segunda-feira, 30 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4105: Carta aberta a... (3): Sr. gen Almeida Bruno (3): Agradecimento ao gen Almeida Bruno e a outros almeidas brunos (Pedro Neves)

1. Mensagem de José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCaç 4745/73 - Águias de Binta, Binta, 1973/74, com data de 29 de Março de 2009:

Caro Luís Graça

Cumprimentos a todos os camaradas, principalmente aos que passaram os meses de comissão na Guiné, em resorts pagos pelos nossos governantes de então e que em vez de termos vedações com arbustos e jardins floridos, piscinas e bares, suites e outros confortos a que tínhamos direito, fomos colocados dentro de vedações com arame farpado, barracas e barracões para dormirmos, em vez de camas normais, tinhamos colchões de ar, água da bolanha e água de furos, na maior parte salobra, comida liofilizada, ração de combate e tudo o que só nós sabemos, porque fomos nós que aguentámos meses e meses, todos os luxos com que nos contemplaram. Assim, com todas essas mordomias, quem é que queria sair do arame farpado, ninguem!!!

Mas tenho que agradecer ao sr. gen Almeida Bruno e aos muitos Almeidas Brunos, que por lá andavam, a preciosa ajuda que me deram, por ficar a saber passados tantos anos, que apesar de andarmos a fazer patrulhamentos, emboscadas, protecção aos trabalhos de abertura de estradas, sofrermos flagelações no mato e nos destacamentos, emboscadas e outros brindes, é que eramos BANDOS, porque ficávamos à espera que o IN viesse ao arame farpado, acordar o pessoal e isso chateava a malta.

Pura ignorância, Sr. Gen., porque para falar e dizer o que disse, o Sr. teria que, no mínimo, ter passado meses no mato e não em Bissau, no Q.G. e à noite no bar dos oficiais, a congeminar a estratégia no papel, junto dos seus acólitos, para que os BANDOS, vos guardassem as costas.

Os BANDOS não fomos nós, foram vocês, porque, quando foram visitar o destacamento em Binta, no norte da Guiné (este é apenas um exemplo e eu estava lá), a minha CCaç 4745 e outra que estava reduzida a metade e que pertencia ao Batalhão de Farim, andámos a dormir no mato (fora do arame), para que pudessem aterrar, mandar "bitates" e levantar rumo ao ar condicionado, de Bissau, nos ALOUETTS da comitiva, isto para que vossas senhorias, pudessem estar (dentro do arame), em segurança!!!

Tenho mais exemplos, mas mais uma vez agradeço ao Sr. Gen, ter divulgado o termo que eu andava à procura, pois não sabia se tinha sido combatente, guerrilheiro, herói, cobarde, assassino ou outros apelidos, que procurei durante estes anos todos, mas afinal fui chamado, juntamente com os outros camaradas, na sua maioria, de BANDOS.

Sr. Gen, tenha mais respeito por aqueles que tudo deram pela Pátria, alguns a própria vida e muitos sem saberem a razão do porquê de ali estarem e mesmo assim, defenderam com todas as suas energias, as costas de muitos, como o Sr. Gen, ou não foi assim?

Finalmente e nunca desprestigiando, as forças especiais tais como, Pára-quedistas, Fuzileiros e Comandos, até porque eu pertenci aos Rangers (Operações Especiais), devo dizer que essas forças "eram chatas como tudo", porque por duas vezes tivemos que fazer a cobertura das operações deles, na mata do CHANGALANA, (quando estávamos a fazer a protecção aos trabalhos da abertura da estrada JUGUDUL - BABADINCA) e por isso tivemos que "sair do conforto do arame farpado". Assim, tenho que concluir, que o Sr. Gen Almeida Bruno, andou na Guiné, apenas a ler possíveis relatórios, em vez de passar uns tempinhos connosco, noutros "arames farpados", que não os de Bissau!!!

Tenho muito mais a dizer, sobre alguma elite de iluminados dos oficiais generais, mas como a maior parte deles devem ter algumas luzes partidas e as que estão inteiras devem estar fundidas, dou desconto a essa gente, que não soube e não sabe dar o devido valor, a quem aguentou meses e meses de angústias, medos, desconforto, sem serem profissionais da guerra, (vocês sim, são profissionais) para que hoje possam estar vivos e dizer as baboseiras que lhes dá na gana. Por isso vemos hoje em dia, cada vez mais essa gente como "ASPORN" (Acessores de Porra Nenhuma)!!!

Luís Graça, possivelmente estamos a dar-lhe (ao Sr. Gen.) demasiada importância, ou talvez não?

Atentamente
José Pedro Neves
Ex Fur Miliciano de Op Esp
CCaç 4745 - Águias de Binta
GUINÉ
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Nota de CV:

Vd. último poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4104: Carta aberta ao sr. gen Almeida Bruno (2): Tinha pelo Gen João Almeida Bruno a maior consideração e respeito (J. Mexia Alves)

domingo, 29 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4104: Carta aberta a... (2): Sr. gen Almeida Bruno (2): Tinha pelo Gen João Almeida Bruno a maior consideração e respeito (J. Mexia Alves)

1. Mensagem de J. Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, CART 3942 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa), com data de 29 de Março de 2009:

Caros camarigos Luís, Carlos, Virgínio e todos os Atabancados

Tinha pelo Gen João Almeida Bruno, Major no meu tempo, a maior consideração e respeito.

O Maj Almeida Bruno foi a pessoa a quem pedi para sair da zona operacional do Batalhão de Bambadinca, por achar que tinha uma nítida incompatibilidade com o comando do Batalhão, e assim fui colocado na CCaç 15 dos Balantas de Mansoa.

O Maj Almeida Bruno era ou é ainda, também, amigo de um dos meus irmãos mais velhos que foi piloto da Força Aérea nos anos cinquenta.

Tudo isto para dizer que algo me ligava ao Gen Almeida Bruno, para além do respeito e consideração que me merecia.
Pois tudo isso desapareceu com esta frase do referido senhor.

Não foi uma frase infeliz!
Só o podia ser, se este militar não tivesse conhecimento do que se passava na Guiné, mas ele sabia bem e tinha acesso a toda a actividade operacional das companhias de quadrícula da Guiné.
Se havia algumas unidades, poucas, muito poucas, que se fechavam no arame, a maior parte delas cumpriam com grande risco a sua missão, indo muitas vezes para além dela.
Basta perceber que se Bissau nunca teve quaisquer problemas, era porque as unidades militares estacionadas na Guiné cumpriam o que lhes era exigido e elas se exigiam.
Aliás, a maior parte das pouquíssimas companhias que se fechavam no arame acabavam normalmente por pagar caro essa atitude.

A frase do Gen Almeida Bruno ofende-me mais que o recente artigo da Visão que fez levantar a nossa indignação.
Um jornalista, se pode ter conhecimento das coisas, pode não as ter vivido e portanto não poder aferir daquilo que notícia.

O Almeida Bruno tinha conhecimento e sabia das condições em que a maior parte das unidades militares viviam e cumpriam a sua missão, pelo que tinha de elogiá-las e ser-lhes profundamente agradecido.

Talvez Almeida Bruno devesse ter passado 9 meses no Mato Cão, enterrado num buraco no chão, sem luz e sem água, tendo por companhia a enormidade da mata envolvente e como meio de transporte um sintex a remos.
Talvez então percebesse! Mas a verdade é que ele sabia isto tudo e mesmo assim não se coibiu de proferir a aleivosia que proferiu.

Espero que o Almeida Bruno se retrate do que disse, e peça desculpa aos militares que deram as suas vidas na guerra da Guiné.
Assim talvez volte a ser na minha memória o homem que respeitei e pelo qual tinha consideração.

Julgo que deveriam ser enviadas ao Almeida Bruno todas estas mensagens de indignação dos ex-combatentes desta Tabanca Grande.
Mas também, não é pelo que um senhor militar diz, que a nossa honra e dignidade é afectada.
Quando as coisas ditas são tão longe da realidade e tão acintosas, o seu veneno acaba por cair em cima de quem as proferiu.

Abraço camarigo a todos do
Joaquim Mexia Alves
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4103: Carta aberta ao sr. Gen Almeida Bruno (1): Sinto-me muito honrado em ter pertencido a um dos tais bandos (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P4103: Carta aberta a... (1): Sr. Gen Almeida Bruno (1): Sinto-me muito honrado em ter pertencido a um dos tais bandos (José Teixeira)

1. O nosso camarada Zé Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70, que nos honra de vez em quando com as suas fabulosas estórias cheias de humanidade, enviou-nos hoje esta mensagem em tom que não é de todo o seu habitual.

Camaradas:
Como o Sr. General podia estar calado e assim não corria o risco de dizer baboseiras que nos ofendem, eu correndo o mesmo risco, mas em sentido contrário, também não me calo, porque quem cala consente.

Um abraço para toda a tabanca.
José Teixeira
Esquilo Sorridente


CARTA AO sr. GENERAL ALMEIDA BRUNO

Senhor General:

Eu sinto-me muito honrado em ter pertencido a um dos tais “bandos” que vaguearam pela Guiné e se “escondiam” atrás do arame farpado muito calmamente à espera que o inimigo nos viesse visitar. Outros, com muito mais categoria e responsabilidade o faziam no ar condicionado e longe do perigo, escondidos em Bissau.

As suas afirmações foram a resposta à questão que me perseguia desde o dia em que pisei o “tchão” da Guiné. Agora entendo o porquê de durante dois longos anos que por lá andei em bando (felizmente não era de malfeitores – provam-no a forma como tenho sido recebido pelas populações que tenho visitado ultimamente ). Porque é que os oficiais do Q.P. eram aves muito raras no teatro profunda da guerra?

Lá nos locais por onde andávamos, e lutávamos em nome de uma Pátria, e chorávamos de desespero ao vermos os camaradas caírem, e partirem para a eternidade ou feridos gritarem pela mãe e se agarrarem a pagela da Mãe do Céu última esperança de salvação, ou, de medo por sentir que o próximo podia ser qualquer um de nós.

Lá nesse inferno conheci poucos. O Capitão Rei (dos Lenços Azuis) e os Majores Carlos Azeredo e Carlos Fabião de quem guardo, e, creio mesmo muitos camaradas dos tais bandos estarão de acordo comigo, as melhores recordações e o Capitão da 15 .ª de Comandos que fazia jus em partir com os seus homens para o mato, tropa especialista que me habituei a admirar, pela coragem e abnegação, mas que pelos vistos também fazia parte dos tais bandos.

Constou-me que havia um capitão do Q.P. em Gandembel, mas estranhamente nas vezes que lá fui (o bando às vezes fazia umas pequenas saídas para se divertir) estava sempre para Bissau.

Havia ainda um outro, o senhor mesmo, com a patente de capitão, que apareceu algumas vezes, vindo do céu, a acompanhar o Comandante Geral. Estou a ver a sua imagem de óculos escuros tipo James Bond, luvas brancas, botas a brilhar e de camuflado ainda virgem. Isto é, ainda cheirava a novo, nunca tinha passado pelas águas fétidas e sujas da bolanha e dos tarrafos. Não estava manchada pelo suor que nos derretia nas longas caminhadas à caça do inimigo, em operações que os senhores do Q.P controlavam e comandavam, mas, de avião. Nem surrado dos dias e noites passados em emboscadas, colado à terra vermelha e quente, onde expectantes observávamos o terreno na mira de alguém desprevenido que ousasse por ali passar... Havia ainda as colunas, que o Senhor não fazia e a massacrante e arriscada segurança na construção de estradas e depois... o descanso no serviço à segurança da Unidade.

Pode crer que fazíamos isto tudo para nos divertirmos. A prova está nos cerca de 10.000 mortos e muitos mais, feridos fisicamente nestas diversões e os que ainda hoje sofrem as mazelas físicas e psíquicas daquelas andanças.

Era este o trabalho que estes bandos de que o senhor falou com tanto desdém faziam na Guiné, mas para quem estava em Bissau, nas bolanhas de alcatrão e casernas de ar condicionado, não era nenhum trabalho especial. Pelo menos servíamos para isolar Bissau do perigo da presença armada do Inimigo por perto, podendo os senhores da guerra, dormir descansados. Dê-nos pelo menos esse mérito, senhor general.

Deixe-me dizer-lhe ainda, que agora entendo porque razão a classe militar e a classe politica, dá o mais profundo desprezo aos combatentes que tanto deram pela Pátria, abandonando-os à sua sorte.

Quantos de nós ainda sofre na pele as mazelas do que viveram na guerra.

Quantos de nós não consegue dormir uma noite em paz, perseguido pelos fantasmas que ganhou (as medalhas) na guerra.

Quantos de nós tem uma vida destabilizada, pessoal e familiar, pelas doenças do foro psicológico que persistem e os inibe, por exemplo, de trabalhar de se relacionarem como pessoas com pessoas.

Quantos de nós procuram no álcool e nas drogas um lenitivo que faça esquecer.

E os que ficaram no terreno em campas perdidas no mato. Esquecidos de todos, menos dos camaradas e da família que não consegue fazer o luto e mantém a dúvida.

Agora entendo senhor general, nas suas palavras a razão de tantas perguntas que, nós os combatentes, fazemos a nós mesmos e para as quais não tínhamos resposta – Afinal éramos uns bandos armados a mamar o sangue da Pátria.

Que tristeza ouvir da sua boca, da boca de um distinto general de óculos escuros, tanta baboseira.

Até o General Spínola, que me habituei a respeitar como um comandante dos que há poucos, por este mundo fora e tanta consideração expressava por nós a tropa macaca, deve ter dado umas voltas no caixão e se pudesse lhe arrancaria os galões, como fez a alguns que considerava indignos de os usar.

José Teixeira
1.º Cabo enfermeiro
Guiné 1968/1970
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Guiné 63/74 - P4102: Os nossos camaradas guineenses (6): Amadu Djaló, as memórias de um comando africano (Virginio Briote)

Operação Ametista Real


Tropas de Comandos Africanos assaltaram, por volta das 8h00 do dia 19Mai73, a base de Cumbamory, no Senegal, logo após uma parelha de Fiats G-91 ter procedido ao bombardeamento da área de acção.

Colhidas de surpresa, forças do PAIGC e militares do Exército Senegalês tentaram rechaçar o ataque e empurrar os comandos para a fronteira. Fardas, equipamentos, armas, combatentes (todos negros, excepto os 4 oficiais brancos que enquadravam os cmds africanos), quase tudo igual.

Os comandos para se orientarem e não se perderem uns dos outros, no meio da confusão, gritavam "Comandos", "Comandos"... Ouviam-se apitos e o capim ardia.

Os cmds portugueses tinham recolhido e juntado os foguetões apanhados na base. Quando o fogo os aqueceu, seguiram como torpedos pela bolanha…

Estas não são histórias para contar, a não ser através da escrita do Amadu. A verdade é a confusão que ele descreve, muito longe da ideia de combate organizado com forças de um lado e de outro. Não, aqui tudo é um inferno, como ele diz, em que às tantas não se distinguem amigos de inimigos.

(...) Havia que sair rapidamente de Guidaje. Com os efectivos do BCmds, o nº de militares ultrapassava os 300 homens, dentro do aquartelamento. O que seria um desastre para as NT, se a povoação fosse atacada, e as retaliações eram esperadas. Não havia tempo para recuperar.

O Major Almeida Bruno decidiu seguir na direcção de Binta. Ainda pensaram seguir directamente ao Cufeu, para desencadearem um ataque a uma possível localização da base de lançamento de Strela, segundo a informação da FAP. De facto, parece ter sido a primeira ideia que veio à cabeça do major A. Bruno e terá chegado mesmo a apontar a Cufeu. Mas a tropa já não andava, arrastava-se.

Um dos agrupamentos, o Bombox ainda chegou às proximidades do local, mas os comandos não estavam em condições para desencadearem o assalto. Finalmente, foi decidido seguir para Binta, até à estrada Farim - Binta – Barro. E foi aí, que foram recolhidos em viaturas e transportados para a LDG, comandada pelo 1º Tenente Bilreiro.


Do diário de Amadu Bailo Djaló, Sargento e comandante de um dos grupos da CCmds Africanos, chefiada pelo Tenente Abdulai Queta Djamanca, transcrevo a passagem abaixo:



Amadu Djaló e Adriano Sisseco, em Brá, em 20 de Junho de 1966, na cerimónia da extinção da CCmds do CTIG. Foto de vb.

Chegada a hora, partimos, decididos, não me lembro de olhar para trás, na direcção da estrada Farim-Binta. O objectivo desta etapa era Binta. O calor começou a apertar e ainda era de manhã. As baixas começaram a surgir, sem ataques armados. Alguns afrouxaram a marcha, um ou outro caiu.

Era para aí meio-dia quando o major Bruno mandou fazer um alto para o pessoal descansar um pouco. Trinta minutos, mais ou menos depois, recomeçámos a marcha. Escrever sobre o calor que fazia, não adianta. Toda a gente da Guiné sabe como é.

A marcha forçada estava a ser difícil para alguns colegas, até o guia se foi abaixo. A partir de certa altura, o comandante Bruno e eu fomos para a frente, eu a abrir a coluna, o nosso major em segundo, o segundo guia era o terceiro homem, sempre a andar sem parar, com a estrada Farim-Binta ainda longe.

Ao pôr do sol, chegámos ao local. O comandante Bruno pediu pelo rádio “cavalos” para nos virem buscar. Quando chegou a 1ª viatura, pensei que íamos embarcar. O nosso comandante, disse 'Amadu, vamos andando'. Chegou a 2ª e disse o mesmo.

Nessa altura, eu disse para mim, 'se eu sabia, ficava para trás'. Cada viatura que chegava, o nosso comandante mandava passar para trás de nós, sempre a dizer 'Amadu, vamos andando'.

Eu estava muito cansado, mesmo muito. Continuámos assim até que voltou uma viatura sem ninguém e, então, ele disse 'já não há ninguém para trás, agora é a vossa vez'.

Entrámos em Binta em últimos, com cerca de 40 homens para trás, entre Guidaje e Binta.(...)



Amadu Bailo Djaló:

(i) Nasceu em Bafatá, oficialmente em 1940.

(ii) Aos 14 anos, o irmão mais velho levou-o para Boké, para casa de um tio, de onde era natural a mãe. O pai era de Fulamori, também da República da Guiné-Conackry.

(iii) Um ano depois, com a morte do tio, regressou a Bafatá.

(iv) Aos 16 anos conheceu, pela primeira vez, Bissau e aos 17 Bolama.

(v) Desde muito jovem deu sinais de querer ganhar dinheiro e ser independente. Começou por organizar bailes e festas, juntamente com um primo, para a juventude de Bafatá, a quem cobrava as entradas. As meninas de então chamavam ao Amadu "Mari Velo".

(vi) Enquanto não foi incorporado, foi trabalhando na construção civil, primeiro no Gabu, como capataz, um pouco mais tarde em Bafatá. Estávamos em 1958.

(vii) Nos princípios de Janeiro do ano seguinte, regressou a Bafatá. Como sabia ler e escrever, foi para a campanha da mancarra. Aos 20 anos quis dar um salto, tornar-se verdadeiramente independente. Conseguiu abrir uma banca para negociar no Mercado de Bafatá.

(viii) Mas a incorporação estava à porta. Depois da recruta em Bolama, seguiu-se o CICA/BAC, em Bissau, depois Bedanda na 4ª CCaç, a 1ª CCaç em Farim.

(ix) Regressou à CCS/QG, os Comandos de 1964 a 1966, a CCS/QG, outra vez.

(x) Depois, Bafatá, no BCav (705?) conhecido pelo “Sete de Espadas”, a 1ªCCmds Africanos, o BCmds, a CCaç 21, com base em Bambadinca, o 25 de Abril.

(xi) Depois entregou a arma e começou outra história.

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Nota de vb:
1. Na operação a Kumbamory, o BCmds foi dividido em 3 Agrupamentos: "Bombox", comandado pelo cap Matos Gomes; "Centauro", comandado pelo cap Folques e o "Romeu", comandado pelo cap pára António Ramos , onde seguia o comandante da operação, o major Almeida Bruno.

2. artigo da série em

27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4086: Os nossos camaradas guineenses (5): O making of do livro do Amadu Djaló, as memórias de um comando africano (Virginio Briote)

Guiné 63/74 - P4101: O trauma da notícia da mobilização (6): Trata de arranjar o caixão, disse-me o pobre do Zé... (Manuel Maia)

O Manuel Maia à entrada da entrada da enfermaria subterrânea de Bissum Naga.

Foto: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados

1. Texto de Manuel Maia (*), ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine:

Assunto - O 'trauma' da notícia da minha mobilização (**)

Estava eu em Terras de Viriato, mais propriamente no RI 14, na qualidade de cabo-miliciano, (posto inventado pelas Forças Armadas Portuguesas para que o país tivesse sargentos a trabalhar pelo preço de soldados...), tendo por função a instrução de recruta a homens que na sua quase totalidade iriam "bater com os costados" numa das três frentes de guerra em que Portugal estava envolvido desde 61, quando recebi a notícia, esperada, da mobilização.

A "ordem de serviço" foi de 22.02.72 e no seu artigo V, da pag. 265, sob o título NOMEAÇÃO DE PESSOAL PARA O ULTRAMAR, reproduzia a imposição de qualquer olissiponense figura, em enviar este vosso amigo, primeiramente para a cálida planície alentejana - mais propriamente como inquilino temporário do antigo convento entretanto transformado em quartel designado por RI 16 - para aclimatação(?) aguardando voo para a nossa querida Guiné.

Acabaria por ser interessante a minha passagem por Évora, cidade de que aprendi a gostar, e tive a felicidade de conhecer o comandante da unidade mais castiço que se possa imaginar...

De nome J... A... Pinheiro, coronel, tinha a seu cargo a bandeira da defesa dos cabos-milicianos(ao que constava teria uma filha casada com um...) e algumas vezes fazia reuniões com todos os graduados do batalhão 4610, "obrigando" o seu ajudante de campo a ler as inúmeras exposições que fazia para o ministério da tutela,reclamando a extinção do posto e promoção automática a furriéis,logo que acabada a especialidade, dos formandos do curso de sargentos milicianos...

Era um homem bom que estaria, creio, já bastante perturbado, provavelmente pelos etílicos vapores e, porque não dizê-lo,reflectindo ainda a vivência de campanhas anteriores...

Naquele 22 de fevereiro fomos quatro os recrutados para África, o Moreira e o Martins para Angola, e este vosso amigo e o Navega para a Guiné.

Fomos muitos a tomar estes destinos bem como Moçambique, nos outros dias em que
nas secretarias das companhias, nos eram entregues as cópias das "ordens de serviço".

Ao meu grande amigo José Galeão, meu colega do Instituto Comercial do Porto calharia em sortes aquilo que sempre aspirara,Angola... Tinha lá familiares que depois lhe arranjariam colocação em zona de paz...

Quando me saiu Guiné na rifa,disse-me: "Trata de arranjar o caixão"... Coitado do Zé acabaria por morrer sob um montão de toros de árvore num estúpdo acidente...

No dia seguinte seria o Barbosa que foi para o Biambe e o meu homónimo de Coimbra que rumou para Encheia (as outras duas companhias operacionais do nosso batalhão de Bissorã).

Foi a sorte de cada um, pois o Maia de Coimbra acabaria por levar um tiro de ricochete que lhe anulou a visão de um dos olhos e criou problemas de mobilidade...

Penso nisto muitas vezes... E se não tivesse ido para a Guiné, como seria?

Necessariamente diferenta mas poderia ter sido bem pior,muito mais traumatizante...

Assim, a sorte, destino, acaso, eu sei lá que mais, proporcionou-me o prazer que hoje tenho de estar aqui a conversar com a malta da Guiné, coisa que não acontece com o "pessoal de Moçambique ou Angola" ...

As visitas ao novo país, já efectuadas por muitos camaradas, evidenciam uma diferença pela positiva no trato daquelas gentes e no seu relacionamento connosco.

Enquanto não for viável a concretização do sonho de lá regressar,um dia, vou podendo trocar impressões com os tabanqueiros graças ao Luís, ao Vinhal e ao Briote que nos facultam este espaço extremamente saudável que de quando em vez sofre um ligeiro abalo para comentar as atoardas dos bandos de Almeidas Brunos (...).

Tenho muito orgulho de ter sido um guinéu, combatente entre tantos. Se não fossem as sortes, não teria a sorte de ver o fabuloso Cumbidjã, o imenso Geba, e sobretudo a afabilidade daquelas gentes com quem lidámos.

Hoje estou agradecido ao destino por me facultar conhecer a Guiné. Apesar de ser considerada a pior das três frentes, não posso dizer que tenha ficado traumatizado...

Obviamente não gostei, teria preferido rumar a S. Tomé ou Timor, mas...

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

Vd. último poste da série > 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4095: O trauma da notícia da mobilização (5): Quatro depoimentos (Magalhães Ribeiro)

Guiné 63/74 - P4100: Blogpoesia (34): Regressei um dia / lavando a alma na espuma das lágrimas... (António Graça de Abreu)

António Graça de Abreu,
Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura
Lisboa: Guerra e Paz Editores,
2007, pag. 11

Durante dois anos, nas terras da Guiné,
a espingarda a tiracolo, aos pés da cama.
Lá fora, o calor, o canto das cigarras, o cheiro da guerra.
Éramos uma pátria infeliz combatendo um pobre povo,
na bolanha, no mato, no tarrafo dos rios.
O medo, os suores, a coragem, a amargura, soldados retalhados, queimados, encharcados em sangue,
homens sem cor e sem ventura.
Imberbes e puros como os guerreiros de Alcácer-Quibir,
as espadas de fogo dilacerando o bater dos corações.
Regressei um dia,
lavando a alma na espuma das lágrimas.

António Graça de Abreu
__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Blogpoesia > 27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4087: Blogpoesia (33) : O bardo de Cafal Balanta (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P4099: Poetas da guerra colonial, amanhã em Coimbra, com um abraço ao Vasco da Gama (José Brás)

1. Mensagem que o José Brás acaba de mandar ao Vasco da Gama (*):


Achas que posso dizer-te que desde o início das minhas visitas à Tabanca Grande tomei nota do nome de uns escritos de que gostei logo?

Pela qualidade que tens a juntar as palavras para que elas digam o que é importante sem desperdícios, sem rodriguinhos, buscando a verdade sem dela fazer dogma, respeitando-a somente e às regras da construção literária.

Pela raiva que às vezes não és capaz de esconder face a brutalidades e a cinismos baratos.

Sei lá, talvez porque pisámos também o chão comum de Cumbijã, de Colibuia, de Mampatá, de Aldeia Formosa, em tempos diversos, é certo, se isso do tempo tem alguma importância na construção do modo.

Enfim… Mas quero dizer-te que “magnífico” é, apenas, o senhor reitor da universidade, neste caso, de Coimbra.

E também que, a meu ver, apesar de tudo, melhor é que se ergam estas iniciativas do que sentir calada a voz da memória.

Enviei à Dr.ª Cristina uma mensagem a dizer que muito gostaria de lá estar amanhã…mas não posso e que, ainda assim, lhe juntava alguns textos meus que não alcançam o valor para passar na “faculdade” por falta de amparo do talento (**).

Goza um bom dia e não te encolhas. Não se pode passar a vida calado com medo de errar e, por isso, nunca acertando.

Um abraço

José Brás

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4097: Dar uma aula, em Coimbra, aos poetas que escrevem sobre (mas não fizeram) a guerra (Vasco da Gama)

(**) Vd. postes de poesia do José Brás:

9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3858: Blogpoesia (30): Em Cutima, tabanca fula... (José Brás / Mário Fitas)

25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4078: Blogpoesia (32): João, 20 anos, apto para todo o serviço... (José Brás)

Guiné 63/74 - P4098: Tabanca Grande (129): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Sold Radiotelefonista, Condutor Auto e Escriturário, QG/Bissau, 1968/70

1. Mensagem de Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Soldado Radiotelefonista, Condutor Auto e Escriturário, (QG/Bissau, 1968/70), com data de 25 de Março de 2009:

Meus caros amigos Luís Graça, Virgínio Briote e Carlos Vinhal:

Começo por os saudar e dar os parabéns pelo vosso trabalho que é merecedor dum grande aplauso. Saúdo também toda a enorme tabanca que faz parte deste BLOGUE, a que aderi como visitante quase diário, desde que tomei conhecimento dele num Convívio de Ex-combatentes da Guiné em Esmoriz, já lá vão cerca de 3 anos. Não tenho participado por ter uma vida muito activa, mas como o tema (*) era convidativo, aqui estou... mas vou começar pelo princípio.

Agora há que fazer as apresentações da praxe, então aí vai:

MANUEL JOSÉ RIBEIRO AGOSTINHO, ex-Soldado de Infantaria com a Especialidade de Radiotelefonista/Condutor Auto, (Escriturário).

No CTI da GUINÉ estive sempre em BISSAU, mas lá iremos mais tarde.

Sou natural de LEÇA DA PALMEIRA, terra onde resido. Sou casado com a ELISABETE, temos duas filhas e duas netinhas.

Junto as minhas fotos como ditam as regras.

Sobre a minha mobilização para a GUINÉ, começo por fazer uma introdução, o início da incorporação que me levou a tirar a recruta em Espinho (GACA-3), sendo de seguida recambiado para Lisboa (BC-5) para tirar a especialidade de Radiotelefonista, para vir depois novamente para o Porto (CICA-1) tirar a carta de condução de Ligeiros, para depois ainda no Porto seguir para o (RC-6) tirar a carta de Pesados. Depois destas especialidades todas, voltei a Lisboa ao BC-5.

Voltei a ser colocado no Porto no (RI-6), onde começou a etapa da minha vida militar que teve reflexos futuros. Passo a explicar.

Chegámos num sábado de OUTUBRO de 1967 a Lisboa, um grupo de 7 militares do meu pelotao para sermos distribuídos por diversas unidades, sabendo eu nesse dia que viria novamente para o Porto. Passei um bom domingo com os amigos de Matosinhos que tinham tirado as mesmas especialidades, o José António e o Humberto Vieira Pereira que iam para outros destinos no Alentejo, mas para diferentes unidades. Divertimo-nos imenso, fomos ver um Benfica-Leixões e a seguir um jogo de hóquei em patins no Benfica de LIVRAMENTO. Muitos copos até dormir no cinema e dormir no quartel, até que chega a segunda de manhã e acordam-me para as despedidas. Lá me despedi deles e infelizmente do Humberto, pessoalmente para sempre, pois viria a falecer em fins de 1968 em Bambadinca.

Abro um parentesis para contar esta pequena história.
Estando eu em Bissau e ele no mato, trocávamos correspondência com frequência. Certa ocasião, uns dias depois de ter estado comigo, tendo-lhe escrito um aerograma como era habitual, o mesmo veio devolvido sem explicações. Mais tarde vim a saber por um colega de Bambadinca que tinha levado com uma roquetada dum cubano, quando ia buscar água à fonte fora do quartel. Gostaria, se alguém tiver dados mais concretos, que me dessem mais notícias sobre este caso.

Mas, então a seguir a essa segunda-feira, depois de acordar, alguém me vem dizer que afinal já não ia para o Porto, mas para Bragança. Protesto daqui, protesto dali e consigo dar a volta ao assunto e desfazer a panelinha que tinham cozinhado. Como eu tinha a melhor nota dos sete colocados acima de mim, impus a minha razão, com a ajuda de um alferes que me levou ao Capitão e que mandou sacrificar outro, ao sargento da secretaria.
Naquele momento tudo ficou para mim em ordem, mas mais tarde teve os seus reflexos quando me quiseram mobilizar.

Regressei então ao Porto e passei a trabalhar na secretaria do RI-6 até que, já em Abril de 1968 e tendo já quase todos os da minha especialidade avançado para o Ultramar, pensando eu que ja não iria, apareceu uma carta da Repartição de Mobilizados, com conhecimento ao RI-6, a dizer que eu não estava nem em Bragança nem em Abrantes, onde devia estar. Passaram mais uns dias e lá estava eu a avançar para Abrantes com destino a embarcar para a Guiné.

Quando soube da notícia fiquei pior que estragado, pois tinha namorada e ter que avançar assim, sem mais nem menos, tornava-se pesado. Dar a notícia em casa aos meus pais foi duro, só eu sei como a minha mãe sofreu. No dia seguinte, quando acordo, mais uma bomba em casa. Na Guiné tinha desaparecido o meu vizinho Rui Rafael da CCS/BCAV 1986 em BUBA. Algum tempo mais tarde, outra notícia negativa, desapareceu o Sargento da Marinha, Lamarão, na Guiné, amigo do meu Pai.

Rui Rafael Moreira, à esquerda, que esteve preso em Conakry e foi libertado dutante a Operação Mar Verde, apesar de emigrado em Espanha, esteve presente no I Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos. À direita José Oliveira (Mestre Zé Cartaxo), ele também um dos organizadores destes Encontros.

Devem estar a ver a minha mobilização com tantos festejos e desde fins de Abril até 10 de Agosto, tempo que demorou até que embarquei em rendição individual no n/m ALFREDO DA SILVA em Lisboa, passando por casa (Porto de Leixões), Cabo Verde (Mindelo e Praia) até que cheguei a Bissau, no dia 20 de Agosto de 1968, com destino a uma companhia que gostaria de saber qual (?) , que tinha vindo embora a 18/08/68, dois dias antes no UIGE.

N/M Alfredo da Silva pertencente à Sociedade Geral

Foto retirada do site Navios no Sapo, com a devida vénia.


Vista aérea do Porto de Leixões, reconhecendo-se as povoações de Leça da Palmeira e Matosinhos, respectivamente a Norte e a Sul da zona portuária

Por agora ficamos por aqui, prometo voltar mais tarde.

Um abraço para todos
Ribeiro Agostinho


2. Comentário de CV

É com particular alegria que recebo na nossa Tabanca, muito mais que um camarada, um amigo de longa data.

Tivemos caminhos paralelos, ele no Liceu, eu na Escola Industrial, ele com empregos no Privado e eu na Função Pública. Ele a vir embora da Guiné e eu a ir para lá.
Ribeiro Agostinho é hoje um respeitado comerciante de máquinas ferramentas, sempre disponível para ajudar os amigos, que lhe custam por vezes as suas horas de descanso.
É o principal incentivador dos Encontros anuais dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, a ele se devendo a organização dos mesmos (**).

Sabendo-o um leitor diário do nosso blogue, sempre o incentivei a entrar para a nossa Tabanca Grande, ao que ele respondia estar a pensar, mas que o tempo livre lhe é escasso e achava que tendo cumprido a sua comissão só em Bissau, se sentia mal entre os operacionais.
Fiz-lhe ver que na guerra tinha de haver gente em todo o lado. Os mais sortudos ficavam em Bissau ou iam para o mato, não lhes acontecendo nada e os menos afortunados, mesmo em Bissau, morriam de acidente ou doença. Quem ia para o mato, além da doença e dos acidentes, tinha a morte por perto quando em situação de combate.
Não podemos monesprezar o trabalho de quem em Bissau tratava dos nossos vencimentos, da nossa alimentação, dos sobressalentes para as nossas viaturas, do nosso correio e, muito, mas muito importante, de quem nos recebia, quando feridos com mais ou menos gravidade, chegávamos ao Hospital.

Sei que o Ribeiro Agostinho organizou uma tertúlia de Matosinhos em Bissau, onde eram recebidos todos os matosinhenses, sendo-lhes minimizado o efeito da chegada a um sítio desconhecido. Quem não se lembra da alegria que era encontrar um conterrâneo por aquelas bandas?

Não vou pedir ao Agostinho que conte as suas aventuras enquanto combatente, mas que nos conte como reagiam os nossos conterrâneos quando o viam. Não podemos esquecer que ele estava na Secretaria do QG e que pelas suas mãos passava toda a correspondência não secreta, logo sabia quem chegava e quem partia, principalmente os de rendição individual, os mais traumatizados.

Caro Agostinho estás apresentado à Tertúlia. És um membro de pleno direito, quanto mais não seja, por fazeres o que ainda hoje fazes pelos ex-combatentes da Guiné.

Deixo-te o habitual abraço (virtual) de boas-vindas dos atabancados.
Será que me vais acompanhar no próximo encontro da Tertúlia? Deves-me esta.

Ribeiro Agostinho falando às tropas, no III Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, realizado no passado dia 7 de Março de 2009
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4075: O trauma da notícia da mobilização (2): No dia da minha inspecção, ali estava eu, em pelota... (Joaquim Mexia Alves)

(**) Vd. poste de 14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4030: Convívios (100): III Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, dia 7 de Março de 2008 (Carlos Vinhal)

Vd. último poste da série de 29 de Março de 209 > Guiné 63/74 - P4096: Tabanca Grande (128): Orlando Pinela, militar da CART 1614 (Guiné, 1966/68)

Guiné 63/74 - P4097: Dar uma aula, em Coimbra, aos poetas que escrevem sobre (mas não fizeram) a guerra (Vasco da Gama)

1. Mensagem de Vasco da Gama (aqui na foto, no lado direito, num briefing local com Spínola, no dia 14 de Abril de 1973, em Cumbijã) que, por razões de saúde, tem estado infelizmente afastado do nosso blogue.

Recorde-se que o Vasco, reside na Figueira da Foz, tendo sido Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74:


Comandante Luís Graça,

Não te vou referir novamente a debilidade que me tem impedido de participar activamente na nossa Tabanca. Cinjo-me apenas à informação que acabo de receber respeitante ao seminário de amanhã na Universidade de Coimbra, subordinado ao tema Poesia da Guerra Colonial.

De pronto me inscrevi! Não sei como me vou deslocar, mas lá estarei, desarmado. Sim desarmado! No meio daquela intelectualidade toda, o que vai fazer um artista como eu que é incapaz de fazer um verso? Vai ouvir e, se for caso disso, dizer dos inúmeros poetas que o nosso blogue tem. Dizer das inúmeras poesias que temos publicado na nossa Tabanca e da pena que sinto da nossa Tabanca Grande não estar representada, no mínimo, para dar uma aula aos poetas que não fizeram a guerra. Somos, neste contexto, A OUTRA FACE DA POESIA! (**)

Vou levar debaixo do braço o Tigre Vadio do Mário Beja Santos e servir-me dos Doze contos do barqueiro de Caronte (Luís Graça) ?
Vou levar alguns versos do Zé Manuel de Mampatá? (***)
Vou referir-me ao nosso bardo Manuel Maia?
Vou aconselhar a leitura do nosso magnífico José Brás?

Porventura calar-me-ei e serei mais "um flamingo branco, tingido de vermelho" (Luís Graça) (****)

Um abraço

Vasco da Gama

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Vasco:

Vai, vai, que desanuvias, que te faz bem... Vai e representa-nos, o melhor que souberes e puderes, a todos nós, tabanqueiros, que aqui se expressam em prosa ou em verso. Lamento não poder estar contigo, amanhã, na Lusa Atenas, para ouvir os poetas e os seus críticos, os que falam da guerra que tu e eu fizemos... Não vais estar só: o Josema, o nosso Zé Manel, da Régua, também irá ter contigo. Precisa de ir a Coimbra levar a filha que é estudante e entregar vinhos a clientes. Aproveita então para ir amanhã de manhã.

Podes apresentar aos senhores Professores de Coimbra o nosso poeta de Mampatá, de Nhacobá, de Colibuía, de Salancaur, tudo lugares que não fazem parte da geografia nem do imaginário dos poetas da Academia... Diz-lhe que havia um poeta, no sul da Guiné, que escrevia um poema para cada dia, nos já idos anos de 1972, 1973 e 1974... E que um belo dia, numa fúria autodestruidora, já na erssaca da guerra, destruiu pelo fogo dois terços do seu espólio literário... É poesia chã, singela, intimista, mas que cala fundo no peito da gente... Diz-lhe que temos mais malta que escreve versos, desde o Zé Teixeira ao Magalhães Ribeiro... Diz-lhe que até temos Cancioneiros populares, onde se escrevia poesia com erros de ortografia... Poderemos não ter direito a antologia, mas já escrevemos um dia (ou ainda escrevemos hoje) versos onde a guerra destila pelos poros... Dá um abraço à nossa madrinha de guerra, Cristina Néry. Deseja-lhe bom trabalho. Agradece-lhe a atenção que nos tem dedicado. Um Alfa Bravo para ti e para o Josema. Boa viagem.

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4093: Agenda Cultural (5): Poetas da guerra colonial em conferência internacional, Coimbra, CES/UC, 30/3/2009 (Cristina Néry)

(**) Vd. postes da série Blogpoesia:

27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4087: Blogpoesia (33) : O bardo de Cafal Balanta (Manuel Maia)

25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4078: Blogpoesia (32): João, 20 anos, apto para todo o serviço... (José Brás)

15 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4037: Blogpoesia (31): Quando eu era menino e moço... (Manuel Maia)

9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3858: Blogpoesia (30): Em Cutima, tabanca fula... (José Brás / Mário Fitas)

31 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3688: Blogpoesia (29): Este ano não mandei cartões de boas festas a ninguém (Luís Graça)

28 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3672: Blogpoesia (28): O Menino Jesus chinês (António Graça de Abreu)

25 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3669: Blogpoesia (27): A velha Amura dos tugas (Luís Graça)

26 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3243: Blogpoesia (26): 35 anos de Guiné-Bissau: A minha contribuição para a tua festa, meu irmão, minha irmã (Luís Graça)

11 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3193: Blogpoesia (25): Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma a uma madrinha de guerra (Luís Graça)

6 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3178: Blogpoesia (24): A minha pequenez é que era uma tristeza (Rui A. Ferreira)

4 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3169: Blogpoesia (23): Amálgama de sentimentos e emoções...(Rui A. Ferreira)

6 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3115: Blogpoesia (22): No mesmo navio, piscina e música em camarote de 1ª, suor nos porões...(José Belo).

[Houve um salto na numeração, de 10 para 22]

30 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2701: Blogpoesia (10): Olhando para uma foto minha, no Mato Cão, ao pôr do sol, com o Furriel Bonito... (Joaquim Mexia Alves)

27 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2589: Blogpoesia (9): Sangue derramado (José Manuel, Mampatá, 1972/74)

27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

12 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2259: Blogpoesia (7): Nas terras de Darsalam, no Cantanhez, adormeceste, para sempre, como herói, meu querido Sasso (J.L. Mendes Gomes)

7 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2248: Blogpoesia (6): África Raiz, de Fernanda de Castro

16 de Outubro de 2007 > Guiné 63774 - P2180: Blogpoesia (5): O vigésimo sexto aniversário de um gajo nada sério, Missirá, 6 de Novembro de 1970 (Jorge Cabral)

23 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2125: Blogpoesia (4) : A morte do pássaro de areia (Luís Graça)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2009: Blogpoesia (3): Explorador ? Mineiro ? Não, um Soldado ! (Jorge Cabral)

18 de Julho de 2007 > Guine 63/74 - P1964: Blogpoesia (2): O Combatente (Magalhães Ribeiro)

17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1963: Blogpoesia (1): O embondeiro do Cachil (J. L. Mendes Gomes)

(***) Vd. a série Poemário do JoséManuel (o único de nós que escrevia diariamente poesia, durante a sua 'comissão de serviço' no CTIG, entre 1972 e 1974):

Vd. último poste > 11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4011: Poemário do José Manuel (27): Um ruído vem do céu / e há cabeças no ar, / hoje é dia de correio...

(****) Vd. também blogue de poesia de Luís Graça >Blogpoesia

Vd. algumas dos poemas de temática ligada, directa ou indirectamente, à guerra colonial:

A morte do pássaro de areia

Alá não passou por aqui

Cais de partida(s)

Conto(s) do barqueiro do Geba

Descansa em paz, Iero Jau

Esquecer a Guiné

Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma a uma madrinha de guerra

Jogava-se à bola, domingo à tarde, na minha aldeia

Luanda (re)visitada

Morreu um pretinho da Guiné

O Relim não é um poema

Os meninos da Ilha de Luanda

Quando os ventos sopram em Assuão

Rua da Conceição, nº 100, ou o poema do marinheiro sem mar

SOS, Mare Nostrum

Uma estranha forma de morte

War is over, baby

Guiné 63/74 - P4096: Tabanca Grande (128): Orlando Pinela, militar da CART 1614 (Guiné, 1966/68)


1. Comentário de Orlando Pinela no Poste 3986:

Luis Graça, após contacto com o blog e sendo um visitante assidúo, ao mesmo venho apresentar-me:

Fui combatente na Guiné e subscrevo os comentários do Tony Grilo enviados do Canadá.

Então com toda a liberdade aí vai: sou Orlando Pinela da CART 1614 e fui ferido em Setembro de 1967 em Cabedú. Para avivar a memória, era o Quarteleiro.
Deixo o meu endereço electrónico - opinela@gmail.com


2. Mensagem enviada em 8 de Março de 2009 a Orlando Pinela:

Caro camarada Pinela
Já que te identificaste como ex-combatente da Guiné, não queres entrar para a nossa Tabanca Grande?
Se assim o entenderes manda uma foto do teu tempo de tropa e outra actual, tipo passe de preferência, em formato JPEG. Diz-nos qual foi o teu posto militar, especialidade, Unidade a que pertenceste na Guiné, anos de comissão e tudo o mais que achares útil para te conhecermos.

Ficamos à espera de notícias tuas.
Recebe um abraço do camarada
Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné




3. Mensagem de Orlando Pinela, CART 1614, Guiné 1966/68, com data de 24 de Março de 2009:

Boa tarde e saudações cordiais do camarada Pinela.
Aí vai o meu pobre historial militar.

Fiz a recruta na Serra da Carregueira no 1.º turno de 1966, tendo tido uma recepção excepcional como faxina à cozinha. Nunca tinha visto tanta loiça, era um autentico Hotel de *****, os quartos eram todos duplos e tinham uma média de 160 camas.

Esses dois meses, além da chuva e do frio, tudo passou sem grandes sobressaltos além de alguns roubos de equipamento.

Como já estávamos naquele Resort há muito tempo, todos fomos à vida indo eu parar ao Entroncamento, terra muito conhecida pelos combóios, talvez fossem mais os militares que a população. Aí sim, tive uma rececpão estupenda de boas instalações, no quarto de vez em quando, como o mesmo não era muito grande, era necessário desviar as camas para passar o combóio e também não eramos muitos, mais ou menos uns 300.

Assim chegou o mês de Agosto, fim da especialidade e nova mudança sempre a fugir para o Norte.

Agora sim fui para uma cidade estupenda, a capital de Trás-os-Montes, Vila Real, condições acolhedoras e condignas e uma excelente camaradagem, ficando a fazer serviço no material de Guerra, tendo quase todos os dias a visita do senhor Comandante da Unidade (RI13), um homem com dignidade e de bom coração.

Como também sou Trasmontano da região de Bragança, muitos fins de semana lá ía a casa para encher as peles. Assim pelo fim de Setembro acabou a estadia nesta unidade e rumando para uma cidade a Sul do Rio Douro, Vila Nova de Gaia, já com o bilhete na bagagem para novos rumos. Estive três dias na Serra do Pilar até me reagrupar à Companhia. Mais uma vez fui conhecer novas caras, pois nem uma alma conhecida. O Bart 1896 integrava as Carts 1612, 1613 e 1614, tendo passado por uma Bateria em Leixões até ao treino operacional em Viana do Castelo com o embarque a 12 de Novembro de 1966.

Esta discricção é em traços largos a minha passagem pelo Serviço Militar no Continente, talvez não seja muito importante para os camaradas do blog, mas é o começo da minha apresentação.

Dentro de dias vou começar a escrever a minha singela passagem por terras da Guiné.

Despeço-me com um abraço para todos os camaradas da Tabanca Grande e em especial ao camarada Carlos Vinhal em ter pachorra para me aturar.

Um abraço
Orlando Pinela


4. Comentário de CV

Caro Pinela, bem-vindo à Tabanca Grande.

Descreveste de uma maneira curiosa os teus primeiros tempos de tropa e com algum humor. Era a melhor maneira de encarar a situação.

Quando mandares a continuação da tua carreira, não te esqueças de referir o teu Posto e Especialidade e, locais por onde andou a tua Companhia.
Tiveste a má sorte de teres sido ferido, conta-nos como em que circunstâncias aconteceu isso. És considerado DFA?
Esqueceste-te de enviar as fotos da praxe, mas fá-lo-ás brevemente, concerteza.

Para tua informação, este teu camarada, mora a pouco mais de 1 quilómetro do local onde havia a tal Bateria de Artlilharia Anti-Aérea Fixa de Leixões, por onde passaste, hoje desactivada e local de uma urbanização habitacional.
De pequenito, me lembro de ver passar os tropas em passo de corrida pela minha rua, a caminho do quartel.

Esperando a tua colaboração, deixo-te um abraço em nome da Tertúlia.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4080: Tabanca Grande (127): Manuel Resende, ex-Alf Mil, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1969/71): como o mundo é pequeno e o nosso blogue é grande

Guiné 63/74 - P4095: O trauma da notícia da mobilização (5): Depoimentos (Magalhães Ribeiro/Hélder Sousa/David Guimarães/Juvenal Amado/César Dias)

1. Mensagem de E. Magalhães Ribeiro, com data de 28 de Março de 2009:

Guiné 63/74 - P4072: O trauma da notícia da mobilização (1): A minha mobilização para a Guiné acagaçou-me (Magalhães Ribeiro)

Amigos Luís, Vinhal e Briote,

Recebi 4 e-mails do Hélder Valério Sousa, David Guimarães, Juvenal Amado e César Dias, em resposta à provocação que lancei ao pessoal sobre o tema do recente post em epígrafe, e que anexo abaixo.

Pelo interesse das achegas e esclarecimentos, e com a permissão dos mesmos, creio que poderia constituir para a publicação de mais um post, ou dois, complementar sobre esta matéria.

À vossa consideração.
Um abraço sempre Amigo do M.R.


1 – E-mail de Hélder Valério Sousa, em 20 de Março de 2009

Amigo MR

Pois é claro que muita coisa se passou e muitas vezes a realidade ultrapassa a ficção.

Olha, há um livro cujo autor é conhecido, mas agora não recordo, que tem o título traduzido para português como "O valente soldado Schveik" (não sei se é assim que se escreve) e que até já foi adaptado a teatro salvo erro pelo Raúl Solnado.

Esse livro relata as aventuras e desventuras do tal Chveik (*), oriundo, também se a memória não me atraiçoa, da Boémia, região hoje da República Checa, antes Checoslováquia e na altura integrada (anexada) no "Grande Império Austro-Húngaro".

Com as várias guerras travadas e/ou também forçadas a travar por esse Império, havia necessidade de incorporar cada vez mais elementos das várias regiões "integradas", em muitos casos, na maioria, combatentes à força, a verdadeira "carne para canhão", devido ao modo como então se combatia.

Pois o livro alterna entre o dramático, o irónico e o hilariante com as diversas situações do nosso "valente soldado" quer para tentar escapar das situações mais difíceis, com artimanhas várias, quer na lábia que utilizava para dizer o que os interlocutores queriam ouvir, nem que fosse a maior parvoíce ou situação afastada da realidade.

Então as várias situações de simulação de doença ou ferimento, até as situações de automutilação estão lá retratadas e, acredites ou não, eu cheguei a ler na esplanada do Bento, para alguns amigos, essas partes mais próximas das realidades que conhecíamos da nossa estada (mais ou menos profunda) em zonas do "Vietnam", como diz o Luís, e a gargalhada era geral.

O fulano que dava um tiro no pé, quem não o conheceu? O fulano que "entalava" uma mão ou outra parte do corpo para dar baixa à enfermaria ou mesmo evacuação para Bissau, quem não se lembra de ninguém assim? E aquela receita infalível para apanhar "três cruzes" de hepatite garantida com baixa e internamento em Bissau e, quem sabe, evacuação para a Metrópole, obtida com uma semana, mais ou menos, com uma ou duas "bazoocas" e duas ou três bananas em jejum? Nunca experimentaste?

Deram-me essa receita em Piche, mas felizmente a minha determinação e talvez também o facto de estar mais a recato das situações mais extremas, fizeram com que não passasse de apenas um dia para ver como sabia.

Bem, por hoje chega, vou fazer óó pois amanhã vou cedo para Lisboa.

Um abraço
HSousa


Karlovy Vary > República Checa, 2007 > Carlos Vinhal e o Valente Soldado Chveik


2 – E-mail de David Guimarães, em 20 de Março de 2009:

Bem vou falar sobre esta situação muito calmamente dizer o que me aconteceu a mim e o que na altura vi e pronto... acho que é importante não o meu caso que não serei exemplo, não sei se será bom ou não abordar este assunto - NO ENTANTO - sou suspeito sobre a matéria e direi porquê ou não - pode não ser conveniente e ser mal interpretado... Não quero polemizar as situações e contarei então que se passou comigo. Se achar oportuno darei razão por INTEIRO e eu mesmo antes da "merda" da guerra poderia ter usado todas as oportunidades e não usei, recusei e não sou herói, mas fui honesto com a minha consciência...

Um dia - já tinha a inspecção feita, por recomendação fui a uma consulta de psiquiatria, a um médico daqui do Porto célebre na Praça - já morreu...

Evidentemente que quando eu frequentava o sétimo ano (1968) comecei a ter comportamentos esquisitos. Bem, lá o médico me receitou isto e aquilo e fez-me uma recomendação - vai fazer um electroencefalograma e segundo a interpretação que lhe vou dar livro-o da tropa... Como é evidente fiz tudo e tomei os comprimidos - uns ainda hoje tomo (Diazepam 10) - mas o electro que se lixe... Ele leu e disse e eu ouvi e decidi - achei que o médico é que era maluco - e que não era bem acabado, não, isso garanto... NÃO TIVE O SENTIDO DE OPORTUNIDADE

Rejeitei totalmente na altura eu ser o único da família que não tivesse frequentado a tropa e fui claro - 22 de Abril de 1970, isso mesmo - rumo a Caldas da Rainha para o CSM - passados dois dias fiz 23 anos. Digo isto rejeitar porque - já consta no blogue o meu pai, herói de França, combatente na Batalha de La Lys (Sargento de carreira) meu irmão herói em Angola como Furriel Miliciano (Cruz de guerra) e eu... ficava em casa a beber copos de leite - coisa que nunca gostei muito... não...

Recruta nas Caldas, Especialidade em Vendas Novas e depois? Eu até tinha escrito num papel - RAP2 Serra do Pilar - V. N. Gaia. Aí a certa altura chamaram-me à Bateria e disseram - toma lá, amanhã vais para Minas e Armadilhas em Tancos. Bem no papel constava o seguinte: Por ter sido Mobilizado no BART 2917, segue para Tancos a fim de frequentar o Curso de Minas e Armadilhas o Furriel Mil... etc., etc., etc... Olhei para o papel e disse: - Porra, mobilizado para onde? Entretanto vi um camarada de recruta que tinha a Especialidade de IOL e estava a prestar serviço na secretaria do Comando - eu era Atirador. Fulano (esquece-me o nome) - vai ver para onde vai este BART 2917. Daqui a pouco, com ar pesaroso, chega-se à minha beira e diz:

- Guimarães, vais para a Guiné! - Melhor disse eu, a ter que ir que vá para a zona mais perto de Portugal.

Lá segui eu: como era evidente levei noutros nomes que eu conhecia rascunhados num papel. Cheguei a Tancos - Casal do Pote e pronto... toca a tirar o curso... entretanto tinha avisado os meus camaradas que estavam colocados na Pesada, mas tinham ficado nas unidades a dar instrução para onde era o destino deles... Éramos 200 Cabos Milicianos, nada de brincadeiras... Quase no nosso fim de Curso de Minas, sai à ordem na EPE (Escola Pratica de Engenharia) as mobilizações... Eu estava descansado outros que eu tinha avisado também, mas a maioria porra!!! Vi gente a chorar, vi gente a rir, etc., etc... Até cheguei a pensar que em Angola e Moçambique tinha acabado a guerra, porque os que riam eram esses que para lá iam e quem chorava eram os que iam para a Guiné... Mantive-me impassível e ciente só de uma coisa - todos íamos para a guerra...

Friamente terei que dizer fui e vim, outros lerparam e outros ficaram mutilados - fim.

Durante a comissão, dois pelo menos da minha Companhia vieram com a FIAAC - firma dos independente altamente apanhados pelo clima - era o que usávamos para o Xitole. Sim soldados, e foram dois, que nunca deveriam ter ido para a tropa e que já padeciam da cabeça antes de serem inspeccionados - mais nada. O resto foi e veio, salvo um Furriel que morreu - meu querido camarada Quaresma (de Algés) e outro que está cego, querido camarada Leones - vive em Lisboa - já falado no blogue ou na tabanca grande.

Vim e mantive-me a "tomar" o mesmo Diazepam - Valium 10...

Deu-se revolução dos cravos, tudo estava feliz e veio para rua... tanta burrice se fez, mas até entendo, porquê. Era o pássaro que estava na gaiola confinado a muitos limites e depois saiu - só que não soube avaliar os limites, o que era natural...

Foi só aí que se começou a ouvir falar em stress de guerra e veio lá das Américas dos veteranos do Vietname... Um dia pensei: - Se isto chega aqui aí vai haver "bichas" de stressados... adivinhei e não sou bruxo. Mais movimentos mais associações mais políticos e politiqueiros e aí está o resultado - todos temos uma pancada merecedora de um subsídio e tudo isto por causa da guerra... falo à vontade porque já fui chamado a testemunhar para um ex-militar que queria um subsídio só porque agora parece que sofre nem sei de quê... da cabeça já sofria ele então e que foi evacuado foi com uma hepatite...

Que se lixem os psicólogos, os médicos e muito mais gente que anda por aí nessas merdas... Um dos inquéritos que perguntei de imediato se estavam no gozo comigo, constava a seguinte questão: casas de banho, banhos e duches; águas e canalizações, etc., etc., etc... Perguntei ao Capitão que estava com esse processo: - Sr. Capitão quem foi o ignorante que fez esse inquérito? Possivelmente, respondeu ele a sorrir, um Alferes contratado de 22 ou 23 anos - isto foi no ano passado...

Vamos ser sérios, embora entenda que haja doentes mesmo de stress... mas não somos todos...

Porque assim não há direito... isto é uma síntese para responder e concordar com o Magalhães Ribeiro - doentes sim, mas se o oportunismo é doença então - está tudo lixado em Portugal.

NB - ENTENDO QUE ESTES ASSUNTOS DEVAM SER TRATADOS POR TU E DE CABEÇA FRIA COM O CORAÇÃO AO LADO.

AO MAGALHÃES RIBEIRO, NOSSO AMIGO, FAÇO UMA IDEIA DA DIFICULDADE QUE HÁ EM FAZER DESCER A NOSSA BANDEIRA - ISSO SIM ME FARIA MAIS DOENTE PELA CERTA.

Um abraço e preste a quem prestar este depoimento... Mas vamos ser sérios que isso sim - é dignidade que deve assistir a um antigo combatente - atendamos aos doentes claro, mas que ninguém se faça do que não é.

NOTA: A ZONA DO XITOLE FOI BEM VIVA EM GUERRA NAS DATAS QUE REFIRO 1970 A 1972... PARA QUE NÃO PENSEM QUE ESTIVE EM COLÓNIA BALNEAR.

David Guimarães
Fur Mil 17345368
At Art e Minas
Xitole 1970/1972


3 – E-mail de Juvenal Amado, em 20 de Março de 2009:

Meu caro Magalhães

Já estava preocupar-me contigo pois já há alguns dias, não aparecia nada com a tua assinatura.

Se temes ter uma tara em relação a falar da Guiné, então também eu sofro do mesmo mal.

Chego a telefonar aos meus camaradas do 3872 só para sentir a sua presença.

Em relação ao teu comentário vou tentar ler o tal poste e depois comentar. Depois te digo alguma coisa.

Um abraço
Juvenal Amado


4 – E-mail de César Dias, dia 20 de Março de 2009:

Olá MR

Tens razão, o stress começava bem antes. Quando íamos "dar o nome" para a tropa como diziam lá na minha terra (Chancelaria -Torres Novas), já a coisa começava. Depois na recruta havia gente a fazer tudo para passar aos auxiliares, um camarada do meu pelotão em Tavira andou a comer unicamente marmelada até baixar ao Hospital, conseguiu, nunca mais soube dele. Comigo parece que tudo acontecia como programado, era tudo previsível, até que um dia meti na cabeça que por ter ficado bem classificado no curso de especialidade de sapador, me livrava de embarcar porque o curso seguinte estava a sair, mas não tive sorte, o Homem do monóculo pediu dois batalhões de reforço e lá foi o Dias ainda mais rápido que o normal.

Quando cheguei a Mansoa, distribuíram-me um quarto onde sobre a porta tinha esta frase: "COM A SORNA COOPERANDO ME FUI DA LEI DA MORTE LIBERTANDO", não era bem o meu lema, mas lá me safei, como sabes nem todos encaravam a Guerra da mesma maneira, daí haver uns mais apanhados que outros, ou a fazerem-se apanhados. E HOUVE QUEM TENHA CONSEGUIDO OS SEUS INTENTOS.

Mas estás bem acompanhado com o Luís Nabais, ele está a par do que temos para ajudar os nossos camaradas que foram apanhados nessa malha.

Um abraço, Pira
César Dias
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Notas de CV:

(*) O Valente Soldado Chveik é um romance de autoria de Jaroslav Hasek, nascido em 1883 e falecido em Lipnice em 1923. Combateu sob a bandeira austríaca pela qual não nutria grande simpatia. Feito prisioneiro pelos Russos, alistou-se posteriormente no exército Checo. Foi jornalista e escritor, sendo este romance a sua principal obra.

Quanto ao soldado Chveik é a caricatura de um militar que tudo faz para fugir ao triste destino de combater pela bandeira austríaca durante a Primeira Guerra Mundial.

Quando recentemente visitei a República Checa, pude aperceber-me do sentido patriótico bem vincado naquele povo, que na sua história, conheceu a opressão do Império Austro-Húngaro, da União Soviética e ainda como território integrado, contra sua vontade, na então Checoslováquia. Voltando há poucos anos à condição de país livre e independente, como República Checa, exibe, a sua gente, um orgulho patriótico e uma cultura invejável. Um senão, a condição económica não ser muito favorável.

Guiné 63/74 - P4085: O trauma da notícia da mobilização (4): Ir em rendição individual e, para mais, 'substituir um morto'... (Henrique Matos)

Guiné 63/74 - P4094: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (5): Não esperava ouvir tal coisa (Manuel Amaro)


1. Mensagem, de 26 de Março, de Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf, CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71)

Camarada Luís Graça:

Ontem estava em casa e vi quase tudo do episódio (*). Principalmente a parte referente à Guiné, incluindo a retirada de Madina e acidente do Cheche.

Os dados já conhecia da leitura do nosso blogue. As imagens, sim, impressionaram-me.

As declarações do General Almeida Bruno deixaram-me, por momentos, sem acção. Não esperava ouvir tal coisa.

Mas é uma visão do problema. Exagerada? Talvez. Injusta? Sim, pelo menos para muita gente que deu o "corpo ao manifesto" e agora podem aparecer os familiares e amigos a dizer que o General disse... tal... e tal.

Também não gostei de ouvir o Coronel José Aparício. Até porque, a sua postura me fez lembrar os meus colegas de escola, que depois de fazerem uma "patifaria", confessavam e punham aquele ar ingénuo...

Não vi no Coronel Aparício a imagem que eu tenho dos Coronéis do nosso Exército. Eu sei que há temas muito polémicos, Madina, Cheche, Guileje... e cada um de nós tem os seus heróis e vai elegendo os seus vilões.

Tento manter-me equidistante, mas sei que é difícil.

Por isso, hoje manifesto o meu desagrado pelas declarações, tanto do General Almeida Bruno, como do Coronel José Aparício.

Um Alfa Bravo

Manuel Amaro

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Nota de L.G.:

(*) Vd postes anteriores:

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4092: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (4): Bolas, não nos deixam em paz! (Paulo Salgado)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4091: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (3): Fui desrespeitado de maneira ignóbil (António Matos)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4090: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (2): Recuso-me a ser um bandalho e um rato cheio de medo (David Guimarães)

28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)

Guiné 63/74 - P4093: Agenda Cultural (5): Poetas da guerra colonial em conferência internacional, Coimbra, CES/UC, 30/3/2009 (Cristina Néry)






Universidade de Coimbra > Centro de Estudos Sociais (CES) > Página de rosto do sítio Poesia da Guerra Colonial e programa da Conferência Internacional Poesia da Guerra Colonial: Uma Ontologia do 'Eu' Estilhaçado, Coimbra, CES, 30 de Março de 2009


1. Mensagem enviada ontem por Cristina Néry Monteiro:


Caro Luís Graça e Camaradas da Guiné,

No ambito do Projecto de Investigação "Poesia da Guerra Colonial" que está a ser desenvolvido no Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra, sob coordenação da Doutora Margarida Calafate Ribeiro, venho por este meio repetir o envio da divulgação e o convite para estarem presentes na Conferencia Internacional sobre Poesia da Guerra Colonial, que terá lugar no próximo dia 30 de Março. Em anexo envio o Cartaz, o programa e deixo abaixo o link para a página do projecto que está agora disponível on-line.

http://www.ces.uc.pt/projectos/poesiadaguerracolonial/pages/pt/agenda.php

Se, desejarem fazer um post no vosso Blogue, agradeceríamos muito e teríamos todo gosto.

Agradeço a atenção e peço, por favor, a divulgação deste evento junto de todos. E, já agora, a título pessoal, agradeço a todos e a todas aqueles que tem respondido aos meus apelos via email e via carta.

Muito obrigada.

Cristina Néry Monteiro (Investigadora Júnior no Projecto de Investigação "Poesia da Guerra Colonial"/CES/Universidade de Coimbra)


2. Notas e comentários de L.G.:


(i) Sobre o projecto Poesia da Guerra Colonial, pode ler-se a seguinte informação síntética no respectíbo sítio:

O Projecto

A experiência de Portugal na guerra colonial (1961-74) teve o seu registo estético na narrativa, dando origem a mais de uma centena de romances sobre o tema e na poesia com uma vasta e ainda não delimitada produção. Esta poesia, de autores directa e indirectamente envolvidos na guerra, e elaborada, ou no momento da vivência do evento bélico, ou em seguida, enquanto espaço de memória e de elaboração pós-traumática, carece de atenção, reflexão e divulgação.

Este projecto visa realizar uma primeira e exaustiva recolha crítica do material poético acessível, não só enquanto poesia de guerra no panorama literário ocidental e português em particular, mas também enquanto valioso testemunho subjectivo de um episódio marcante do século XX português, que modificou a própria identidade histórica de Portugal. O projecto propõe-se reunir um banco de dados amplo do arquivo poético da memória da guerra colonial e combiná-lo com uma organização de uma antologia de poemas de guerra. Trata-se de um projecto aberto à colaboração.


(ii) Eis alguns dos poemas selecionados e divulgados pela página supracitada:

Casimiro de Brito, “O fogo”
Domingos Lobo, “Os ofícios do medo”
Fernando Assis Pacheco, “Monologo e explicação”
Fernando Grade, “O meu major deveria ter sido capitão-de-mar-e-guerra”
Fiama Hasse Pais Brandão, “Sítios de campo”
Joaquim Pessoa, “Soneto anti-colonialista”
João de Melo, “Os corpos”
Luiza Neto Jorge, “Balada apócrifa”
Manuel Alegre, “Ainda”
Natércia Freire, “Guerra”
Ruy Belo, “A guerra começou há trinta e quatro anos”

(iii) O nosso blogue congratula-se com (e a apoia) esta iniciativa. Infelizmente não estamos organizados para poder estar formalmente representados na Conferência. Mas é desejável que algum dos membros da nossa Tabanca Grande, poetas ou interessados na poesia da guerra colonail, nomeadamente com residência na região de Coimbra, possam passar lá amanhã, pelo CES/UC. A inscrição é gratuita e pode ser feita em linha. Eu própriio gostaria de poder participar. Mas não tenho disponibilidade amanhã. Só soube desta iniciativa ontem à noite, quando abri a caixa de correio do blogue.

Já tínhamos seguinte previamente contactados pela Cristina Néry, em 25 de Junho de 2008.

Caro Luís Graça,

Peço desculpa pela abordagem tão directa, mas não tenho outra forma de o contactar.O meu nome é Cristina Néry Monteiro e sou Assistente de Investigação do Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra e a minha área de trabalho é justamente a temática da Guerra Colonial.

O blogue [Luís Graça & ] Camaradas da Guiné é alvo da atenção das minhas pesquisas diariamente, por diversas vezes, e, por isso, desde já aproveito para lhe endereçar os meus cumprimentos pelo interesse e entusiasmo com que ele brinda os visitantes. É um documento incandescente contra o esquecimento.

Recentemente, tive a oportunidade de conversar com o Coronel Diamantino Gertrudes da Silva, na sua casa, em Viseu, e ele insistiu no interesse de eu o contactar e aos colaboradores do blogue acerca do meu projecto, uma vez que ele julgue que me possa ser uma ajuda preciosa e muito útil.

Passo a explicar: o projecto de investigação que estou a levar a cabo intitula-se Poesia da Guerra Colonial e tem, entre outros, como objectivo a recolha de textos poéticos ou outros acerca da temática. E não me refiro apenas aos poetas que estão publicados mas sim a todos aqueles e aquelas que escreveram e escrevem sobre a guerra.

A pesquisa tem sido tremenda mas quem corre por gosto não cansa. Até porque eu própria sou filha e neta da Guerra. O meu pai esteve na Guiné em 73/74 e o meu avô, Sargento-Chefe Adelino Néry, foi militar de carreira e cumpriu várias missões no ultramar. Em suma, é nesse sentido que lhe escrevo porque julgo poder ser um contacto interessante e muitíssimo útil nessa minha recolha solitária. Solicitava-lhe então que caso tenha conheceimento de poetas, livros, textos dispersos, potenciais contactos, o favor de me enviar para esta morada de email.

Agradeço antecipadamente a atenção e continuarei a ser uma visitante atenta do blogue. Quero deixar também, em jeito de simpatia e homenagem, uma micronarrativa de minha autoria, recentemente publicada na Revista Minguante, disponível em: http://minguante.com/?num=10&textos=cristina_nery

Com os melhores cumprimentos,
Cristina Néry


No mesmo dia, recebi outro mail, com o seguinte conteúdo:

Caro Luis Graça:

Peço desculpa, mas ao mail anterior ficou por juntar mais um pedido, que procedesse, por favor, à divulgação do projecto pelos diversos camaradas, para que talvez fosse criada uma rede de contactos e interesses. Teria muito gosto em que no final desta minha vasta pesquisa pudessem figurar no obejectivo final do projecto - a publicação de uma antologia de poesia da guerra colonial o mais representativa possível dos autores existentes sobre a temática.

Muito obrigada.

Renovados cumprimentos, Cristina Néry


Na altura, com a caixa de correio entupida, e os afazeres bloguísticos, não nos foi possível dar a melhor atenção a este pedido de colaboração que, no entanto, foi recebida por nós com simpatia. Espero que, de futuro, posssamos dar continuidade a este contacto. Congratulamo-nos pelo facto de ver a filha de um camarada nosso eleger a poesia da guerra colonial como um tema de investigação académica. Agradeço-lhe as palavras amáveis com que se refere ao nosso blogue. Peço, por outro lado, aos nossos poetas (e leitores de poesia) que lhe dêem a melhor colaboração possível. Desejo à Cristina e demais elementos da equipa do projecto votos de sucesso, pessoal e profissional. Da nossa parte, um Alfa Bravo (abraço). Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Guiné 63/74 - P4092: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (4): Bolas, não nos deixam em paz! (Paulo Salgado)

1. Mensagem, de 26 de Março, do Paulo Salgado, ex-Alf Mili, CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), que teve como comandante o Cap Mário Tomé, hoje coronel na reforma.

Camaradas,

Não vi o programa, pois estou em Angola, por uma breve temporada.

Não me espanto de todo com tais afirmações, que não posso comentar. Mas colocar no mapa bandeirinhas, lá no ar condicionado do QG, era uma delícia, se acompado de um whisky com três pedras de gelo. Depois o Sr. General, que, apesar de tudo, ainda me parecia o mais "operacional", descia no héli e vinha dar apoio às tropas. Posso dizer que também senti, em muito menor grau do que o sucedido no Cheche, os comentários desfavoráveis de oficiais do ComBis.

Bolas, não nos deixam em paz. Bem bastam as nossas recordações que nos rondam com o alvorecer dos cabelos...

Oscar Bravo

Salgado

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4091: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (3): Fui desrespeitado de maneira ignóbil (António Matos)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4090: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (2): Recuso-me a ser um bandalho e um rato cheio de medo (David Guimarães)

28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)

Guiné 63/74 - P4091: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (3): Fui desrespeitado de maneira ignóbil (António Matos)

1. Mensagem de António Matos (ex-Alf Mil, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72 (*):


Caro Luis Graça,

Entre dois sonos de sofá, despertei com a curiosidade saudosista para apreciar mais um dos episódios que Joaquim Furtado realizou sobre a guerra do ultramar, a nossa. Teria já perdido algumas cenas mas, ao falarem na Guiné, foi como se se tivesse desprendido uma das molas do tal sofá e eis-me de olho arregalado na fixação do ecrã.

Há estórias de que desconhia os pormenores e esta é uma delas.

Em Fevereiro de 1969 ainda me dedicava a uma prazenteira vida civil, daí que não vivesse a realidade da guerra.

Porém, e depois de ter passado os 2 anos da praxe a dar o corpo ao manifesto em terras do fim do mundo, não posso deixar de me insurgir com a petulante afirmação desse general (permito-me omitir-lhe o nome pelo asco com que lhe fiquei), que me desrespeitou de maneira ignóbil com a desfaçatez dos estúpidos e dos mal-agradecidos.

Comungo com o camarada Mário Pinto (**) no desabafo perante o qual eram os milicianos que normalmente morriam FORA DO ARAME FARPADO e isso, só por si, deveria ser levado ao blogue com foros de 1ª página, para que o escândalo das afirmações gratuitas e patetas sejam do conhecimento de todos os ex-combatentes para que o seu direito à indignação seja revelado à exaustão.

O desprezo pela afirmações do general (ainda que passados 40 anos sobre este e outros acontecimentos) é tal que me faltam as palavras que indelevelmente traduzam este estado de espírito.

Um abraço,
António

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390 Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)

(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4090: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (2): Recuso-me a ser um bandalho e um rato cheio de medo (David Guimarães)

Guiné 63/74 - P4090: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (2): Recuso-me a ser um bandalho e um rato cheio de medo (David Guimarães)

Guiné > Zona Leste > Xitole > 1970 > Abrigo onde estavam alojados a maior parte dos furriéis da CART 2716, entre eles o David Guimarães (na foto).

Foto: © David Guimarães (2005). Direitos reservados

[Revisão / fixação de texto / cor e bold: L.G.]

1. Mensagem do membro nº 3 da nossa Tabanca Grande, David Guimarães (ex-Fur Mil At Atilharia e Minas, Xitole, sede da CART 2716 / BART 2917, 1970/72),


Vi e ouvi, sim, essa coisa ontem (*). E não foi infelizmente, mas ainda vivo para ver a burrice de um ‘herói’, não sei se por encomenda mas que falou. Porque pensa que está com a tropa dele… Foi eticamente mau. Mostrou que afinal era um ‘parvo’ às de Spínola (Caco Baldé) (…)

Ele, major Almeida Bruno, no tempo, pelos vistos, tinha a solução da guerra na mão, quem sabe ?!... Formou a Companhia de Comandos Africana, a 1ª, mas pelos seus amigos, pelos vistos, fez e faz muito pouco. Mas isso é outra coisa.

Enquanto serviram e estiveram ao serviço, eram os valentes comandos africanos de Almeida Bruno… Talvez que hoje tivesse o Sr. General mudado de ideias e esquecido deles e sejam uns negros como os outros…

Também vi o Coronel Aparício a falar em morteiros que teriam sido disparados sobre a jangada e a descrição pouco convincente de como se deu o desastre. A culpa, claro, repartiu-a por todos e entretanto o General Felgas veio desmentir isso tudo, dos tiros de morteiro… Este também célebre ao tempo, claro (parece que é saudoso, hoje)… Pela incompetência de Comandar um Batalhão…

Aprendi ontem que afinal as nossas operações ao mato eram mentira ou então efectivamente a nossa táctica estava errada… Deveríamos ir por ali fora, tomar os campos do inimigo e de imediato montar lá um aquartelamento.

E ainda hei-de chegar à conclusão de que, sendo eu obrigado a ir para a guerra, fui afinal voluntariamente como na altura me ensinava a boa propaganda fascista.

Meus amigos e camaradas da Tabanca: em espaço curto e no meu mau português, vamos lá reescrever todas as mentiras que estão escritas no blogue, porque afinal ontem os operacionais que estiveram nos locais certos a mando, foram comparados a ratos cheios de medo.

Senhor general, acho que deveria ter um gesto de reparação, pedir desculpa do que disse ontem, da televisão abaixo, para milhares de portugueses que se revoltam, naturalmente… Porque de ‘bando’ a ‘bandalho’ a distância é curta e eu recuso a sê-lo… Que o seja então e só quem ontem se atreveu a insultar assim milhares e milhares de pessoas. Porque isso não é nem de general nem de soldado, é de homem com uma má criação qu eu desconhecia. E a má criação por vezes paga-se…

(...) Pois é, não deveria ter dito [o que disse], senhor general, porque insultou-nos, a todos… E todos os combatentes da Guiné obedeciam a ordens vindas dos Altos Comandos – e por vezes era cada ordem!

Um abraço,
David Guimarães

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)