quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (1964/65) > Vista aérea do aquartelamento e tabanca, após o ataque de 8 de Dezembro de 1964. Foto Alberto Pires (o Teco). São vísiveis os estragos provocados nas moranças, uma parte das quais ficaram totalmente queimadas.

Cortesia da AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (que nos disponibilizou o acervo fotográfico de Guileje, a figurar no futuro museu).



1. Mensagem de António Martins de Matos, ex-Ten Pilav (BA12, Bissalanca, 1972/74):

Amigo Luis Graça (permite-me tratar-te por amigo, já que, não te conhecendo, ambos andámos por terras da Guiné)

Após a leitura do livro A retirada de Guileje, junto te envio um pequeno texto que me senti na obrigação de escrever.
Dispõe dele como melhor te aprouver.

Saudações amigas

António Martins de Matos



2. Guileje vista do céu (*)
por António Martins de Matos

[Título e subtítulos, a negrito, da responsabilidade do editor, L.G.]

Confesso ser assíduo leitor do blogue e ter hesitado durante largos meses sobre a ideia de, um dia, quebrar esta barreira e contribuir, também eu, para esta tertúlia.

A leitura do livro A retirada de Guilege pelo Cor Coutinho e Lima (*) e os vários comentários sobre este tema foram a pedra de toque que me levaram a escrever estas linhas.

Não pretendo demonstrar que a minha verdade é melhor que a verdade de outros; digo-o simplesmente porque, ao contrário da maior parte dos comentadores, participei nos combates em Guidaje, Guileje e Gadamael, com uma visão “de cima”, nunca antes explorada neste blogue.


(i) Conhecer a Guiné de DO-27 e de FIAT G91...


Passada esta introdução, aqui vão as minhas coordenadas:

Era, ao tempo da guerra, Tenente piloto aviador, enviado para a Guiné em 10 de Maio de 1972, aí permanecendo até 10 de Fevereiro de 74.

Em relação à controvérsia (estúpida) instalada a quando do programa PRÓS E CONTRAS da RTP sobre o nome da guerra, Colonial, do Ultramar, ou de Libertação, confesso ter ido para a Guiné pensando que aquele território era Portugal, mas bastou-me uma semana de observação in loco para me aperceber que estávamos lá apenas e só como potência colonizadora.

O que me fez continuar? A ideia de que os 40.000 portugueses espalhados pela Guiné precisavam do meu apoio.

Sendo verdade que todas as noites dormia no ar condicionado de Bissau, também é verdade que, durante o dia, percorria todas as áreas da Guiné, de Susana a Cacine ou de Bubaque a Buruntuma.

Entre Maio72 e Abril73 voava os aviões DO-27 e FIAT-G91.

Voar o DO-27 permitiu-me conhecer todos os aquartelamentos que tinham pista (à excepção de Nova Sintra, vá-se lá saber porquê)

Levei víveres para o Guidaje, correio para o Guilele, comandantes engomadinhos do QG para Tite, Fulacunda ou Cabuca, padres e artefactos de missa para S. Domingos.

Também dormi em Pirada e fiz destacamentos em Nova Lamego.

Para abastecer a messe em Bissau, fui buscar peixe ao Cacheu e carne com moscas a Bafatá.

Fiz muitos PCVs com os Coronéis/Majores a controlarem a guerra de cima (alguns eram completamente enganados pela tropa, outros nem tanto).

Com eles fiz pequenas, médias e grande operações, no Morés, Caboiana, Cantanhez, Porto Balana.

Fui buscar feridos e doentes (militares e civis) a muitas unidades .

Sempre fui recebido nos aquartelamentos com estima e simpatia.

E descobri que quanto pior e mais isolado fosse o quartel, melhor era recebido, Paunca e, em especial os Gringos do Guileje, os campeões.


(ii) A chegada dos mísseis Strella e mudança de 'modus operandi'


Em Abril73, com a chegada dos mísseis Strella passei a voar apenas FIAT-G91.

A Força Aérea foi forçada a alterar o seu modo de operar, deixando de ir a algumas unidades por manifesta falta de segurança na aterragem e descolagem (vide o caso do DO-27 que transportava o Major Comandante do COP de Bigene e que desapareceu ao sair do Guidaje).

No que respeita a apoio de fogo e apesar dos aviões voarem a uma maior altitude e isso ter influenciado negativamente o moral das tropas, as missões passaram a ser muito mais efectivas (novo armamento até aí não utilizado).

Contrariamente ao que é habitual ouvir dizer, a Força Aérea aumentou substancialmente o número de saídas de combate, muitas delas ao estrangeiro ( Kandiafara, Kumbamori, Kandara, ...) o que aliviou a nossa tropa de inúmeros ataques do PAIGC.


(iii) Principais conclusões a retirar da análise do livro do Cor Art Ref Coutinho e Lima

Do que vivi in loco e da leitura do livro leva-me a concluir:

Desde 6 de Maio que os GC do Guileje não efectuavam qualquer saída do quartel (excepção à tentativa de coluna a 18Maio), o que os deixou sem uma segurança avançada e sem saber o que se passava para além do arame farpado.

Ao contrário do que muitos pretenderam fazer crer, o Guileje não podia estar cercado.

Prova disso é o facto de terem fugido cerca de 600 pessoas sem que o IN desse conta. Há mesmo quem afirme que saíram com grande confusão e barulho, o que teria forçosamente de ser notado.

Prova disso é igualmente o facto do IN ter continuado os ataques (sempre e só de artilharia) já com o quartel deserto.

Felizmente que o Guileje não estava cercado pois que se o estivesse ter-se ia verificado o maior desastre da guerra colonial.

Na exploração do inesperado sucesso o PAIGC pretendeu fazer crer à posteriori que teria executado dois cercos em simultâneo (Guidaje e Guileje), o que não é verdade. Duas operações de grande envergadura e em simultâneo não estava ao alcance de nenhum dos contendores.

O PAIGC limitava-se a flagelar o Guileje de longe (morteiro 120, canhão sem recuo, ...), sem mesmo entrar no território da Guiné. Há a confirmação de que as bases de fogo se situariam para além da fronteira (não é fácil transportar centenas de munições e elas não nascem nas árvores).

Com o seu alcance, os obuses de 14cm seriam das poucas armas aptas a contrariar o fogo inimigo. No entanto só muito esporadicamente foram usados. Há mesmo um depoimento de alguém afirmando que o pessoal que as operava nem sequer saía dos abrigos.

Passados todos estes anos ainda hoje não consigo perceber por que razão os quartéis equipados com potente artilharia não se defendiam mutuamente.


(iv) Guileje, uma manobra de diversão, para desviar a FAP de Guidaje...

Os ataques ao Guileje destinavam-se apenas a tentar desviar as saídas da Força Aérea em direcção ao Guidaje, o que em parte foi conseguido, visto que entre 19 e 21 de Maio a FAP foi obrigada a dividir o apoio, com 16 missões no Guidaje e 14 em Guileje, 8 das quais no dia 21.

Pelo acima referido, não se pode afirmar que o apoio ao Guilege tenha sido menosprezado.

A questão que se põe é a de saber porque razão as missões no Guileje não terão tido sucesso?


(v) 'Vamos comprar um B52 e já voltamos'...

A meu ver por falha do QG Bissau que até essa data, e ao contrário do que se passava em Guidaje, não autorizava a FAP a ir ao estrangeiro, e igualmente por falha do Guileje, que já não era capaz de indicar de onde tinham partido os ataques, limitando-se a afirmar “bombardeiem todas as matas à volta do quartel”.

A afirmação do homem do rádio (que no livro vim a descobrir ser o Fur Alfaiate), a mando do seu comandante, de que “não usamos a nossa artilharia para que o IN não referencie o quartel”, resultou na minha resposta, de mau gosto, “vamos comprar uma B-52 e já voltamos”, dita com a raiva de quem sente que o seu apoio estava a ser inútil e era mais necessário noutro lado.

Havendo apenas 6 pilotos de FIAT-G91 a acudirem aos pedidos de apoio de toda a Guiné, a comparação dos números de mortos e feridos em Guilege e Guidage é, por si só, clarificadora do que efectivamente ocorreu nesse período e de quem mais necessitava de apoio.

Ao contrário do que a maioria do pessoal do Exército pensava (pensa), o apoio aéreo em voo baixo, com metralhadoras e foguetes, ainda que possa aumentar o moral das tropas, era, é e será sempre, completamente inadequado.

O facto dos aviões voarem mais alto não tem a ver com a sua segurança mas sim com o tipo de armamento transportado, sendo que um apoio eficaz só poder ser conseguido com a utilização de bombas.

A FAP foi pioneira a ser alvejada com mísseis Strella e igualmente pioneira neste tipo de apoio próximo, procedimentos semelhantes foram utilizados anos mais tarde no Kosovo ou actualmente na Faixa de Gaza.


(vi) Um homem sem perfil, ou um 'erro de casting'


Não obstante já ter feito duas comissões na Guiné, o Maj Coutinho e Lima não tinha o perfil adequado para chefiar o COP 5 e algumas das suas decisões não terão sido as mais correctas.

O estabelecimento da sede do COP 5 em Guileje em vez de Cacine ou mesmo Gadamael, a troca de armamento sem razão aparente, a suspensão da actividade operacional, foram alguns dos factores que contribuíram para o agravamento da situação.

Tais decisões deveriam ter sido questionadas por quem o indigitou para o lugar.

Houve no entanto outros militares que contribuíram para a queda de Guileje, a saber:

- Os que no QG Bissau entendiam que o Guileje era tão só um local para onde mandar os corrécios;

- Os que no QG Bissau não avaliaram correctamente a situação;

- Os que, de uma maneira ou de outra, demoraram a cadeia logística;

- Os que não autorizaram os FIAT a passarem a fronteira (o ataque a Gadamael foi sustido depois de se ter bombardeado Kandiafara);

- Em última análise, a responsabilidade tem de ser atribuída a quem, conhecendo o perfil do militar, o nomeou para o cargo.


Na introdução do seu livro A retirada de Guileje, por Cor Coutinho e Lima põe a questão de se saber qual o termo correcto, entre “amnistiado” e “ilibado”.

Não é minha intenção julgá-lo, mas confesso que me incomoda as várias tentativas que vêm sendo feitas de o apresentar como um herói, que não foi.

Todos nós, que estivemos na Guiné, temos alguns fantasmas que, de tempos a tempos, nos vêm lembrar quem fomos, o que fizémos e como nos comportámos.

Há 35 anos que os meus fantasmas estão em fuga de Gadamael e continuam mortos e entalados no tarrafo do rio Cacine.

Como nota final, a minha homenagem ao BCP 12 (CCP121, CCP122 e CCP123). Sem eles, Gadamael tinha seguido o destino do Guileje.


António Martins de Matos (**)


3. Comentário de L.G.:

Caro camarada:

Não é todos os dias que recebo, na caixa de correio, um texto como o teu: claro, conciso, preciso, assertivo, elegante... e ao mesmo tempo politicamente incorrecto, incómodo, lúcido, desassombrado, sofrido, solidário...

É um privilégio para mim dar-te, em meu nome e dos meus dois co-editores, as boas vindas à nossa tertúlia ou Tabanca Grande, enfim, ao nosso blogue, que é teu, é meu, é de todos nós... O nosso maior denominador comum é a Guiné (1963/74)... O resto é periférico...

Como já te apercebeste, aqui ninguém precisa de puxar dos galões ou dos títulos ou das medalhas para aceder à palavra: basta entrares, dizeres bom dia ou boa tarde, puxares de um banco e contares a tua história... Eus ei que há diferenças de literacia, de talentos, de conhecimentos... Procuramos atenuá-las...

O nosso blogue serve isso mesmo, serve - modestamente - para a nossa geração que combateu na Guiné (não interessa o posto, a arma, a especialidade, o local, o ano...) contar a história que os outros nunca poderão contar... por nós.

E aqui está, em corpo inteiro, a tua história, a tua personalidade, os teus valores, o teu CV (***)... E com que elegância fazes a tua análise!... Não dizes: "o homem (o comandante do COP 5) era fraco e incompetente"... (de resto, como muitos de nós, a começar por alguns dos homens que nos comandavam....); dizes simplesmente, houve um "erro de casting", o homem não tinha o perfil... Mas a culpa foi de quem o nomeou... (Esclareça-se: quando digo, "competente", referindo-me à generalidade das NT na Guiné, do meu tempo, quero significar "treinado, preparado, equipado, motivado")...

É muito diferente de um "juízo moral" ou de "carácter", que evitamos fazer em relação ao "comportamento operacional" de qualquer camarada, ainda vivo... Coutinho e Lima, ao publicar o seu livro, passa a expor-se em público... E mais, ele pede explicitamente o veredicto do leitor... (Por outro lado, ele não é um operacional qualquer: é um profissional, um oficial superior do Exército, comandante de um COP, com responsabilidades muito superiores às de um simples furriel ou alferes, milicianos; e isso não quer que ele não tenha, da minha parte, a simpatia e a solidariedade que me merecem todos os os camaradas da Guiné que se identificam com este blogue, e que escrevem neste blogue).

António Martins de Matos, camarada e doravante amigo António: Tu és mais do que um leitor atento e interessado do livro do Coutinho e Lima. És um actor de Guileje (bem como de Guidaje e de Gadamael)... És um actor, não és um simples figurante. O teu ponto de vista, ao ser publicitado no blogue, vai ser escutado, analisado, divulgado, discutido, aplaudido, criticado... Vai ser escutado com o respeito que merecem todos os que "estavam lá", no sítio, na hora, na terra, no ar, na água... Só esses podem falar de cátedra... No fim, os que visitam e nos lêem podem concordar ou não concordar com o teu raciocínio e a sua fundamentação...

Tu mesmo o dizes: esta é a minha verdade (leia-se: a minha leitura dos acontecimentos), não tem que ser a verdade dos outros, ou imposta aos outros. Mas o que importa sublinhar é que trazes novos elementos para o conhecimento e o debate sobre Guileje (e não só, sobre os três GG)... Tu és o primeiro "ver Guileje de cima"... (É pena não termos acesso a uma cópia dos registos da tua caderneta de voo nesses dias no subsector de Guileje).

Eu, que não estava lá nessa época nem nesse local (sou de 1969/71 e estive no leste), não posso nem quero "tomar partido"... Nem acho que seja importante "tomar partido": também sou, por princípio, contra programas do tipo Prós e Contras, que fazem do conflito espectáculo, em vez de promover a pedagogia do debate...

Como editor do blogue, também tenho que ser o garante da pluralidade de pontos de vista, logo equidistante, uma tarefa que seguramente não é fácil. Não confundo, de resto, amizade e camaradagem, com objectividade e independência de pensamento e análise...

Também acho que a verdade é uma construção: há o verso e o verso, o texto e o contexto, o discurso e as condições de produção do discurso... A única coisa que detesto, nalgumas pessoas (incluindo algumas camaradas nossos) é a tendência para o juízo sumário (que é sempre uma execução sumária), própria de quem vê o mundo a preto e branco, dicotomizado: o herói e o cobarde, o bom e o mau, nós e o inimigo... Felizmente, não é o teu caso...

Vou publicar o teu texto, com uma ou duas imagens (que irei seleccionar), mais logo... Já está em edição. Mais para o fim da noite, poderás ver o teu texto en linha, no nosso blogue, na série "A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima"....

Em minha opinião, é um valioso contributo para o conhecimento de Guileje e do que se passou entre 18 e 25 de Maio de 1973... De Guileje e dos seus actores. De Guileje visto dos ares.

Espero que aceites ficar entre nós, voltando a dar a cara, a aparecer em público e, portanto, a escrever... O blogue é teu...

Um Alfa Bravo (ABraço). Luís


4. Comentário do co-editor vb:

O artigo do PilAv dos Fiats é valioso. Não só acrescenta inf de um interveniente que via a guerra de cima (e que portanto podia ver os acontecimentos mais a frio, especialmente porque tinha a paz de espírito para o fazer, o que não acontecia com os "despachados" para os Guidajes, Guilejes e Gadamaéis) como também pelos docs a que certamente tinha acesso. É interessante ver a história, ainda a ser feita ainda pelos vivos...Ao nosso blogue o deve.

Um abraço

vb
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 11 de Janeiro de 2009 >
Guíné 63/74 - P3725: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (10): PAIGC dispara um milhar de granadas entre 18 e 22 de Maio de 1973

(**) Quando o meu comentário já está escrito, vim posteriormente a saber, por uma pesquisa no Google, em casa, à noite, que o autor da mensagem é, com muito provavelmente, o tenente general António Martins de Matos, aqui referido numa notícia da Lusa, publicada pelo Público, de 18/12/2006 ("Força Aérea: novo chefe do Estado-maior sublinha unanimidade da sua escolha"):

(...) "A ultrapassagem na antiguidade militar e o carácter eminentemente político da escolha do ex-director-geral de Política de Defesa Nacional terão estado na origem da decisão dos tenentes-generais Hélder Rocha Martins (actual vice-chefe do Estado-maior da Força Aérea), António Martins de Matos (comandante da Logística e Administração da Força Aérea), David Oliveira (adjunto operacional do chefe do Estado-maior general das Forças Armadas) e João Oliveira (comandante operacional da Força Aérea)" (...). (Negritos, da responsabilidade do editor, L.G.)

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3736: (Ex)citações (13): Às vezes, tão perto e tão longe das coisas... (João Coelho)

1. Por sugestão do Mário Fitas que comentou o comentário (*):

Este texto [, do João Colho,] merece um Poste, pela sua singeleza, realidade e escrita. Alguém assistiu a um choro? Eu vi choro de verdade, em representação, com coreografia de sonho. Velhos tempos de malta que passou por Mato Farroba (Cufar). Mário Fitas

2. (Ex)citações (13) > Às vezes tão perto e tão longe das coisas...
por João Coelho

Boa tarde. Este episódio (*) faz-me lembrar uma situação que vivi quando, por razões profissionais estive na Guiné-Bissau, felizmente já em tempo de paz.

Com o padre António Rego,fui dar uma volta pelo país; em dada altura, para cruzarmos um rio - não recordo qual - tivemos de esperar por uma jangada que fazia a ligação entre as margens. Cigarrito fumado apreciando a paisagem, notei,quase que inconscientemente, que pairava por ali um som que me era familiar... e reparei que o António também tinha dado por isso...Olhámos à volta e, prá aí a uns 50 metros, estava um indivíduo, aguardando também pela jangada; encetada uma voltita, chegámo-nos ao homem e vimos que era militar,não muito novo, (percebemos depois que tinha feito a guerra no PAIGC) com um transistor encostado à orelha... ouvindo a Tarde Desportiva da RDP...Saudações trocadas, pergunta o António:
- Então, ouvindo os relatos? - E eis que o tropa nos diz, de memória, e em português coxo, todos os resultados, ao intervalo, da 1ª Divisão do nosso futebol... Sem uma falha!

No mesmo dia regressámos a Bissau e, noite feita, esperámos de novo pela jangada; no negrume, só os isqueiros, de vez em quando, traziam uma chispa de luz...O silêncio quase total começa entretanto a ser quebrado por sons que se aproximam da margem onde estamos e, pouco depois está connosco um grupo de mulheres e homens, gente alta e elegante,vestida com roupa tradicional, que canta e dança, completamente alheados do que os rodeia e sem nos darem nenhuma atenção...

Chega a jangada e embarcamos todos... O grupo continua no seu embalo, como se estivessem em movimento perpétuo... e é o nosso cicerone guineense que nos diz que vêm de um choro algures no interior... Desembarcamos, e eles lá vão, com a sua melopeia, o seu ritmo, entrando pela noite dentro, até os perdermos de vista...

E eu e o António ficámos a pensar como estamos, por vezes, tão perto e tão longe das coisas..

Abraço, bom 2009

João Coelho
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3730: (Ex)citações (12): Um dia choraremos os tugas, por nos faltar a água de Lisboa (Osvaldo Vieira)

(**) Vd. poste de 20 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3485: Gloriosos malucos das máquinas voadoras (13): Os MAN - Mecânicos de Material Aéreo e o outro lado da guerra (João Coelho)

(...) "O João Coelho, que é um leitor atento e apaixonado do nosso blogue, e membro da nossa Tabanca Grande, é daqueles camaradas das Força Aérea que, nunca tendo estando em serviço na BA 12, Bissalanca, Guiné, esteve perto de nós, dos nossos feridos graves, recambiados para Lisboa, para esse outro inferno que era (imagino!) o Hospital Militar Principal, à Estrela, mais os seus anexos...

"É estranho que ao fim de 3 anos e meio de blogue ainda não tenhamos aqui o testemunho, na primeira pessoa do singular, de um camarada que tenha passado pela Estrela" (...)

Guiné 63/74 - P3735: As Nossas Tropas - Quem foi quem (4): Cap Art Ricardo Rei, CART 1792: Lixaram-no, não passou de coronel (Joseph Belo)

1. Mail do José (ou Joseph) Belo, com data de 3 de Janeiro último:

Obrigado pela possibilidade que me foi dada de ler o comentário enviado por anónimo referente ao Cap Rei (*). Para muitos de nós foi um privilégio servir sob as suas ordens, tê-lo como Amigo e, muito principalmente, como um exemplo de integridade pessoal, num tempo e local em que tais exemplos não abundavam (**).

Soube sempre, quando necessário, assumir frontalmente posições politicamente incorrectas (como hoje tanto se diz!) num período em que bem poucos murmuravam entre dentes o que ele se atrevia a dizer em voz alta.

Eu, que andei metido em muita politiquice do antes, durante e pós-25 de Abril, sei que ele nunca empunhou bandeiras de esquerda, centro ou direitas, tendo mesmo um dia comentado:
-Sou um Oficial do Exército de Portugal e nunca esqueço que o meu dever é servir os portugueses e, logicamente, o governo... quando este os representa!

Terminaram a sua carreira militar reformando-o no posto de Coronel. Nesta tão simples manobra de secretaria, conseguiram, pouco tempo passado, literalmente, acabar com a sua vida.

De Estocolmo um abraço amigo do

José Belo
_________

Notas de L.G.:

(*) Comentário de um anónimo ao poste de 19 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2062: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (5): O General que não gostava de bigodes

(...) "Aquando da ida dos obuses 14 cm para Aldeia Formosa, como não podia deixar de ser integrei a coluna, Buba/Aldeia Formosa, comandada pelo Cap Rei, comandante da CCAÇ 1792, o de bigode. O Cap Rei foi o militar mais organizado e mais valente que encontrei nos dois anos de comissão, na Guiné, Fev 67/Fev 69.

"Lixaram-no. Não passou de coronel" (...)

(**) Vd. postes da série Tuags - Quem é quem:

23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2207: As Nossas Tropas - Quem foi quem (1): Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549 (1969/71) e capitão de Abril

4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: As Nossas Tropas  - Quem foi quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)

21 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2569: As Nossas Tropas - Quem foi quem (3): João Bacar Djaló (1929/71) (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P3734: Fauna & flora (8): O estudo do Papio hamadryas papio (Maria Joana Ferreira Silva)

Fig. 1: Fêmea sub-adulta encontrada presa em Bissau


Fauna & flora (8) > Os babuínos da Guiné na Guiné-Bissau (*)
por Maria Joana Ferreira Silva


Introdução

Os babuínos da Guiné (de nome científico Papio hamadryas papio, ver Fig. 1) são uma de cinco subspécies que constituem o género Papio. Este género tem sido um dos mais extensamente estudados dentro da Primatologia contemporânea, tanto em relação a características intrínsecas dos próprios babuínos (como a sua ecologia, estrutura social e sócio-ecologia, genética e filogenia), como em analogia com a evolução humana, já que ambos evoluíram durante o Pleistoceno (**) e sofrendo as mesmas pressões ecológicas (evoluíram em savana, um ambiente altamente imprevisível em termos de recursos alimentares).

O Babuíno da Guiné, no entanto, é das subespécies menos estudadas e menos compreendidas. Os mais recentes trabalhos publicados acerca de populações selvagens datam dos anos 80 (com excepção de um trabalho de 2006) e os trabalhos acerca de populações em cativeiro (como aquelas dos jardins zoológicos) apresentam inúmeras limitações metodológicas que impedem analogias com as populações selvagens.

Um dos constrangimentos dos estudos realizados com populações selvagens prende-se com o habitat (de baixa visibilidade, como todos os bloguistas puderam experimentar em situações bem mais difíceis que qualquer cientista...) e com a instável situação política dos países que constituem a sua pequena área de distribuição (ver Fig. 2).

Fig. 2: Área de distribuição dos babuínos da Guiné

Os babuínos da Guiné ocupam uma pequena área de distribuição (com apenas 250 000 Km2) na zona oeste do continente Africano, e porque se estende num eixo norte-sul, é caracterizado por uma elevada variação ambiental: o nível anual de pluviosidade varia entre os 200mm na Mauritânia até 1400mm no sul da Guiné-Conacri, e a temperatura máxima diária pode variar entre os 20ºC e os 50ºC. Ocorrem numa grande variedade de habitats e a sua dieta aparenta ser altamente variável, o que é também um indicador da elevada flexibilidade ecológica dos babuínos da Guiné.

Estudos recentes concluíram que os babuínos da Guiné possuem uma estrutura social multi-nível, em que 4 níveis podem ser distinguidos. Estes níveis fragmentam-se ou unem-se em ajustamento com determinada estação do ano e altura do dia, de forma a optimizar o número de indivíduos com as condições ecológicas encontradas. Assim, durante a procura de alimentos, ocorre a separação dos OMU (One male Unit, grupos com um macho adulto, 3 ou 4 fêmeas e respectivas crias) por forma a reduzir a competição alimentar dentro do grupo.

Em locais com um risco de predação acrescido, estas unidades reúnem-se para uma melhor defesa (e dão origem ao 2º, 3º e 4º nível de organização). Um exemplo desta união é os dormitórios (normalmente árvores de grande porte) onde se podem juntar centenas de indivíduos. As frequentes vocalizações emitidas durante o dia (os latidos que lhes deram o nome de macaco cão ouvidas pelos bloguistas) servem 2 propósitos: avisam as outras unidades fragmentadas de um qualquer perigo percepcionado e coordenam os movimentos das unidades (indicam onde está a unidade e onde se devem unir mais tarde) (***).

O meu trabalho:

Com a inovação das técnicas moleculares que aconteceu nos últimos 30 anos, é possível, neste momento, obter inúmeras informações acerca de animais selvagens sem requerer a sua observação. É possível, por exemplo, extrair quantidades razoáveis de ADN de excrementos, que depois de vários tipos de análises moleculares nos permite estimar:

i) o número de indivíduos em determinado local;

ii) distinguir entre “excrementos fêmea e macho”;

iii) estabelecer relações de parentesco entre indivíduos (quem é filho de quem, quem é primo de quem);

iv) determinar o grau de consanguinidade (que é inversamente relacionado com o estado de saúde de uma população);

v) determinar rotas de migração (quando são amostradas várias populações) ou se alguma população está isolada reprodutivamente de outra,

vi) determinar o sexo migrante;

vii) revelar os constituintes da dieta...

É costume dizer-se que o limite está na imaginação do investigador!

Estas potencialidades que são oferecidas pelos adeptos da “amostragem não-invasiva de ADN” têm, claro, um reverso: por norma, estas técnicas envolvem maior custo e maior investimento temporal, estando também mais sujeitas a maior taxa de erro. No entanto, em determinadas situações (como a que se apresenta no caso dos babuínos da Guiné) é a única forma de obtenção de informação relevante.

O meu projecto de doutoramento tem três principais objectivos:

1 – Determinar o estatuto de conservação dos babuínos da Guiné na Guiné-Bissau.

O actual estatuto de conservação dos babuínos da Guiné é de “Baixo risco, baixa preocupação” (IUCN 1994), pelo que não foram planeadas ou implementas medidas de conservação especificas. No entanto, existem indícios de que estas populações possam estar ameaçadas pela perda drástica de habitat que ocorreu nos últimos anos, pela elevada pressão de caça, pela captura de infantes como animais de estimação e ainda, pelo uso de peles ou partes de animais na medicina tradicional.

Os dados genéticos irão permitir a estimativa do número efectivo de indivíduos na Guiné-Bissau, que ao ser reduzido poderá levar a uma mudança no estatuto de conservação e à aplicação de medidas de conservação. Por outro lado, a existência de populações isoladas (e consequentemente mais consanguíneas) por causas antropogénicas (estabelecidas através dos dados genéticos) permitirão definir melhor essas medidas de conservação, criando por exemplo, corredores ecológicos entre populações isoladas.

2 – Investigação de aspectos socio-ecológicos:

Tendo em conta a sua enorme flexibilidade ecológica, gostaria ainda de testar a influência do habitat na estrutura social. Isto é, será que a fragmentação dos vários níveis se mantêm em habitats variáveis em termos de recursos alimentares ou risco de predação (por exemplo entre as florestas de Cantanhez e a savana do Boé)?
Isto será obtido com base nos dados de relações familiares entre grupos e na determinação do sex-ratio (número de machos para cada grupo de fêmeas). Por outro lado, os dados genéticos irão permitir determinar qual é o sexo migrante e como essa migração ocorre entre diferentes habitats, o que também terá implicações conservacionistas.

3 – Investigação da história demográfica passada

Esta parte do meu trabalho irá permitir responder às seguintes questões:

(i) Os babuínos da Guiné da Guiné-Bissau vieram de onde?

(ii) Há quanto tempo existem na Guiné-Bissau?

(iii) Sofreram algum evento demográfico no passado (como seja, uma diminuição drástica populacional, conhecido por bottleneck)?

(iv) Quando?

É nesta parte do trabalho que os depoimentos dos bloguistas se inserem. Imaginemos que é de opinião geral que, em Cantanhez, os babuínos existiam em grande número durante 1963-1974 e só diminuíram a partir dos anos 80 mas noutro local qualquer, a diminuição começou em 1963 ou nem existiam mas agora passaram a existir.

Todas essas pistas serão usadas para a interpretação dos dados moleculares que (espero...) terão resolução suficiente para determinar estas variações populacionais específicas. No caso de se sobreporem os dados moleculares e os depoimentos dos bloguistas, será um grande avanço científico, pois a causa mais provável da diminuição populacional terá sido determinada!

Texto e fotos: Maria João Ferreira Silva

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Fauna & flora > 13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3733: Fauna & flora (7): Babuínos, chimpanzés, caçadores, militares, pitéus e... turismo científico (Pepito)

(**) Vd. Wikipédia > Pleistoceno:

(...) "Na escala de tempo geológico, o Pleistoceno ou Plistocénico é a época do período Neogeno da era Cenozóica do éon Fanerozóico que está compreendida entre 1 milhão e 806 mil e 11 mil e 500 anos atrás, aproximadamente" (...)

(***) Para saber mais: vd. artigo em inglês sobre o Baboon, Wikipedia

Guiné 63/74 - P3733: Fauna & flora (7): Babuínos, chimpanzés, caçadores, militares, pitéus e... turismo científico (Pepito)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém> Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > Primatas do Cantanhez: o dari, o fatango... Desenhados nas paredes das instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento em Iemberém

Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Pepito (AD- Acção para o Desenvolvimento, Bissau, que tem apoiado e incentivado o ecoturismo, incluindo o turismo científico, no Parque Nacional de Cantanhez):

Luís

O macaco (em geral) foi a base da alimentação proteica dos guerrilheiros, pelo que logo após a independência foi completamente interdita a sua caça. Isto foi mesmo cumprido (o Estado naquela altura tinha mesmo força).

Mais tarde, em finais de 80 o macaco cão passou a ser considerado em Bissau como um grande pitéu e passou a ser moda ir-se comer esta carne nos vários mini-restaurantes que foram surgindo nos bairros populares. Conheço o caso de um proprietário que vinha do sul com 50 macacos-cão mortos de cada vez que lá ia. Foi sobretudo este factor que acelerou a sua caça.

Acresce que outros grandes consumidores são os militares guineenses que, à falta de alimentação nas casernas, fazem autênticas razias.

A sua diminuição é um dado adquirido. Um dos indicadores é a queixa recorrente que ouvimos aos agricultores com quem trabalhamos pelo cada vez maior número de cobras e das suas picadas, muitas vezes mortais. É que para o macaco-cão, a cobra é o seu pitéu favorito... O desaparecimento de um corresponde ao aumento do outro.

O aumento de chimpanzés em Cantanhez (mesmo se contestado pela equipa da senhora investigadora em causa, que nós contestamos) também é um pouco o fruto da diminuição dos macacos-cão, eternos rivais e que conduzem frequentemente a autênticas batalhas campais pela posse de espaço na Mata de Cantanhez.

abraço
pepito

Guiné 63/74 - P3732: Fauna & flora (6): A mensagem da Maria Joana e a resposta do Patrício Ribeiro

o Babuíno da Guiné, conhecido entre nós por Macaco Cão


1.
Recordamos a mensagem da Maria Joana Ferreira Silva, de 9 de Janeiro de 2008:

Boa noite Sr. Luís Graça

O meu nome é Maria Joana Silva e sou uma aluna de doutoramento da Universidade de Cardiff (Reino Unido). O meu projecto de doutoramento é acerca da genética do babuíno da Guiné (mais conhecido na Guiné-Bissau por macaco Kom).

Tenho-me deslocado à Guiné-Bissau, mais propriamente a Cantanhez, onde comecei por fazer uma recolha de amostras biológicas exploratória. Logo percebi que a história demográfica desde primata está intimamente ligado à história daquele local.

Fiz algumas entrevistas a antigos caçadores da tropa portuguesa que me falaram do tempo da guerra, do facto dos babuínos terem sido caçados principalmente por tropas do PAIGC e que durante o tempo da guerra era relativamente fácil encontrar babuínos.

Gostaria de pedir a ajuda dos bloguistas para obter informações acerca dos babuínos daquele tempo (1963-1974). O que gostaria de saber é:

(i) Onde foram avistados os grupos de babuínos;

(ii) quantos animais existiriam num grupo social e quantos machos adultos;

(iii) se os babuínos eram caçados pelos caçadores das tropas para os portugueses;

(iv) se as crias de babuínos eram levadas para os quartéis;

(v) se os bloguistas ouviram falar de medicinas tradicionais que usassem peles de mamíferos (nomeadamente babuínos);

(vi) onde se comeria "cabrito pé de rocha" na Guiné;

(vii) e outras informações deste teor que considerem relevantes.

Estas informações poderão ser enviadas para o meu e-mail: silvamaria_ju@hotmail.com.

Por outro lado, os antigos caçadores referiram alguns nomes de antigos combatentes (e também amigos). Gostaria de saber se algum dos bloguistas conhece as seguintes pessoas (com quem gostaria de ser posta em contacto):

- do destacamento de Cabedú, da milícia G3, o coronel Peixoto;
- Do grupo caçador 6 de Bedanda/1974, companhia 34/1993, o capitão Pimenta e o capitão Miliciano Pereira da Silva.

Estas pessoas que entrevistei pareceram-me bastante saudosistas dos portugueses e gostariam de saber notícias dos seus amigos!
Agradeço qualquer ajuda que vocês possam prestar.
Atenciosamente,

Maria Joana Silva

2. A resposta do Luís Graça

Joana

Já tens aqui a nossa Tabanca Grande, solidária, a funcionar... O Patrício Ribeiro respondeu-me, de imediato, ao apelo que lancei no meu/nosso blogue... Prometo, a ele e a ti, fazer chegar um CD-ROM com as cartas digitalizadas que não estão 'on line' (nomeadamente de todas as ilhas...).

Obrigado aos dois.

Luís

3. Mensagem do Patrício Ribeiro, de 9 de Janeiro de 2008

Luís Graça,

Joana, o teu colega, Fernando de Gadamael Porto, é o padrinho da Badjuda. Ela está hospedada, no Hotel / Restaurante do Senegalês, junto à UICN.

Junto fotos dos finais do mês de Novembro de 2008 do Sul. Por lá andei nos meus passeios, entre Tite e Catió, passando por Banta e Ilhéu de Colbert. A instalar equipamentos solares e rádios de comunicação, em 14 Centros de Saúde, em Vilas e Tabancas de Quínara e Tombali.

A Bic em Buba, no Hotel do Senegalês, junto à ICN (Instituto da Conservação da Natureza?)

Junto mais alguns contactos de Hotéis, para o Blogue:



- Hotel da Boa Vista(ou Bela Vista?), Buba, junto ao rio – Sra. Gabi, tel. 00 245 6647011, (18,00€ quarto).



- Hotel do Filipe, em Catió, tel. 00 245 6624455 (10,00€ quarto)

Um abraço Patrício Ribeiro

IMPAR Lda. Av. Domingos Ramos 43D – C.P. 489 – Bissau, tel. / Fax 00 245 214385 – Guiné-Bissau

Lisboa , tel. / Fax 00 351 218966014 – Portugal impar_bissau@hotmail.com
__________

Notas de vb:

Último artigo em

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado)

Guiné 63/74 - P3731: Em busca de... (61): O Capitão José Curto, comandante da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/1963) (José Martins)



Brsão da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63)


1. Mensagem do José Martins, a quem pedimos um pequena pesquisa sobre o Cap Curto (*)

Bom dia:

Sobre o Capitão Curto, na pesquisa na listagem das unidades (**), apenas encontrei dois:

(i) Capitão de Infantaria José dos Santos Carreto Curto, da CCAÇ 153 - 1961/1963

(ii) Capitão SCGE José Curto - Companhia Transportes 2642 - 1969/1971

Quanto ao Renato Jorge [George] Cardoso Matias Freire (***), que esteve na CCaç 153 - mas tambem comandou a 3ª CCaç I (a antecessora dos Gatos Pretos) e a 4ª CCaç I, antecessora da CCaç 6, do Hugo Moura Ferreira - , merece um pouco mais de atenção, para tentarmos avivar as memórias com a conjugação dos textos e dos escritos do George.

Infelizmente estas unidades não têm registos no AHM [Arquivo Histórico Militar].

Um abraço

José Martins



2. Ficha de unidade > Companhia de Caçadores nº 153

Identificação CCaç 153
Unidade Mob: RI 13 - Vila Real
Cmdt: Cap Inf José dos Santos Carreto Curto
 Partida: Embarque em 27Mai61; desembarque em 27Mai61 | Regresso: Embarque em 24Jul63

Síntese da Actividade Operacional

Inicialmente, ficou colocada temporariamente em Bissau, integrada nas forças à disposição do CTIG.

Em 26Jul61 foi colocada em Fulacunda, então ocupada militarmente pela primeira vez, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 237, com vista à realização de acções de segurança e controlo das populações e procurando impedir a instalação de elementos inimigos na zona. 

Destacou ainda um pelotão para ocupação militar de Empada, onde se manteve até ser substituído por igual força da CCaç 84, em 23Fev62 e manteve ainda forças destacadas em Cufar, Catió e Bolama, por períodos variáveis.

Em 7Fev63, foi rendida pela CCaç 274 e foi colocada em Bissau, onde substituíu, em11Fev62, a CCaç 74 no dispositivo do BCaç 236, com vista a cooperar na segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 21Ju163, foi substituída em Bissau pela CCaç 510, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações: Não tem História da Unidade.
____________

Fonte: Excerto de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), p. 309

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em 1963 (Luís Graça)

(**) Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974] - 7º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné, 1ª edição, Lisboa 2002 .


(***) Vd. postes de:

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3730: (Ex)citações (12): Um dia choraremos os tugas, por nos faltar a água de Lisboa (Osvaldo Vieira)

1. Excerto de mensagem de hoje do Pepito (*):

(... ) "Osvaldo Vieira: não tenhas dúvidas absolutamente nenhumas que o Osvaldo foi um combatente que viveu naquela barraca (acampamento) e fez dela ponto de partida para numerosas acções de guerrilha.

"As estórias dele naquele local são mais do que muitas, algumas até divertidas: quando lhe dava a sede, mandava um dos seus guerrilheiros comprar vinho no Quartel de Cacine. Uma vez o mesmo saboreado e estalada a língua de satisfação, recostava-se e dizia:
- Um dia ainda vamos chorar a partida dos portugueses, nunca mais beberemos bom vinho"…

2. Comentário de L.G.:

Não há dúvida que os guineenses (o Spínola gostava de os tratar por guinéus...) também têm, tal como os portugueses (diminuitivo, tugas, tuguinhas...), um grande sentido de humor, atributo que, para mim, é um traço de inteligência superior nos indivíduos...

Aprecio o humor. E esta tirada (atribuída pelo Pepito ao Osvaldo) é de génio: O Osvaldo Vieira merecia estar vivo, só para poder apreciar, no Séc. XXI, as boas pingas portuguesas, cada vez mais excelentes e algumas até geniais (v.g., Barca Velha, dizem!), graças ao talento e ao trabalho dos nossos viticultores e dos nossos enólogos...

Este é o outro lado da guerra, a do Solnado...Quem se lembraria de ir à tasca do inimigo beber um copo de vinho ou mandar comprar uma litrada para beber antes do combate ? Dito isto, como foi possível a guerra da Guiné ? Como nós (e eles), que gostamos do nosso copo e do nosso petisco, nos deixámos cair naquela armadilha ?

Obrigado, Pepito. Foi o primeiro dia do ano de 2009 em que me ri a bom rir!

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3728: PAIGC: O acampamento (barraca) Osvaldo Vieira (Pepito)

Guiné 63/74 - P3729: Fauna & flora (6): Macaco-kom, a ração de combate do PAIGC (António Rosinha)

1. Comentário que o António Rosinha deixou no poste de 12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado):

O Com, não o avec, mas o macaco, foi a ração de combate por excelência e por necessidade, dos Combatentes da Liberdade da Pátria, pois que havendo já alguma tradição no consumo desse petisco, tornou-se como que prato nacional.

Nos primeiros anos de independência, era vulgar ver alguém caminhando ao longo dos caminhos com um animal amarrado a um pau ao ombro e uma Kalash na mão.

O povo compreendia este consumo com a maior naturalidade.

António Rosinha (*)
__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste e 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

Guiné 63/74 - P3728: PAIGC: O acampamento (barraca) Osvaldo Vieira (Pepito)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > 1 de Março de 2008. Saltinho, na Estrada Bissau - Mansoa - Bambadinca-Saltinho - Quebo - Gandembel - Guileje. Paragem no Saltinho, no Clube de Caça, para tomar um segundo pequeno-almoço reforçado. Que a viagem era longa até ao Guileje (chegada prevista às 12h30), no âmbito do programa social do Simpósio Internacional Guiledje Na Rota da Independência da Guiné-Bissau. Com a ponte sobre o Rio Corubal ao fundo, o Pepito está atento à caravana que vai retomar a marcha... Por detrás da realização do Simpósio Internacional de Guileje havia uma logística impressionante, de que os participantes a pouco e pouco se foram dando conta...

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da Semana > 9 de Novembro de 2008 > "Cada vez maior número de pessoas, maioritariamente estrangeiros trabalhando em organizações internacionais, embaixadas e projectos, saem de Bissau aos fins de semana e demandam a Mata de Cantanhez.

"Dispondo de excelentes condições de alojamento em bungalows cobertos a palha segundo o modelo tradicional, mas com todos os requisitos de higiene e comodidade, Cantanhez propicia bonitos percursos na mata onde se podem ver árvores centenárias e com sorte chimpanzés.

"Em breve estarão igualmente disponíveis bungalows descentralizados nas tabancas de Faro Sadjuma, Canamine e Ilhéu de Melo, que dispõe de uma enorme praia de areia finíssima" [Foto tirada em 13 de Setembro de 2008; do lado esquerdo, em primeiro plano, o nosso amigo Domingos Fonseca, técnico da AD, do Programa Integrado de Cubucaré (PIC), um dos incansáveis braços direitos do Pepito, na organização da visita, ao Cantanhez, dos participantes do Seminário Interncional de Guileje ].


Foto (e legenda) : © AD - Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do nosso querido amigo Pepito, director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, ideólogo e principal responsável da organização do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008):

Amigo Luís;

Duas precisões em relação ao poste de hoje do nosso blogue (*):

(i) Nome do velho nalú a que te referes: chamava-se Mussá Camará e acaba de falecer há cerca de dois meses atrás;

(ii) Osvaldo Vieira: não tenhas dúvidas absolutamente nenhumas que o Osvaldo foi um combatente que viveu naquela barraca (acampamento) e fez dela ponto de partida para numerosas acções de guerrilha.

As estórias dele naquele local são mais do que muitas, algumas até divertidas: quando lhe dava a sede, mandava um dos seus guerrilheiros comprar vinho no Quartel de Cacine. Uma vez o mesmo saboreado e estalada a língua de satisfação, recostava-se e dizia:
- Um dia ainda vamos chorar a partida dos portugueses, nunca mais beberemos bom vinho…

Um grande abraço
pepito

2. Comentário de L.G.:

Peço-te desculpa, a ti e aos demais guineneenses, por este lapso de lesa-história. Não sei por quê, fiquei com a ideia, por ocasião da visita que fizemos a esse local mítico da luta de guerrilha (***), em 2 de Março de 2008, em pleno coração do Cantanhez, que o título dado era meramente honorífico, e que o Osvaldo nunca tinha andado por estes dados...

Dou agora a mão à palmatória, e mais uma vez lamento a falta de resenhas biográficas dos principais comandantes do PAIGC e heróis nacionais, como é o caso do Osvaldo Vieira (1938-1974), cujos restos mortais repousam no Panteão Nacional da Amura (**).

Quanto ao velho e simpático Mussá Camará, valente combatente da liberdade da Pátria, aqui fica, para a posteridade, o seu nome. Lamento que a morte o já tenha levado. Fica, pelo menos aqui, o pequeno vídeo com o seu testemunho, e em que tu, Pepito, foste o expedito, paciente e competetente intérprete de circunstância. A morte destes homens que estiveram no início da luta armada, é também uma perda para todos nós, guineenses e amigos da Guiné.... Em muitos casos, estes homens (e mulheres) morrem sem terem contado, em primeira mão, a sua história... Ou pelo menos sem ter ficado registo dessa memória... A AD tem feito procurado registar, em suporte digital, a história de vida destes velhos combatentes, no âmbito do projecto Guileje (ou Guiledje), já aqui tão falado.

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em 1963 (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 9 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2737: Dando a mão à palmatória (8): Erros factuais nas notas biográficas sobre Osvaldo Vieira (1938/74) e Pansau Na Isna (1938/70)

(***) Vd. postes de:

5 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2721: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (13): Visita ao Acampamento Osvaldo Vieira (I)

12 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2752: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (14): Acampamento Osvaldo Vieira (II)

Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado)

O babuíno da Guiné (mais conhecido na Guiné-Bissau por macaco Kom)

1. Mensagem do Jorge Picado
, ex-Capitão Miliciano (engenheiro agrónomo, na vida civil)... Conta aqui como na região do Oio os soldados africanos do Pelotão de Caçadores Nativos 61 (qual a etnia predominante?) fizeram um 'massacre' de babuínos.



Caro Luís e Camaradas

Acerca deste assunto tenho também uma "triste" lembrança dos meus tempos em Cutia. Como o camarada António Costa refere ter tido "contacto" com macacos-cães em Mamboncó, eu tive um "encontro", numa das muitas escoltas que efectuei nessa estrada, precisamente por essa zona.

Não posso precisar o dia, mas foi um daqueles em que saímos de Cutia para Mansabá afim de receber a coluna que íamos escoltar até Mansoa. Eram ainda só as viaturas militares, as duas primeiras com soldados africanos (que julgo seriam do Pel Caç Nat 61) e eu, invariavelmente na terceira com pessoal da CCaç 2589, seguindo-se as restantes, quando por alturas da zona (não "aldeia") de Mamboncó rebenta um tiroteio de G-3 à minha frente. Mas que valente susto me pregaram aqueles guineenses...e tudo para ver quem conseguia matar mais macacos.

Um grande bando, adultos, jovens e muito jovens (alguns pela mão talvez de fêmeas), atravessaram a estrada, que naquele local era ladeada por revestimento arbóreo relativamente denso, mesmo à frente do início da coluna e os soldados africanos não estiveram com meias medidas. Atiraram a matar, de rajada e tudo, incitando os condutores a passarem por cima deles, ao mesmo tempo que saltavam dos Unimogs e atiravam com os mortos e feridos para cima das viaturas.

O choro dos feridos, grandes ou pequenos, era nitidamente humano. Posso garantir que os mais pequeninos gemiam nitidamente como os nossos bébés. E eu que tinha os meus filhos ainda bem pequenos, lembrava-me bem desses gemidos e choro...Fiquei bastante traumatizado e nem quis olhar para "os troféus" que os soldados exibiam. Sei que lhes passei uma descompostura, mas eles nem ligaram.

Para eles aquilo ia servir para duas coisas. Ganharem dinheiro com a venda de alguns, nomeadamente aos...que estavam em Mansabá (não te assustes que não eram vocês, Carlos) e para uma melhor refeição preparada pelas suas mulheres.

Porém, o pior para mim, foi ao fim da tarde quando se me apresentaram algumas dessas mulheres, que quase garanto vinham acompanhadas pelo Alf Semião (Alô Vítor Junqueira, vê se confirmas isto com o teu vizinho), para me presentearem com uns pedaços daquela carne cozida, salvo erro, com massa. Encontrávamo-nos na nossa "messe" ao ar livre para o jantar, possivelmente. Vocês não calculam o sacrifício que fiz para comer dois ou três pequenos pedaços, para "garantir a amizade com que era distinguido". E os gemidos ainda a soarem aos meus ouvidos...

Também confesso que nunca ouvi a expressão "cabrito pé de rocha". E já agora para terminar, quando o Vítor Junqueira nos deu a conhecer uma história do Alf Semião, lembrei-me de contar este acontecimento, mas como eles são médicos, a ideia que me ocorreu tinha a ver com um assunto do foro, digamos, clínico. Como não saiu logo, por falta de tempo, quando ia para a reproduzir, parei, porque era um tanto ou quanto melindrosa

Jorge Picado

__________

Notas de vb:

Último artigo da série

Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em meados de 1962


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberem e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento (Baraca) Osvaldo Vieira, outro dos momentos gratificantes da nossa viagem à pátria de Amílcar Cabral.

Vídeo (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes


1. Escreveu George Freire (*), um antigo oficial do exército português, antecipadamente reformado como capitão, hoje engenheiro e empesário, a viver há 45 anos nos EUA (e, além disso, do mesmo curso da Escola do Exército que o meu antigo comandante de companhia, Carlos Brito) (**):

(...) "A companhia que originalmente fiz parte quando partimos para a Guiné, no dia 26 de Maio de 1961, foi criada em Vila Real de Trás-os-Montes, onde eu ainda tenente, segundo comandante e o capitão Curto, comandante (do curso um ano mais velho do que o meu), passámos semanas a organizá-la.

(…) Comecei em Fulacunda como tenente na Companhia 164 [julgamos tratar-se de lapso, deve ser 153], comandada pelo capitão Curto. Passados dois meses, fui promovido a capitão e segui para Bissau como comandante de uma Companhia de nativos. Daí passei para Nova Lamego (Gabu), como comandante de uma Companhia mista de nativos e tropas brancas. Nos últimos 6 meses estive em Bedanda como comandante da 4ª CCaç. Foi nessa altura que as coisas começaram a aquecer de verdade" (...).


2. Na vídeo acima apresentado, um dos homens grandes do Cantanhez conta como foram os primórdioos da luta... Infelizmente não consegui fixar o seu nome. Creio que é nalu. Entrou no mato, como ele diz, em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir ao PAIGC.

Estava convencido que a designação (actual) deste acampamento não teria nada a ver a verdade fáctica, histórica: seria  apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis do PAIGC (cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau dos Séculos XVIII-XIX, hoje transformada em panteão nacional)... 

De facto, vim depois a sabê-lo, Osvaldo Vieira não actuou só no Óio (Frente norte), também passou pelo Cantanhez (Frente sul). Esta designação é, pois, correcta.

"Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"... 

Fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o antigo guerrilheiro...

E a narrativa continua: "Até que chegou à região de Tombali o capitão Curto"...

Atenção, diz o Pepito, não confundir com o outro Capitão Curto, que teria andado a espalhar o terror no chão manjaco... O Pepito devia estar a referir-se ao cap António Curto (?), comandante da CCAÇ 6, conhecida pela Companhia Manjaca de Bachile …

O Cap Curto, que terá actuado na região  do Tombali era outro,  mas também era dos duros, a acreditar na versão deste velho nalu.  Lenda ou não, o seu nome - quarenta e cinco anos depois - é ainda  lembrado no Cantanhez, por razões que não serão propriamente piedosas...

Enfim, não tive, no Cantanhez, entre 1 e 3 de Março de 2008, oportunidade de saber mais pormenores sobre eventuais métodos de trabalho da chamada contra-subversão,  resultantes da colaboração entre Exército, PIDE, polícia administrativa, etc., nos anos de chumbo que antecederam a guerra e nos primeiros tempos de guerra...

Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconcialição entre inimigos de outrora, para falar  de homens que, a confirmarem-se os seus métodos de actuação, não podem ser tomados como representativos do exército português, e muito menos da generalidade dos militares portugueses que fizeram a guerra, entre 1961 e 1974, e onde todos nós nos incluímos....

E prossegue a narrativa, de resto muito mais extensa do que sugere a duração do nosso vídeo. Na mesma altura apareceu o 'Nino'. O tal cap Curto, de Fulacunda - que deve ser o mesmo a que refere o nosso camarada George Freire, ou seja, o comandante da CCAÇ 153 - cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça… 

Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… Os mais jovens acabaram por ir pedir apoio à baraca onde estavam acampados os guerrilheiros do PAIGC, diz o nosso entrevistado. Guerrilheiros ? Bom, deve ser ironia... Eram camponeses, mal treinados e pior armados...

O 'Nino' ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o 'Mão de Ferro', com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. Mas, quando lá chegarm, já o grupo de combate do cap Curto tinha partido...

Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque.

“Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze actuais matos do Canhanez)…


3. Pergunta do editor L. G. ao George Freire, antigo comandante da 4ª CCAÇ (Bedanda, 1963) depois de ouvir com atenção o vídeo (que foi feito por mim, na visita que fiz ao Cantanhez em 2 de Março de 2008):

(i) Confirmas que este tal cap Curto, que fez o cerco a Darsalame para identificar elementos suspeitos de serem simpatizantes ou militantes do PAIGC, era o teu camarada, comandante da CCAÇ 164 (ou da CCAÇ 153, como me parece mais correcto) ?

(ii) Estes acontecimentos serão contemporâneos da tua estadia em Bedanda, à frente da 4ª CCaç ?

(iii) Ainda te tembras de mais peripécias, no sul, em que ele (e os seus homens) tenha estado envolvido, da altura em que tu estiveste em Bedanda, à frente da 4ª CCAÇ ?

(iv) No sul, no Cantanhez, vocês faziam prisioneiros e entregavam-nos ao Batalhão. Ouviste falar desse tal cap António Curto (?) que terá actuado no chão manjaco ? Seria também do teu tempo ?

(v) O que será feito deste teu antigo camarada, que comandou a companhia em que foste tenente, que esteve em Fulacunda, e que tu dizes que é a CCAÇ 164 (confusão tua, deve tratar-se da  CCAÇ 153) ? Ainda será vivo ? Tens notícia dele ?

Obrigado por nos disponibilizares o que restou do teu diário de guerra e do teu álbum fotográfico. É um valioso contributo para um melhor conhecimento do início da guerra no sul da Guiné, em pleno coração do mítico Cantanhez.

Estamos hoje em condições de falar, o mais desapaixonadamente possível, da guerra da Guiné, das suas peripécias e dos seus protagonistas, sem termos que fazer juízos de valor (moral ou outro) sobre o comportamento dos actores individuais... 

É importante recolher os depoimentos de actores e testemunhas dos acontecimentos. Nunca faremos aqui julgamentos apriorísticos de ninguém, e muito menos sumários...

Ficarei grato, eu - e os demais amigos e camaradas da Guiné -, se nos deres algumas informações e esclarecimentos adicionais sobre esta época, e os seus protagonistas, de quem temos muito poucas informações.
_____

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

(**)Vd. poste de 29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3683: Em busca de... (60): Ex-Cap Carlos Alberto M. Brito, comandante da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) (Gabriel Gonçalves)

domingo, 11 de janeiro de 2009

Guíné 63/74 - P3725: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (10): PAIGC dispara um milhar de granadas entre 18 e 22 de Maio de 1973




Academia Militar > Aquartelamento da Amadora > Auditório > 13 de Dezembro de 2008 > Sessão de apresentação do livro do Cor Art Ref, Coutinho e Lima, A Retirada de Guileje: A Verdade dos Factos (Linda-A-Velha: DG Editora, 2008, 469 pp, € 20).

Vídeo: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo (2' 25') alojado em: You Tube >Nhabijoes.


Continuação da apresentação do livro pelo autor (*): em Guileje, no período de 18 a 22 de Maio de 1973, em que o aquartelamento esteve cercado pelo PAIGC, terá havido uma flagelação de duas em duas horas e terão sido disparadas, pelos sitiantes, cerca de um milhar de granadas de artilharia.

O facto de as baixas, entre a NT e a população civil, terem sido reduzidas (houve uma única vítima mortal, um Fur Mil) tem uma explicação, segundo o antigo comandante do COP5: Guileje possuía abrigos subterrâneos, construídos em betão armado, pela Engenharia Militar, e supostamente à prova de morteiro 120 mm...

Coutinho e Lima reconhece, por outro lado, que a população civil não tinha alternativa: por um lado, ela não queria deixar os seus haveres e as suas frágeis casas (palhotas de colmo que, de resto, foram grandemente destruídas pelo fogo IN); por outro, não queria ficar sozinha em Guileje, sem o apoio das NT...

A retirada para Gadamael irá decorrer, sem percalços de maior, e sem que as forças sitiantes se tenham apercebido da saída do aquartelamento... Foi um jogo do gato e do rato. Coutinho e Lima deixou o gerador a funcionar, criando a ilusão de que as NT continuavam a ocupar e a defender Guuileje...

Quando Nino entrou em Guileje, em 25 de Maio, limitou-se a constatar que as NT e a população já não estavam lá... Frustado ou não, acabou por abrir uma garrafa de uísque de Dimple, das muitas bebidas que lá ficaram, e que nem sequer os tugas destruíram, por falta de tempo...

Na audiência que concedeu a um grupo de participantes do Simpósio Internacional de Guileje, a 6 de Março de 2008, o actual presidente da República da Guiné-Bissau, João 'Nino' Vieira, não deixou de evocar esse episódio, com alguma graça e sentido de humor, ao dirigir-se expressamente ao Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima:
- Senhor coronel, em Guileje tive a honra de beber da sua garrafa de uísque!
_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série > 8 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3712: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (9): Para breve a 2ª edição do livro (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (21): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCAÇ: Bedanda, Março de 1963 (George Freire)

Mensagem do George Freire, de 30 de Dezembro de 2008

Caro Luís,

Obrigado pelo e-mail e obrigado pela publicação. Não há correcções a fazer.

Infelizmente todas as fotos que tinha da Guiné foram extraviadas, contudo tenho um filme que consegui passar para o meu computador.



Num "processo complicado" tirei fotos do ecrã do computador com a minha máquina digital. As fotos estão um bocado fora de foco, mas é o melhor que consegui fazer.



Durante o Natal de 1961 a minha mulher veio passar um mês a Bissau onde eu estava na altura a comandar uma companhia de nativos. Em Julho de 1962 a minha mulher voltou para a Guiné e passou quase 3 meses no Gabu (Nova Lamego), onde eu comandei uma companhia mista. Do Gabu fui transferido para Bedanda onde ela ainda passou quase um mês, mas nos fins de Dezembro tive que a mandar de volta a Portugal pois as coisas começaram a aquecer demais.

Cadetes da Escola do Exército, em manobras (Sª Margarida ?).

A propósito, as fotos que mandei da última vez, estávamos no último ano do curso na Gomes Freire. O nosso curso foi o segundo a frequentar a EE (Escola do Exército) na Amadora (no primeiro ano). Não me lembro do nome do segundo comandante da EE que está na foto, mas já lá vai tanto tempo...

Seguem mais detalhes do meu diário:

1/3/63:

Hoje pela 09:30 e mais tarde pelas 14:30, pessoal do pelotão do Cabedú sofreu emboscadas respectivamente entre Cafal e Cafine e no cruzamento de Cabante. Na segunda emboscada sofremos um morto e um ferido. Uma viatura Chaimite foi destruída na primeira emboscada. Seguiram dois pelotões reforçados para os locais das emboscadas.

Em Impungueda uma patrulha da CCaç 859 travou contacto com os terroristas e feriu alguns e os outros conseguiram fugir.

2/3/63:

Durante parte do dia de ontem e durante todo o dia de hoje as nossas forças percorreram todo o terreno nas zonas das emboscadas. Encontraram vestígios dos atacantes, fizeram um prisioneiro que tinha tomado parte numa das emboscadas, mas nada mais. O soldado ferido seguiu de avião para Bissau e o morto foi enterrado no cemitério de Bedanda.

O prisioneiro foi interrogado mas poucas informações conseguimos. Foi enviado para o Batalhão para ser interrogado.


3/3/63:


O Comandante Militar veio cá hoje de avião com o segundo Comandante do Batalhão 356. Depois de informados dos acontecimentos dos últimos dias, seguiram para Catió.

4/3/63:

Recebemos informação do batalhão de um possível ataque planeado pelos terroristas a Caboxanque e Emberem [Iemberém ]. Enviei dois pelotões para Emberem e Cadique, ponto de onde, segundo a informação, os terroristas se estavam a organizar para os ataques. Em Caboxanque executámos acções por um pelotão da minha companhia e outro da CCaç 273.

6/3/63:

Fizemos um reconhecimento à zona de Emberem. O alferes Gonçalves encarregou-se de falar aos chefes Fulas de Emberem e discutir a possível mudança das suas tabancas para Bedanda. Há toda a vantagem dessas mudanças para incrementar a protecção da população Fula. Poderemos também formar aqui e em Bedanda um pelotão de uns 40 Fulas, o que nos poderá ajudar substancialmente na segurança da área e aliviar as nossas forças. Os chefes Fulas aceitaram a nossa oferta de braços abertos.

7/3/63:

Começámos o transporte da população Fula de Emberem. Usámos 10 viaturas neste movimento. Calculamos que serão necessárias 3 mais viagens semelhantes.

8/3/63:

Continuação do transporte dos Fulas. Seguiram dois pelotões da CCaç 273 para a região de Salancur.

9/3/63:

Continuação do transporte dos Fulas. Os pelotões da CCaç 273 continuaram a operar na região de Salancur.

Elementos Fulas de Emberem conseguiram aprisionar um nativo que sabiam estava ligado ao movimento terrorista. Quando este nativo (Balanta) foi interrogado aqui na companhia, deu-nos a informação de que elementos terroristas estão no mato de Boche Falace a prepararem um ataque àquela povoação. Enviámos um pelotão da CCaç 273 para a área.

Recebemos também informação, por elementos do Chugué, que um grupo de terroristas bem armado estava concentrado do outro lado da fronteira com a Guiné Francesa, perto da zona de Banta-Sida.

Mais informações recebidas do pelotão de Emberem: cerca de 300 elementos terroristas estavam a preparar um ataque à nossa companhia em Bedanda na madrugada de amanhã.
Dei ordens para que todo o nosso pessoal, (estávamos um pouco desfalcados pois tínhamos 2 pelotões em operações longe de Bedanda), estar em alerta em posições defensivas, já há muito preparadas para eventualidades semelhantes. Foi uma longa noite de nervos, mas o ataque nunca se deu.

10 e 11/3/63:

Acabámos o transporte dos Fulas de Emberem para Bedanda, contudo ainda teremos que transportar abastecimentos e víveres que ainda lá ficaram, em especial uma grande quantidade de arroz. Os Fulas fizeram um outro prisioneiro que, após interrogado, nos deu boas informações sobre o grupo terrorista que tem actuado na zona de Boche Falace: nomes de comandantes, armamentos e locais aproximados do grupo. Este prisioneiro foi enviado para o batalhão.

13/3/63:

Recebemos novas informações sobre um outro possível ataque ao nosso aquartelamento no dia 16 ou 17.

O Benfica venceu o Dukla de Praga para a taça dos campeões europeus. Ouvimos o relato no rádio.

15/3/63:

Chegou um pelotão da CCaç 417 que seguirá para Caboxanque. Enviei uma grande coluna de 10 viaturas para Emberem para trazer o resto dos víveres pertencentes aos Fulas.

16/3/63:

O pelotão da CCaç 417 seguiu para Caboxanque para render o Pelotão 859.

18/3/63:

Chegou o Pelotão 859 que seguirá para Bafatá. A CCaç 273 partiu para Emberem em operações, não se sabendo por quantos dias.

19/3/63:

Visita do major Pina para discutir os pormenores do movimento dos pelotões 859, 870 e 871 para Bafatá. Eu irei a comandar a coluna e voltarei para Bedanda de avião.

20/3/63:

O alferes Mendes seguiu com um pelotão para o Chugué dentro do novo plano de ordenamento dos dispositivos.

22/3/63:

Cabedú enviou uma mensagem informando que os terroristas estavam a planear uma emboscada às viaturas da CCaç 273 que se tinham deslocado para a região de Darsalame. Enviei imediatamente um rádio para o capitão Gaspar com todos os detalhes da informação.

23/3/63:

Chegou outro pelotão da CCaç 417. Seguirá amanhã para Cabedú para render o Pelotão 871, que virá para Bedanda e depois para Bafatá na minha coluna.

(...)

O meu diário, cobrindo os acontecimentos que se passaram entre a minha partida para Bafatá com a coluna, a minha vinda de retorno a Bedanda e as semanas até ao dia 18 de Maio, extraviou-se, infelizmente.

Lembro-me de alguns detalhes de possíveis ataques a Bedanda que, felizmente, nunca se concretizaram. Nós estávamos muito bem preparados, com todo o terreno à volta do aquartelamento (cerca de uns 150 metros), completamente limpo de arvoredo e vegetação.

Tínhamos os morteiros de 60 todos treinados nas áreas prováveis de ataque, além de explosivos enterrados e comandados à distância. Bem no fundo, eu estava com esperança de que os terroristas tentassem um ataque, pois seriam totalmente aniquilados, mas nunca aconteceu, possivelmente porque eles sabiam que tal acção seria muito difícil e arriscada.

No dia 18 de Maio, o capitão Nelson (meu colega de curso) veio render-me. Durante os 4 dias seguintes fiz a entrega da 4ª CCaç ao Nelson e no dia 21 de Maio segui de avião para Bissau.

Ai estive à espera de transporte e finalmente no dia 27 de Maio parti de volta a Portugal no navio da CUF “Ana Mafalda”.


O resto é história.

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Notas de vb:

1. Artigos de George Freire, o nosso "Mais Velho", em

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

2. Blogue de George Freire (informática e electrónica): 

Guiné 63/74 - P3723: In Memoriam (17): Morreu o Capitão Sucena, um Homem bom. (António Matos)


Homenagem


Este é um post de humilde homenagem a um homem bom e que tive o ensejo de conhecer por circunstâncias militares.

Sucena, o conde de Sucena, foi maltratado (como muitos outros) pelas patentes mais altas na Guiné.
Pagou com o corpo o castigo que, estúpida e injustamente, lhe foi aplicado em Bula aquando dum ataque ao destacamento de Augusto Barros o qual foi reportado como uma "inventona".
Posteriormente, foi-lhe retirada da caderneta a punição e a chefia foi severamente admoestada.
Fez-se alguma justiça....

Sucena, o conde de Sucena, acaba de falecer.
Paz à sua alma.
António Matos
__________
Nota de vb:
1. Último artigo do António Matos em
2. Último artigo da série

Guiné 63/74 - P3722: Fauna & flora (4): Tudo o que sabemos sobre o macaco-kom (Jorge Teixeira-Portojo / António J. P. da Costa)

1. Mais informações em resposta ao pedido da Maria Joana Ferreira da Silva, investigadora portuguesa que está a fazer, no Reino Unido, a sua tese de doutoramento sobre o macaco-cão da Guiné (*):


(i) Jorge Teixeira (ex-Fur Mil, Guiné, 1968/70):

Caro Luís:

Uma vez provei um pouquinho de carne que me disseram que era de macaco. Na realidade só sei isso. Creio que foi assado pelo pelotão fula da artilharia.

No Cantanhez, ali para os lados do cruzamento de Camaiupa, onde fiz algumas emboscadas e no tempo em que eram possíveis os reabastecimentos por terra para Cufar, avistei alguns macacos. Muitas vezes sentavam-se na picada. E voavam por entre as árvores, provocando-nos um cagaço tremendo. Mas não sei que raça eram.

O nosso cabo Valadares, e o furriel Mendes, da CCS do BART 1913, adoptaram um macaquito, mas era um sagui. Do qual o Furriel André tem uma estória engraçada, no tempo em que ele viveu no quarto deles. Com o dito sagui tenho uma foto com ele no meu ombro.

É tudo que eu sei sobre macacos.

Um abraço de amizade. Espero que já estejas de boa saúde. Eu já estou a 90%
Jorge Teixeira

(ii) Cor Art António Pereira da Costa (ex-Cap Art CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

Por mim lembro-me de que na estrada Cutia - Mansabá havia um lugar que se chamava Mamboncó, ao qual chamávamos a Aldeia dos Macacos. Era uma aldeia abandonada devido à guerra e com muitos mangueiros onde os macacos-cães tinham inteira liberdade. Às vezes saíam à estrada asfaltada e iam à frnte das colunas mais de 1 Km, a correr. Pelo Google Earth creio que Mamboncó hoje foi reocupada.

Viviam em grupos da ordem dos 10 -15, entre adultos e pequenos.

Creio, sem confirmação, que os manjacos os comiam. Nunca vi matar nenhum e não creio que os comêssemos.

Lembro-me que as mascotes dos quartéis eram os saguis. Creio que os macacos-cães não se habituavam ao cativeiro. Os campos de mancarra (amendoim) e de abacaxi era protegidos dos macacos por miúdos que os afugentavam para não estragarem as culturas.

Lancei um campo de minas naquela aldeia. Os macacos desenterravam-nas com extrema perícia e chupavam na pontinha do elemento iniciador. Eram minas minúscula que pareciam uns tinteiros antigos. Nunca nenhum accionou nenhuma. Não sei o que é cabrito pé da rocha. Nunca detectei o uso de macacos para fins religiosos. Só numa operação à Ponta Varela encontrei un pequeno "pagode" com algo parecido, mas eram ratos do campo. Alguns naturais comiam animais que outros abominavam como os pelicanos. Em Cacine, o pescador senegalês comia pelicano e gostava, embora o pessoal Nalu dissesse que sabia a peixe.

Há uma curiosidade. É que a guerra criava regiões protegidas para os animais. Nem nós nem o PAIGC íamos caçar a certas zonas e os animais expandiam-se, como no Quitafine (extermo SW da Guiné) Aí o caçador Alfa Bá (civil marido da Mariama) vindo de Cacoca caçou porcos-espinhos, muito saborosos, javakis (porco de mato) cabras de mato e até um pangonlim enorme que é um bicho muitagiro!...

É tudo o que me lembro. Pergunte que se me lembrar digo.

Um Ab do
António Costa
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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anterioers desta série:

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63774 - P3720: Fauna & flora (2): Os macacos-cães do nosso tempo (Luís Graça / J. Mexia Alves)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3721: Fauna & flora (3): Mais histórias de macacos (Henrique Cabral / Luís Faria)

Guiné 63/74 - P3721: Fauna & flora (3): Mais histórias de macacos (Henrique Cabral / Luís Faria)

"A Cheta, macaquinha de estimação com ar de
poucos amigos. (Foto gentilmente enviada por Mário Trindade, ex-Operador Cripto, CMI/Cumeré-Guiné 1971/1973)" (foto à direita)

"Apesar de os macacos cão (babuínos) fazerem parte da alimentação,  este pequeno macaco é apenas uma mascote" (HC) (foto à esquerda).

Fotos (e legendas): © Henrique Cabral (2008). Direitos reservados


1. Mais respostas ao pedido de apoio da nossa doutoranda Maria Joana Ferreira da Silva (*):


(i) Henrique Cabral (ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Guiné, 1965/67)


Caro Luís, agradeço o teu mail pois a vida animal é um assunto que muito me atrai mas infelizmente as poucas fotos que tirei, ou tinham muito má qualidade ou eram tiradas de muito longe ou perdi-lhes o rasto como tantas outras que enviei para a Metrópole e "desapareceram".

Resultado, pouco ou nada posso ajudar.

De babuínos não tenho fotos, apenas imagens e sons que todos nós sentimos desde o seu alvoroço de alerta ao seu assustador silêncio de mau presságio.

Mesmo assim podes ver aqui:

http://entrefogocruzado.wordpress.com/aldeia-tabanca-ii/

duas imagens que demonstram a necessidade que todos sentimos de nos aproximar da natureza de que fazemos parte [Vd. fotos acima, em formato pequeno].

Tudo quanto seja feito para estudar/proteger quer os babuínos quer as outras espécies é de louvar.

Um abraço

Henrique

(ii) Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72):

Luis Graça:

Lamento não poder ser útil,mas na Guiné, que me lembre, só vi macaco sagui(?). Menciono-os até num texto a enviar à Tabanca e tenho foto. Havia muitos na região de Bula.

Nunca ouvi refêrencias a peles e medicinas praticadas. Sabia, sim, que o macaco servia de refeição e que até era apreciado. Sabia também que houve alguns militares que experimentaram.

Pelo parte que me toca macacos e gazelas nunca me passaram pelo gôto. Nem pensar! Os primeiros porque realmente me pareciam miúdos . As segundas pela elegância e fragilidade da sua silhueta, pela doçura do seu olhar. Este animal transmitia-me uma sensação de Paraíso, de paz. Ainda hoje não consigo comer veado!

Cobra comi, Enrolada em folhas e assada na fogueira era bem bom, parecia enguia da grossa, só que mais seca .

Um abraço
Luís Faria

____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anterioers desta série:

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63774 - P3720: Fauna & flora (2): Os macacos-cães do nosso tempo (Luís Graça / J. Mexia Alves)

Guiné 63774 - P3720: Fauna & flora (2): Os macacos-cães do nosso tempo (Luís Graça / J. Mexia Alves)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento do Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > O Alf Mil Joaquim Mexia Alves, posando com um babuíno (macaco-cão) mais o Braima Candé (em primeiro plano), tendo na segunda fila, de pé, o seu impedido, o Mamadu, ladeado pelo Manga Turé.

Guiné > Zona Leste > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > O Joaquim Mexia Alves, com um elemento guineense do seu pelotão, a segurando um Macaco Fidalgo...

Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados

1. Comentando o poste de ontem, de Maria Joana Silva, investigadora portuguesa a fazer o seu doutoramento no Reino Unido, com um tese sobre o macacão-cão da Guiné (*):

(i) Luís Graça (CCaÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71):

Tanto quanto me lembro e sei, nós - as nossas tropas - não caçávamos babuínos (a não ser muito esporadicamente)... Os fulas fazíam-no, um pouco às escondidas... Também os comiam, nas nossas costas -dizem que com algum sentimento de culpa. Eles sabiam que, para os tugas, carne de macaco era tabu alimentar (tal como o porco, para eles).

Nas tabancas fulas por onde passei ou onde estive em reforço ao sistema de autodefesa, vi crianças ou adolescentes com mausers (!) nos campos de cultivo: afugentavam os macacos-cães e às vezes matavam os mais atrevidos, quando eles tentavam invadir(e destruir) os campos de mancarra...

Amigos e camaradas, não façamos apressados juízos de valor, em função dos nossos padrões civilizacionais: no passado, os nossos caçadores também matavam, por exemplo, as aves de rapina, para poderem ter coelhos em abundância...

O consumo de carne de macaco era raro, entre os tugas. No meu tempo, vi uma vez um macaense, de origem chinesa, nosso camarada (já não posso precisar a subunidade, talvez a CCS do BART 2917 Bambadinca, 1970/72), preparar e assar na brasa um pequeno babuíno... No final, a carcaça fez-me lembrar os nossos bebés... Reconheço que ia quase vomitando...

Nas diversas tabancas fulas, em autodefesa, por onde andei (às vezes por períodos de algumas semanas), nunca me apercebi do consumo de carne de babuíno... Mas havia tantas coisas de que a gente não se apercebia naquela terra e naquela guerra (por exemplo, a mutilação genital feminina, o infantícídio, a feitiçaria, entre os fulas; as negociatas e a corrupção, entre os tugas)...

A única (e pouca) carne de caça que eu relutantemente comprava (ou que me ofereciam) era de gazela... A caça era uma actividade de risco nas tabancas por onde passei, de diferentes regulados: Joladu, a norte do Geba, Corubal, Xime...

Na floresta-galeria do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole e nas matas do Cuor, era relativamente frequente depararmo-nos, no decurso de operações, com bandos de cem e mais babuínos, ruidosos e agressivos perante a invasão do seu território... Eram zonas sem população ou que a guerra tinha despovoado... Terras de ninguém, ou terras onde a guerrilha do PAIGC se movimentava muito melhor do que nós... Admito que os guerrilheiros do PAIGC - sobretudo os pertencentes a etnias animistas - caçassem o macaco-cão para comer e alimentar a população sob o seu controlo...

Quem esteve no sector L1 (Bambadinca), literalmente na e com a tropa macaca - como eu, o Humberto Reis, o Jorge Cabral, o Beja Santos ou o Joaquim Mexia Alves ... - nunca mais esquecerá o maldito Mato-Cão onde se fazia segurança às embarcações (civis) que passavam pelo Geba Estreito, entre Xime, Bambadinca e Bafatá...

De um modo geral, pode dizer-se que as populações da Guiné-Bissau, não islamizadas, tradicionalmente caçavam e comiam o sancu. Esporadicamente, mas comiam. Depois de 1980, a caça (ilegal) ao macaco-cão terá aumentado significativamente.

Já em relação ao dari, o chimpanzé da mata do Cantanhez, parece haver um maior respeito, por parte da população local, devido às suas semelhanças com o ser humano. No entanto, o seu habitat está condicionado e cada vez mais ameaçado pelas actividades humanas (,destruição da floresta, expansão das áreas de cultivo, captura ilegal para o mercado negro...).

Voltando ao babuíno, e às recordações do meu tempo: Era difícil precisar o nº de machos, talvez dois ou três, talvez mais (posso estar a ser influenciado pelas minhas leituras posteriores na área da etologia, pela qual me interesso...).

Nunca vi, felizmente, ninguém matar um babuíno... Em contrapartida, havia crias de babuíno que serviam de mascote nos nossos quartéis... Um triste hábito que era tolerado por todos nós... Naquela época não havia consciência ecológica, nem respeito pelos direitos dos animais...

Também nunca dei conta da utilização da pele do babuíno para efeitos medicinais, por parte das populações com quem lidei (fulas, mandingas, balantas), quer em Contuboel (Maio/junho de 1969), quer em Bambadinca (Junho de 169 / Março de 71)...

Um alfa bravo
do Luís Graça

(ii) Joaquim Mexia Alves (Pel Caç Nat 52, Mato Cão, 1973)

Caro Luís:

Resposta rápida por falta de tempo agora. Se fores ao poema que fiz quando foste à Guiné, existe lá uma referência ao Macaco Cão e a um sítio perto da Ponte dos Fulas onde eles costumavam ter um grande grupo.

Lembro-me também que os nossos guias costumavam dizer que se ouvissemos o macaco cão agitado a gritar, era sinal de que havia turras, pois eles matavam-nos para comer.

Abraço camarigo do

Joaquim Mexia Alves

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)