quinta-feira, 12 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4018: As abelhinhas, nossas amigas (3): As lassas e os Lassas: a colmeia-armadilha, a morte do 2º Srgt Madeira... (Mário Fitas)

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66), Os Lassas > A Secção de cães ...

Foto: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.

As abelhas lassas e os Lassas (*)

por Mário Fitas (Ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 763, Cufar, Março de 1965/Novembro 1966)

Trechos (corrigidos) de Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente

Pag. 75:

Por informações recolhidas a CCAÇ 763 será conhecida no PAIGC com a alcunha de Lassas(1). Pelo que se veio a saber, “lassa” será uma espécie de abelha existente na Guiné, a qual não sendo molestada não tem problemas, mas se for atacada é terrivelmente perigosa tornando-se fortemente enraivecida.

Esta alcunha resultaria da actuação da CCAÇ, pois ao chegar a uma povoação em que a população não fugisse, não haveria problemas, falava-se com a mesma e tentava-se resolver os problemas que houvesse. Em caso contrário, se a população fugisse e abandonasse as suas moranças, estas eram literalmente destruídas.

Pelo que ficou assim com este procedimento, a CCAÇ crismada de Lassas.
...................

Pag. 94

Voltamos a Cabolol. O guia enviado pelo Batalhão garante-nos haver um novo Acampamento na mata de Cabolol.

Não encontramos nada, leva-nos ao antigo que verificamos continua destruído, desde a Operaçºão Saturno de 10 de Junho. Dirigimo-nos para Cantumane que verificamos se encontra deserta.

Quando procedíamos à sua destruição, fomos violentamente atacados pelo IN que se encontrava emboscado na mata. Três ataques sucessivos, e aqui entramos em contacto com outro truque da Guerrilha: a utilização de abelhas.

Colocam os cortiços em locais estratégicos, fazendo fogo sobre eles, à nossa passagem. As abelhas lassas saem enfurecidas e desarticulam completamente as NT, ficando muita gente incapacitada para o combate.

A CCAÇ sofre mais um ferido grave que não resiste. O sargento Madeira (2) não se aguentou e morreu no dia seguinte no Hospital Militar de Bissau. Com picadas de abelhas e em estado grave, foram evacuadas mais três praças para o HM de Bissau. Acaba assim a operação Trovão.
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Pag. 101

Na operação Rastilho, a CCAÇ volta a Camaiupa e Cantomane, da mesma forma que acontecera na operação Trovão e no mesmo local, fomos novamente emboscados e atacados com o sistema das abelhas.

O grupo de Combate que seguia em primeiro escalão, é obrigado a recuar. Só depois do envolvimento feito pela CCAÇ e após mais de uma hora de fogo intenso e ajuda da FAP (3) se conseguiu repelir o IN.

O soldado Marinho (4) regressou à sua terra, para nela repousar eternamente. Alguém irá ao Terreiro do Paço, a medalha postumamente atribuída. Para além deste morto, houve que evacuar mais oito feridos, pelo que a CCAÇ se teve de deslocar para a bolanha para o efeito.

Continua a cobrança!...
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Foi assim a experiência da CCAÇ 763 com as Abelhas na Guiné. Felizmente só participei bem como os meus homens nesta festança, como combatentes. Picados fomos por mosquitos e formigas, daquelas grandes, que se arrancavam, mas só o corpo, pois a cabeça ficava segura à carne pelas pinças.

Para toda a Tabanca, o velho abraço do tamanho do Cumbijã! Bonito e tão comprido.

Mario Fitas
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Notas de M.F.:

(1) Informação fornecida pelo guerrilheiro SUZA NA MONE, desertor do PAIGC

(2) 2º. Sargento Leandro Vieira Barcelos, natural da Madeira.

(3) O saudoso Comandante Zeferino da TAP que já não se encontra entre nós.

Ao ler Putos, Gandulos e Guerra telefonou-me a falar deste caso, informando- me ter assistido do ar, pois era um PILAV da parelha de T6 que nos ajudou. Em Pami na Dondo a Guerrilheira, existe uma história com este PILAV cujo alcunha seria Seca-Adegas.

(4) Soldado 1881/64 Diamantino Jorge Martinho

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior > 12 de Março de 2009 > Guine 63/74 - P4017: As abelhinhas, nossas amigas (2): Desbaratavam uma coluna, uma companhia, um batalhão... (Rui Silva)

Guine 63/74 - P4017: As abelhinhas, nossas amigas (2): Desbaratavam uma coluna, uma companhia, um batalhão... (Rui Silva)

1. Mensagem do Rui Silva (ex- ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67):

Caros Luís, Vinhal e Briote:

Muita saúde e bom humor nas Vossas pessoas é para já o meu primeiro e grande desejo.

Envio-vos um trabalho sobre as abelhas africanas e conto alguns estragos que elas fizeram na 816.

Julgo que sobre as abelhas na Guiné devem haver muitos camaradas nossos com histórias para contar. Não sei se este trabalho terá cabidela no Blogue. Se não tiver, passem adiante e tudo como dantes. Sempre amigos. Um abraço, Rui Silva


2.ABELHAS (*)
por Rui Silva

Caro Luís;

Abriu-se aqui há pouco um item no Blogue sobre o macaco-cão na Guiné e com histórias muito interessantes. E porque não abrir agora um item sobre as abelhas (as célebres abelhas africanas) que não queriam mesmo nada com os Tugas ?

Ai daquele que lhes tocasse ou fizesse ruído perto!

Deve haver por aí “menino” que terá muito que contar… É curioso que, em praticamente 2 anos, nunca foi picado por uma abelha que fosse, mas foi mordido por um macaco-cão!Este, propriedade de um militar da 643 (Olá, Águias Negras, da 643) estava preso junto à tasca da D.ª Maria e do Sr. Maximiano (julgo cabo-verdianos) aonde íamos comer, em Bissorã.

Metia-me sempre com ele puxando-lhe o pelo sobre a cabeça, mas, num certo dia, ao tentar recuar com mais rapidez do que ele investia, estava um colega atrás de mim que me atropelou…

ABELHAS!!!... era este o grito de alerta. Era este o grito que fazia o pessoal da Companhia, a correr a sete pés.

Assustava mais este grito, que o grito ”Aí estão eles!”, grito que acontecia no milésimo de segundo imediato a um tiro do inimigo.

Duas histórias para contar:

Certa vez, vinha a Companhia de regresso ao quartel de Olossato e, como sempre, extenuada, de uma operação muito perto da base de Morés.

Sei que naquela zona evitávamos sempre que possível os trilhos, pois sabíamos e alguns até, infelizmente, na pele, que naqueles trilhos era frequente aparecerem minas anti-pessoais.

A certa altura, já perto do aquartelamento do Olossato (aproximadamente 1 Km.), voltamos inevitavelmente a um trilho.

Vínhamos em fila indiana e, cada um, como já era usual, vinha com a atenção redobrada, o coração a rebater forte e a respiração sustida e vinha a ver aonde o da frente punha os pés para pôr os dele também, pois assim julgava livrar-se ele da causa directa do accionamento duma mina e das respectivas consequências. Lembro que o indivíduo que tinha a desdita de pisar uma mima A/P, normalmente ia a bota e o pé dentro pelos ares. Esta atenção obrigava a Companhia a deslocar-se com alguma lentidão e morosidade.

Chegou-se até fazer o levantamento de uma mina A/P.

De repente, um pouco atrás de onde eu ia na coluna, alguém grita: ABELHAS!!! Foi como o tiro de pistola num prova de 100m, nas Olimpíadas.

Toda a gente enceta uma correria (que me fez lembrar o filme “A Revolta dos Cossacos” onde neste filme vê-se uma frente alongada de soldados a fugir) em direcção ao quartel. Esqueceram-se as minas, deixou-se o trilho, acabaram os cuidados com emboscadas e… foi, mas, um “ver se te avias”.

Um nativo, ao arrancar num arbusto uma espécie de lianas ou coisa parecida, para fazer uma rodilha para pôr as granadas de morteiro à cabeça, não reparou que estava lá um enxame, daí…

Lembro-me que um pouco depois, já no quartel, vi o Flector irreconhecível. As pálpebras de tal modo inchadas e os lábios mais grossos do que os de um nativo, a cara e o pescoço todo inchado, se não me dissessem que era o Flector (o morteirista da minha secção) eu julgaria que estava ali um extra-terrestre. Houve um colega que chegou mesmo a perguntar-me se eu conhecia dalgum lado aquela figura. Confesso que estive longos segundos a ver se acertava.

Mas não passou do susto… e das pequenas, e logo contornadas, consequências para o Flector, que com mais injecção menos injecção ficou logo pouco tempo depois operacional. (Ai a força dos 20 anos!)

Mas não foi só o Flector o atingido. Houve muitos a queixarem-se

Houve mais alguns casos (isolados) com as abelhas, mas tudo passava passadas algumas horas e com tratamento na enfermaria.

Soube no entanto mais tarde, através de um oficial, hoje na reforma, que houve um caso numa outra Companhia, que um soldado foi vítima de tal ataque das abelhas, que praticamente o cobriram, e que ele num acto desesperado matou-se com a sua própria G3. Foi verdade? Vai pelo mesmo graveto. Se alguém sabe efectivamente deste caso, pode contar. Eu rendo desde já sentida consternação e o lamento pelo infortúnio desse infeliz camarada.

O meu camarada Martins (Furriel também da 816), também tem uma história para contar, quando foi picado por grande quantidade de abelhas, quando foi pôr abaixo, julgo com TNT, uma árvore de grande porte, junto ao aquartelamento de Olossato e que vinha servindo de abrigo ao inimigo sempre que este nos vinha “visitar”. Deu-se o estoiro e… estava lá um enxame… e elas escolheram-no a ele…

O Martins apareceu cheio de pintas vermelhas (parecia a rubéola) mas dizia ele que não lhe doía mas a quem olhava para ele até parecia que ficava mesmo com dores.


3. Algumas curiosidades sobre as Abelhas (reproduzido com a devida vénia...)

Abelhas (Apis mellifera) são insectos himenópteros (com 2 pares de asas membranosas) que polinizam as plantas, produzem mel… e também picadas mortais.

Há cerca de 20.000 espécies de abelhas no mundo. O seu tamanho varia de 2 mm a 4cms. Algumas são pretas ou cinzentas, mas há as de cor amarelo brilhante, vermelhas, verdes ou azul metálicas.

As abelhas africanas ou “abelhas assassinas”, são originárias do Leste da África e são mais produtivas e muito mais agressivas.

São menores e constroem alvéolos de operárias menores que as abelhas europeias. Sendo assim, suas operárias possuem um ciclo de desenvolvimento precoce (18,5 a 19 dias) em relação às europeias (21 dias), o que lhe confere vantagem na produção e na tolerância ao Ácaro do género Varroa.

Possuem visão mais aguçada, resposta mais rápida e eficaz ao feromônio de alarme. Os ataques são, geralmente, em massa, persistentes e sucessivos, podendo estimular a agressividade de operárias de colmeias vizinhas.

Ao contrário das europeias, que armazenam muito alimento, elas convertem o alimento rapidamente em cria, aumentando a população e libertando vários enxames reprodutivos.

Migram facilmente se a competição for alta ou se as condições ambientais não forem favoráveis.

Essas características têm uma variabilidade genética muito grande e são influenciadas por factores ambientais internos e externos.

O ferrão da abelha, que se situa na extremidade posterior do abdómen da abelha fêmea, é um sistema complexo, compreendendo uma parte glandular, na qual se produz o veneno, e uma estrutura quitinosa e muscular, que serve para ejecção do veneno e profusão e introdução do ferrão. Apresenta rebarbas na sua superfície que dificultam sua saída, de tal sorte que, após a ferroada, todo o sistema é destacado, permanecendo na vítima. E a abelha morre logo a seguir. Geralmente, a profundidade de inserção é de 2 a 3 milímetros. No local, movimentos reflexos de sua estrutura muscular fazem com que o ferrão se introduza cada vez mais.

Na rainha, as farpas do ferrão são menos desenvolvidas que nas operárias e a musculatura ligada ao ferrão é bem forte para que a rainha não o perca após utilizá-lo.



Um cacho de Abelhas algures (podia ser ....na Guiné.. Ai daquele que lhe tocasse ou fizesse barulho perto!!! ... Impressionante, eram milhares de abelhas)


P.S. - Foto e texto em itálico tirados do sítio Abelhas (com a devida vénia..)

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série > 10 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4008: As abelhinhas, nossas amigas (1): Com NEP ou sem NEP ... (Luís Graça / António Matos)

Guiné 63/74 - P4016: Ser solidário (29): Unidos no passado, unidos no presente (Pepito / Carlos Fortunato)

Guiné-Bissau > Bissau > Bairro do Quelelé > Casa do Pepito e da Isabel > 9 de Março de 2009 > Festinha em honra dos nossos camaradas da Associação Ajuda Amiga > O anfitrião, Pepito, está ao meio, em segundo plano, ladeado à sua direita pelo Miranda, e à esquerda pelo Carlos Silva, presidente da Assembleia Geral da Associação. Os amigos que estão em primeiro plano, não os conheço pessoalmente, mas devem pertencer à Associação e, tal como o Carlos Silva, viajaram para Bissau esta sexta-feira passada, antes portanto do funeral do Nino. (Não se deixaram intimidar pelos boatas de que poderia haver distúrbios por ocasião da cerimónia fúnebre). Vejo, pelas fotos que me chegaram, que não estava presente o Carlos Fortunato, presidente da direcção da Ajuda Amiga e membro da nossa TabanCa Grande, tal como o Carlos Silva, o Pepito e o Patrício Ribeiro.

Aspecto da sala com as duas mesas. Na primeira, ao meio temos o nosso amigo Patrício Ribeiro, de bigode e camisa branca, outro membro da nossa Tabanca Grande, mais conhecido em Bissau como o verdadeiro embaixador... dos tugas.

Mais uma foto do Patrício Ribeiro, ao centro, ladeado de tugas, da Associação Ajuda Amiga. Antigo fuzileiro, natural de Angola, o Patrício leva já 25 de Guiné, a sua segunda pátria.

Dois portugueses que estavam na mesa do Patrício Ribeiro.

A mesma mesa, vista de outro ângulo, com o Patricio Ribeiro, de costas, à esquerda

Em primeiro plano, a Alice Mané, a presidente da Rede Ajuda, parceira da associação portuguesa Ajuda Amiga.

A Alice Mané e o Carlos Silva

Alice Mané, à direita, mais dois membros da Associação Ajuda Amiga (de que eu só conheço os dois Carlos, o Fortunato e o Silva)

Outro aspectio da mesa onde estava a Alice Mané.

Novamente o Carlos Silva e a Alice Mané. O Camarada da direita não o conheço.

Mais três portugueses da Ajuda Amiga.

Outros dois membros da Associação

Fotos: Pepito (2009). Direitos reservados

1. Mensagem do Pepito com data de 10 do corrente:

Envio-te algumas fotos dos companheiros da Ajuda Amiga que partiram esta manhã para Cantanhez, onde vão passar 2 dias a gozar as belezas da Mata e a partilhar amizade com a população local.

Tenho a certeza que se vão entusiasmar com o ecoturismo (vão ver os chimpanzés e vão de barco à Ilha de Melo, tomar uma banhoca na praia, que o calor já aperta).

Ontem estivemos a conviver lá em casa com a participação da Alice Mané, Presidenta da Rede Ajuda, parceira da Ajuda Amiga.

Também esteve o Patrício Ribeiro da nossa Tabanca Grande, conhecido como o Embaixador dos Portugueses; finalmente o ex-furriel Rui Miranda, meu grande amigo e marido da Isabel, Presidenta da AD. Como são muitas fotos tenho de as ir enviando aos poucos.

abraços do amigo pepito

2. Mensagem do presidente da Ajuda Amiga, Carlos Fortunato, que reproduzimos da respectiva página na Net, com a devida vénia:


Unidos no passado, Unidos no presente!

Amigos e Camaradas

A história da nossa Associação, tem origem em vários combatentes que participaram na guerra da Guiné (1963-1974), os quais sensibilizados pela situação dos antigos camaradas de armas que por lá ficaram, e pela grande amizade que os deixou ligados aquela gente e aquela terra, decidiram tocar a reunir e implementar um movimento de ajuda à Guiné-Bissau, dando seguimento a acções de apoio individuais, ou de pequenos grupos que alguns já vinham realizando na Guiné.

Este movimento cresceu, evoluiu, sempre orientado por um grande espírito humanitário e de solidariedade, tendo em 7/6/2008 sido realizada a Assembleia Geral que deu origem à constituição da Ajuda Amiga - Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento, e em 17/7/2008 a respectiva escritura.

A necessidade de criação desta Associação, sem fins lucrativos, surgiu para poder permitir a continuidade do trabalho anterior de um modo mais eficaz, para poder crescer na sua acção, e para poder obter apoios adicionais, de modo a ajudar quem mais necessita, mas mantendo sempre o principio de acompanhamento no terreno das acções de ajuda, de modo a garantir que estas chegam aos destinatários.

A Associação está organizada por núcleos, o que tem uma dupla finalidade, por um lado responder às motivações dos dadores que são mais sensíveis a ajudar determinadas zonas, por outro lado, utilizar os seus conhecimentos e vontade de se deslocaram a essas zonas, para pessoalmente ajudarem, e verificarem que a ajuda chega aos destinatários, actuando assim cada núcleo sobre uma zona geográfica à sua responsabilidade, a qual acompanha de perto, nomeadamente através de visitas, e de contactos directos com o Grupo Local de Apoio, garantindo a concretização dos objectivos definidos.

A criação destes núcleos e a concretização dos objectivos, depende das vontades e recursos que cada núcleo mobilizar, obviamente que para além disto existirá sempre um espírito de solidariedade global.

As acções iniciais realizadas pelos membros da nossa Associação, são parte da herança que a Associação vai continuar a dar seguimento.

As primeiras acções remontam a 1996, com entrega de artigos escolares e brinquedos no sector de Farim na zona de Cuntima e Jubembem.

Em Bissorã em resultado das acções de ajuda realizadas, criou-se em 2007 um Grupo Local de Apoio, em que vários amigos e camaradas que ali possuem alguns meios, dentro das suas fracas possibilidades, disponibilizaram o seu tempo e os seus meios de produção, para que fosse possível prestar ajuda aquela zona.

A criação deste Grupo Local de Apoio em Bissorã, em 2007, permitiu criar ali um Centro Logístico, assim passamos a ter acesso a um armazém para podermos guardar os bens recebidos, um terreno para experimentar novas espécies de árvores de fruto e sementes (para posteriormente distribuir à população, a fim de melhorarem a sua produção), uma carroça de burros, e uma viatura pick-up para facilitar a distribuição local dos bens.

A eficácia da ajuda melhorou imenso em Bissorã graças ao Grupo Local, e assim o apoio dado em Março de 2008, permitiu entre muitas outras coisas, criar a Biblioteca Municipal de Bissorã, e distribuir mais de 2.000 livros por algumas escolas da região.

Importa salientar que o envio de ajuda em Março de 2008, foi realizada em colaboração, com a Associação Humanitária Memória de Gentes, [de Coimbar,]e outras Associações e entidades, e com o apoio de muitos voluntários, pois é grande o esforço a realizar.

Este movimento de ajuda iniciada por um grupo de “jovens” sexagenários, que acredita que “com pouco podemos ajudar muito”, pressupõe a ajuda de cada um dentro das suas possibilidades.

Existem já Zonas de Suporte Logístico em Coimbra e Queluz, e estão a ser organizadas outras zonas, as quais irão recolher bens, quando forem lançadas as campanhas de recolha.

Convidamos-te para colaborar activamente nesta tarefa humanitária, e também a seres sócio, e a convidares outros amigos ou camaradas que tenham sido ou não combatentes na Guiné e que se solidarizem connosco.

Só unidos poderemos ir mais longe.

Aguardamos a tua resposta. Não fiques em silêncio, contacta-nos.

Um grande abraço.

Lisboa, 18 de Julho de 2008

J. Carlos M. Fortunato

Presidente da Ajuda Amiga - Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 27 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3949: Ser solidário (28): Dar Vida Sem Morrer, com a Catarina Furtado no Gabu (Torcato Mendonça)

Vd. também:

16 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3900: Expedição Humanitária 2009 (1): Já se fez à estrada a expedição da Humanitarius, com o J. Almeida, o A. Camilo e outros

9 de Novembro de 2008 > > Guiné 63/74 - P3428: Ser solidário (24): Em marcha a expedição de ajuda humanitária de 2009 (José Moreira / Pepito / Carlos Silva / Xico Allen)

Guiné 63/74 - P4015: Nuvens negras sobre Bissau (20): Citando a filha de Nino, 'vamos parar de nos matar uns aos outros' (Hélder Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil Trms TSF, Bissau e Piche, 1970/72): Caro camarada Luís Graça: Vi umas breves imagens na RTP1 sobre o funeral de Nino Vieira (*) e delas registo a grande manifestação de pesar por parte de significativo número de elementos da população (também não esqueço que Bissau é chão papel), que me deixaram a pensar, sem ter chegado a nenhuma conclusão, se o povo estava a homenagear o heróico e valoroso combatente da luta de libertação ou se o representante máximo da política que tem desgraçado aquele país. Infelizmente sei que não é fácil, senão impossível, separar as duas personalidades, porque são ambas o mesmo.... No entanto o que realmente retive, me sensibilizou e tomei a sério, foi a vibrante e sentida declaração, em jeito de apelo, duma filha de 'Nino', uma jovem que aparentou uma grande postura e sentido de Estado, de seu nome Nuntcha Vieira (**), que disse, não exactamente por estas palavras, porque não as gravei, mas cujo sentido julgo ter apreendido, e que foi "agora que ele morreu, vamos parar de nos matar uns aos outros, já chega". É preciso acreditar, mais uma vez, que a Guiné, a "nossa Guiné", nossa no sentido daquela estima e amor que por ela nutrimos, tem ainda direito a mais uma oportunidade para ser um Estado viável. É certo que a conjuntura mundial agora não é nada favorável. É certo que a Guiné já "queimou" inúmeras boas-vontades. Mas é preciso acreditar, tanto mais que temos (tenho) a sensação que pode haver a tentação de "repartir" aquele território pelos seus gulosos vizinhos a norte, leste e sul e disso não me parece que viesse a haver mais benefícios para aquelas populações do interior. Será certamente a partir das jovens gerações, de novos quadros, da diáspora e não só, de que a Nuntcha parece ser um exemplo, que pode a Guiné renascer na esperança e trilhar de vez o caminho da paz interior e do desenvolvimento. Que assim seja! Um abraço forte para todos os amigos Hélder Sousa __________ Notas de L.G.: (*) Vd. último poste desta série > 9 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4001: Nuvens negras sobre Bissau (19): 'Nino' Vieira (1939-2009): tão bom combatente como mau político (Virgínio Briote) (**) Título do Angola Press: 11-03-2009, 14:43 > Guiné-Bissau: Filha de Nino Vieira pede reconciliação de bissau-guineenses Bissau - Elisa Vieira, uma das filhas do finado Presidente João Bernardo “Nino” Vieira da Guiné-Bissau, instou os cidadãos deste país a reconciliar-se e parar de se matar de uma vez para sempre, soube a PANA em Bissau. “Vamos parar de nos matar de uma vez por todas”, clamou a filha do Presidente bissau-guineense na cerimónia de homenagem ao seu pai realizada terça-feira, em Bissau, no Palácio das Colinas de Boé, sede da Assembleia Nacional Popular (Parlamento) da Guiné-Bissau. Segundo Elisa Vieira, residente actualmente na Europa, a sua vinda e a dos seus irmãos a Bissau teve a finalidade não só de se despedir do pai, assassinado a 2 de Março corrente na sua residência na capital bissau-guineense por militares não identificados, “mas também de pedir que os Guineenses se reconciliem”. Afirmou que o seu pai, que esteve durante muito tempo exilado em Portugal depois do último conflito militar que determinou o seu derrube do poder antes de regressar ao país para ganhar as eleições presidenciais de 2005, “morreu por acreditar e crer” na reconciliação do seu povo. Exaltando o orgulho da sua família pelas qualidades do pai como “um grande homem, um grande filho da Guiné”, Elisa Vieira, que não conseguia conter as lágrimas durante a sua curta alocução, disse que eles nem sempre conseguiram comungar, mas sempre respeitaram, a vontade do seu progenitor de voltar ao seu país “e fazer aquilo que sempre fez desde a infância”. (...). ______________

quarta-feira, 11 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4014: Museu Militar, Lisboa: Lançamento de livro sobre os Comandos (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Cmd, Brá, 1965/67)






Capa de Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 14º Volume: Comandos, Tomo 1: Grupos Iniciais, 1ª ed., Lisboa, 2009.



Lisboa > Museu Militar > Sessão de lançamento de Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 14º Volume – Comandos, Tomo 1 – Grupos Iniciais, 1ª ed., Lisboa, 2009 > 10 de Março de 2009 > velhos Comandos de Brá (ex-Furr Mil João Parreira, ex-Alf Mil Virgínio Briote e Cors. Amadeu Neves da Silva e Vitor Caldeira) (*) .  Fotógrafo Raimundo, ex-1º Cabo do Destacamento Foto-cine, do QG, e ex-combatente na Op Tridente.



Lisboa > Museu Militar > 10 de Março de 2009 > O Cor Cmd Glória Alves, à direita, falando, em traços gerais, da evolução dos volumes da Resenha Histórica-Militar da Campanhas de África.



Lisboa > Museu Militar > 10 de Março de 2009 > Pátio interior: aspecto parcial



Lisboa > Museu Militar > 10 de Março de 2009 > Chegada das individualidades


Fotos: © Virgínio Briote (2009). Direitos reservados




1. Mensagem do Virgínio Briote, nosso co-editor, ex-Alf Mil Cmd, Brá, 1965/67:

Ontem já cheguei tarde a casa. A MI foi comigo ao Muser Militar assistir à apresentação do 14º volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961/74).

Estavam lá muita gente, mais de 200 pessoas. Encontrei o Cor Matos Gomes e o Cor Raul Folques, do BCmds Africanos e o Cor Glória Alves que fechou Brá e o BCmds, em 1974. O Matos Gomes pareceu-me em boa forma e está muito interessado na cronologia da Guerra (da sua autoria e do Coronel Aniceto Afonso), que está a sair às 4ªs no Correio da Manhã.

Pela 1ª vez, em 41 anos, encontrei-me, para a fotografia, com alguns dos antigos cmds:

(i) Neves da Silva, Cmdt Gr Apaches, hoje Coronel, responsável militar pela segurança dos PR Mário Soares e Jorge Sampaio;

(ii) Vítor Caldeira, Cmdt Gr Vampiros, também Coronel, que continuou nos cmds de Moçambique e, já depois do 25/4 foi ajudante de campo do então Governador de Macau, Coronel Garcia Leandro.

Dos 4 alfs, cmdts de grupo, faltaram o Luís Raínha e o Vilaça, que já morreu.

Estive também com o Amadu Djaló (*), com quem estabeleci um plano de trabalho para levar ao público a guerra na Guiné, com os olhos de um africano a combater por Potugal.

Esteve também o Parreira. O Mário Dias faltou por doença, isto para falar de gente nossa conhecida. E tive a oportunidade e o gosto de conhecer o Abreu dos Santos, que apenas conhecia da escrita e que, infelizmente, não tivemos tempo de conversar.

Foi uma cerimónia digna. Tratou de história. Da Indochina, Argélia, Angola, Guiné e, finalmente Moçambique. Tiveram a cargo as apresentações:

- O Cor Cmd Glória Alves, que falou, em traços gerais, da evolução dos vols da "Resenha Histórico-Militar da Campanhas de África";

- O Brigadeiro Marquilhas que, em breves palavras, contou os primórdios dos cmds, de Angola a Moçambique, passando pela Guiné, evidentemente;

- O Cor Graça, actualmente Cmdt do Centro de Tropas Cmds, que fez uma pequena resenha deste 14º volume, dedicado às tropas comandos;

- E, finalmente, o CEME, General Ramalho, que encerrou.

Uma cerimónia digna, repito. Não se louvou ninguém, não se falou de acções heróicas, mas revelaram-se pormenores, um ou outro delicioso, sobre os meandros da formação dos Cmds.

Deste tomo, 14º volume, que tenho em meu poder, há momentos folheei-o e tive o gosto de ver que, muito do material publicado sobre o início dos grupos da Guiné, nomeadamente 1965/66, foram por mim facultados, bem como algumas imagens.

VB

2. Mais informação, detalhada, do VB, sobre esta publicação:


Autores:

Cor Cmd José Castelo Glória Alves
Cor Cmd Horácio Silva Ferreira
Cor Cmd Carlos Carronda Rodrigues

Edição do Estado-Maior do Exército / Comissão para o Estudo das Campanhas de África

Associação de Comandos, Lisboa, 2008.

Coordenação e revisão: Major-General Henrique Nascimento Garcia


“Em 1962, em Zemba (Angola), e em 1964, na Namaacha (Moçambique) e em Brá (Guiné), nasceram os 'comandos portugueses' que, desde logo, demonstraram capacidades específicas para actuar no TO que se lhes deparava, enfrentando a guerrilha e a subversão.(….)

A obra focaliza-se na 'tropa comando', sistematizando a génese e a formação da especialidade, a constituição dos primeiros grupos de combate e a actividade desenvolvida. O trabalho de pesquisa apresentou diversas dificuldades, pela dispersão e escassez dos documentos, tendo-se revelado muito importantes os contributos prestados por militares e ex-militares ‘comandos’.”


Do Prefácio, assinado pelo Major-General Adelino Matos Coelho, Director da Direcção de História e cultura Militar.

E do depoimento do General, “Comando” Honorário, Bettencourt Rodrigues:

“Como tive a honra de estar presente nesta fase de arranque, ainda hoje vejo com admiração as figuras do Major Jasmim de Freitas, Tenente-Coronel Antunes de Sá, Major Gilberto Santos e Castro, Major Soares Carneiro e de todos os militares que estiveram sob o meu comando.

E guardo a mais grata recordação do jornalista Dante Vacci, figura fascinante de aventureiro do mundo e que teve influência e intervenção importantes naquela 'fase de arranque' (...).


O volume (607 páginas) está dividido em três grandes capítulos:

Angola, Guiné, Moçambique

Em cada um dos capítulos, descreve-se em pormenor os factos que estiveram na origem da especialidade, o historial dos Centros de Instrução, os nomes dos grupos e dos seus elementos e o histórico das acções em que intervieram.

No capítulo da Guiné (**), são abordados:

(i) Breves considerações sobre as condições geográficas, sócio-políticas e a situação militar

(ii) O porquê dos “comandos”

(iii) Os comandos da Guiné (recolha de informação, difusão da ideia, estágio em Angola, os primeiros seleccionados, o periodo inicial e o período final).

(iv) A operação Tridente (relatórios, mensagens e comentários à actividade, operações, referências)

(v) Levantamento do Centro de Instrução (quartel em Brá, planeamento, material de instrução)

(vi)Instrução

(vii) Iº Curso (grupos, instrutores, referências)

(viii) 1965 - IIº Curso

(ix) Reorganização do CIC (a CCmds do CTIG)

(x) IIIº Curso e a extinção dos grupos de Comandos

(xi) Historial dos grupos (actividade operacional entre 1964/66, louvores, condecorações, baixas)

____________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 16 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3903: A Compª de Cmds do CTIG, 1965/66. Artigo do General Garcia Leandro na Revista Mama Sume. V. Briote


(**) Mensagens do VB, relacionadas com o Amadu Djaló:

13 de Fevereiro de 2009

(...) Fui contactado há tempos pelo Lobo do Amaral, Pres da Ass Cmds, para colaborar na revisão das memórias de um cmd, natural de Bafatá. Na altura, embora no íntimo muito interessado, respondi que não me sentia em condições para tal projecto. Ontem, voltou à carga. Que a Ass Cmds quer publicar em livro as memórias de um guineense que viveu os anos todos da guerra e que na Guiné conheceu os governos de Silva Tavares até Spínola. Eu quero fechar a minha vida na Guiné e não posso.

Estive hoje na Ass Cmds com o Presid. Passou-me para as mãos as memórias do Amadú Djaló. Desde 1958 até 1974. Desde soldado até alferes. Toda uma vida de um guineense que se afirma tão português como muitos de nós. Que escreve em crioulo, ou melhor num misto que ainda não consegui perceber bem. E de que vos mando uma amostra, uma primeira abordagem que comecei esta tarde a fazer. Os olhos doem-me de perceber a escrita manual do Amadú e de escrever para um português perceptível, respeitando o estilo da escrita do autor.

Foi meu camarada nos cmds, embora nunca no gr a que pertenci. Pertenceu ao gr do Saraiva, depois ao do Luís Rainha. Mais tarde esteve em Fá Mandinga, na formação dos cmds africanos. Cumbamory, entre muitos outros, foi um local por onde passou o Amadú. Penso que vamos ter aqui uma obra que vai abrir o blogue aos combatentes africanos que estiveram do nosso lado.

Um abraço do vb

[Mensagem minha de 14 de Fevereiro, em resposta à anterior:

VB: Muito provavelmente nunca irás encerrar esse 'capítulo' da tua vida... Nem tu nem nós... A vida é um continuum, nunca poderá ser feita de compartimentos estanques ou fechados... Em vez de ser um cruz que levas até ao calvário, tranforma isso em prazer intelectual e em solidariedade e camaradagem: tens agora uma bonita oportunidade de dar voz a um homem que tu conheceste, que era tão guineense quanto português, que foi teu camarada, e a quem agora podes emprestar o teu talento, a tua literacia informática, a tua capacidade para entender o outro, para comunciar, para partilhar, o teu/nosso blogue... Diz-me se precisas do nosso concurso... És um homem generoso e solidário ao aceitar esse desafio da Associação de Comandos. Dispõe do blogue como quiseres... Um bom fim de semana. Luís ].


9 de Março de 2009:

(...) Tenho estado entretido com o diário da guerra do Amadu Djaló (1962/74). Estou em 1965. Relata muitas ops militares, vistas pelo olhar e as reflexões de um africano. Muito crioulo e algum fula, misturado com algumas palavras em português...Esta semana vou encontrar-me com ele na AssCmds para esclarecer muitos pontos e amanhã também conto estar presente no Museu Militar, ás 18h00, na apresentação de mais um tomo da Resenha das Campanhas de África. (...)

Guiné 63/74 - P4013: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (V): Do Tejo ao Geba (17 de Abril de 1965/25 de Maio de 1965)

(Continuação da publicação do Diário de Guerra, de Cristovão Aguiar)
Lisboa, 17 de Abril 1965

Sábado de Aleluia

Com repiques ao contrário den­tro de mim. Acabei de embar­car com a minha Companhia Independente de Caça­dores número oitocentos. Vamos com destino marcado para a Guiné. O "Ana Ma­falda" vai cheio de carne para canhão e ainda se encontra atracado no Cais da Ro­cha.
São três as companhias de caçadores e parte de uma de coman­dos e serviços de um batalhão. No salão de primeira classe, há pouco, houve discursos e vinho do Porto e uísque e sal­gadinhos.
Uma falta de respeito. Mal acabou a cerimónia, en­fiei-me no meu ca­ma­rote de primeira, pois en­tão! Morra Marta, mas morra farta! Estou para aqui so­zi­nho, la­vado em lágrimas, en­quanto os outros oficiais meus ca­ma­radas, talvez mais corajosos, se en­contram na amu­rada do navio nos últimos acenos de despedida. Puta de Pátria a minha!

Já fora Barra do Tejo, no mesmo dia, à noite

BARCO DE ESPERANÇA

Fizeste um barco de esperança e partiste
Ao longo de um mar verde de ternura.
Ficou no cais ainda o eco triste
Do mar acalentando a aventura...

Geme agora o mar contra a noite escura,
Num beijo sincopado de segredo...
E a alma num alentejo de secura
Cai de joelhos tran­sida de medo.

Medo da longa noite onde me canso,
Comprida noite onde nunca há descanso,
Nem estrela, nem barco ou gaivota...

E o mar que nos meus olhos cabia inteiro,
É agora um soluço de guerreiro,
Caindo em duas lágrimas de derrota.

18 de Abril

Mar e céu

neste Domingo de Páscoa triste, cele­brada com amêndoas amargas que nos serviram à sobremesa do almoço para que hou­vesse sabor a festa. O navio não dá um balanço sequer. No porão, os soldados jo­gam às car­tas e fazem algazarra. Ouço-os do deque de primeira. À mesa, o capitão só diz as­neiras com ar compenetrado e sábio.

22 de Abril

Véspera de chegada
.

Ainda se não adivinha terra nem rumor dela. Após a última refeição, passeio no deque, obstinada­mente, como um burro à roda da nora. Houve mudança súbita de ventos, o que fez com que logo cor­resse o boato de que estaríamos mudando de rumo.
Ainda se não perdeu a crença num súbito milagre que nos leve à Ilha do Sal, nosso primordial destino! Só assim, so­n­han­do, se aguenta esta patriótica estopada.


23 de Abril

Bissau

Evola-se desta terra avermelhada e ressequida um bafor que se transmite ao corpo e o faz destilar rios de suor. Logo após o de­sem­bar­que e com as tropas já aquarteladas na Amura, fomo-nos apresentar ao co­mando mili­tar. Desconhe­cia pura e simplesmente a nossa existência. Que não nos des­tiná­vamos a esta guerra, mas à da Ilha do Sal − foi-nos dito na secre­taria, antes de apresentarmos cumprimentos ao comandante.
Ainda olhámos uns para os outros com um pequeno clarão nos olhos, mas depressa nos desiludiu SEXA, refastelado no seu gabinete, com ar condicionado, onde pouco depois en­trámos, perfilados. Ti­nha na verdade havido um pequeno deslize de informação, mas iria ser ime­diata­men­te remediado. Ficaríamos, para compensar, à or­dem do comando-chefe. Uma honra para a nossa com­panhia, que tinha vindo da me­trópole para defender este tão pátrio chão.

26 Abril

Carreira de tiro

Fomos todos para a carreira de tiro treinar a ponta­ria e experimentar pela primeira vez as espingardas G3, que se utilizam nesta guerra. Nos cur­sos de preparação, em Mafra, Tavira e Santarém ainda se treina o pessoal com a Mauser da última guerra mundial. Que se divide em dez partes, a saber: cano com es­trias, coronha, gatilho, guarda-mato, etcetra e tal.

29 de Abril

Ordem unida na Amura

Houve tentativa de levantamento de rancho na nossa companhia. Como ninguém se tivesse acusado como cabecilha da frustra­da rebelião, o capitão, furioso por não ter bode expiatório, deu como castigo aos três pelotões ope­ra­cio­nais, neles incluindo cozinheiros e outras especialidades não béli­cas, oito horas se­guidas de ordem unida, entremeada com passo de cor­rida.
Para que não hou­vesse que­bra de ritmo nem de suor, ordenou que os quatro alferes des­sem, à vez e na ordem in­versa da sua antiguidade, duas horas de in­s­trução cada um. Ainda se acre­dita pia­mente, na tropa, que a ordem unida é a mãe de todas as virtu­des mili­tares, sobretudo da disci­plina.
No quartel da Amura, os velhos de caqui amarelo, que aguardam em­bar­que de regresso após dois anos de comissão, olharam para nós, maçaricos, vesti­dos de verde-bilioso-vomitado, como se pertencêssemos a outra ga­lá­xia.

5 de Maio

Primeiras baixas, nos arredores de Bissau
,

O nosso capitão e o seu guarda-costas foram feridos numa operação-treino nos arredores de Bissau. Foram ambos transportados de ur­gên­cia, de helicóptero, para o hospital militar. O primeiro, com estilhaços fin­ca­dos por todo o corpo; o último, sem as duas pernas dos joelhos para baixo e com as tri­pas de fora e sujas de terra. Como oficial mais antigo, tomei o co­mando da com­pa­nhia.


8 de Maio

Em Bissau, como Cmdt da CCaç 800

Recebi um rádio do gabinete do comando-chefe, anun­ciando a transferência para a metrópole do capitão e do seu soldado guarda-costas. Es­tou fragilizado e com muito medo. Não nasci para comandar tropas.
Para me sen­tir mais aconchegado e protegido no meio de toda esta engrenagem de inse­gurança e de morte pressentida, escrevi uma longa carta a meu tio Fran­cisco, que mal conheço, de­vido às zangas fraternais entre ele e meu Pai que se estenderam du­rante quase toda a minha vida. Agora estão de bem um com o outro. Fizeram as pa­zes há cerca de dois meses, após meu tio ter frequentado, durante três dias, um Curso de Cris­tan­dade na Ilha, na estância termal do vale das Furnas.
Soube-me bem acolher-me ao robusto tronco fami­liar, durante as duas breves horas de escrita epistolar, regada a lágrimas sa­borosas. Pressinto a morte, muito perto, rondando-me os gestos, as pa­la­vras e os pas­sos.


10 de Maio de 1965

No HM 241

Hospital Militar de Bissau, para uma pequena in­ter­venção cirúrgica. Circuncisão, isto é, um corte no freio, que tinha dificuldade em arregaçar.
Se tivesse nascido judeu, ter-me-ia poupado ao incómodo nesta idade de quase um quarto de século. Saí do hospital pouco depois e vim para o quartel da Amura, sem sequer sentir necessidade de me ir recostar na tarimba. Fui antes para o bar dessedentar-me e dar umas boas tragaças, que o cigarro tem sido para mim um ex­celente camarada de armas...

24 de Maio de 1965

Bambadinca

Veio a companhia por aí a cima, sob o meu co­mando, escoltada por outras tropas e por brigadas especializadas na de­tecção e le­van­tamento de minas e armadilhas, atravessando terra-de-ninguém de Man­soa até aqui, em não sei quantas viaturas, abarrotando de tudo quanto é ne­ces­sário para ins­talar uma companhia operacional no mato, desde tarimbas de ferro até tachos e pa­nelas, pas­sando por móveis para a secretaria, que, na guerra, a papelada tem grande impor­tân­cia. Chamam-lhe mesmo a guerra dos papéis, por vezes ainda mais renhida do que a sua irmã colaça.
Chegámos à margem esquerda do rio Geba, es­tava um capitão, Ga­briel Tei­xeira de sua graça, com duas secções à nossa es­pera. Pertencem ao batalhão ao qual vamos ficar logisticamente ad­s­tritos, uma vez que, operacional­mente, conti­nuamos à ordem do comando-chefe.
Ainda temos, porém, de atravessar tudo de jan­gada para a outra mar­gem, incluindo as viaturas, a fim de seguirmos para Bafatá e de­pois para Con­tu­boel, nosso des­tino. O rio Geba está su­jeito ao regime das marés, nesta altura vivas, aqui chamadas macaréu, de forma que vamos demorar muito tempo até nos passar­mos to­dos para o lado de lá.

Bambadinca, 25 de Maio de 1965

A TUA AUSÊNCIA


A tua ausência
É este estar nu por dentro,
E ter um rosto velho
Gretado de suor
Do sol dos prados
E das manhãs
Que nunca tive...

Em cada segundo te habito
Como a loira canção das abelhas
O indomável cio
Das flores abrindo-se
Loucas de tesão...
__________

Notas:

1. Destaques da responsabilidade de vb

2. Último artigo do "Diário de Guerra", do Cristóvão de Aguiar em

Guiné 63/74 - P4012: Efemérides (18): Faz hoje 37 anos que tivémos o primeiro contacto com o IN (Luís Dias, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74)

Guiné > Zona Leste > Dulombi/Galomaro > CCAÇ 3491 (1971/74) > Crachá do 2º Gr Comb, do Alf Luís Dias Foto: luís Dias (2009). Direitos reservados

1. Mensagem de Luís Dias ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74 

  Caro Luís e restantes editores Faz hoje 37 anos que elementos da CCAÇ 3491, tiveram o primeiro contacto com os guerrilheiros do PAIGC. Se quiseres publicar esta pequena descrição do acontecido, faz obséquio. Desculpa os acentos, mas o meu portátil está com problemas nas teclas. Uma chatice. Em anexo segue o Crachá do 2º Gr Comb que foi um dos pelotões envolvidos naquele contacto Um abraço, Luís Dias. 2. Efemérides (18) > O primeiro contacto com o IN da CCAÇ 3491 Faz hoje, 11 de Março de 2009, 37 anos (tanto tempo decorrido), que elementos da CCAÇ 3491, pertencentes ao BCAÇ 3872, que tinham chegado à Guine em 24 de Dezembro de 1971 e ao Dulombi (Leste), em 24 de Janeiro de 1972, tiveram o seu primeiro contacto com os guerrilheiros do PAIGC. Os velhinhos saíram do Dulombi em 10 de Março e, no dia seguinte, 11 de Março, o 2º e 3º Grupos de Combate, comandados respectivamente pelo Alf Luís Dias e pelo Alf Farinha, reforçados por uma Sec do Pel Mil 288, iniciaram a Operação Alma Forte, com a duração de dois dias (Sábado e Domingo - fim de semana maravilhoso!), com a finalidade de reconhecer e armadilhar os pontos de passagem do IN no R Corubal. A primeira parte do percurso decorreu sem problemas, mas depois de invertermos a marcha e pelas 18H30, quando parámos para descansar junto ao Rio Lemenei/Paiai Lemenei (a cerca de 20 km do Dulombi), uma zona de mato denso e arborizado, tivemos o nosso primeiro contacto com o IN, estimado em 40/50 elementos. Nos primeiros momentos de troca de tiros houve alguma dificuldade na resposta ao fogo do adversário, que utilizava armas automáticas e roquetes/morteiros, em especial na utilização dos nossos morteiros e dos dilagramas, devido às condições adversas do local. Só quando conseguimos sair daquela mata e depois de lançarmos várias granadas de morteiro 60 mm, que terão atingido fortemente o adversário é que este iniciou a retirada, a coberto da noite que, entretanto, tinha caído. Devemos salientar nesta emboscada a actuação do Furriel do 2º Gr Comb, Espírito Santo, o Pira, que fixou com a sua Secção o fogo inimigo, permitindo a saída do restante pessoal da parte densa da mata e a actuação do Sold At Manga Camará (Guineense experiente), do 3º Gr Comb, que, tomando conta do morteirete de 60 mm, colocou-o à barriga (um feito difícil de acreditar para quem não viu) e disparou diversas granadas que mudaram o rumo dos acontecimentos (sentimos que o IN deixou de ripostar com a mesma intensidade). De salientar ainda a actuação do 1º Cabo, Amílcar Costa, também do 2ºGr Comb, que, alertado por um camarada (o Amarante que foi o primeiro a avistar um elemento do IN e deu o alarme), viu esse guerrilheiro IN e foi o primeiro atirador da nossa companhia a efectuar fogo sobre os elementos inimigos, com a sua Met Lig HK21, só parando quando a mesma se encravou por problemas na fita alimentadora. Do confronto resultou para o IN, pelos vastos vestígios de sangue encontrados, nomeadamente junto ao local onde fora avistado o guerrilheiro, pelo material diverso abandonado e pela rádio do PAIGC (que confirmou baixas, o que era raro, embora referindo que a nossa tropa tinha sofrido oito mortos), tiveram baixas não controladas e a apreensão de 11 granadas de RPG7 /RPG2, entre outro material e equipamento diverso. As nossas forças sofreram dois feridos ligeiros e a sorte de outros elementos terem recebido tiros que lhes atravessaram os cantis, os carregadores, as camisas ou dólmens....enfim uma grande sorte!!! O reconhecimento feito posteriormente levou-nos a concluir que o IN estaria naquele mesmo local a descansar, possivelmente a preparar-se para ir atacar o nosso aquartelamento, tendo sido surpreendidos pela nossa chegada. Colhemos diversos ensinamentos do acontecido, que nos serviriam para o futuro em outras acções. Esta acção mereceu das diversas cadeias de comando as seguintes referências elogiosas: -Do Cmdt BCAÇ 3872 msg nº70/03:"Felicito êxito obtido. Transmita pessoal dessa minha satisfação"; -Do Cmdt CAOP2 (Agrupamento de Batalhões daquela área) msg nº952/0: "Felicito tão auspicioso começo"; -Do Cmdt Chefe -REP OPER msg nº984/C: "Cmdt Chefe felicita essa reacção à emboscada do In durante OP "Alma Forte", reveladora de determinação". O 2º Gr Comb passou a utilizar como lema, posto no seu crachá, o nome da operação que provocou o primeiro contacto com o IN - Alma Forte. ____________ Nota de L.G.: 3 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3926: Efemérides (17): Piche, 22 de Fevereiro de 1971 ou... Carnaval, nunca mais! (Helder Sousa)

Guiné 63/74 - P4011: Poemário do José Manuel (27): Um ruído vem do céu / e há cabeças no ar, / hoje é dia de correio...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > Pós-25 de Abril de 1974 > Um guerrilheiro do PAIGC e o Fur Mil José Manuel Lopes, dando o abraço da paz e da reconciliação..."Antes um inimigo, que só podia ser visto pela mira da nossa arma, depois um abraço, um sorriso e porque não um amigo" (JML) ...

O José Manuel voltou à Guiné, voltou a Mampatá, 35 anos depois!... Com os amigos e camaradas da CART 6250, o Carvalho (Fur Enf), o Nina (Fur Mec Auto), o Leça (Sold Cond Auto)... Foi surpreendido pelos trágicos acontecimentos de Bissau, do início da semana passada, em que morreram Tagmé Na Waie e Nino Vieira. Já estavam em Buba, quando souberam da notícia, recebida com calma entre a população fula...

Em Mampatá ficaram 4 dias. Conheceram momentos de alegria e de tristeza. Visitaram as escolas locais (duas, uma pública e uma privada)... Deixaram material aos miúdos. Aperceberam-se da dura realidade da Guiné, em que a administração pública mal existe: duas escolas, uma pública, com 400 e tal miúdos; outra privada, com duas dezenas de alunos... Quem era o professor desta ? O José Manuel reconhceu o antigo professor do PAIGC... As famílias, com algumas posses, pagam ao professor, em géneros... O Estado está meses e meses sem pagar um tusto aos seus funcionários...

Visitaram a campa de um dos seus amigos, milícia, que foi fuzilado, a seguir à independência, na praça pública ("Morreu com uma enorme dignidade, de cara levantada, perante o pelotão de fuzilamento; podia ter fugido, avisaram-no, não o fez"...).

Ofereceram-lhes um cabrito... Gente boa, simples, hospitaleira, que continua a imaginar Portugal como um eldorado: o sonho de uma família fula de Mampatá, é ter um filho a trabalhar cá... A remessa de 50 euros, que seja, é uma benção... Até apareceu um filho de um tuga, a chamar pai a um dos nossos camaradas... Enfim, todos os pretetextos são bons para se chegar a Portugal...

Reconheceram (e foram reconhecidos por) velhos amigos da população (fula) e camaradas de armas... Fizeram a estrada que ajudaram a construir, hoje totalmente degradada, irreconhecível: Nhacobá... Salancaur... Estiveram no corredor de Guileje, mas não foram a Guileje, por dificuldades de ligação.

Enfim, lá tiveram de voltar a casa, por que a vida continua: o Carvalho é presidente de uma Junta de Freguesia, em Gondomar; o Nino tem, na Covilhã, uma empresa de comércio automóvel, com bastantes colaboradores; o Zé Manel tem a sua Quinta da Graça, no Alto Douro, onde é vitivinicultor (e tinha a sua Luísa a chorar de saudades); o Leça (que levou a esposa) é uma antigo emigrante em França... Gente extraordinária, que merece as nossas palmas! Ah!, com eles também viajou o Silvério Lobo, que esteve em Aldeia Formosa, e que é mecânico de profissão...

Chegaram ontem ao fim da tarde, cansados... Fizeram a viagem em contra-relógio. Já em Marrocos encontraram também o resto da malta da Tabanca de Matosinhos: o Xico Allen, o Pimentel, o João Rocha... Ainda lá ficaram, na Guiné, o Moreira e a malta de Coimbra, bem como a malta de Lisboa (Carlos Fortunato, Carlos Silva e outros, da Ajuda Amiga...)... Do Camilo e da malta do Algarve não me soube dizer nada.

Falei ao telefone com o Zé Manel ontem à noite... (Estava a ver a bola, a desgraça do Sporting; ele é benquista, mas patriota... Já o meu amigo Pepito é sportinguista e merece um grande abraço de consolo...).

O Zé Manel disse-me que nem tudo correu pelo melhor, na viagem para lá e para cá (em que perdeu o telemóvel)... Na Mauritânia, o Zé Manel esteve detido 4 horas numa esquadra de polícia, por tirar fotografias... A polícia da Mauritânia faz intimação e chantagem aos turistas... Mas isso são outros contos... para outras alturas. O Zé Manel vai fazer um festinha, um dia destes, num fim de semana (talvez a 21), para partilhar connosco as emoções da viagem... O Paulo Santiago já disse que levava o leitão de Aguada de Cima (que é o melhor do mundo)...

Para celebrar o regresso do Zé Manel e demais amigos e na sequência também do poste, bem humorado, do nosso camarada da Força Aérea António Martins de Matos ("Correio com antenas") (*), fui repescar um dos poemas do Josema (**), poesia singela de um tuga, que era (é) um homem sensível e de coração grande, e que retrata aqui, melhor do que ninguém, em traços breves e leves de aguarela, o nosso quotidiano de guerra...

Foto e poema © José Manuel (2008). Direitos reservados.


Um ruído vem do céu
e há cabeças no ar,
hoje é dia de correio,
há novas para chegar,
faz-se a distribuição
com chamada frente ao bar.

Para o Santos nada veio
será que vai desmaiar?
P'ró Zé Manel veio a Bola
com as novas do Benfica,
p’ró Pinheiro uma encomenda
e alguém lhe manda uma dica,
fazendo-se para a merenda.

Sim, de correio foi o dia,
não pode haver melhor prenda,
é altura de alegria,
retiram-se os felizardos,
relêem a mesma carta
até afogar a saudade.

Mampatá 1972
josema

[Revisão/fixação do texto: L.G.]

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P4010: FAP (15): Correio com antenas... (António Martins de Matos, ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74)

(**) Vd. postes de

13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3884: Poemário do José Manuel (26): O regresso a Mampatá, 35 anos depois...

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...(...)

27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

Guiné 63/74 - P4010: FAP (15): Correio com antenas... (António Martins de Matos, ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74)

1. Mensagem de António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, hoje Ten Gen Pilav Res):

Amigo Luis: Depois de tudo o que se escreveu sobre o Guileje,...a Visão, ... o Nino Vieira, ... , os ânimos andam um pouco tensos, a necessitar de um tónico refrescante.

Junto te envio uma história ligeira e com uma certa piada (para mim claro, porque deve ter havido alguém chateado com a coisa).

A dar um título, penso que ficará bem “Correio com Antenas”

Um abraço
António Martins de Matos


2. FAP (15) > Correio com antenas (*)

por António Martins de Matos


No final de um destacamento de DO-27 em Nova Lamego (fins de 72 ou início de 73), e no momento de regressar a Bissau, o homem do SPM (Serviço Postal Militar) pergunta-me se posso largar um pequeno saco com correio num destacamento situado no trajecto para a Base de Bissalanca, não me lembro do nome, entre Bambadinca e Bafatá, sem pista, sem placa, ... sem nada... .(eventualmente poderá ser Missirá, mas penso que deveria ser um outro destacamento).
Mas que tivesse atenção porque o último piloto a largar o saco tinha sido um grande nabo, tinha calculado mal e este tinha-se perdido no mato, para desespero do pessoal.

Claro que sim, estamos aqui para apoiar a tropa, saco embarcado, viagem sem incidentes até ao respectivo destacamento, contacto estabelecido com o pessoal, boas notícias, vão receber mais um saco de correio, saco de fora da janela, passagem pelo lado direito do objectivo, subida do DO-27 quase à vertical para perder velocidade, inversão rápida, queda de asa à esquerda, picada à FIAT G-91, apontar ao centro do destacamento, saco largado, cai em pleno objectivo, recuperação da picada, ... a satisfação do dever cumprido!.

E não é que os malcriados nem sequer vêm ao rádio agradecer o esforço deste piloto que, na execução do circuito para a largada, quase tinha posto o cabo mecânico a deitar a carga ao mar ?!

Aterragem em Bissau, ... malandros, ... malcriados, ... mal agradecidos… Chega-se o cabo mecânico, ainda suado e amarelo pelo que tinha sofrido, e diz-me:
- Meu Tenente, trazemos uns fios presos à cauda do avião.

Desculpem lá o incómodo, ... oxalá o correio tenha valido a pena.

António Martins de Matos

2. Comentário de L.G.:

Quem disse que os nossos pilotos da BA12, Bissalanca, não eram capazes de fazer uma boa acção de escuteiro, e não tinham sentido de humor ? Nenhuma guerra se ganha com gente mal humorada e incapaz de fazer horas extraordinárias sem pedir mais patacão...
___________________

Nota de L.G.:

(*) Vd último poste desta série, FAP > 27 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3948: FAP (14): Um dia rotineiro na Base Aérea nº 12, em Bissalanca (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, 1972/74)

terça-feira, 10 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4009: Blogoterapia (96): Não chorarei a morte do Nino (Zeca Macedo, ex - 2º Ten DFE 21, Cacine, 1973/74)

1. Mensagem do nosso camarada José Macedo (ou Zeca Macedo), um cabo verdiano da diáspora, que foi FZE [Fuzileiro Especial] no DFE 21 na Guiné em 1973/74, e que hoje é advodado nos EUA, para onde imigrou em 1977 (*). 

Caro Luis: 
Como sabes, servi no DFE 21-Fuzileiros Africanos- na Guiné e muitos dos "meus" fuzileiros foram assassinados por ordem do Nino Vieira. 

Como deves calcular, não chorarei pelo Nino. Mando-te um link de um artigo publicado no diário on line caboverdeano, A Semana, com entrevistas a dois históricos da luta de libertação nacional [, Osvaldo Lopes da Silva e Júlio Carvalho ou Julinho]. (**) 

Um abraço amigo, 
José J. Macedo 
(Ex) Segundo Tenente FZE DFE 21

- Jose J. Macedo, Esquire 
Law Offices of Jose J. Macedo 
392 Cambridge Street 
Cambridge, MA 02141 
Tel. (617) 354-1115 
Fax (617) 354-9955 
_____________ 

Nota de L.G.: 




O falecido presidente da Guiné-Bissau, João Bernardo Vieira, que hoje vai a enterrar, não deixa muitas saudades entre os seus antigos companheiros de armas de Cabo Verde. “Era uma figura sinistra, embora um grande combatente”, diz dele o comandante Osvaldo (...). 


Silvino da Luz, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde e mais recentemente ex-embaixador da Cidade da Praia em Luanda, é uma das raras personalidades cabo-verdianas e estrangeiras a fazer-se representar no funeral de João Bernardo Vieira que hoje tem (...)

Guiné 63/74 - P4008: As abelhinhas, nossas amigas (1): Com NEP ou sem NEP ... (Luís Graça / António Matos)

1. O Mexia Alves (*) levantou uma questão processual e deu-nos aqui uma boa sugestão. Refiro-me à famigerada NEP das abelhas, que ele jura que existe(ou existia, no nosso tempo) mas que nunca ninguém viu.

A título de curiosidade, também me meti nas minhas tamanquinhas e fui procurar... Deitei mão ao Manual do Oficial Miliciano, ou parte dele, já aqui publicado no blogue (Refiro-me à cópia, parcial, que nos chegou, por cortesia do A. Marques Lopes, nosso camarada, Cor DFA Ref, que tem também andado arredado das nossas blogarias) (**).

Népias, o book deve ter sido escrito por um qualquer prussiano da Guerra de 14, não encontro nenhuma referência à tal NEP das abelhas. De qualquer modo, devo acrescentar que o acrónimo NEP deve querer dizer Normas E Procedimentos (Nunca fui bom em secretaria, razão por que me mandaram para a especialidade de Atirador de Armas Pesadas de Infantaria e, como prémio, meteram-ne num barquinho a caminho da Guiné e lá deram-me uma G3).

Como é sabido, a vocação do nosso blogue é contar histórias (não as dos outros, como fazem os jornalistas, os ficcionistas, os cineastas, etc.), mas as nossas próprias... Nós fomos actores numa guerra (que nos calhou em sorte), e é dessa guerra que devemos falar, não do antes e do depois, das causas e consequências, das causas remotas e próximas, e das consequências~, locais, regionais e globais (políticas, económicas, sociais, culturais, diplomáticas...) mas das estruturas, dos processos e dos resultados...da guerra.

Ora as tais abelhas ou abelhinhas ("africanas, selvagens, assassinas") também nos combatiam... Não sei porquê, mas acho que tinham alergia, não à cor da pele, mas à nossa farda (em especial ao camuflado; ou seria ao cheiro a merda que exalávamos no regresso ao quartel ?): de facto, tanto atacavam os tugas como os seus aliados fulas, que eram pretos retintos, a maior parte deles (tirando os futa-fulas)... Falo por experiência própria (enquanto operacional da CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Mas pergunto-me: será que elas, as abelhas da Guiné (**), também foram treinadas na China, tal como o Nino Veira, o últimos dos comandantes do PAIGC, agora morto, "de morte matada" ?

Cá está um ponto que eu gostaria de ver descrito, documentado, ilustrado, discutido, analisado, dissecado, postado no nosso blogue, indo atrás da sugestão do Mexia Alves e já entusiasticamente apoiada por diversos camaradas...

Sugiro, pois, a criação de uma nova série: "As abelhas, nossas amiguinhas"... ou "As abelhinhas, nossas amigas". Gosto mais da segunda alternativa, é um título mais ternurento...

O título é irónico, claro: eu soube, por diversas vezes, quão dolorosa era uma só picada destes terríveis insectos... Agora imaginem mil!... Caí em várias emboscadads onde elas eram foram muito mais eficazes do que as costureirinhas, as kalash, os morteiros ou os RPG do Inimigo.

O Mexia Alves deu o pontapé de saída, lançou a granada de fumos, armou o granel, mandou o piquete de serviço à procura da NEP... Quem vier a atrás, que feche a porta ou se atire ao primeiro charco que encontrar... Por mim, obrigado, amiguinhas. Ainda temos umas contas para ajustar, ao fim destes anos todos...com ou sem NEP.

O Mexia Alves é um bom cristão, mas como eu costumo recordar Cristo, Deus Filho, mandava ser bom, mas Deus Pai, não mandava ser parvo.... As outras contas (com os homens), essas, já as perdoei... Acho eu de que... LG


2. Comentário do António Matos ao poste do J. Mexia Alves (*):

Caro Joaquim,

As abelhas ...

Confesso que, para além dumas colheres de mel que emborco cada vez que apanho uma daquelas gripalhadas de caixão à cova, passo infinidades de tempo sem me lembrar das ditas. Excepção quando sou obrigado a "conviver" com elas, por isto ou por aquilo.

Que me recorde, o meu 1º encontro de homem-para-abelha que tive na vida foi precisamente na Guiné.

Relatei-o num dos primeiros postes que mandei para o blogue e cujo cenário estava montado no meio dum campo de minas, algures entre Ponta Matar e Choquemone, à beira da estrada Bula - S.Vicente.

Aí, e com um barulho de aproximação a fazer lembrar o ronco dum automóvel de corridas, ficámos colados ao chão quando, olhando para cima, vimos uma núvem delas ! Pararam a deslocação e planaram ...

Do enxame libertou-se uma delas que picou na nossa direcção com o "consentimento" e passividade do grupo ...

Desceu, desceu e aterrou no corpo do camarada Luís Faria ... Com nervos de aço, o Luís "permitiu" que ela o "farejasse" ... Todos estávamos transpiradíssimos, de tronco nu, a "assentar" minas ...

A abelhinha, que não tinha aspecto de abelhinha Maia, caminhou para-ante-pata, pelo peito do Luís, depois pela perna (ah! estava de calção curto !!) e enfiou-se no cano da bota !

O momento foi de uma tensão incalculável pois o "pelotão de fuzilamento" mantinha-se em posição de ataque lá em cima !!

A páginas tantas, incomodada talvez pelo cheiro que aquela bota poderia estar a exalar, saiu, cumprimentou e levantou voo, dirigindo-se, com todas as outras, em direcção a S. Vicente.

Não houve ataque, não houve feridos, mas a estória ficou!

Já o mesmo não direi dum verdadeiro "arrastão" que um outro enxame fez ao passar pelo quartel de Bula. Alguns feridos, alguns olhos inchados, anti-estamínicos esgotados, mas, parece-me, o maior azar foi dos macacos que existiam por lá. Passada a loucura, contabilizaram-se variadíssimos bichos mortos a atestar da sua perigosidade.

Finalmente, e porque a curiosidade da coincidência do tema é, no mínimo, engraçada, posso-te contar que no último fim de semana, em Leiria, e numa prova dum campeonato de karting em que participo, fui visitado por um desses "adoráveis" estupores que invadiu o interior do capacete o que, calcularás, provocou um quase acidente e a perca, óbvio, de qualquer veleidade de campeão !!!

Em todas estas experiências, porém, nunca me lembrei que poderia haver uma NEP que ensinava como bem domar uma abelha, se mergulhando no rio mais próximo, se ir a correr para os bombeiros e pedir-lhes que lhes apontassem a mangueira ao focinho. E ainda bem porque em todos os casos estava demasiado longe desses apoios logísticos o que complicaria a situação pelo stress que provocaria !

Um abraço e ... cuidado que elas ferram mesmo ! (***)

António
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 9 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P4005: Para amenizar, quem conhece a NEP das abelhas? (J. Mexia Alves)

(..) Era conhecida pela NEP das abelhas e eu nunca a vi e nunca a li, mas ao que me diziam, continha coisas de "bradar aos céus".

Segundo diziam, a NEP preconizava entre outras coisas, em caso de ataque de abelhas, a entrada imediata no curso de água mais perto... Dizia-se também que a mesma aconselhava o rebentamento de granadas de fumo, talvez com o intuito de dar a conhecer ao inimigo a nossa posição!!!

Não sei se a NEP existia ou não e se continha tais "conselhos", mas embora nunca tenha tido nenhum ataque de abelhas, sei que era uma coisa terrivel, que fazia o pessoal atacado entrar num descontrole total e lembro-me de ouvir referir, que um Alferes de uma Companhia Independente teria morrido na mata de vido às multiplas picadas de um ataque de abelhas.

Alguém sabe alguma coisa sobre isto, da NEP, ou mortes causadas pelas abelhas? (...)


(**) Vd. postes de:

3 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2717: Exército Português: Manual do Oficial Miliciano (1): A Selva, perigos, demónios e manhas (A. Marques Lopes)

9 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2738: Exército Português: Manual do Oficial Miliciano (2): A Selva: Struggle for Life... (A. Marques Lopes)

(***) Vd. Wikipédia > Abelha africana (Apis mellifera scutellata)
Vd. também Killer bees

Guiné 63/74 - P4007: Blogoterapia (95): Há mais vida no alfabeto da guerra, para lá dos G: Guileje, Gadamael, Gandembel, Guidaje... (António Matos)

1. Mensagem do António Matos (ex-Alf Mil, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72 (*):

Meu caro Luis Graça

Aqui fica algo que tem vindo a demonstrar-se impossível de não fazer bater com o pé a pedir mais atenção a TODOS quantos combateram na Guiné nos idos de 1963-74.

Pouco me impressiona se se perturbarem consciências pesadas, daí que te agradeça publiques este meu desabafo / reflexão.
Um abraço,
António



2. Reflexão,
por António Matos

Acompanho este blogue desde o dia da minha apresentação em 1 de Novembro de 2008.

(i) Fiz artigos, contei estórias, contribuí para a história do pelotão, da companhia, do batalhão, de Bula, da Guiné;

(ii) Falei de lugares e de movimentações militares;

(iii) Ouvi relatos de outros ex-combatentes;

(iv) Prazentei-me com belos trechos de prosa e poesia de muitos camaradas;

(v) Estabeleci polémicas;

(vi) Intervi noutras;

(vii) Reencontrei amigos ao fim de trinta e tal anos;

(viii) Deram-se-me a conhecer alguns nomes mais interventivos no blogue;L

(ix) Conheci realidades individuais fantásticas;

(x) Maravilhei-me a ler relatos de combates;

(xi) Comovi-me com os sentimentos de outros;

(xii) Consegui colocar no mapa da Guiné pontos como Gandamael, Gandambel e Guileje .

(xiii)... Mas, c'os diabos!, houve quem fizesse a guerra igualmente feroz noutros sítios daquele território !!


Estou cansado de ler em todo e qualquer poste eesses nomes como se a guerra da Guiné se limitasse ao tal cerco, à tal retirada, à tal proximidade com a loucura!

Começo a pensar que se está a subvalorizar toda a intervenção de todos os outros milhares de jovens que do mesmo modo combateram, se feriram, se estropiaram, morreram!

Com o maior dos respeitos por quem possa ter tido uma acção militar sem descanso, pergunto, alguém sente que fez férias naquelas paragens ?

Alguém sente que os combates em que participou foram menores do que os outros ?

As balas em Guileje feriam mais do que as de outros lugares ?

Graças a Deus que há humanistas que se têm deslocado à Guiné em obra de apoio àquelas gentes;

Graças a Deus que emergiram escritores que têm abanado as consciências mais anquilosadas;

Graças a Deus que até já houve simpósios (não isentos de críticas ácidas consultáveis na Net ).

A ideia que me foi transmitida no princípio foi de que se pretendiam as estórias na 1ª pessoa para que um dia se conseguisse fazer a história daqueles anos.

Apoiei desinteressada e apaixonadamente esse projecto mas receio que, quem vier ler a catadupa de textos que, felizmente, ultrapassaram a barreira da periclitante assiduidade, conclui que a guerra da Guiné foi Guileje e o resto foi paisagem ...

Às tantas a dar azo a que, afinal, haja quem diga que se morria, não da guerra mas de acidentes viários ...

Não dou conselhos a ninguém mas não me coíbo de sugerir reflexões.

Desde já que a parte editorial do blogue tente "caldear" estas informações de modo a não criar um elefante branco de deturpada realidade que não ajudará ninguém a entender a nossa intervenção no teatro operacional nem a sermos fiéis à memória de tantos e tantos que já não nos acompanham e não conseguem fazer ouvir as suas vozes.

Não posso acabar esta minha intervenção sem me dirigir pessoalmente a dois tipos de ex-combatentes:

- Aos que foram colocados em Guileje e outros G...

Recebam um abraço (não direi do tamanho do Cumbijã porque não sei se é suficientemente grande) mas do tamanho daqui até à Lua ( parafraseando Sardet ) pelo respeito que me merece a vossa heroicidade, mas permitam-me que não esqueça todos os outros que banharam a Guiné com o seu suor, com as suas lágrimas e com o seu sangue !

- A todos os outros

Participem activamente neste nosso/vosso espaço de modo a que a história em que fomos actores seja contada de corpo inteiro e para que amanhã não sejam assaltados por esta sensação estranha do tipo "pequeno ciúme" que agasta, molesta, e nos consome em lume brando ....

Bem hajam !
António

2. Comentário de Luis Graça, editor (Na foto à esquerda, em Bambadinca, Sector L1, no século passado, em cima de um Unimog, c. 1970, ao lado de um grande amigo, Tony Levezinho, ambos Fur Mil da CCAÇ 12):

Assunto - Polarização / saturação do nosso blogue no tema Guileje / Gadamael

Camarada António:

Viva!.. Só posso estar de acordo contigo. A guerra da Guiné (e a nossa vivência dela) ia de A a Z como o alfabeto... Seria seguramente empobrecê-la (em termos da sua geografia, sociografia, historiografia, arqueologia, museologia...) se a reduzíssemos apenas à letra G... Eu pessoalmente, tal como tu e muitos outros camaradas, conhecemos os mais diversos sítios, qual deles o mais exótico, dos cenários de guerra... A guerra estava por todo o lado, do Choquemone ao Fiofioli, de Varela ao Xitole, de Buruntuma a Canjadude, de Tite a Cacine, do Morés ao Cantanhez, do Rio Cacheu ao Rio Corubal, de Bissau a Bafatá, de Teixeira Pinto a Madina do Boé, da Ilha do Como ao Saltinho, da Ponta do Inglês a Piche, de Cufar a Copá, de Fá Mandinga a... Conacri, ou de Lisboa a... Cacine.

A tua crítica é também, em primeiro lugar, à minha orientação editorial que parece, objectivamente, favorecer a publicação de textos sobre a batalha de Guileje/Gadamael... Ora, eu tenho a obrigação, até pelas próprias regras que criei e que fazem parte do nosso contrato de cavalheiros, em garantir o pluralismo das vivências, experiências, memórias, idiossincrasias, sentimentos, perspectivas, informações opiniões de todos e de cada um, a diversidade dos tempos e dos lugares, etc...

A alimentação desta 'máquina voraz' que se tornou o blogue (com expectativas e exigências cada vez mais altas) é um problema precariamente resolvido dia a dia, por um número crescente de colaboradores/autores e uma equipa (reduzida) de três editores, voluntários, a tempo parcial...

A diversidade e a qualidade das mensagens/textos/postes que publicamos também dependem da quantidade. Para garantir igualdade de oportunidades a todos é preciso também um esforço acrescido da nossa pequena equipa. Não basta fazer "copy & paste" das mensagens que nos chegam... O processo não é automático, por causa do "Garbage in, garbage out" (se sai lixo, sai lixo, uma velha máxima que aprendi do meu tempo da imnformática fiscal)...

Concordo que temos andado demasiado polarizados em lugares como Guileje / Gadamael e e centrados, obsessivamemnte, nos meses de Maio / Junho / Junho de 1973, polarização essa que está a atingir a saturação, e que foi provocada em parte por dois acontecimentos: (i) a realização do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008); (ii) o lançamento do livro de Coutinho e Lima, em finais do último ano.

Dito isto, aceito que temos de fazer uma recentragem dos temas do blogue, apelando à participação activa de gente que esteve noutras frentes, noutras épocas e até em outros ramos das Forças Armadas, para além do Exército. Se já reparaste, não conseguimos trazer à nossa blogosfera os nossos camaradas da Marinha (temos três ou quatro representantes dos nossos bravos marinheiros, mas que andam mudos e calados)... A malta da Força Aérea está a aparecer, de devagarinho... mas com excelentes histórias. Vamos dar-lhes mais tempo de antena.

Concordo contigo que devemos privilegiar os contadores de histórias na 1ª pessoa do singular, sem menosprezar... os treinadores e comentadores de bancada.

Disto isto, vamos ao trabalho!

Um Alfa Bravo. Luís Graça

PS - Até por que o melhor do blogue não és tu, não sou eu, não é o A e o B, o soldado ou o general... Somos todos nós, ex-combatentes, de um lado e de outro... Há muito que eu teria fechado a loja, se nós fossemos apenas meia dúzia de 'poetas mortos' ou, pior ainda, como alguém insinuou, um 'clube de saudosistas'...

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Nota de L.G.:

(*) 1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390 Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)

Guiné 63/74 - P4006: (Ex)citações (20): Nino Vieira, carismático, calculista, vingativo, violento, solitário (Eduardo Costa Dias)

1. Excertos de uma peça jornalística que gostei de ler, da autoria de Ana Dias Cordeiro > Nino Vieira: Combatente exemplar, ditador temido, Presidente sozinho. Público 4/3/2009.

Destaco aqui as opiniões (qualificadas), recolhidas pela jornalista, junto do meu amigo e colega Eduardo Costa Dias, grande especialista da cultura e da história da Guiné-Bissau, professor de Estudos Africanos, Departamento sde Sociologia, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) (foto à esquerda, Bissau, 2008).

Ele prometeu-me há dias um artigo para o blogue com a sua leitura socioantropológica da morte (física e simbólica) do Nino Vieira. Os camaradas e amigos da Guiné ficar-lhe-ão gratos. Até lá, fica aqui uma pequena amostra (*) do seu pensamento sobre um homem que ele conheceu pessoalmente...

O Prof Doutor Eduardo Costa Dias vai regularmente à Guiné-Bissau. Apresentou uma comunicação ao Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008), subordinada ao título "Papel e influência das dinâmicas sócio-religiosas e políticas nos movimentos de libertação nacional na África Ocidental: o caso da Guiné-Bissau". (**)

O homem que vai hoje a enterrar a Bissau, oito dias depois de ter sido brutalmente assassinado em sua casa, foi combatente, do outro lado da barricada, numa guerra onde estivemos envolvidos... Não foi um combatente qualquer. Foi um grande combatente. Foi objectivamente um inimigo que os tugas, apesar de tudo, aprenderam a respeitar. É também o último dos históricos comandantes do PAIGC... Com ele, há um grande capítulo da guerra colonial que se vira ou que se arruma, mal ou bem... Penso que mal: com ele (e com Tagme Na Waie) morrem também memórias privilegiadas de uma época, que não chegaram a ser recolhidas, tratadas e socializadas... Nenhum homem devia morrer sem primeiro passar o seu testemunho, sem escrever ou ditar as suas memórias... (LG)

(Bold, da responsabilidade do editor. L.G.)


(…) Foi alvo de verdadeiras tentativas de golpe de Estado, mas também fabricou algumas, para ter apoio em momentos de fragilidade. "Como todos os chefes guerrilheiros míticos, Nino escapou várias vezes à morte. Foi um chefe guerrilheiro que teve a morte sempre presente e foi esse espírito que levou para a governação", diz Eduardo Costa Dias, professor de Estudos Africanos do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa.

Entre os guerrilheiros era visto como um chefe corajoso, mas ao mesmo tempo muito temido, porque traiçoeiro. "Continuou a jogar com o carisma que tinha de guerrilheiro junto de outros guerrilheiros", acrescenta Eduardo Costa Dias. Mas esse carisma foi-se desvanecendo. Terminou os seus dias praticamente sozinho. Manteve a confiança de alguns antigos guerrilheiros fora das Forças Armadas, de um pequeno núcleo dentro do PAIGC de que foi líder, e junto de alguns régulos. Mas mesmo nas eleições de Novembro do ano passado associou-se ao PRID, um partido novo que apenas elegeu três deputados numa Assembleia em que o PAIGC de Carlos Gomes Júnior obteve maioria absoluta. À derrota militar de 1999 seguiu-se a derrota política.

Quando em 2005 voltou ao país e foi eleito nas presidenciais, o seu regresso chegou a ser remotamente imaginado como uma tentativa de redenção e as suas palavras como um genuíno gesto de reconciliação com inimigos de um passado conturbado e violento. Mas Nino não escolheu redimir-se.

"Além de calculista, Nino Vieira era extremamente vingativo", continua Costa Dias, para quem o ex-Presidente regressou sobretudo para vingar o seu passado, o seu derrube pela junta militar.

(…) Quem vive na violência morre na violência, sugeriram algumas figuras, como o ex-Presidente português Mário Soares. O professor universitário Eduardo Costa Dias diz que Nino Vieira ilustra na perfeição esse conceito. E acrescenta: "Além de violento, Nino não era amigo de ninguém." Nos últimos dias, provavelmente, tinha como única e eterna companheira a mulher, Isabel Romano Vieira, de uma família ligada à administração colonial e irmã do cônsul-geral da Guiné em Portugal. Foi poupada pelo comando que matou o Presidente.

Para Costa Dias, "a fragilidade de Nino Vieira veio dar um novo papel, de conselheira, a Isabel Vieira, que contudo teve sempre um papel importante". E que esteve com Nino até ao fim.


__________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. 7 de Março de 2009 >
Guiné 63/74 - P3993: (Ex)citações (20): Órfãos de guerra: Rogério Soares, aos dois anos, em Nhabijões (Gabriel Gonçalves, CCAÇ 12)

(**) Nota curricular,constante da página do
Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008):

(i) Professor de Sociologia e de Estudos Africanos coordenador científico dos Programas de Mestrado e de Doutoramento em Estudos Africanos do ISCTE e professor visitante no Institut d’Études Politiques (Sciences Po-Paris) e na Université de Laval (Canada).

(ii) Tem desenvolvido investigações sobre as relações entre o Estado e as Autoridades Tradicionais, o “Islão Politico” e o ensino muçulmano na África Ocidental, em especial na região senegambiana (Gâmbia, Guiné-Bissau, Senegal).

(iii) Autor de vários trabalhos sobre problemáticas sociais e politicas contemporâneas da Guiné-Bissau, prepara actualmente a publicação de um livro sobre a islamização do antigo Kaabú e tem no prelo uma recolha de artigos publicados e inéditos sobre a politica colonial nas regiões islamizadas da antiga Guiné Portuguesa (1880-1930).

(v) Título da comunicação > Papel e influência das dinâmicas sócio-religiosas e políticas nos movimentos de libertação nacional na África Ocidental: o caso da Guiné-Bissau

(vi) Sinopse da comunicação

O assunto desta comunicação tem directamente a ver com as diferenças de peso, de dinâmica e de tempo de intervenção que muçulmanos e seguidores das religiões ditas tradicionais tiveram no movimento de libertação nacional liderado pelo PAIGC na Guiné-Bissau.

Trata-se, do meu ponto de vista, de um tema de grande importância para a compreensão, por exemplo, das razões sócio-politicas e político-religiosas da, globalmente, menor presença dos muçulmanos durante todo o período da luta de libertação, nas fileiras da guerrilha.

Com efeito, embora muitos muçulmanos tivessem, a título individual, integrado a guerrilha e alguns nela desempenhado papéis político-militares de relevo, durante a luta de libertação, a larga maioria dos membros do establishment muçulmano guineense (dirigentes das vários ramos guineenses da confraria qadriyya e da tijâniyya, imãs, letrados, régulos, etc.) teve um papel pouco colaborante com o PAIGC e muitos mesmo de assumido colaboracionismo com o poder colonial.

Nesta comunicação procurarei, descrevendo o quadro sócio-religioso da Guiné-Bissau e enumerando alguns dos acontecimentos mais marcantes das relações tecidas, antes e durante a luta de libertação, pelos dignitários muçulmanos guineenses com o poder colonial, questionar globalmente o papel dos vários grupos religiosos não cristãos durante a luta de libertação nacional e, numa dimensão mais precisa, aduzir elementos para a compreensão das razões da manifesta hostilidade por parte da maioria do establishment muçulmano guineense para com a luta de libertação.

Na minha opinião, as razões desta hostilidade não se radicam, no fundamental, na eventual incompatibilidade entre o Islão e o ideário filosófico-político proclamado pelo PAIGC ou na simples discordância sobre os métodos seguidos por este movimento na luta pela independência da Guiné-Bissau, mas sim em questões fundadas na política de alianças com o Estado seguida pelos dignitários político-religiosos muçulmanos guineenses e de um modo geral pelos dos países vizinhos desde os anos 1880-1890. Entroncam, na política dita do muwalat (“acomodação sob reserva”/”coabitação” com o Estado) encetada pelos dignitários muçulmanos no 3º quartel do século XIX em toda a África Ocidental e que, como o atestam, no caso guineense, a antiga “tradição” de aliança com o Estado colonial, a oposição do establishment muçulmano à luta de libertação e a “reentrada” na área do poder de muitos dignitários passado pouco tempo sobre a independência da Guiné-Bissau, transitou, nos seus contornos fundamentais, da situação colonial para a pós-colonial.

Cabral, fino conhecedor do xadrez social e político-religioso da Guiné-Bissau, tinha, bem antes do início da luta de libertação, consciência da tendência “estrutural” do establishment muçulmano para acomodar-se ao “poder do momento” qualquer que ele seja! Disse-o nos seus escritos, teve-a em atenção no delinear da estratégia de mobilização das populações para a Luta.