarro, em Canturé, Outubro de 1969.

Irei visitá-lo em 1991 ,será o reencontro mais comovente de todos. Recebeu-me vestido à europeia, em Amedalai, a caminho do Xime. Tirámos fotografias com todos os familiares.Quando julgava que a nossa despedida fosse simples, ele marcou-me para o resto da vida:
- Tu não me vieste buscar? Tenho tudo pronto para partir contigo. Depois do que sofri pela nossa bandeira, tinha essa esperança de que me vinhas buscar depois do que vivemos juntos.

Beja Santos (3)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores desta série, Um Natal no mato:
16 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2355: O meu Natal no mato (1): Jumbembem, 1965: Os homens às vezes também choram... (Artur Conceição)

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2357: O meu Natal no mato (3): Banjara, 1965 e 1966: um sítio aonde não chegavam as senhoras da Cruz Vermelha (Fernando Chapouto)

18 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2361: O meu Natal no mato (4): Cachil, 1966: A morte do Condeço e do Boneca, CCAÇ 1423 (Hugo Moura Ferreira / Guimarães do Carmo )

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2364: O meu Natal no mato (5): Mato Cão, 1972: Com calor, muito calor, e longe, muito longe do meu clã (Joaquim Mexia Alves)

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2366: O meu Natal no Mato (6): Peluda, 1969: a Fátria, Manel (Torcato Mendonça)

(2) Vd. outros posts sobre o nosso Natal em tempo de guerra: série Feliz Natal, Próspero Ano Novo e Até ao Meu Regresso:

17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1373: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (1): As Nossas Festas... Quentes e Boas (Luís Graça / José Martins)
17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1374: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (2): Seguindo a Estrela, de Missirá a Belém (Beja Santos)
18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1375: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (3): A LFG Sagitário no Rio Cacheu (Manuel Lema Santos)
19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1379: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (4): Mansambá, 1970 (Carlos Vinhal, CART 2732)
19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1380: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (5): Poema: Missirá, 1970 (Jorge Cabral)
19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1381: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu regresso (6): comandos de Brá em 1965, crime e castigo (João S. Parreira)
19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1382: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (7): No longínquo ano de 1968 em Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis)
20 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1383: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (8): CART 2732, Mansabá, 1971 (Carlos Vinhal)
21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1387: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (9): Catió, 1967 (Victor Condeço)
22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1390: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (10): Os Maiorais de Empada, 1969 (Zé Teixeira)
2 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1396: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (11): 1969, na Missão do Sono, em Bambadincazinho (Luís Graça)

(3) Outros textos do Beja Santos e de outros camaradas sobre o Natal:
26 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2216: Os nossos vídeos (1): Feliz Natal e até ao meu regresso (Tino Neves)
22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1392: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (26): Missirá, 1968, um Natal (ecuménico)
18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1376: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (25): O presépio de Chicri

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P2369: Estórias cabralianas (30): Um Natal em Novembro (Jorge Cabral)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Missirá > Pel Caç Nat 63 > 1970 ou 1971 > O Alf Mil Art Cabral mais o seu amigo Malan.

Foto: © Jorge Cabral (2005). Direitos reservados.


1. Mensagem do Jorge Cabral:

Querido Amigo,

Para ti e todos os Tertulianos, o Bom, o Melhor, o Óptimo!

Estar vivo é já celebrar o Natal!

Abraço Grande
Jorge

PS - Junto Foto. Regressado de uma operação, tinha sempre à minha espera o meu Amigo Malan.


2. Estórias cabralianas (30): Um Natal em Novembro
por Jorge Cabral


Amanheceu igual, só mais um dia em Missirá. Para o Mato Cão, vai o Alferes, uma secção, e o maqueiro Alpiarça. É lá chegar, esperar, ver o barco e voltar. Não há tempo para o sonho – do outro lado nem Gaia, nem Almada…

Já estamos de regresso, ouvimos restolhar. Vem aí gente. Neste lugar só podem ser os turras. Claro que, como sempre, o Alferes empunha apenas o seu pingalim e, em vez do camuflado, enverga camisa branca e calções de banho.

Paramos, agachamos, aguardamos. Porra, e se são muitos? Apanhado à mão, assim vestido, pensa o Alferes… Mas não, são três mulheres e um bebé. Doente, muito doente, informa a jovem mãe. Quem são, de onde vêm, ninguém pergunta.

Monta-se segurança, rodeando a mãe, o filho e o Alpiarça. O bebé está muito mal, quase não respira.
- Dá-lhe soro, aspira o muco, alivia-lhe os brônquios – grita o Alferes, subitamente médico.

Arrebita o bebé, elas agradecem e partem. Não perguntou o Alferes para onde, mas não era difícil adivinhar…

Foi em Novembro, estava calor, o Menino era Braima e não Jesus, nenhuma estrela iluminava o céu, e o Alferes não se parecia com os Reis Magos. Porém ainda hoje, ele acredita, que ali no meio do mato, naquela tarde, aconteceu Natal.

Jorge Cabral

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 16 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2354: Estórias cabralianas (29): A Festa do Corpinho ou... feliz o tuga entre as bajudas, mandingas e balantas (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P2368: Direito de resposta (1): Do Ex-Capitão Carlos Matos de Oliveira, ao Ex-Fur Henrique Cerqueira, da CCAÇ 13 (Bissorã, 1972/74)

1. Texto do ex-Cap Carlos Matos de Oliveira, comandante da CCAÇ 13


Camaradas de Armas,

Li as declarações de ex-Furriel Henrique Cerqueira (1), da CCAÇ 13, e, como todos os relatos pessoais de guerra, são subjectivas e como tal não discutidas. Porém há imprecisões que como Capitão da CCAÇ 13 na época, tenho que repõr, com alguns comentários, para bem da história da Companhia.

(i) Tanto quanto me recordo ninguém passava férias no Natal na metrópole. Era regra do Com-Chefe segundo todos se lembram. A CCAÇ 13 não era excepção.

(ii) Confirmo que foi negado a todos que tinham lá Família ficar no Quartel. Era compreensível que por questões de segurança nessas datas toda a gente fosse para fora do quartel até à meia noite ou uma hora.

(iii) Quero rectificar que não me sinti vítima de qualquer Governo da altura. Tenho documentos que provam que as razões que me motivaram na continuação nas fileiras não foram de cariz político nem económico. Não cobro nada de ninguém e sinto-me recompensado com o afecto que todos os que tive o privilégio de comandar ainda hoje me demonstram. Estou disponível para responder a todos em tribunal ou na praça pública pelas minhas acções quer como militar quer como homem nesse período.

(iv) Lamento muito que, ao ex Furriel Cerqueira, não tenha conseguido, como seu comandante, impregná-lo dos Valores mais altos que encontrei até hoje, os de ser SOLDADO.

A todos desejo Boas festas e um Novo Ano sempre melhor.

Sinceramente, do sempre disponível soldado e amigo

Carlos Matos de Oliveira
Rua de St Justa 86
Porto
Telf 22 6099200 (escritório) / 22 5498698 (casa)

2. Comentário de L.G.:

Deve-se esclarecer que o Henrique Cerqueira fez questão de não identificar nenhum dos protagonistas desta cena, a começar pelo seu comandante (1). Naturalmente que todos os camaradas que se sintam, directa ou indirectamente visados por textos publciados no blogue, têm direito de resposta. Obrigado ao Carlos Matos de Oliveira pelos esclarecimentos que entendeu dever dar-nos.


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Nota de L.G:

(1) Vd. post de 17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

(...) Omito nomes para que só seja entendida a história,se achares que como história não vale nada,não há problemas porque me fez muito bem escrever hoje fim de tarde friorento e até te digo estou aliviado e feliz, e seja o que Deus quiser.(...).

(...) Capitão, Alferes, Médico... não se sintam culpados, vocês foram vítimas da BESTA e com a vossa atitude permitiram o meu "Milagre de Natal", daí esta minha introdução que só os protagonistas entenderão. (...).

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2367: Parabéns a você (1): Humberto Reis, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71): born in Portugal, December 19th, 1946 (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1969 > O famoso e imponente bagabaga, existente nas imediações de Bambadinca. No topo vê-se o Humberto Reis. O júri do Concurso O Melhor Bagabaga nunca se reuniu, mas eu por mim dava o prémio a esta foto (1).

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12 , deslocando-se numa bolanha em zona controlada pela guerrilha do PAIGC... O primeiro tuga que se vê na foto é o Humberto Reis, ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71. Na época teria 23 aninhos, mas já com uma careca a denunciar mais idade... De qualquer modo, o cabelo que lhe tinha a cair, caiu na Guiné...

Guiné > Zona Leste > Geba > O Humberto Reis na ponte sobre o Rio Geba, a noroeste de Bafatá... Sempre revelou uma atenção precoce por ponte e estruturas similares... Talvez isso explique a opção, mais tarde, pelas engenharias...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Passados largos meses, após o ataque a Bambadinca (Maio de 1969), ainda eram visíveis os sinais da tentativa de destruição da ponte... na estrada Xime-Bambadinca que era vital para o abastecimento da Zona Leste... Em que é que pensaria o nosso Humberto ? Talvez na ementa do jantar: arroz de peixe, apanhado à granada no rio (1)...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Três tugas do 2º Gr Comb, com ara de desalento ou de cansaço, no regresso de mais uma operação: da eswquerda para a direita, o 1º Cabo Alves (mais conhecido por Alfredo) e os Fur Mil Reis e Levezinho...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > CCAÇ 12 > Sinchã Mamajai > Janeiro de 1970 > A secção do Humberto Reis (2º Gr Comb) na tabanca em autodefesa da Sinchã Mamajai. Em primeiro plano, o 1º cabo Alves (mais conhecido pela sua alcunha, Alfredo, sempre bem disposto e prestável).

Para a posteridade aqui fica, a composição da 2ª secção do 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (3):

Fur Mil Op Esp 05293061 Humberto Simões dos Reis; º Cabo 17626068 José Marques Alves; Soldado Arvorado 82116569 Mamadu Baldé (Fula); Soldado 82101469 Udi Baldé (Futa-fula)Sold 82101069 Sajo Candé (Fula); Sold 82108069 Alfa Jaló (Fula); Sold 82116469 Iéro Juma Camará (Ap Mort 60) (Futa-fula); Sold 82111969 Mamadú Jaló (Mun Mort 60) (Fula); Sold 82111069 Adulai Baldé (Fula); Sold 82117269 Adulai Bal (Fula).

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Xime-Bambadinca > 1970 > Montando segurana a uma coluna em trânsito ou aos trabalhos da Tecnil (comnstrução da nova estrada)... O Humberto Reis apanhado num momento de grande comunhão com a natureza (luxuriosa) da Guiné... Uma faceta contemplativa, menos conhecida, do nosso ranger...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > Coluna logística ao Xitole... Pergunta o Humberto Reis: "Zé Vacas de Carvalho: Conheces este rapazinho de lencinho ao pescoço no Xitole? À tua direita, estou eu e à esquerda - penso eu, se a memória me não falha - o furriel enfermeiro Godinho da CCS do BART 2917 que foi connosco, à turista... À direita, temos o nosso amigo e camarada da CCAÇ 12, o furriel miliciano T. Roda". O Alf Mil Cav Vacas de Carvalho era o comandante do Pelotão Daimler, estaccionado tal como a CCAÇ 12 em Bambadinca (1969/71). Era um pouco mais novo que nós...

Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

1. Uma explicação do editor L.G.:

O Humberto Reis, ex-furriel miliciano de operações especiais (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) - na vida civil, engenheiro, empresário, ligado à concepção de sistemas de ar condicionado - é um dos mais antigos membros da nossa tertúlia. Um tertuliano da primeira hora.

Foi meu camarada na CCAÇ 12, camarada de quarto e de operações... Conhecemo-nos no Campo Militar de Santa Margarida, depois de sabermos que o nosso destino era a Guiné, onde viríamos a formar, em Contuboel, uma companhia africana, independente, de intervenção... Magníficos os 50 dias que passámos nesse paraíso que se chamava Contuboel, a formar uma companhia, pau para toda a obra, com soldados africanos, fuals, que não falavam português... Bom, o resto a seguir, e até ao final da nossa comissão (Março de 1971), já não foi tão divertido...

O Humberto é também apresentado no nosso blogue como "o nosso primeiro e até agora único mecenas". Temos com ele uma dívida de gratidão, mesmo que ele o negue. De facto, pagou do seu bolso todas as cartas militares da antiga Guiné Portuguesa, cartas essas que são consideradas uma obra-prima da nossa cartografia militar eque continuam a ser-nos muito úteis.... O Humberto pagou ainda do seu bolso a digitalização desssas cartas na Rank Xerox. Andamos a prometer há tempos que, em breve, todas as cartas militares da Guiné estarão disponíveis em linha, incluindo as ilhas.

O Humberto é/foi também, um dos nossos fotógrafos de serviço.

Logo no início do nosso blogue, escrrevi o seguinte (4):

(...) O Pai Natal do Humberto Reis fez-me chegar mais umas cartas (militares) da 'nossa' Guiné... com alta resolução, de modo a permitir localizar os sítios por onde andámos no mato... No cabaz de Natal vinham as seguintes cartas: Mansoa (que inclui também Bissorã), Cadoca/Gadamael, Guileje, Binta, Bula, Pelundo...

(...) Divirtam-se, sobretudo aqueles de vós que aprenderam na tropa a orientar-se só com bússola e mapa... Deixem-me dizer-vos que, apesar dos nossos excelentes mapas (chegámos a ser os melhores cartógrafos do mundo, na épcoa dos Descobrimentos!), nunca vi comandante de operação, no meu tempo, dispensar o guia das milícias...


A resposta do Humberto Reis aparceu nestes termos singelos:

(...) Se vocês soubessem o prazer que me dá olhar para aquelas cartas compreendiam o gosto que tenho em as partilhar convosco. Imagino a cara de alguns de vocês a recordarem as picadas e os trilhos que lá estão assinalados e a recuarem 30, 35 e 40 anos atrás. A mim não me faz sentir velho, mas apenas saudoso de alguns tempos bons que passei naquela terra, apesar dos muito maus. Se não fossem esses tempos estaríamos agora aqui a conversar uns com os outros? (...)

O editor do blogue confidenciou, logo na altura, o seguinte:

(...) Pessoalmente confesso que, com estas cartas militares (que temos vindo a disponibilizar no nosso blogue) e com as estórias que vocês têm contado (para não falar do valiosíssimo álbum de fotografias e de outros documentos...), conheço melhor hoje a Guiné de 1969/71 do que naquela época, quando eu lá estava...


O Humberto tem sido um discretíssimo, amável, solidário e generoso tertuliano. Tenho, temos, para com ele, uma dívida de gratidaão... Lembrei-me, por isso, de fazer hoje uma pequena homenagem ao meu amigo (e vizinho) Humberto e ao nosso camarada Reis, a pretexto dos seus 61... aninhos, feitos ontem. Já lhe telefonei ontem, estava com uns amigos na ANA, a almoçar... Sabe sempre bem sabermos que os nossos amigos se lembram de nós no dia de anos, mesmo que a gente diga a todo o mundo que já não tem idade para ligar a essas coisas...

Humberto, não fiques zangado com a surpresa (e a inconfidência): daqui até ao quilómetro 100, ainda tens/temos muito que palmilhar... E já que tem que ser, que estejamos juntos, como velhos e bons camaradas e amigos. Com a tua Teresa e as tuas meninas.

Aquele abraço tabancal... da rapaziada toda, da CCAÇ 12 e do resto das Companhias, que formaram em parada, nesta imensa blogosfera, só para te dizer: Ranger YYYYAAAAAAAAAAA... Ranger YYYYAAAAAAAAAAA... Ranger YYYYAAAAAAAAAAA...

Luís Graça




Montemor-o-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Reunião da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > Videoclipe: Guiné > O Grito do Ranger (duração 7 ss).

Texto e videoclipe: © Luís Graça (2006). Direitos reservados. Vídeo alojado no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

No encontro na Ameira, em 14 de Outubro, descobriu-se quem era ranger e quem não era... O Magalhães Ribeiro que veio do Norte, juntamente como seu inseparável amigo, o ranger Casimiro, quis brindar-nos com o célebre Grito do Ranger.... Enquanto o diabo esfregava um olho, já ele tinha pronta a sua equipa, tudo gente formada e treinada no célebre Centro de Operações Especiais de Nova Lamego.

Neste videoclipe, temos por ordem, da esquerda para a direita, os rangers Capitão Sampedro, e os Furriéis Chapouto, Ribeiro, Reis e Casimiro... Foi o momento guerreiro da tarde. Obrigado, rangers. Agora percebo por que é que um ranger não se pode desfardar: por debaixo da farda, tem pele de ranger, é-se ranger para toda a vida...

Na bela e ensolarada tarde alentejana, a fazer lembrar as tardes calmas da Guiné, calou fundo este Grito de Guerra dos Rangers Portugueses, ecoando pela planíce alentejana... (LG) (5).

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Notas de L.G.:

(1) 7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1347: Concurso O Melhor Bagabaga (1): Bambadinca (Humberto Reis / Luís Graça)

(2) 30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1131: Um dia (feliz) na ponte do Rio Udunduma, com o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Luís Graça)

(3) 21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia) (Luís Graça)

(4) 13 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXIV: Chicorações para o nosso Pai Natal (Luís Graça)

(5) 16 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1182: Ameira: O Grito de Guerra dos Rangers ecoando na planície alentejana (Luís Graça)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2366: O meu Natal no Mato (6): Peluda, 1969: a Fátria, Manel (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato José Mendonça (o segundo da esquerda), sentado, junto a malta do seu Grupo de Combate, no exterior do respectivo abrigo. Foi em aquartelamentos, como este, forticados, com abrigos subterrâneos, cercados de mato por todos os lados, e pelo IN (ou o seu fantasma), que os tugas aprenderam o sentido da palavra Fátria, mesmo que ela não constasse, na época, do seu vocabulário (LG).

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de Torcato Mendonça:

Meus Caros: de facto o Natal, nesta sociedade de consumo está esquisito. Mas é natural. Contudo é Natal, sinónimo de dia de maior dádiva, maior tolerância… Tenho a minha maneira de sentir o dia. Respeito outros que o sentem e comemoram de diferentes maneiras.

O meu Natal da Guiné, Post 1892 foi em Junho de 2007 (1). Falei dos mortos do meu Grupo. Mórbido? Talvez.

Hoje envio um anexo. Terá a ver com o Natal?! Não sei. Tem a ver com amizade, com o ser tramado pela Pátria ou Mátria (lembro-me sempre da Natália Correia) e pode, além de não ter préstimo, de estar muito cortado, mesmo assim ferir, em sítios como este, algumas susceptibilidades. Mas quando estiver com o Manel, prometo dizer-lhe: Ensinaram-me uma palavra nova; FÁTRIA e digo-lhe o que é… vamos sorrir e certamente aceitar. Aceitamos! Devia ser mais sentida… porque não, seguida…

Aproveito para mandar para vocês e, através de vós, a toda esta enorme Tertúlia: Votos de Boas Festas.

Um Santo e Feliz Natal.

Um 2008 com SAÚDE e que os Vossos Desejos se concretizem.

Segui o teu conselho, Luis Graça, ofereci a mim mesmo o DVD do filme [sobre a Guiné, As Duas Faces da Guerra, lançado hoje]. Espero que o Midas o envie. Pedi-o hoje. Certamente o vou emprestar…

Um abraço,
Torcato Mendonça

2. O meu Natal no mato (6): Meninos no Natal de 69,
por Torcato Mendonça


Chuva miudinha, caindo leve e docemente, entristecendo mais o fim da tarde fria de Dezembro, em vésperas de Natal.

Dois homens, dirigem-se para o Café – Restaurante, cabeça baixa, passo apressado em fuga ao frio e chuva.

Um levanta olhar. Pára. Tenta chamar o outro e nada diz. Sai só um eh pá. Olham-se. Empurrados por mola invisível, dão passos mais largos e abraçam-se. Abraço longo, forte, sentido, indiferente à chuva e frio. Palmadas nas costas e, pouco depois mãos nos ombros. Olham-se. O calor do abraço, seca a leve chuva e mesmo alguma lágrima, atrevida, que lhes escorre pelas faces.
- Então pá?
- Tudo bem, tudo bem. Já cá estamos.

Olham-se e nada mais dizem. Palavras para quê? O pensamento, esse volta atrás e pára rápido, como só ele é capaz, indo até ao tempo em que ambos eram meninos. Menino mais, menino menos. Meninos!

Entraram na Escola no mesmo dia. Na mão direita um levava uma sacola de pano, o outro uma mala de cartão pintado. Na mão esquerda eram iguais. Davam-na aos pais que, naquele primeiro dia de aulas, os acompanhavam.

Partilharam a mesma sala, a mesma carteira. Fizeram copianços em cumplicidade matreira, longe do olhar ríspido da professora.

No final da 3ª classe separaram-se. Um ficou na escola, o outro foi para o colégio. Mais tarde, um foi aprender a arte da mecânica auto e o outro prosseguiu os estudos.

Nunca perderam o contacto, a amizade forte, as conversas em partilha de desejos, de segredos e de ideias. Ambos sabiam o País triste onde viviam e que amavam. Sabiam que Ele gostava mais de uns do que de outros. Sabiam e detestavam certa gente feliz e emproada, própria da sua mediocridade de vida. Os felizes, sossegados, alinhados. Eles preferiam, preferem, o desassossego.

Foram às sortes, ou melhor, à inspecção militar juntos. Vexatório. O chefe daquela gente ditou a sentença: Apurados.

Um ano e pouco depois, nem tanto, primeiro um depois outro foram chamados a servir a Pátria. Saiu um mecânico – auto e um oficial miliciano, atirador de qualquer coisa. A ambos foi dado o mesmo destino: Guiné. Só diferiram nas datas da partida. Mantiveram o contacto, mesmo lá, enviando bate-estradas, azulados ou amarelados, animando-se mutuamente.

Por mero acaso encontraram-se em Bissau. Festejaram o encontro numa tasca próximo da Amura. O Manuel sabia haverem lá petiscos alentejanos. Até torresmos, dizia ele ao José. Confraternizavam comendo, bebendo, rindo, pensamento longe dali, a sentirem-se novamente meninos.

Hoje, ali estavam, em regresso ao País deles, sentados à mesa do café – restaurante, beberricando tinto alentejano, petiscando, alegres como meninos a trocarem berlindes, piões ou outros brinquedos. Trocavam, agora, palavras e risos, sentindo a felicidade do encontro e o regresso.
- Conseguiste vir passar o Natal.
- Consegui. Cheguei há poucos dias. E tu, continuas por Lisboa?
- Não, porra, não é Lisboa. Fica perto. Periferia, dizem eles. O que interessa é ter vindo até cá. Os meus Velhotes já desesperavam. Temos tempo para conversar nestes dias. Que pensas fazer agora, Zé?
- Não sei. Estudar não me apetece. A cabeça está baralhada. Arrumo ideias. Preciso disso, de pôr muitos assuntos em ordem e depois logo se vê.
- Isso passa, vais ver. Nos primeiros tempos sonhava com aquilo. Passaste lá só um Natal, não foi?
- Só o de 68. Parti de cá em Janeiro desse ano e vim agora. Tu passaste dois, não foi?
- Foi. Um no mato, outro já em Bissau. Natais esquisitos com aquele calor, as saudades a apertarem, a tristeza. Não quero recordar. O teu Natal como foi?
- Dia praticamente igual aos outros. Normal e felizmente sem porrada. Recordo os pensamentos que enviei para cá. Certamente os de cá fizeram o mesmo. Olha encontraram-se a meio caminho, no deserto. Nesse dia choveu por lá finalmente. Recebi do Movimento Nacional Feminino um pequeno estojo de barba. Eu que tinha uma barba enorme. Barba de estimação. Acabei por dar o presente aos Milícias.

Sorriam felizes pelo encontro e tristes pelas recordações.
- Que presentes recebeste nos teus Natais?
- Eh, pá, não quero recordar. Desculpa, esquece. Não dá.

Param, olham-se em silêncio e agarram os copos. Indiferentes a quem os rodeia, fazem uma saudação e, em uníssono dizem:
- Cabrões, filhos de puta… bota abaixo.




Enchem de novo os copos, em silêncio. Mudam de tema de conversa e voltam a sorrir.

Encontram-se hoje, mais em troca de palavras pelo telefone. De quando em vez um abraço, uma conversa sobre assuntos diversos. Raramente falam da Guiné e dos Natais lá passados.

Meninos felizes que foram, jovens de juventude perdida, porque roubada e hoje estão em velhice, por isso mesmo, apressada…

Ficção? Realidade? Que interessa isso se ambos, como tantos, foram tramados…

Natal!
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Nota dos editores:
(1) Vd. post de 27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1892: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): O Casadinho e o Bessa, os mortos do meu Gr Comb, os meus mortos