segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda, 1961/63)

Mensagem de George Freire, de 21 de Dezembro de 2008

O vosso Blog Luís Graça e Camaradas da Guiné

Caro Luís Graça,

Tenho seguido com interesse o teu blog Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Sou um pouco mais velho do que tu, (fiz 75 este ano). Formei-me na Academia Militar, (nesses tempos com o nome Escola do Exército), no ano de 1955. Entre outros camaradas de curso e bons amigos de hoje e, claro, reformados: Generais Hugo dos Santos, António Rodrigues Areia, Adelino Coelho, António Caetano, Coronel João Soares, (famoso pelo seu blog Do Miradouro), Coronéis Costa Martinho, Maurício Silva, e tantos outros.

Servi na Guiné de 26 de Maio de 1961 a 26 de Maio de 1963.

Nesses tempos as coisas não começaram a aquecer até princípios de 1962.

Comecei em Fulacunda como Tenente na Companhia 164 , comandada pelo Capitão Curto. Passados dois meses, fui promovido a Capitão e segui para Bissau como comandante de uma Companhia de nativos. Daí passei para Nova Lamego (Gabu), como comandante de uma Companhia mista de nativos e tropas brancas. Nos últimos 6 meses estive em Bedanda como comandante da 4ªCCaç. Foi nessa altura que as coisas começaram a aquecer de verdade.

Hoje vivo nos Estados Unidos da América, há já 40 e tal anos.

Vou a Portugal todos os anos onde me encontro com velhos amigos do meu curso e com família chegada que ainda felizmente se encontram bem.

Aqui seguem 3 fotos, duas do ano de formatura em 1955 e uma actual tirada no passado mês de Maio em Lisboa.





Com os meus amigos e antigos camaradas Hugo dos Santos e Antonio Rodrigues Areia. Eu estou na frente do lado direito da foto. O meu primo Marcel Mexia está atrás, no lado direito.

O meu Diário da Guiné

Como história, transcrevo partes de um diário que encontrei no meio de papelada antiga numa gaveta da minha secretária. A primeira entrada no diário foi no dia 31 de Janeiro de 1963 e a última, no dia 28 de Maio do mesmo ano.

Aqui vai:

31/1/63:

Ataque de terroristas aos Fulas de Emberém [Iemberém]. Mataram o chefe da tabanca e outros 6 Fulas.

2/2/63:

Acção em Boche Falace pelas minhas forças de Emberém. Um grupo de terroristas balantas em fuga deixou grande quantidade de arroz cozido (!).

6/2/63:

O nosso destacamento em Salancaur foi atacado às 00:30. Tivemos baixas: um furriel e um soldado foram mortos do nosso lado e vários terroristas foram abatidos. Nesta mesma noite, também atacaram o nosso destacamento em Cacine, mas felizmente não houve baixas a assinalar.

8/2/63:

Fui a Bissau tratar de vários assuntos da Companhia [4ª CCaç].

9/2/63:

Volta de Bissau. Manga de trabalho em atraso devido as acções dos últimos dias. Recebemos informação de que vários terroristas passaram ao largo, vindo de Catió para a zona de Cacine. As instalações da Ultramarina foram assaltadas e o encarregado europeu foi morto.

10/2/63:

Lista de material extraviado em combate: 1 capacete em Chugué, 1 espingarda Mauser e1 pistola-metralhadora em Emberém.

Esta madrugada as instalações da Gouveia em Salancaur foram atacadas. Os terroristas levaram cerca de 10 toneladas de arroz e outros géneros de comida.

11/2/63:

Efectuámos acções em Emberém, Salancaur e Cadique. Vários elementos terroristas que tinham tomado parte no assalto aos Fulas de Emberém foram aprisionados e enviados para a sede do Batalhão.

12/2/63:

Um alfaiate mandinga, Mamude Djassi, que tinha sido aprisionado em Chacual pelos terroristas e que passou vários dias num dos seus acampamentos, conseguiu fugir e apresentou-se ao nosso destacamento do Chugué. Foi transportado para o nosso quartel em Bedanda. Enviei um rádio para o Batalhão para que este Mandinga possa ser aproveitado como guia na acção que está a ser preparada pelo Batalhão.

13/2/63:

Enviei um pelotão para Salancaur para proteger o embarque de arroz da Ultramarina e da Gouveia.

14/2/63:

Patrulhamento feito em Emberém e Cadique. Nesta última povoação tivemos contacto com terroristas Balantas que puseram alguma resistência mas acabaram por fugir. Três foram abatidos.

15/2/63:

O nosso quartel em Bedanda foi visitado por 3 directores da CUF, procurando informações do que se está a passar na região. Nessa mesma altura, terroristas rebentaram um pontão na estrada de Catió junto de Timbo. Houve também grande tiroteio em Chugué e algumas explosões na estrada próxima da área. Os 3 directores ficaram bem informados do que se está a passar...

16/2/63:

Chegou o Pelotão de acompanhamento da Companhia 273. Uma patrulha das nossas forças do Chugué foi atacada por um grupo armado de pistolas-metralhadoras. Não sofremos baixas mas 2 terroristas foram abatidos.

Regressou à base o Pelotão destacado em Salancaur. Foi rendida por novas forças a Secção que se encontrava destacada em Emberém.

17/2/63:

Continuaram a chegar mais elementos da companhia 273.

18/2/63:

Reconhecimentos feitos a Salancaur, Emberém e Cadique. Aprisionámos alguns dos elementos que tinham atacado o nosso destacamento de Salancaur.

22/2/63:

Fomos visitados aqui em Bedanda pelo Comandante Militar e pelo Major Mira Dores, durante a altura em que tínhamos começado uma acção no mato de (Nhairom?), com 2 pelotões da CCaç 273 e 1 Pelotão da minha Companhia.

23/2/63:

Regresso da acção. Pobres resultados. Foram encontrados vários acampamentos terroristas, abandonados mas com indícios de terem sido ocupados recentemente. Foi rendida a secção de Emberém.

25/2/63:

Reconhecimento feito em Salancaur e Mejo. O Capitão Delfino, comandante da Companhia que substituiu a CCaç 74, visitou-nos, para discutirmos colaboração.

26/2/63:

Outra visita pelo Comandante Militar e o Comandante da Força Aérea, para discussão sobre a colaboração da FA na próxima operação que iremos executar. Pormenores foram discutidos em detalhe.

27/2/63:

O Capitão Relvas veio da sede do batalhão visitar-nos em Bedanda. Aparentemente, o comandante do Batalhão está chateado por não ter sido consultado nos detalhes de apoio pela FA. e tomou a decisão de fazer a operação sem esse apoio. (Incompreensível!).

A acção começará esta noite a partir das 00:04.

A acção terminou pelas 15:00 do dia 28/2/63. Os resultados que poderiam ter sido bastante satisfatórios, foram praticamente nulos, pois vários grupos de terroristas conseguiram, (devido a configuração e extensão do terreno de acção), fugir e dispersar. Se a FA tivesse colaborado os resultados teriam sido tremendos, pois o número de terroristas que conseguiram infiltrar-se entre as nossos forças foi considerável. (Esta foi a opinião de todos os comandantes de pelotão directamente envolvidos na acção. Na área onde a minha companhia actuou, notamos exactamente os mesmos resultados).

É evidente que os terroristas foram avisados da operação a tempo de poderem debandar. Nada me admira, pois temos um número considerável de soldados nativos, incluindo Balantas...

(...)

Tenho ainda mais algumas histórias para contar, (entre os primeiros dias de Abril, até a altura em que fui rendido, 20 de Maio de 1963).

Um abraço,

George Matias Freire

__________

Notas de vb:

1. Caro George Freire:

Cabe-me mandar tocar a "ombro arma" à tua entrada. E aguardo que dês ordem para nos mantermos em sentido, enquanto agradecemos a "oferta" do teu espólio. São muito poucos os Camaradas desses anos do início da nossa Guerra na Guiné. Escreve sobre aqueles princípios da década de 60 e envia imagens desse tempo, se as tiveres.


Guiné 63/74 - P3680: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (15): Uma história real.


A história que vai junta é real e aconteceu em Bafatá no ano de 1967. Só os nomes foram alterados.



Pretende ser um pequeno complemento à matéria do POST 3662 da autoria do Virgínio Briote – "As nossas mulheres, companheiras, amantes e casadas com a Guiné".
Para todos, um BOM 2009.


Alberto Branquinho



NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (15)


SURPRESAS



Aconteceu em Bafatá, no regresso de uma operação de quatro dias.
A acção fora concertada com pára-quedistas e comandos e apoio permanente da Força Aérea.
O sucesso militar que se pretendia terá sido alcançado.
Houve muitas baixas, mortos e feridos, muitas vezes evacuados só no dia seguinte, porque as sessões de fogo mais violentas foram ao anoitecer.
No final, a Companhia foi recolhida pelas viaturas próximo do local que fora, quatro dias antes, o ponto de partida.
Rolavam em zona de relativa segurança, em direcção a Bafatá. Muitos soldados iam deitados nas caixas das viaturas, em extremo cansaço. Alguns adormeceram. Acordaram quando as viaturas pararam. Olharam em volta e preparavam-se para saltar, pensando em emboscada ou outro problema. Espantados, olharam as casas, algumas com segundo andar. Imediatamente e em todas as cabeças surgiu uma ideia – ÁGUA.


O capitão saltou da viatura, chamou os alferes e, depois, berrou para as viaturas:
- Pessoal! São só dez minutos. Vou ali ao Comando e volto já, para regressarmos ao quartel.
Mal se afastou, os militares desapareceram nas esquinas mais próximas, tentando conseguir água.
O Furriel Jerónimo, cansado e sedento, saiu da viatura e foi sentar-se à sombra, na pedra da porta de uma casa, no outro lado da rua. A bandoleira da G-3 escorregou-lhe do ombro e a coronha bateu com violência contra a porta. Esta abriu-se quase imediatamente e surgiu um homem fardado, que se lhe ia dirigir de forma pouco amistosa, quando o Furriel Jerónimo o fez calar, exclamando:
- Fonseca! Carlos Fonseca!


O outro ficou com a fala presa atrás da garganta e, engasgado:


- Oh! Oh! … Que fazes aqui?
- Estou a regressar de uma guerra.
- Estavas na operação "Bate Forte"?
- Sei lá como se chamava…
- Eu estou nos Comandos. Estive lá também até ontem à tarde. Manga de porrada, hein?
- É verdade. Mas que estás tu a fazer aqui, numa casa civil? Putas?
- Não, pá. Lembras-te da Eduarda Costa, que andava um ano atrás do nosso? O pai dela era o gerente da firma Costa & Lopes, mesmo ao lado do Liceu?
- Sim… sim.
- Casámos antes do embarque. Teimou em ir para Bissau, quando nós lá estávamos. Ficou lá quando saímos e depois veio para aqui. Só a malta do meu Grupo de Combate é que sabe. Já lhe disse e repeti que ela não pode estar aqui. É uma chatice quando eu tenho que sair para o mato. Mas ela falou com as freiras e fica lá. Quando estou cá, desenfio-me.
Então, voltou-se para dentro de casa:
- Dáda! Dáda! Vem aqui. Tenho uma surpresa para ti.
E, dirigindo-se ao Furriel Jerónimo:
- E para ti, também.


Eduarda aproximou-se da porta, olhou, receosa, para o exterior, tendo a figura do Jerónimo em contraluz. Não o reconheceu. Trazia, ao colo, um bebé adormecido, vestido só com uma fralda.


- É um rapaz. Nasceu em Bissau há três meses.
__________

Notas de vb:

Último artigo da série em

Guiné 63/74 - P3679: Trasladações dos nossos Camaradas. (Carlos Silva).

Trasladações dos nossos Camaradas – Direito à indignação





Tal como o nosso camarada José Martins refere no Post 3677, também vi, como milhões de Portugueses, a reportagem que foi transmitida no Jornal da TVI e que teve como pano de fundo a transladação dos nossos Camaradas, 2º Sargento Justino Teixeira da Mota e Soldado José Maria de Carvalho, tendo regressado de Angola o primeiro e o segundo da Guiné, para o cemitério de Travanca.


Voltamos ao problema do apoio aos cidadãos portugueses espalhados por esse Mundo fora seja em que situação for, por parte das nossas Embaixadas e em particular da nossa representação em Bissau na Guiné, pois parece ser timbre de funcionários daqueles Serviços dificultarem a vida aos portugueses e não só, aliás, como tem sido propalado pelos meios de comunicação daquele País e de casos conhecidos que foram divulgados através do Blogue.
Não quero linchar publicamente, quem quer que seja, tal como foi mencionado por um ou outro camarada relativamente a um dos casos referidos no Blogue, mas aceito como de boa fé o que foi assumido e dito publicamente pela irmã do nosso camarada José Maria de Carvalho, por isso, naquele momento senti-me indignado, chocado e revoltado com aquilo que vi e ouvi.

Desde já, aqui fica a minha solidariedade às famílias dos nossos camaradas que agora repousam em paz na Terra que os viu nascer, bem como, à coragem de denunciar publicamente a desfaçatez de uma pessoa que não nos merece o mínimo de respeito.

E é caso para dizer:

Essa pessoa que proferiu tais palavras, para além de não respeitar os sentimentos dos seus compatriotas, com certeza, não sabe o que é a guerra, o que foi a guerra colonial, não teve familiares na guerra (...).

Que essa pessoa desconhece que nos termos do Dec. Lei nº 204/2006 de 27/10, são atribuições do MNE:

- Assegurar a protecção dos cidadãos portugueses no estrangeiro, bem como, apoiar e valorizar as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo.

- Garantir a prestação de apoio consular aos cidadãos portugueses no estrangeiro.

Mais, essa pessoa desconhece que a Guiné-Bissau é um estado soberano e que o seu Povo respeita os seus mortos incluindo os portugueses que tombaram naquele território, tanto que, ao longo destes anos por onde tenho passado naquele pequeno País, tenho testemunhado que assim é.
Como tal, poderá essa pessoa ter vontade que uma “máquina arraste tudo lá para o fundo” mas essa vontade não lhe será feita pelo Povo da Guiné.

Acresce dizer ainda, que estas situações lamentáveis, levantam uma série de questões que lhe estão subjacentes, como de cidadania, educação, alteração de mentalidades, amor e respeito pelo próximo, etc, que me dispenso de desenvolver.

Contudo, a denúncia pública feita pela irmã do nosso Camarada é mais do que suficiente para tirar as ilações necessárias.

Há assim que denunciar todo este tipo de aberrações.

TODOS UNIDOS PELOS NOSSOS CAMARADAS QUE TOMBARAM

NÃO CONSENTIREMOS QUE SEJAM ENXOVALHADOS


Massamá, 29-12-2008

Carlos Silva

Ex- Fur Mil CCaç 2548/Bat Caç 2879

_________


Nota de vb:

Artigo relacionado em

Guiné 63/74 - P3678: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (12): José Bastos, empresário, ex-1º Cabo Trms, Bafatá e Bula (1973/74)

Guiné-Bissau > Bafatá > 2003 > Uma imagem que nos chega através de uma camarada de transmissões que é hoje empresário, e que passou por Bafatá, como especialista de transmissões, em 1973/74.


Foto: © José Bastos (2008). Direitos reservados

1. Mensagem, de 24 de Dezembro, do José Bastos (*):


Para todos os TERTULIANOS com VOTOS DE BOAS FESTAS (**).

Que o novo ano de 2009 nos traga tudo de bom e nos leve mais vezes à GUINÉ !!! ...

Um Abraço

2. Mensagem adicional do José Bastos:

Caro Camarada,

Peço desculpa por ter enviado a mensagem de um e-mail da minha empresa, daí o facto de não ter sido reconhecido.

Chamo-me José Bastos, 1º Cabo Transmissões STM na Guiné Bissau, (Bafatá/Bula e Bissau) Janeiro 1973 a Agosto de 1974.

Estive nos 2 primeiros encontros da Tertúlia e não estive no 3º. por motivos de força maior.

Vou a Bissau com regularidade.

Cumprimentos,
J. Bastos

3. Comentário de L.G.:

Obrigado, José,em nome de toda nossa Tabanca Grande. A última vez que te vi foi me Bissau, em Março de 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje. Estávamos no mesmo hotel, o Azalai 24 de Septembro, e deste-me uma boleia, a mim, à minha mulher e à mulher do Nuno Rubim, para o centro da cidade...

Desejo-te um ano de 2009 com boas perspectivas de trabalho e de saúde. Sempre que fores em Bissau, dá-nos notícias e manda-nos fotos. Um Alfa Bravo. Luís Graça (em férias, no Funchal)

__________

Notas de L. G.:

(*) Vd. poste de 17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P964: Obrigado, camaradas (José Bastos, 1º Cabo Trms, Bafatá e Bula, 1973/74)

(**) Vd. último poste desta série > 27 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3670: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (11): Mais algumas mensagens dos nossos tertulianos (Carlos Vinhal)

domingo, 28 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3677: Trasladações dos nossos Camaradas, uns ossitos para as Famílias se entreterem...(José Martins)


Uns ossitos para as Famílias...



Mensagem do José Martins


Caros Camaradas

Acabo de ver, como milhões de Portugueses, a reportagem que foi transmitida no Jornal da TVI e que teve como pano de fundo a transladação dos nossos Camaradas, 2º Sargento Justino Teixeira da Mota e Soldado José Maria de Carvalho, tendo regressado de Angola o primeiro e o segunda da Guiné, para o cemitério de Travanca.

Até aqui tudo bem! Já foi objecto de tema nas páginas de Luis Graça & Camaradas da Guiné e Ultramar.

Que a Liga dá apoio, tambem já sabíamos! Que o Ministério da Defesa não dá apoio, tambem já calculávamos, para não dizer que é normal.

Agora, que funcionários da embaixada de Portugal digam que os familiares apenas trarão "uns ossitos" é de bradar aos Céus!

Será que ouvi bem? Que quereriam dizer que uma máquina arrastará tudo lá para o fundo?

A minha resposta neste momento, é transcrever os versos dum Camarada nosso que esteve na Guiné, ANTÓNIO NORONHA BRETÃO *, num livrinho intitulado "Três Tristes Tempos e o Regresso do Melro Preto":

Esperávamos em silêncio
mastigando a memória das coisas
e a Morte claramente apercebida
aguardava o seu quinhão

Pensávamos:

Cada coice de Mauser no ombro
é uma carícia da Pátria agradecida
Puta de Pátria que agradece aos coices.

Um abraço e que o próximo ano não seja tão funesto quanto este foi

José Martins

ex-Fur.Mil.Trams.Inf.
CCaç 5 / CTI Guiné
Junho/68 a Junho/70
__________

Nota de vb:

* António José Orlando Bretão
que, segundo a História do BCav 490, se apresentou em 19 de Dezembro de 1963 e foi destinado à CCav 488 (Jumbembem, 1964/65)/BCav 490, em substituição do alf mil António N. Coelho Brasil (ferido em combate em 08Out63).

Artigos relacionados em

Guiné 63/74 - P3676: As Nossas Mães (1): Um poema da minha Mãe, Leopoldina Duarte (António Duarte de Paiva, ex-sold cond, HM 241, BIssau, 1968/70)


A minha Mãe


Caros Carlos, Luís e Virginio

Andando por aqui, nesta casa só, vasculhando malas e caixinhas, algumas do meu tempo de menino, pertences de minha mãe que me deixou em 96, sou surpreendido por uma folha de papel dobrada em 12 partes, da qual não tenho a mínima ideia de ter tido conhecimento e com os nossos tertulianos quero partilhar. Minha mãe também a eles se dirigia.

Se entenderem, que merece ser publicada, podem fazê-lo.

Minha mãe, mal sabia ler ou escrever, mas em quadras soltas era mestra, hoje tenho pena de nunca ter escrito o que ela dizia. Não sei quem lhe escreveu isto à máquina, mas pouco importa.

Está com data de 10 de Dezembro de 1969, em cima, mas não consegui aqui no scan apanhar data e assinatura, preferi assinatura Leopoldina Duarte.

Quero aqui deixar a todos os tertulianos e suas famílias um Feliz ANO NOVO.

Um abraço a todos


António Paiva


Meu filho, a tua mãe
Tanto suspira por ti,
Até chego a pensar
Que não te lembras de mim.

Se tu soubesses, meu filho,
O amor que a tua mãe te tem,
Vejo vir os aviões
E notícias tuas não vêm.

Será que tu me esqueceste
Ou a carta se perdeu ?
Mas perdoa-me, meu amor,
Se a criminosa sou eu.

Tinha a carta quase feita
E ainda fui ao correio,
Agora estou satisfeita
Porque a notícia já veio.

Lá vinha o meu querido filho
A ler o que me mandava,
Com uma cara de riso
E eu com saudades chorava.

Agora estou satisfeita
Assim como tu também,
Já recebeste notícias
Da tua mãe por alguém.

Adeus, meu filho querido,
Eu do coração te peço
Que não esqueças a tua mãe
Que aguarda o teu regresso.

Trago-te no coração
Mas ando sempre em cuidados,
Daqui mando um forte abraço
Para todos os nossos soldados.

Eu aqui peço, a Deus
E à Virgem Santa Maria,
Que seja a vossa protectora
E de todos a vossa guia.

Adeus, amor, que eu cá fico,
Com o coração em pedaços
E saudades de não te ver
Para te apertar nos meus braços.

Leopoldina Duarte

[Revisão e fixação do texto: L.G.]
__________

Nota de vb:

1. António Paiva foi Sold Cond no HM 241 de Bissau, entre 1968 e 70

2. Artigos da série em

22 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3662: As Nossas Mulheres (1): As que casaram com ...a Guiné. (Virgínio Briote)

24 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3667: As Nossas Mulheres (2): De Bissau a Lisboa, com amor (Cristina Allen)

Guiné 63/74 - P3675: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (5): Ocupação do Cumbijã e construção das instalações

1. Em mensagem do dia 17 de Dezembro de 2008, o nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74, enviou-nos mais este episódio para a história dos Tigres de Cumbijã.


CUMBIJÃ , ABRIL DE 1973

OCUPAÇÃO DO CUMBIJÃ E CONSTRUÇÃO DAS INSTALAÇÕES


Nunca a máxima adaptada “vale mais uma fotografia do que mil palavras”, se aplica para descrever o que fomos encontrar. Terminei o último capítulo da saga dos Tigres do Cumbijã com duas fotos que mostram, à superfície, o que encontrámos; iniciaria este novo capítulo com as mesmas fotografias. Poderão ver um deserto imenso, entrecortado por meia dúzia de árvores, uns paus espetados no chão, crateras enormes provocadas pelo rebentamento de granadas de morteiro, e no meio, um obelisco feito em cimento pelos soldados que anteriormente haviam estado no velhinho Cumbijã, que registava o nome do pelotão (?), bem como o período de tempo que tinham permanecido no local.

O Cumbijã havia sido abandonado em 1968, era então Comandante geral da Guiné o Gen Arnaldo Schultz, pois os sucessivos ataques a que o aquartelamento era sujeito causavam inúmeras vítimas na população e na tropa, pelo que o comandante do destacamento terá recebido ordens para abandonar as instalações. Os chefes da antiga Tabanca viviam agora em Aldeia Formosa, onde os procurei, para junto deles colher o maior número possível de informações que me pudessem ser úteis no terreno. Constatei de imediato a enorme alegria que sentiram quando souberam que a sua antiga povoação ia ser ocupada pelos militares e, quando me deslocava ao Quebo, insistiam comigo para irem na coluna visitar o que restava da sua Tabanca.

Ainda era cedo… tínhamos de picar toda a região do Velhinho Cumbijã. Era difícil detectar qualquer rasto do PAIGC pois, como podem constatar pelas fotos, o terreno estava muito seco e calcinado. Dois grupos de combate dormiam permanentemente na região do Cumbijã, e durante o dia picavam o antigo destacamento. Dormíamos no chão
e tínhamos sempre magníficas refeições: Ração de combate. Os outros dois grupos ainda iam dormir a Aldeia Formosa, protegendo a Engenharia ou fazendo a escolta à coluna de reabastecimentos, Aldeia - Buba - Aldeia. Os grupos revezavam-se nas tarefas, mas por ordens dos maiorais ainda não estávamos todos juntos.
A picagem foi extremamente dura. Segundo alguns crânios estávamos a ser lentos… A sua caixa esquelética encerrava muito pouco encéfalo, daí que tenha de pormenorizar:

No dia dois de Abril levantámos três minas anti-pessoal e uma mina anti-carro.
No dia três de Abril levantámos nove minas anti-pessoal e três minas anti-carro.

Juntámos e fotografámos a molhada como podem verificar pela fotografia.
Éramos todos picadores!

Aqui uma pequena nota para a perícia do Alferes Beires no tratamento das minas (é o primeiro da esquerda na fotografia, depois está o Portilho, cabo enfermeiro, eu e o Abundâncio de quem já vos falei). O José Manuel Sarmento de Beires era na altura Furriel, tendo sido, por minha proposta, graduado em Alferes pelo Gen Spínola e foi, a par de muitos outros, um excelente colaborador. Já não estou com ele há muito tempo pelo que lhe envio um abraço fraterno e reconhecido.
A zona estava limpa! A engenharia podia começar a desmatar a região à volta do futuro aquartelamento e começar a colocar a primeira fiada de arame farpado, para que rapidamente as tendas de campanha pudessem ser enviadas para o Cumbijã. Era a possibilidade de dormirmos em camas. Vêem, tudo é relativo! Quantos de nós nos queixávamos de ter de fazer uma emboscada nocturna… E dormir, agora, no chão emboscados durante vários dias?
De três para quatro de Abril vim a Aldeia a uma reunião com os entendidos em mapas. Dormi como um justo.

VISITA FATÍDICA AO CUMBIJÃ

Na manhã do dia seguinte, quatro de Abril, aguardando pela coluna de Engenharia que seguia para a frente dos trabalhos, fui abordado por um camarada da minha Companhia, que ainda não conhecia o Cumbijã que então se começava a transformar, fui abordado por um camarada, dizia, de seu apelido Setúbal, para que o autorizasse a ir ver os trabalhos, já que o seu pelotão nesse dia estava de folga. Disse-lhe que sim e em má hora o fiz.

Chegados ao Cumbijã, apeei-me da chaimite e quando me dirigia para o local onde se encontravam as máquinas de Engenharia, com a finalidade de conversar com o encarregado da terraplanagem, ouço mesmo a meu lado, um estrondo enorme seguido de um grito pungente, doloroso que ainda hoje me aflige, do meu camarada Setúbal de seu nome CARLOS ALBERTO ROCHA LANÇA, que havia accionado uma mina. Coloquei-lhe a mão debaixo da cabeça, e ainda hoje não percebo a intenção da pergunta que me fez:

- Ó meu capitão, porquê eu?

A mina que pisara era uma viúva negra, não sei onde foram buscar esta designação. O meu camuflado da perna direita ficou todo esburacado e mais dois companheiros apanharam ligeiros estilhaços. Tratado, o meu camarada foi evacuado para Bissau e mais tarde para Portugal.
Já não se encontra entre nós. Onde quer que estejas, sabe que a tua memória será sempre recordada e que o teu nome é sempre falado alto, pelo menos nos encontros anuais que vamos mantendo.
Como é possível? interrogava-me. Havia jurado que nenhum homem meu voltaria a pisar uma mina e era de uma obsessão, reconheço que por vezes exagerada, na picagem do terreno. Tínhamos passado incólumes durante Fevereiro e Março à quantidade enorme de minas que eram colocadas sobretudo na estrada em construção, ao contrário de outras forças que pisavam o mesmo terreno. As minas eram (e são) para mim o expoente máximo da cobardia. Não dão a cara!

Havíamos picado ao centímetro todo o Velho Cumbijã! Como era possível uma mina dentro do perímetro definido para a colocação do arame? A resposta estava à vista e daria um conto, se eu tivesse capacidade para tal. Eis então o que aconteceu.

Referi acima a existência de um pequeno monumento deixado pelos nossos antigos camaradas em 1968. Mal eles sabiam que a sua existência causaria estragos cinco longos anos depois. O português é por norma desenrascado e habilidoso e então para “embelezar” a construção, rodearam-na de uma estrela com quatro ou cinco pontas, feita com garrafas de cerveja espetadas na terra com o gargalo para baixo. A zona interior da estrela que tinha terra havia sido picada minuciosamente. Mas o IN. havia levantado duas ou três garrafas no meio de uma das pontas e colocado uma mina anti-pessoal, voltando a repor as garrafas de cerveja com toda a minúcia no mesmo sítio.
A curiosidade do nosso camarada Lança levou-o a subir para uma das pontas da estrela, para daí melhor poder ler as inscrições feitas numa espécie de livro que encimava o tronco do pilar. Foi-lhe fatal.

Entretanto, as obras continuavam a ritmo desenfreado com as máquinas a abrirem valas, o pelotão de Engenharia a colocar duas fiadas de arame farpado entre as quais mais tarde se semeariam minas Claymore de comando à distância, a minha malta montava as tendas que entretanto tinham chegado, enfim lá nos íamos instalando como podíamos.
Para que fique gravado na história da nossa Companhia mostro a evolução das obras no Cumbijã, através das fotografias que anexo.

Claro que não tínhamos sequer um arremedo de instalações sanitárias, a água e os géneros tinham que ser trazidos de Aldeia Formosa, para onde um grupo de combate se deslocava diariamente. Por esta altura, estamos em oito de Abril, ainda só tínhamos estacionado em definitivo dois GCOMB. O silêncio do PAIGC, por estes dias era total! Há quase uma semana que não havia emboscadas à coluna que vinha do Quebo para a frente das obras da estrada, no decurso do período de trabalho, nicles… e a malta dos Tigres ainda não tinha embrulhado nas suas novas e luxuosas instalações.

INAUGURAÇÃO OFICIAL DAS INSTALAÇÕES

Ia o dia nove de Abril quase no fim, quando os Tigres sofrem um ataque a parecer bem. Era a primeira reacção do PAIGC à construção do acampamento. Os dois GCOMB que então se encontravam no Cumbijã são confrontados com um ataque violentíssimo de morteiro 60, RPG7, RPG2 e armas ligeiras, tendo mesmo o grupo IN tentado o assalto. O primeiro disparo de RPG2 destruiu por completo uma tenda de campanha, tendo-nos causado oito feridos. Ripostámos forte e feio, e dizem-me alguns soldados que viram integrados no grupo que veio ao arame dois brancos. Vale o que vale… mas que foi muito duro para os dois GCOMB foi. Mas as entradas ali não eram permitidas… só pela porta de armas, que não havia. Os feridos, suponho que todos eles ligeiros, foram de seguida para Aldeia Formosa.

Por esta altura, não tínhamos uma única arca, a cerveja que trazíamos de Aldeia, com duas horas de Cumbijã aquecia (mas nunca sobrava nenhuma), não havia instalações sanitárias, para quê, luz que é isso(?), água para banho nos bidões de óleo quando havia, mas tínhamos recebido uma cozinha de campanha, que nos fornecia o arroz com “estilhaços” bem quentinho, servido em pratos de lata, que eram levados para as tendas de cada um. Foi terrível este Abril, mas Maio seria bem pior; muito pior.

A vida continuou, as obras continuaram, a coluna diária a Aldeia mantinha-se, a segurança aos trabalhos da estrada prosseguia e mais uma visita do General Spínola aos Tigres que fica para o próximo capítulo, visita essa que está profusamente ilustrada, fotograficamente falando, é claro…

Vasco da Gama

O Velhinho Cumbijã

Primeira fiada de arame farpado

Duas fiadas de arame

Já com a maior parte das tendas montadas

Principescas instalações do Tigre Maior

Içando a Bandeira

Levantando uma A/C : Beires, Portilho (cabo enfermeiro), Vasco e Abundâncio

Molhada de minas levantadas no Velhinho Cumbijã

Texto e Fotos: © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Dezembro de 2008 Guiné 63/74 - P3640: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (4): 1973, Ano Novo... Vida Velha

Guiné 63/74 - P3674: Em busca de... (59): Ex-combatentes do BCAÇ 4616/73 (Manuel Rebocho)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca 
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados 1. 

Mensagem de Manuel Rebocho (*), ex-Sargento Pára-quedista da CCP 123/BCP 12, Guiné 1972/74, com data de 23 de Dezembro de 2008: 
 
Assunto: 
Pedido de contacto Camaradas e Amigos Estou a desenvolver um estudo sobre as áreas de Bambadinca. Com este objectivo e para este fim, gostaria de contactar com camaradas que tivessem integrado a 1.ª ou 2.ª Companhia do Batalhão de Caçadores n.º 4616/73. Batalhão este que esteve colocado no Sector de Bambadinca em 1974. Solicito assim aos camaradas que divulguem este meu pedido de contacto. O mail fica gravado e o Tlm. tem o n.º 963063635 Para toda a tertúlia desejo um Santo Natal e um bom ano de 2009. Manuel Rebocho Nota: Penso estar na Guiné durante os meses de Janeiro e Fevereiro, do próximo ano, e gostaria de levar comigo os elementos que me faltam e pretendo obter. 
____________ 

  2. No dia 25 de Dezembro foi enviado um mail à Tertúlia nestes termos: Caros Tertulianos A pedido do nosso camarada Manuel Rebocho, reenvio-vos a sua mensagem, na hipótese de se encontar alguém que o possa ajudar. 
Um abraço e continuação de Boas-Festas. 
Carlos Vinhal
____________ 

 Nota dos Editores: 

 (*) Manuel Rebocho, ex-Sargento Pára-quedista da CCP 123/BCP 12, (Guiné, Maio de 1972/74), hoje Sargento-Mor Pára-quedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos. Tese de doutoramento: "A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975" 

Guiné 63/74 - P3673: Ano Novo, altura para recordar vidas passadas, guerras, Amigos desaparecidos...(António Matos)


Mensagem do António Matos
ex-Alf Mil da CCaç 2790/BCaç 2928





Solidarizando-me à vaga dos votos expressos de Natal e Ano Novo, aqui deixo a minha contribuição para o blogue
Um abraço

António Matos


Em determinadas alturas das nossas vidas, por via de um qualquer acontecimento, situação ou imponderável, somos levados a revisitar as nossas memórias, limpando-lhes o pó acumulado ao longo dos anos e refrescando as imagens que, entretanto, começam a fluir.
Se bem que nessa catadupa de recordações apareçam vivências que nos marcaram indelevelmente pelos desgostos causados pela perda de quem nos foi próximo, familiar ou amigo, pelos insucessos, pelos objectivos adiados, não é menos verdade que também desfilam as boas recordações de tudo quanto proporcionou a nossa maior ou menor realização pessoal, profissional ou familiar.
O Natal abre-nos a alma e o coração para uma reflexão cuidada e o Ano Novo consubstancia a ocasião propícia para pormos em prática novos planos. Recordamos amigos que nos foram importantes e com alguns dos quais estabelecemos metas comuns mas que as vicissitudes da vida foram alterando.
Recordamos vidas passadas...Recordamos guerras...Despertamos monstros que se encontravam adormecidos e passamos a tê-los como companheiros de viagem ...Se a saúde física e moral ajudam, desenhamos um verdadeiro "orçamento" para o novo período que se avizinha...Depois, acendemos a lareira, fitamos as achas de madeira a arder e a estalar, pegamos em 12 passas, e fazemos coro às badaladas mais cantadas em uníssono num verdadeiro hino à vida, à felicidade, à saúde, ao dinheiro e ao amor ...
Esta é a ocasião maior para daqui formularmos os desejos sinceros para todos os nossos amigos de um bom final de 2008 e que o 2009 nos consiga surpreender perante as tão pouco animadoras perspectivas!
__________

Nota de vb: Último artigo do António Matos em

Guiné 63/74 - P3672: Blogpoesia (28): O Menino Jesus chinês (António Graça de Abreu, ex-Alf Mil, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)




Fotos: © António Graça de Abreu (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, enviada em 20 de Dezembro último, por António Graça de Abreu , ex-Alf Mil, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar (1972/74):

Luís Graça, caríssimo.

Muito obrigado pelo meu texto no blogue sobre o Natal em Cufar, 1973 (*).

Para todos os camaradas e amigos do nosso blogue, junto duas fotografias, bilhetes de identidade históricos da nossa vida de miltares no sufoco da guerra, no florir ardente dos nossos vinte anos.

Mais suave, vão os meus votos de Feliz Natal e Bom Ano 2009, para todos vós, neste poema colorido para o meu Menino Jesus chinês.

Podia ter sido escrito para o meu Menino Jesus balanta, fula, papel, manjaco, mandinga, para todos os meninos jesus do nosso mundo.

Um forte abraço,
António Graça de Abreu

2. Resposta de L.G.:

António: És um grande ser humano, um cidadão do mundo, um português dos quatros costados, um talentoso escritor... Fico muito sensibilizado com a tua belíssima prenda... Vou dar-lhe o devido destaque no nosso presépio.. Vou a caminho do Norte onde costumo passar o Natal, mas prometo publicar o teu menino Jesus chinès ainda antes do dia 25...

Coincidência ou não, andava a pensar em 'roubar-te' um dos poemas dos teus quatro livros, que fosse mais apropriado a esta quadra festiva... Nem de propósito!!!... Tem-me faltado o tempo para fazer uma pequena recensão ao teu último livro de poesia... Como deves imaginar, luto desesperadamente contra o relógio...Isto de ser prior de várias freguesias...Mas a recensão está na agenda... Não posso estragar-te a surpresa... Boas festas para ti, a tua mulher, o teu filho... Boas festas, quentes e boas como as castanhas... Um abração. Luís

PS - Desculpa ir ao teu diário roubar-te aqueles dois dias... Foi também uma pequena homenagam ao 'alfero' do CAOP1...


3. Poema de Natal > O meu Menino Jesus chinês (**)

por António Graça de Abreu


Foi num início de Outono,
ao caminhar solitário pelo Vale das Cerejeiras,
com os montes do Oeste serenando as almas,
acenando para a velha Pequim,
a cidade lá longe envolta em espirais de névoa.

Havia colinas perfumadas
e folhas do ácer enrubescendo devagar.
Havia esquilos, o coração chilreante dos pássaros,
borboletas penduradas nas asas do dia,
águas de um ribeiro saltitando sobre as pedras,
o cântico da tarde levantando-se da terra.

A brisa, leve como gaze transparente,
acariciava os corpos e as entranhas da floresta,
subia por veredas reclinadas no vazio
em busca da nascente do humilde arroio serpenteante.

De súbito, frente ao sol tépido do entardecer,
descendo num raio faiscante,
um Menino caminhava ao meu encontro.

Vestia uma túnica escarlate de seda bordada,
os olhos amendoados, os cabelos negros,
o rosto iluminado de divindade e sabedoria.

“Quem és tu?”
O menino respondeu num límpido chinês
de grande mandarim do século XVIII:

“Sou Jesus, filho de Maria e de José, o carpinteiro.
Deus Pai me deu o ser
e o sortilégio de caminhar entre os homens.”

O Menino tomou-me pela mão e disse:
“Hoje, quinto dia do nono mês,
para tua surpresa é dia de Natal.

Quando quero e é do meu agrado,
estou sempre a renascer,
Sou a palavra de Deus,
o Verbo Divino feito criança,

Vim para salvar o mundo.
Na China, em toda a parte,
sou filho do Senhor do Céu, irmão do povo.

Diluo-me pelo velho império de poetas, monges e ascetas,
entro por lagos e rios, por brumas ao alvorecer,
adoro conversar com um velho imortal chamado Lao Zi,
discutimos o Caminho e a Virtude,
encontro-me com um erudito de nome Confúcio,
tão ocupado em impor a Rectidão e a Benevolência,
passeio com o velho Buda
na quietação, nas cores do arco-íris.

Gosto de descansar entre nuvens e montanhas,
unindo terra e céu,
desço à Terra quase todos os dias,
em Dezembro, no Natal frio,
por campos aldeias e cidades,
em Agosto no Estio humedecido e quente,
por bosques, bambuais, a orla do mar,
em Março, venho respirar a canção da Primavera
quando há pétalas de flores de ameixieira
salpicando os pomares e os restos de neve.

Sei dos desvairos dos homens,
da desordem das gentes debaixo do céu,
mas em mim a Paz, a Luz e a Alegria".

O Sol escondia-se por detrás das colinas,
acendiam-se luzes pálidas no horizonte baixo de Pequim.
O Menino convidou-me para um banquetee, solitários no aroma dos montes,
na margem do lago da Fonte de Jade,

Iluminados por candelabros de estrelas,
em harmonia com o silêncio cintilante da floresta,
sentados à mesa num pavilhão vermelho,
entre crisântemos e glicínias brancas,
aguardámos manjares saídos das mão de ninfas.
para a ceia de Natal, os anjos trouxeram baixelas de névoa
com arroz perfumado, pato lacado,
legumes com especiarias dos mares do Sul,
pedacinhos de vitela em molho de ostras,
frutas de um recatado Éden,
rabanadas e suspiros, vinho do Porto
e aguardente destilada por nove virgens do Céu.

Comemos como príncipes, bebemos como deuses.
Depois o Menino adormeceu a meu lado,
deitado em folhas de lótus,
a cabeça na prata da lua.


___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 20 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3654: O meu Natal no mato (17): Cufar, 1973, o Cantanhez a ferro e fogo (António Graça de Abreu)

(**) Vd. último poste desta série > 25 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3669: Blogpoesia (27): A velha Amura dos tugas (Luís Graça)

sábado, 27 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3671: Estórias do Zé Teixeira (34): O meu conto de Natal (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mensagem de José Teixeira (*), ex-1.º Cabo Auxiliar Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 24 de Dezembro de 2008, dirigida ao nosso editor-chefe.

Obrigado, Luís.

Talvez amanhã passe por aí de tarde para o fraternal abraço.

Junto o conto de natal que acabo de escrever.

Neste Natal quer na vossa casa haja felicidade, paz e amor. Assim será mais natal.

Beijo especial para Alice





O meu conto de Natal

Naquele tempo em que eu era pequenino e o Pai Natal ainda não tinha sido inventado, havia um menino que estranhamente nascia todos os anos no mesmo dia e à mesma hora. Esse menino chamava-se Menino Jesus e nascia no dia vinte e quatro de Dezembro à meia-noite.

Segundo dizia a minha avó, que Deus tem, esse simpático Menino, que nascia todos os anos à mesma hora e no mesmo dia, mal acabava de nascer entrava em todas as casas para deixar um prendinha aos meninos e meninas que se portassem bem. Na casa dos ricos entrava pela chaminé e na casa dos pobres entrava pelo buraco da fechadura ou pelos buracos existentes nas paredes, que deixavam passar muito frio, depositando as suas prendinhas, junto à lareira nos sapatinhos ou tamanquinhos que os meninos e meninas lá deixavam na noite anterior, depois da Ceia de Natal em que estranhamente até os meus tios iam do Porto, de lá tão longe, para comer connosco e era uma festa muito grande, com bacalhau, rabanadas docinhas, formigos, sarrabulho doce e tudo mais.

Claro que eu teimosamente deitava-me no preguiceiro, junto à lareira à espera do tal Menino Jesus que me ia trazer uma prendinha, pois eu tinha-me portado bem, nos últimos dias, só que o soninho aparecia muito antes e eu só acordava no dia seguinte, na minha cama, depois da chegada da minha avó, que se levantava muito cedo para ir à missa das sete. A essa hora, já o Menino se tinha ido embora, pois tinha muito que fazer naquela noite e eu ficava triste por não conseguir conhecê-Lo.

Num ano em que eu já era crescidote, resolvi pregar uma partida à minha avó e ao Menino Jesus. Na véspera do tal dia de Natal, quis ir para a cama mais cedo, por mais que minha avó estranhasse. Até pensou que eu estaria doente. Talvez as rabanadas ou os formigos tivessem levado açúcar em demasia. Ou o sarrabulho doce, petisco que eu adorava, tenha levado um pouco mais de vinho fino.

Assim, no dia de Natal, mal a minha avó, saiu para ir à missa das sete, eu, descalço e de mansinho para não acordar os meus irmãos, abri a porta, atravessei o quinteiro, ainda húmido da geada e fui à cozinha espreitar o meu tamanquinho rapelho, que deixara junto à lareira na noite anterior. O tamanquinho estava lá, mas prenda, nem vê-la. Fiquei muito triste e aflito, afinal o Menino Jesus não viera a nossa casa, mas eu tinha-me portado bem! Lá isso é que tinha! já não fazia chichi na cama e comia o caldo todo.

Quando minha avó chegou da missa, saí-lhe ao caminho, dizendo com voz triste:
- O Vó, o Menino Jesus não veio esta noite. Não há prendas para ninguém.

Responde-me ela, com um brilho maroto nos olhos:
- Atrasou-se um bocadinho, mas cruzou-se comigo ali no caminho, ao fundo da leira da figueira. Aqui está a tua prendinha.

... Uma regueifa bem quentinha. A prenda de todos os anos da minha avó e madrinha.

Bom Natal para todos

Zé Teixeira
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Notas de CV:

Texto de José Teixeira.

Foto: © José Martins (2008). Direitos reservados.

Vd. último poste da série de poste de 20 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3655: Estórias do Zé Teixeira (33): Histórias de Natal (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

(*) Vd. último trabalho de 22 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3661: Blogoterapia (84): Vai-te embora, tuga dum carago! (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P3670: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (11): Mais algumas mensagens dos nossos tertulianos (Carlos Vinhal)

Embora com atraso, deixamos mais algumas mensagens de camaradas que se nos dirigiram enviando as Boas-Festas.

1.
Com os votos de um Bom Natal e Feliz Ano Novo!

J.Belo
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2.Oferta do MNF Natal de 1970

A toda a comunidade da Tabanca Grande desejo um Bom Natal e que 2009 seja melhor do que promete.

Um abraço para todos
César Dias
Ex-Fur Mil
BCAÇ 2885
Mansoa 69/71
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3. Caros Amigos,

Muito fraternalmente a desejar a todos os amigos do Blogue que nos une votos de FESTAS FELIZES E UM ANO NOVO PRÓSPERO.

Abraços
Manuel Amante
Ex-1.º Cabo Mil 1973/74
CIM Bolama
___________

4.Cômo-Natal de 1964 - Isqueiro Oferta do MNF

Camarada(s) e Amigo(s)

Renovo e retribuo os Votos que agora são formulados.
Curioso, o isqueiro de 1970 até já tinha estojo, pelo que compartilho o meu convosco bem como a mensagem e as imagens que há dias enviei para o Blogue.
Continuo a não saber se têm algum interesse para a Comunidade. Mas que o espírito Natalício acaba por ser "quando um (o) homem quiser".

Abraço solidário, do
Santos Oliveira
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5. A todos os meus Amigos

Nesta época é normal desejarmos felicidades, é normal formularmos votos de "Bom Natal", "Feliz Ano Novo", "Festas Felizes", etc., etc.,

Sei quanto isso pode ser sentido, mas também quanto pode ser "induzido" pelo hábito, pelo "clima" gerado à nossa volta, quantas vezes repetido de uma forma mecanicista, sem uma reflecção sobre o fundo sobre o qual tudo isto se movimenta.

Não tenho a pretensão de ser diferente mas gostava de vos apelar a que fôssemos capazes de fazer alguma diferença.

Essa diferença pode ser no sentido de contrariar o clima de desesperança, de pessimismo, de angústia que se tem vindo a criar com o avolumar de notícias sobre a profundidade da crise que se vive e que se diz irá agravar.

Faltam valores? Mas nós não temos valores?! Vamos aplicá-los! Vamos praticá-los!

Faltam princípios? Mas nós não temos princípios?! Vamos aplicá-los! Vamos praticá-los!

Vamos pensar nisso?

Então, um "Bom Natal" e "Feliz Ano Novo", são os meus votos para todos vós.

Um abraço
Hélder Sousa
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6. Para todos os camaradas e suas famílias um Santo Natal e um 2009 cheio de venturas

Jaime Machado
Ex-Pel Daimler 2046
Bambadinca 68/70
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7. Votos de um Bom Natal e que Ano de 2009 seja cheio de coisas boas.

Um abraço
LCamões
____________

8.

Feliz Natal para a nossa tabanca!

Votos de um feliz e Santo Natal para todos os camaradas da Tabanca Grande com um abraço muito especial para os Gringos de Guileje e para os Duros de Nova Sintra .


Herlander Simões
____________

9. Amigos Carlos Vinhal e Luis Graça
Venho desejar-vos e à vossa família um santo Natal e um Prospero Ano Novo.

Ao mesmo tempo quero desejar a todos os ex-combatentes da Guiné, de Angola e Moçambique um Santo Natal.

Eu estive na Guerra de Angola de 1967/69, mas consulto todos os dias a vossa página e felicito-vos por através de vós, se estar a contar a verdadeira história da guerra na Guiné, todos estes depoimentos que narram as vivências dos ex-combatentes da Guiné deviam ser transportas para livro e esse livro ser adoptado nas escolas de modo a que os vindouros ficassem a saber o que os seus avós e bisavós passaram e as páginas gloriosas que escreveram com o seu suor e sangue.

Bom Natal a toda a Tabanca

Um abraço deste ex-combatente de Angola da CART 1769
Júlio Pinto
____________

10. Olá a toda a Tertúlia.
Venho muito simplesmente, mas muito sinceramente desejar um Santo Natal a todos os Tertulianos e suas Famílias.

Estes Votos são de igual modo repartidos em partes exactamente iguais a todos os Ex-Combatentes de Todas as Guerras Ultramarinas.

Desejo ainda um Voto muito especial de Bom Natal aos meus Ex-Camaradas do Batalhão 4610/72 em especial para o pessoal que esteve no Biambe e na CCAÇ 13.

Tenho sido um leitor muito atento das nossas Tertúlias, digo no plural porque agora há a de Matosinhos, ou seja do "Milho Rei"

Bom por agora é só o que me apraz escrever.
Um dia destes escreverei uma possível estória (história) da nossa "Guerra de Estimação".

Henrique Cerqueira
Ex-Fur Mil
1972/74
Guiné
Biambe /CCAÇ13
____________

11.

Caros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote:

O desejo de Feliz Natal, e de um Bom Ano de 2009, tanto para vocês editores do blogue, como para as vossas famílias, não esquecendo todos os ex-camaradas, que estiveram nessa longínqua e linda terra, que é a Guiné-Bissau.

Um abraço
Manuel Bastos

Ex-Furriel Miliciano das:
CArt 496
CCaç 555
CCav 678
____________

12. Caros Amigos,

A todos vós que contribuiram para a obtenção de informação sobre o passado militar de meu pai, António Andrade Juniór CART 1692 do BART 1914, e me ajudaram e estão a ajudar a recuperar memórias e me permitem começar a ganhar memórias perdidas, expresso os Votos de um Santo Natal e de um Próspero Ano Novo, extensível às vossas famílias.

A demanda de algo muito particular, fez nascer em mim a vontade de saber mais sobre todos quantos lá passaram (Guiné) e de tentar perceber (se é que algum dia perceberei). É meu dever deixar este legado aos meus filhos, para que a memória não se apague, em respeito e homenagem a todos os BRAVOS que lá passaram.

Se me é permitido mais este pequeno abuso, peço o favor de continuarem a enviar informação relevante (do arquivo histórico militar enviaram-me a cópia da listagem dactilografada e já mal percéptivel, com o nome de todos os incorporados na CART 1692).

A todos o meu obrigado e BOAS FESTAS!!!!

Um Abraço Amigo
gonçalo andrade
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13. Neste Natal, como no passado, quero vos transmitir a certeza da minha solidariedade para com todos os ex-combatentes, sobretudo com os que mais precisam e acreditam que é possível retomar o rumo.

Desejo-vos um Feliz Natal e o melhor para 2009.

Um abraço fraterno e amigo
Joaquim Almeida "Custóias"
____________

14. Para toda a equipa do Blog, todos os tertulianos e seus familiares vão os meus desejos de um Bom Natal e o Ano Novo de 2009 venha repleto de muita saúde sorte paz e amor, que todos os vossos desejos sejam concretizados, que no Natal de 2009 estajamos de novo a saudarmo-nos como hoje ou ainda melhor.

Um grande abraço do Gringo de Guileje
José Carioca
____________

15. Se me permitem, aproveito o espaço para, em meu nome e no dos meus dois companheiros, Luís Graça e Virgínio Briote, desejar a todos os ex-combatentes da Guiné, nossos Tertulianos e respectivos familiares, um Novo Ano cheio de venturas.

Neste sítio nos vamos contunuar a encontrar.

O vosso camarada
Carlos Vinhal

OBS:
1 - Agradecemos as mensagens personalizadas que nos enviaram, não publicáveis em Poste, porque muitas delas traziam palavras elogiosas e de incentivo a continuarmos a trabalhar convosco. A nossa modéstia não permite tal atrevimento.
2 - Pedimos desculpa pela possível não publicação de alguma vossa mensagem dirigida à Tertúlia. Se cometemos este erro, deve-se à enorme quantidade de mails recebidos quer no endereço do Blogue, quer no meu. O camarada Virgínio Briote queixar-se-á do mesmo.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3665: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (10): Mensagens de camaradas que se nos dirigiram (Carlos Vinhal)

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3669: Blogpoesia (27): A velha Amura dos tugas (Luís Graça)








Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > 7 de Março de 2008 > Amura, um lugar repleto de história e de histórias... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, no último dia do evento. Homenagem aos heróis da Guiné Bissau...

Nas fotos, vemos o Coronel de Cavalaria do Exército Português, Carlos Matos Gomes, na situação de reforma, um homem do MFA da Guiné e um celebrado autor de romances de guerra (sob o pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz) como Nó Cego, de cuja 1ª edição que se celebra este ano o 25º aniversário ; a seu lado, o o catalão Josep Sánchez Cervelló, professor universitário, em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa...

Por detrás, o edifício, em ruína, da antiga 2ª Rep do Comando-Chefe, a famosa Rep Apsico, onde trabalhou Otelo Saraiva de Carvalho e Ramalho Eanes. Matos Gomes, na altura capitão dos comandos, foi um dos protagonistas do 25 de Abril neste palco da história... Recorde-se que a velha fortaleza da Amura é hoje o panteão nacional da Guiné-Bissau, onde repousam os restos mortais de Amílcar Cabral e de outros heróis da pátria guineense, como Osvaldo Vieira, Domingos Ramos, Tina Silá, Pansau Na Isna, Rui Djassi, etc.

Noutra das fotos, vemos o Matos Gomes a servir de cicerone ao Paulo Santiago e a mim próprio. Entre os edifícios históricos, há o do antigo Com-Chefe. Foi aí que um grupo de conspiradores deu voz de prisão a General Bettencourt Rodrigues, no 25 de Aril de 1974. Desse grupo de oficiais revoltosos faziam parte Ten Cor Mateus da Silva (Eng Trms), Ten Cor Maia e Costa (Eng), Maj Folques (Cmd), Maj Mensurado (Pára), Cap Simões da Silva (Art),Cap Sales Golias (Eng Trms), Cap Matos Gomes (Cmd), Cap Batista da Silva (Cmd), Cap Saiegh (Cmd Africanos), Cap Ten Pessoa Brandão (Armada ) e Cap Mil José Manuel Barroso.

Nas duas últimas fotos, vemos a Maria Alice Carneiro com: (i) o Pepito, junto a um dos grandes poilões que cobrem a Amura; (ii) a Carmen Pereira, um das militantes e dirigentes históricas do PAIGC.

Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Todosos direitos reservados.


A velha Amura dos tugas
agora cercada de guinéus
por todos os lados.
Ilha de areias movediças
num mar de belugas,
foi rampa de lançamento de lançados.
Dizem que aqui nasceu Bissau.
De linhas tortas,
as ruas direitas da capital.

Saúdo os ilhéus,
figuras de museu de cera,
de faces mortiças:
à frente, o capitão-diabo,
o bigode farfalhudo,
espadeirando a torto e a eito,
de peito feito
ao fogo do canhangulo.
Mais os seus soldadinhos de chumbo,
que eram uma ternura:
em linha,
em formatura,
nas suas fardas multicolores,
coloniais,
do tempo dos Cabrais.
Davam vivas à Pátria
e à Rainha.
Aqui como em toda a parte,
onde o Império tinha engenho e arte.

Ah! A velha Amura,
inútil baluarte,
com os seus canhões
de bronze,
incandescente...
Casamata,
prisão,
dormitório,
agora panteão,
nacional,
coberto de poilões.

Eram onze
os soldadinhos,
como no jogo de matraquilhos.
E combatentes da liberdade da Pátria,
contei-os pelos dedos da mão.

Que fazes aqui, Amílcar,
que já te mataram, Cabral ?
E de que traições podias falar,
se fosses vivo,
tu, Osvaldo ? E tu, Vieira ?

E quanto a ti, Titina,
que incendiavas paixões
pelo Oio ?
Que fazes também aqui,
jazida entre os poilões,
debruados de branco,
da triste Amura ?
Cuidado, Silá,
que os tugas montaram-te a cilada
na cambança do Rio Farim.

Vejo mais à frente o Domingos,
O valente Ramos,
herói de banda desenhada,
que irá morrer de morte matada
em Madina do Boé.

E tu, Rui Demba Djassi,
de quem eu não sei nada,
a não ser que morreste em 1964,
depois do mítico Congreso de Cassacá ?
Sei ainda que tens nome de rua,
suja e esburacada,
na capital da tua terra...

E o camponês balanta,
Pansau Na Isna,
herói do Como,
guerrilheiro-cowboy,
enfrentando as naves loucas dos tugas
com a sua Kalash de contrafacção ?

Na Amura fez-se história,
diz-me o guia.
Ou a história dos vencedores
que contam a história
de como venceram
os vencidos.

Luís Graça
Bissau, 7 de Março de 2008

________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 26 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3243: Blogpoesia (26): 35 anos de Guiné-Bissau: A minha contribuição para a tua festa, meu irmão, minha irmã (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3668: (Ex)citações (9): Obrigado, Cristina, por esta doce e terna prenda de Natal (Torcato Mendonça / Hélder Sousa)

Lourinhã > 20 de Dezembro de 2008 > Pôr do sol visto do alto da falésia, na estrada do Vale Bravo, Atalaia, entre as praias de Porto das Barcas e da Peralta.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados


1. Comentários ao poste de 24 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3667: Blogoterapia (86): De Bissau a Lisboa, com amor (Cristina Allen)

[Fixação de texto: L.G.](*)

(i) Torcato Mendonça:

Queria parar um pouco.
Queria só ler o que neste Blogue é escrito.
Mas não consegui.
Que maravilhoso começo de Dia de Natal.
Fui lendo, deslizando,
sentindo-me embalar nas palavras,
as recordações a virem...
a sentir, na maravilhosa discrição do texto, o estar lá.

Os Comentários a darem ainda mais força
- os do Luís ou do Vírginio -
e a última frase:
Afinal,a nossa geração viu muitas coisas...
Efectivamente, digo eu, e, se me permitem,
vive hoje aqui neste Grupo,
ali noutro ou além...
em Amizade,
em troca de Afectos,
ou só em palavras trocadas,
mas propiciadoras de tornarem o início ou o Dia de Natal
em Hino de Amor.

Amoleci em espírito
ou a vida inflectiu, um pouco, o sentido?
Ofereceram-me uma Canção com um Poema lindo
em antevéspera de Natal
e, hoje, que melhor começo de Natal?
Por mim,
certamente por tantos,
que estas Vossas palavras todas vão ler.
Obrigado à Cristina Allen,
à sua Filha,
aos meus queridos Editores deste espaço de encanto...
a todas as Mulheres,
a todos os Homens que por aqui vão passando

um abraço
e um beijo com todo o meu afecto.

TM

(ii) Hélder Sousa:

Li com muita atenção todos os textos
que estão neste poste
e não consegui evitar
que rolassem pela face algumas gotas quentes.
Mas sinto que fazem bem!
Dão mais força,
mais sentido,
à determinação de que é necessário estar possuído
para enfrentar o futuro próximo.

É bom ir buscar essa força
às raízes das nossas vidas pessoais
mas também às achegas
que nos vêm dos testemunhos de outros.

Obrigado.

Hélder Sousa

_______

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 20 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3657: (Ex)citações (8): As lágrimas e os amigos (Ana Mendonça)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3667: As Nossas Mulheres (5): De Bissau a Lisboa, com amor (Cristina Allen)

Guiné > Bissau > Abril de 1970 > Sobre a férias de casamento da Maria Cristina Allen, escreveu o Mário Beja Santos seguinte:

"A Cristina chegou a 18 de Abril e praticamente nunca saiu de Bissau a não ser umas curtas visitas a Safim, Nhacra e Quinhamel. Não podíamos, evidentemente, ir passear a quaisquer teatros de operações. Durante os praticamente 20 dias que ela aqui viveu, visitámos as amizades feitas em Bambadinca e Bissau e fomos recebidos regularmente pelo David Payne, Emílio Rosa e mulheres. Não resistíamos à curiosidade de andar pelos mercados, ver artesanato e pequenas festas locais. Muitas vezes, o Cherno acompanhou-nos, insistia que não havia pausas no seu papel de guarda-costas".

Foto: © Beja Santos (2007). Todos os direitos reservados



1. Mensagem de Joana Santos, com data de 20 de Dezembro:

Ao cuidado de Luís Graça

A pedido da minha Mãe, Maria Cristina Allen, remeto o texto "De Bissau com Amor", destinado à Tabanca Grande.

Com os melhores cumprimentos,

Joana Beja Santos



2. As Nossas Mulheres (2) > Bissau em Lisboa, com amor

por Maria Cristina Allen

[Revisão de texto e negritos: L.G.]

Caro Luís Graça,

Há mais de duas semanas, o António Gonçalves, meu conterrâneo e amigo de sempre, ex-alferes miliciano combatente na Guiné, telefonou-me dizendo que tinha visto o meu retrato no Blogue, que vem seguindo atentamente.

Foi com surpresa que lá me encontrei e sinto-me honrada por me ter feito membro da vossa Tabanca Grande (*). 

Do coração lhe agradeço a gentileza das palavras que escreveu a meu respeito. Eu não fiz nada, limitei-me a disponibilizar os aerogramas e cartas que me enviou, durante quase dois anos, o ex-alferes miliciano Mário Beja Santos, meu noivo e marido, com o intuito de o ajudar, agudizando a memória e a perspectiva cronológica de factos que, em Lisboa, muitas vezes me deixavam, então (e, porque não dizê-lo?) estarrecida.


Penso que muitas mulheres da nossa geração guardarão espólios idênticos, testemunhos da guerra que, da Guiné, como de outras terras do mundo africano, vinham perpassadas do quotidiano da luta pela impossível conservação de um Império que se desmoronava.

Meritória obra sua, a da criação de um blogue que faz o exorcismo libertador dos fantasmas da memória de homens, que, agora, põem por escrito as suas experiências.

Os americanos foram muito mais lestos no salutar tratamento das marcas do seu Vietname, mas eles não tinham estudado, nos bancos da escola, a geografia de “províncias ultramarinas”, nem tinham ouvido propalar que a “Pátria era una e indissolúvel” e que “a Pátria não se discute”, nem que não valia a pena chorar os mortos se os vivos não o merecessem.

Quanto à Guiné, direito secular português o do comércio de ouro e escravos e da ocupação territorial, mas também secular o desleixo, que, em pleno século XX, revelava o subdesenvolvimento. Suponho que todos nós vimos os meninos de Bissau estudando à luz dos candeeiros de rua e afugentando mosquitos (não foi por acaso que Amílcar Cabral sonhou o seu sonho, ao qual os seus continuadores ainda não souberam concretizar o rumo).

Porém, para além das diferenças ideológicas e da controvérsia, que ainda hoje subsiste, quanto à justeza daquela guerra, ela foi nossa, atravessando as nossas vidas em plena juventude. Penso que ninguém que lá tivesse estado, voltaria o mesmo que fora.



Apesar das cartas do Mário, das visitas aos seus soldados mutilados em Lisboa, e do bom humor ácido do Major Cunha Ribeiro, gravemente acidentado, eu não estava preparada.

Na cidade, a vida aparentemente almofadada e facilitada por amigos do Mário e também meus, nada podia ocultar os abafados ruídos de combate a quinze quilómetros de distância, nem a visão dos feridos e emocionalmente perturbados no Hospital Militar.

Na companhia do Mário ou sem ele (internado ou já em Bambadinca), andava em bolandas, com as malas, de casa de amigos para o hotel; do hotel para a casa de amigos. 

Repito que não foi fácil ter vivido em Bissau. A noiva radiante, que o Mário descreve no segundo volume do seu Diário da Guiné, depressa murcharia. Permitiu a sorte que se formasse, como reduto de consolo, uma tabancazinha de gente amiga, em passagem ou residente, militar e civil. 

Relembro esses amigos:

(i) Rdo. Pe Afonso Lopes (falecido): Franciscano, Prior de Bissau“:

A minha guerra”, disse-me, “é complicada: tenho clientes dos dois lados".

(ii) Capelão Militar Manuel Gonçalves:

Franciscano, meu colega de curso,  passava, por vezes, em Bissau. Tirou a fotografia que está no Blogue e muitas outras. Roubava, para mim, mangos doces ao Prefeito Apostólico!

(iii) Dr. David Payne Pereira (falecido) e sua mulher, Isabel:

Médico em Bambadinca e, posteriormente, em Bissau. Ele e a Isabel foram meus padrinhos e cederam-nos, por uns dias, a sua casa.

(iv) Eng.º Emílio Rosa e sua mulher, Elzira:

Padrinhos do Mário, também nos albergaram.

(v) Dr. Alexandre Carvalho Neto e a então sua mulher, Inês Santa Clara Gomes:

Foi o mestre de cerimónia do nosso casamento. Secretário de Spínola, teria hoje muito para contar. A sua boinazinha xadrez foi uma constante presença auxiliadora nas minhas andanças.

(vi) Dr. Pedro Jordão e a sua então companheira, Milú:

Conhecia-o da Faculdade e, em Bissau, ele trabalhava com Otelo. Conseguiram a façanha de transportar para ali um piano de cauda!

(vii) Dr. Carlos Brancamp Freire d’Orey (falecido):

Meu companheiro de estudos, que partiu para Genève para estudar Ciências Políticas. Regressado, foi para a Guiné. Todos os meses vinha a Bissau para levantar o dinheiro do seu batalhão. Sempre esperando transporte, andava às voltas com o grande e precioso saco, chegando a dormir com ele debaixo da cabeça, no dormitório improvisado numa sala do hotel. Cheguei a guardar esse saco no armário do nosso quarto.

(viii) S.A. Xisto de Bourbon de Bourbon-Parma Deux Siciles:

Fotojornalista. Teve a gentileza de nos ceder o seu próprio quarto. Por estranho acaso, ao tratar com o Alexandre do meu bilhete de regresso, no gabinete que antecedia o gabinete do então Brigadeiro Spínola, ouvi-o ser despedido numa gritaria bilingue, entremeada de palavrões em português. Uma história de napalm.

(ix) Senhor Quito Fogaça e sua mulher, Fernanda:

Ele, natural de Bissau, fora companheiro de escola do Nino,  e ela, minha conterrânea. Tiveram a imensa bondade de me ceder toda a sua casa como se fosse minha. Estranhamente, após a prisão de Pintozinho (e de mais dois homens de negócios de Bissau) também o Quito foi preso e, passados dias, guardado em casa. Jamais esquecerei este generoso casal.

(x) Senhor Benjamim Lopes da Costa (falecido):

Enfermeiro Militar e, já liberto da tropa, empregado numa farmácia, trazia-me mimos e visitava-me em casa dos Fogaça. Trouxe-me, uma vez, uma galinha-do-mato que me fugiu, quando a pensava já morta, de pescoço pendente pela porta aberta do pátio. Perseguia-a, correndo. Com dinheiro na mão, nem sempre encontrava géneros.

(xi) Joana, a minha querida "bajuda”:

Era manjaca, media quase dois metros, e inventámos, juntas, uma linguagem gestual misturada do crioulo dela. Viu-me, um dia, chorar, e embalou-me como se eu fosse uma criancinha. Quando lhe disse que ia partir, atirou-se para o chão, num choro convulso. Queria que a trouxesse. O seu nome soava-me tão bem que chamaria Joana à minha primeira filha.

Se alguém se lembrar de pessoas que citei nesta minha lista, que as recorde como, então, foram. Por elitista que, em parte, pareça, grandes e pequenos estiveram no mesmo barco que os senhores da guerra balançavam.

Caro Luís Graça, as histórias de amor a que alude morrem, por vezes, mas de nada me arrependo. Ainda hoje voltaria a subir as escadas da pequena Catedral de Bissau, mesmo que fosse, apenas, para viver o primeiro dia da “estação das chuvas”. Um trovão enorme e seco, torrentes de água lavando tudo e, à noite, a visão transcendental e única de um céu riscado de relâmpagos, na luz azul-turquesa, feérica e metálica, como se um deus antigo revelasse a sua ira e escrevesse “basta!” na caligrafia da natureza, solta em fúria.


Bem-haja, Luís Graça, por ter-me ajudado a libertar de uma memória que trazia dispersa e reprimida.

A todos os Camaradas do Blogue e a todos os que o seguem, um Feliz Natal e um 2009 menos carregado do que aquilo que esperamos. Afinal, a nossa geração viu muitas coisas.

Maria Cristina Allen

2. Mensagem enviado por editor L.G. à Joana Santos, filha de Mário Beja Santos e de Maria Cristina Allen, logo na volta do correio,

Joana:

Transmita, por favor, à sua querida mãe o meu profundo agradecimento pelo magnífico texto que ela me acaba de enviar, e que me emocionou. É um privilégio que muito nos honra e sensibiliza...

Há tempos tomei a liberdade de lhe reservar um lugar especial na nossa Tabanca Grande (figura na nossa lista, na letra C, como Cristina Allen, como pode comprovar ao ler os elementos estáticos do blogue que constam na coluna do lado esquerdo): afinal de contas, temos 'convivido' com ela, através das cartas e dos textos do seu pai (agora em livro) ao longo destes últimos dois anos... Não podia imaginar como ela receberia esta proposta, um pouco abusiva... Fico feliz por ela se sentir bem, entre 'velhos amigos'...e não como simples figurante ou adereço de um grande drama humano que foi aquela guerra...

O seu depoimento, sobre a sua passagem por Bissau, é valiosíssimo: poucas mulheres têm dado a cara, a inteligência e o coração, para vir dizer, em público, que também estiveram, nesses anos de brasa, no Vietname português... Seguramente que lhe fez bem rearrumar as peças desse puzzle... Para mim, e para os meus camaradas que fazem todos os dias, desde Abril de 2004, esta estranha blogoterapia - estranha para as suas mulheres e companheiros, os seus filhos, os seus netos, os seus concidadãos... - é um formidável estímulo, um tremendo desafio, uma belíssima recompensa...

Vou a caminho do Norte (onde passo o Natal) mas faço questão de, o mais rapidamente possível, ser eu, Luís Graça, a editar, a comentar e a publicar o texto da sua querida mãe, texto esse que é revelador de uma grande elegância, sensibilidade, maturidade e talento...

Bem haja, Joana, por ter trazido até nós a sua mãe. Ela dá voz a muitas mulheres, de um lado e do outro do conflito, cuja papel tem sido escamoteado ou ignorado na história desta guerra, que foi um negócio sobretudo dos homens (como continua a ser a própria literatura e historiografia da guerra)... 

Um bj para si e para a sua mãe. Espero que um dia destes nos possamos conhecer pessoalmente. Um terno e doce Natal para a Joana e para a Cristina.

PS - Dou conhecimento, directo, da nossa troca de mensagens aos meus co-editores, CV e VB. Esta é, de resto, a caixa de correio electrónico da nossa Tabanca Grande, administrada pelos três, tal como o blogue.


3. Comentário de L.G.:

A escassas horas da consoada de 2008, aqui na Madalena, Vila Nova de Gaia, ao pé das minhas mulheres (e dos meus homens), não posso deixar, a pretexto do texto da Cristina que me tocou - nos tocou, a todos nós, camaradas da Guiné - de fazer um simples referência a outro momento alto que aconteceu aqui, no nosso blogue, no dia 22 de Dezembro: refiro-me ao poste do Virgínio Brite, justamente sobre as "nossas mulheres" (***).

As palavras que ele põe na boca do seu alter ego, o Alf Mil Comando Gil Duarte, todos nós gostaríamos de as ter escrito... O VB sabe dar um toque muito especial, intimista, delicado, sedutor, à sua escrita quando fala das mulheres... É um homem, contido, mas de grande sensibilidade e inteligência emocional, que de vez em quando nos surpreende com belíssimos textos... Este não pode deixar de ser evocado no dia da apresentação, à nossa Tabanca Grande, da Cristina Allen, uma das "nossas mulheres" que também esteve casada com a Guiné (com a particularidade, seguramente rara, de se ter casado, em tempo de guerra, em Bissau, com um camarada nosso, com quem partilhou a breve lua de mel que as circunstâncias então permitiram).

Tomo a liberdade de transcrever aqui dois ou três páragrafos, em homenagem a ele, o nosso querido amigo e co-editor VB, e a elas, as nossas mulheres...

"As nossas Mulheres. As que nos acompanharam desde os bancos das escolas. Que viveram, com a Cruz na parede das salas, com o olhar severo e crítico dos Pais, sempre presentes ao jantar, e o olhar benevolente e compreensivo das Mães, presentes o dia todo.As nossas Mulheres. Amantes, de beijos roubados às portas das casas, de um sôfrego respiro de ânsias e desejos difíceis de esconder.As nossas Mulheres. Que nos acompanharam com linhas escritas com lágrimas, em aerogramas de saudade e esperança numa vida que diziam estar, mesmo aqui, ao lado da esquina, amanhã, o mais tardar. De tão jovens, algumas não aguentaram tanta separação. Quem lhes leva a mal, que a vida é curta e a Guiné estava tão longe.

"As nossas Mulheres. Que nos recolheram, exaustos de uma vida tão mal vivida, e nos ensinaram de novo a vivê-la.

"As nossas Mulheres. Que foram dando à luz e criando, quantas vezes sós, os filhos de uma geração desperdiçada, tantas vezes com os companheiros ausentes e desinteressados.Às nossas Mulheres, às que estiveram nos Terreiros do Paço a receberem medalhas e a todas as Mulheres da nossa geração, que de uma ou outra forma, compartilharam a nossa vida" (...).


_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 8 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3422: O Tigre Vadio, o novo livro do Beja Santos (2): O exemplar nº 1, autografado, dedicado à malta do blogue

(...) "Penso que é chegada a altura de homenagear aqui a Cristina Allen, a ex-esposa do nosso camarada Beja Santos, e mãe das suas duas filhas. Foi graças à preservação e à posterior cedência das cerca de 500 cartas e areogramas que ele lhe mandou, que o nosso amigo e camarada Mário Beja Santos pôde escrever este e o anterior livro sobre a sua experiência humana e militar na Guiné (1968/70). Ao longo de dois anos, a Cristina esteve de tal maneira presente no nosso blogue, que vamos agora ter saudades dela, e sentir o vazio que será a sua ausência no futuro. Para compensar ou prevenir essa perda, tomo a liberdade de anunciar que é uma honra, para nós, tê-la como membro da nossa Tabanca Grande. Seja bem vinda, Cristina!" (...)

(**) Boa parte do livro do Beja Santos, Diário da Guiné: 1969-11970: O Tigre Vadio (Lisboa: Cícrculo de Leitores; Temas & Debates, 2008), gira à volta da Cristina Allen e as peripécias do seu casamento, em Bissau, com o Beja Santos...

Vd. postes de:

21 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2123: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (2): Não te esqueças de me avisar que já sou teu marido

29 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2595: Operação Macaréu à Vista - II PARTE (Beja Santos) (22): Meu amor, vai acabar entre nós este Oceano!

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2693: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos (25): A festa do meu casamento, 7 de Fevereiro de 1970

4 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2720: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (26): Cartas de amor e de amizade

27 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2797: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (29): Lá estarei em Bissalanca à tua espera!

30 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2902: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (33): A correspondência epistolar na véspera do meu casamento

27 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2990: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (36): Um memorável batuque, em Bissau, na Mãe de Água, em honra da Cristina

6 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3027: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (37): Com baixa psiquiátrica, no Hospital Militar de Bissau

11 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3048: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (38): No HM241, em Bissau, voando sobre um ninho de jagudis

21 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3078: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (39): Adeus, até ao meu regresso

(***) Vd. poste de 22 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3662: As Nossas Mulheres (1): As que casaram com...a Guiné (Virgínio Briote)