segunda-feira, 6 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4151: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (12): As origens dos bandos da Guiné (Magalhães Ribeiro)

1. Mensagem de Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil de Operações Especiais, CCS do BCAÇ 4612/74, Cumuré, Mansoa e Brá (1974), com data de 4 de Abril de 2009:

Boa tarde Amigos bloguistas,
Quem não viu/ouviu o programa do Joaquim Furtado, tem que ouvi-lo na totalidade para analisar o contexto em que as palavras foram proferidas pelo Sr. General Almeida Bruno.

Eu penso que vi/ouvi bem o dito programa, embora na altura tivesse junto de mim o meu filho e a minha mulher a conversar e posso ter deturpado o sentido da tão discutida frase. Reparem que nadíssima me move contra o general A.B., pois eu considero-me seu amigo pessoal há uns anos a esta parte, tendo até várias fotos (uma delas podem vê-la no meu blogue) e o seu cartão de visita.

No entanto, o silêncio do general (que eu saiba o mesmo ainda não disse nada acerca da sua entrevista), sobre esta gravíssima matéria é comprometedor, pelo que ele duplamente simboliza: quer como oficial superior do Exército Português, quer como militar prestigiado e condecorado aos mais elevado níveis, como ex-Combatente do Ultramar.
Excerto do programa da RTP, A Guerra, II Série, 3º Episódio, com as declarações do Gen Almeida Bruno (Cortesia do Magalhães Ribeiro)

Quem não se sente não é filho de boa gente, e estou à espera que ele a qualquer momento, face à grande contestação da malta (nomeadamente junto da Liga dos Combatentes), se pronuncie sobre a verdade dos factos, isto é sobre o que realmente nos quis transmitir com aquelas palavras. Na quase certeza absoluta que ouvi bem o que ele disse, e face à ira dos ex-Combatentes e à surpresa gerada entre os esforçados e sacrificados COMANDOS (em especial aquela que eu melhor conheci a 38ª Cia.), que o general omitiu na entrevista vá-se lá saber porquê, aguardemos pelos próximos episódios.

Hoje anexo o restante texto que completa o post 4126, e a que dei o título de: As origens dos bandos da Guiné.

No fundo do anexo podem ler uma primeira reacção do nosso camarada bloguista John Bonifácio (João).

Um grande abraço amigo do MR


2. Guiné: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general & O nosso direito à indignação.

As origens dos bandos da Guiné

Enquanto a memória não me atraiçoa, já que, com o implacável e irreversível avançar do tempo, vou sentindo que a senilidade se vai apoderando lentamente de mim, quero completar a minha divagação apresentada no post 4126 (*).

Já pensaram bem qual era, afinal, as origens dos bandos a que o Sr. General Almeida Bruno se refere na entrevista inserida no célebre episódio televisivo e que arribavam à Guiné em navios e aviões.

Em navios onde os bandos de praças viajavam cinco horríveis dias apinhados nos porões, no meio de um agoniante e enjoativo cheiro a vomitado, proveniente daqueles que enjoavam. No Uíge, onde regressámos, não posso dizer-vos como era a comida dos soldados, porque felizmente nunca a provei.

Pois os bandos surgiam chamados, obrigatoriamente, pelas Forças Armadas às fileiras 4 ou 5 dos seus mais belos anos, na flor da idade, períodos estes roubados à convivência com os amigos, namoradas, esposas e famílias, aos jogos de bola e outro desportos, aos estudos, aos dias de sol nas praias, etc.

Uns tantos estudavam, enquanto outros desde tenra idade laboravam em escritórios, fábricas, oficinas, outros já amargavam na rude vida dos campos com os seus pais, etc.

Havia os que pediam, por motivo óbvio, o amparo de mãe e algumas vezes lá o conseguiam, e os que estudavam e viam aprovados os pedidos de adiamento de incorporação, para poderem concluir os seus bacharelatos e licenciaturas.

Repare-se que em número de anos dedicado aos livros, tal perfazia uns 15 anos (4 primários + 7 liceus + 4, no mínimo, universitários).

A grande maioria de nós era quase imberbe, jamais tinha sequer viajado para fora da sua aldeia, vila ou cidade, alguns completamente desprovidos de qualquer grau de agressividade e, a quase totalidade, nunca tinha visto e muito menos pegado numa arma, nem sequer numa simples fisga.

Não vou falar aqui nos que fugiram, nem naqueles que por vários motivos, em que o medo/terror a uma eventual ida para a tropa/Ultramar era factor comum, se auto mutilavam ou arranjavam quem os mutilasse (lembro-me de um rapaz que pediu a outro que lhe cortasse o indicador direito), ou daqueles que arranjavam uma boa cunha para se safarem, ou da tropa toda, ou, pelo menos, da ida para o Ultramar.

Também não vou escrever mais nada da deficiente e quase ineficaz instrução dos bandos (já o fiz no post 4126), e que muitos só através da experiência (por vezes misturada de sangue e morte), que iam adquirindo aos longo do passar do tempo, mas um pouco daquilo que mais os revoltava, enfraquecia e desmotivava que eram as doenças, a qualidade da alimentação e as instalações.

Não é preciso ser médico para sabermos que as mazelas físicas (mais evidentes) e psíquicas (não menos mutilantes e desgastantes por invisíveis que sejam), reflectidas nas diversas doenças que contribuíram, e vêm contribuindo, para nos ajudar a matar. As maleitas venéreas, as disenterias, os paludismos, etc. a que se juntaram os efeitos da angústia das esperas de ataques do IN e, ou, dos que estiveram submetidos a ferro e fogo, de sermos feridos os mortos e de vermos serem feridos e mortos, ao nosso lado, os nossos irmãos de armas.

Excluindo qualquer crítica aos vagomestres, no mínimo, incompetentes, que não dignificavam os seus pares, queria apenas falar-vos dos alimentos de que me lembro, e que seria bom que um dos homens especialista neste assunto, nos descrevesse aquilo de que se lembra e que lá, nos confins da Guiné, onde os reabastecimentos eram obra maquiavélica, nos fazia sobreviver.

A verdade seja dita eu na minha estadia na Guiné, fui um privilegiado já que fome, propriamente dita, nunca passei. A ração de combate sempre dava para desenrascar e lembro-me do vinho nos chegar em bidões de 215 litros (salvo erro) fervidos e refervidos ao sol, da cerveja em lata, do bacalhau liofilizado, do leite em pó da Arábia Saudita e do pêssego em calda que constituía, invariavelmente, as nossa sobremesas.

Lembro-me da odiada comida de puta: arroz, com 1 ovo estrelado 2 salsichas e uma tira de fiambre, que era uma ementa muito utilizada.

Quanto a instalações fora de Bissau, os pré-fabricados eram um luxo, mas alguns destacamentos e secções, estrategicamente colocados em posições mais interiores e, ou, avançadas, viviam em autênticos buracos escavados no solo, cobertos com troncos de árvores e, ou, chapas de bidões cortados e alisados para o efeito.

Era então no seio destes potenciais mancebos, com 21/22 anos, que os bandos se iam treinando e formando, no Exército, na Marinha e na Aviação, recrutados em nome de Portugal, e que, doa a quem doer, com maior ou menor dificuldade, pesem-se na generalidade todos os inconvenientes, contrariedades sofrimentos, deficiente instrução, péssima alimentação, ferimentos e mortes, estóica e bravamente aguentaram inigualavelmente 36 anos de guerrilha na mata (13 em Angola, 12 em Moçambique e 11 na Guiné), ainda hoje considerado por grandes estrategas e estudiosos da matéria guerra, como um feito incomparável e prodigioso, ao nível mundial, até aos dias de hoje.

Resta-me acrescentar que, ninguém pense que eu sou apologista de qualquer resquício anti-militar, já que eu sou defensor, para muitos fins e efeitos que também não vou agora descrever, que todos os nossos jovens, mesmo em tempo da paz podre em que vivemos, deviam ser chamados aos quartéis uns 6 meses, afim de receberem instrução de recruta e uma especialidade.

Para concluir, lembro apenas aos mais distraídos, que os monumentos construídos em memória dos Combatentes do Ultramar, são erigidos em homenagem não ao fuzileiro xis ou ao pára-quedista y, mas em homenagem ao esforço global de todos os ex-Combatentes.

Já foi publicado no blogue - post 3490 -, um poema que em tempos escrevi a propósito, e aqui repito:

3. Sombras desta pseudo-democracia!

Éramos uns putos... feitos Homens!
Arrancados aos bancos dos liceus
Largando mães, namoradas, esposas...
Enfiados em quartéis... longe dos seus

Éramos uns putos... mas tesos!
Sabíamos que o destino era a guerra
Lá... muito longe... em meio hostil...
Pleno de mata, trilho, rio e serra

Éramos uns putos... com vinte anos!
Que crescemos mais rapidamente
Cientes que a coisa era… séria
Cheia de riscos... perigosamente!

Éramos uns putos... mas solidários!
Soubemos ultrapassar as dificuldades
À custa de vasto suor e muito sangue...
Algumas cicatrizes e enfermidades

Éramos uns putos... quase imberbes!
Instruídos p'ra matar... custa a crer!
Imbuídos duma obsessão suprema;
Acima de tudo... sobreviver!

Éramos uns putos... uma geração!
Lidamos com as privações e a morte
Cada um teve a sua missão
Com maior ou menor dose de sorte

Éramos uns putos... temperados!
Quantas vezes superamos as fraquezas
Para dar uma ilusão de sermos fortes
De modo a derrotar dores e tristezas!

Éramos uns putos... Grandes… enfim!
Fomos lá... cumprir... melhor ou pior!
Cada um com seus receios... medos!
Em nome dum Império duro e opressor

Hoje estes putos... já são avós!
E uma coisa estranham... revoltados!
O repugnante ostracismo político
A que, como ex-combatentes, são votados!

Quando pensaram: Cumpri com a PÁTRIA!
Descobriram, digamos que... espantados!
Somos sombras desta pseudo-democracia!
Pura e simplesmente... ignorados!


Cientes que os voluntários foram poucos
E os que não fugiram foram bastantes
A indignação é tanto mais e revoltante…
Quanto os sentimentos são frustrantes

Rezando pelos que entretanto vão partindo
Vão dando continuidade à vida… desgostosos
Desta imensa e repulsiva ingratidão
Por parte de políticos velhacos e rancorosos

Mantendo porém… firmes a sua esperança
Que neste país após a abrilada
Políticos com sentido e Amor Pátrio
Lhes prestem justiça e… mais nada

Porque tudo deram… do seu melhor!
Por vezes… sabe Deus com que sacrifícios
Dez mil morreram na flor da idade, e…
Milhares ainda sofrem mil malefícios!

Trocando experiências e memórias
Estes homens convivem entre si… alegremente
Tornam-se amigos, camaradas... irmãos…
Entre palavras, risos e choros... intestinamente!

Um abraço amigo do Pira de Mansoa
M.R.


4. Respostas do João Gomes Bonifácio

Magalhães, recebi o teu e-mail em relação às palavras proferidas por um oficial que todos conhecemos e que agora tanto nos desiludiu e entristeceu. Já tive a oportunidade de me referir a este caso há uns dias com outro nosso amigo e, do mesmo modo, fiz sentir, que o então Capitão Bruno, Ajudante de Campo do Gen. Spínola, não passou por ser mais do que isso, um militar sem mais que fazer do que: "toma nota Bruno". Depois da sua passagem pela Guiné, sem nunca ter sofrido o que outros de igual patente sofreram.

No mínimo considero uma afronta a inteligência dos seus camaradas com a mesma patente, e para com os militares em geral.

Um dos motivos que eu gostaria de focar relaciona-se com as tuas observações no que concerne à alimentação das nossas tropas.

Depois da minha recruta na Escola Prática de Cavalaria em Santarém, segui para a Póvoa de Varzim, onde fui tirar a especialidade de alimentação.

Também eu, e como referenciaste, tive a sorte de ter um rancho de primeira qualidade, porque também se formavam cozinheiros naquela escola.

Uma das promessas que eu fiz logo no início, foi de estudar bastante para conseguir a melhor classificação, que me permitisse poder escolher a unidade perto da minha família e, do mesmo modo, poder continuar a aprender a administração da alimentação, que no papel parecia muito simples, mas que se provaria mais tarde, que afinal o curso de pouco valeu.

Eu tive a sorte de logo após a chegada ao R.I.3 de Beja, ser logo nomeado para gerente da messe de Sargentos e Cabos Milicianos. Duas Messes, as mesmas refeições, apenas salas diferentes. Como podes imaginar e sendo uma unidade de recrutamento e instrução, eu tinha sempre uma enorme família às refeições.

Foi muito positiva toda a experiência que adquiri em Beja, pois serviu para na Guiné, minimizar todas as frustrações passadas, pelas constantes faltas de géneros e condições de trabalho e higiene, de modo a que a situação dos militares não se ressentisse.

É evidente e estou de acordo contigo, em dizer que a comida dos ranchos era uma lástima e às vezes até poderíamos de chamar imprópria para humanos, muito pior por se tratarem de soldados que sofriam um grande desgaste para cumprir as ordens e os caprichos que chegavam com frequência do poderoso Cmdt de Cia.

Contudo, tudo isto poderia ser tolerado se na altura não houvessem a tais liberdades, que de um modo geral, classificavam os tais vagomestres e eu era no fundo um deles.

Uma diferença existia. Eu procurei sempre, mas sempre, olhar pelo bem estar físico e até psicológico do soldado, tentando dentro das condições que tinha, de lhes proporcionar uma alimentação com os requisitos desejados e que eu tinha aprendido, tendo em conta as linhas de reabastecimento, o clima e o meio ambiente. A selecção de ementas foi feita e alterada sempre que tal se justificava, mais por falta de géneros do que pelo próprio desejo de mudar.

Tivemos que ser flexíveis e nisto estou a falar na quantidade de peixe, carne, vegetais e frutas.

Estivemos em CO onde havia muito e bom peixe e fruta local que foi sendo alterada com a da Militar. A Carne era pouca, porque a Companhia anterior fez por garantir que os que viessem a seguir não tinham vacas para comprar.

No Olossato, não havia peixe, mas muita carne. Como era costume eu mandava os Balantas irem a mata e roubar aos turras.

Na qualidade da comida, existem diferenças em se cozinhar para 150 soldados numa panela grande, e neste caso duas de 100, ou separar e cozinhar em panelas de 50 ou sejam quatro mais pequenas.

Os resultados são iguais, mas a qualidade é muito mais elevada e por razões que tem que ver com a atenção ao detalhe que eu exigia dos cozinheiros do rancho.

Nas messes por onde andei nunca tive problemas pois tive a sorte de ter tido profissionais da indústria hoteleira. O mesmo se pode dizer do pão. Nós tínhamos pão de Lisboa, onde através de uma mistura de farinhas americana e francesa, o meu padeiro, também profissional (condutor da tropa), nos prendou com o que se constava nessa altura como o melhor pão da Guiné.

Todos nós sabemos das diferenças entre os vários escalões das FA, dos graus de educação, das personalidades individuais, mas todos estamos de acordo, que muitos casos lamentáveis de má qualidade e até de fome, tenham sido originados e aqui dói-me dizê-lo, pela incompetência e desinteresse de colegas meus, e também pelas dificuldades de reabastecimento.

Para tudo era preciso uma cunha e boa. Eu tive sorte. O Camarão e a Ostra de Co ajudaram a derrubar muitas barreiras, e eu não tive nunca esse problema. Tive a coluna de reabastecimento a tempo e horas e o avião sempre disponível para me levar o carapau, sardinha, peixe-espada, pescada e fruta do continente.

No fim disto, e tal como todos os que sabem dos comentários do Gen. Bruno, e da falta de sentimentos por ele demonstrado, é de um desnível educacional ao mais alto ponto.

A tropa de macaca ou outro nome que indicaste, não teve culpa da má preparação. Nesse tempo era assim. Os PÁRAS, FUSOS E COMANDOS é que eram a elite. Mas eram eles, que tendo a boa vida que eu sabia em Bissau, eram os primeiros a ser mandados para os chamados pontos quentes. Depois a tal tropa ia fazer o rescaldo do que sobrasse.

Achei sempre que era injusto, mas tudo era diferente. Tão diferente que até eu me sentia Elite por saber que estava preparado para tomar conta da Alimentação dos militares sob a minha responsabilidade, mas também de todos os serviços administrativos da Companhia de Caçadores de que fazia parte.

Muito Obrigado pelo teu texto. Gostei de ler, mas também queria que soubesses, que na maioria dos casos, a incompetência, o interesse, a dedicação, e até a corrupção, estiveram para além de tudo, muito embora os reabastecimentos para o mato fossem muito complicados.

Um Grande Abraço,
João Gomes Bonifácio
Ex-Fur. Milº do Serv. de Admn. Militar
CCaç. 2402/Bat. 2851
Guiné 68/70
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4126: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (7): Os Bravos da Tropa Macaca (Eduardo Magalhães Ribeiro)

Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4149: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (11): Meditei sobre as palavras do sr. gen. Almeida Bruno (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P4150: (Ex)citações (22): Dando voz ao poeta russo Vladimir Maiakovsky (Vasco da Gama)

1. Comentário deixado por Vasco da Gama (*), ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, no poste de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4115: Os Bu... rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes):

Ao Triunvirato da Tabanca Grande
Caros Camaradas e Amigos,
Face ao vosso belo texto seria muito pobre uma resposta da minha autoria, pelo que, dou a voz a um poeta russo, Maiakovski (**), calado a seguir à revolução bolchevique:

Na primeira noite, eles se aproximam
e colhem uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite já não se escondem
pisam as flores, matam nosso cão.
E não dizemos nada.

Até que um dia o mais frágil deles, entra sózinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta

E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada.


Queridos Combatentes da Guiné
Mesmo "de Baixa", ao ataque...
NÃO TORNEMOS A PALAVRA INÚTL.
Vasco da Gama
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4144: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (2): Partiu vivo jovem forte/Voltou bem grave e calado... (Sophia) (Vasco da Gama)

(**) Vladimir Vladimirovich Maiakovski (1893-1930)

Vd. último poste da série de 19 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4050: (Ex)citações (21): A esperança de que o António Ferreira ainda esteja vivo...(Cátia Félix)

Guiné 63/74 - P4149: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (11): Meditei sobre as palavras do sr. gen. Almeida Bruno (Mário Fitas)

1. Mensagem de Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763, Cufar, 1965/66, com data de 29 de Março de 2009:

Luís,

Meditei, sobre as palavras do sr. Gen. Almeida Bruno, transcritas pelo Jorge Canhão (*).

Esta verdade é uma mentira! Ponham-me em frente do sr. General para contar o que foi Cufar 1961/1974

São de facto palavras de injustiça, para com o valoroso Soldado Português, que vindos dos mais recônditos locais deste nosso Portugal, foram enfiados em navios e despejados em Angola, Moçambique e no nosso caso concreto na Guiné.

Infelizmente, assisti a muita coisa, que não se passaram comigo e com os meus homens, porque:

Tínhamos um comandante, militar impoluto, sem medo, inteligente e que soube transmitir com os seus soldados.
Esse militar, perante o qual - sendo apenas coronel por motivos sobejamente conhecidos - o sr. Gen. Almeida Bruno se teria de pôr em sentido. Aliás tenho dúvidas se na Guiné não o terá feito.
É possível que tenham acontecido alguns (raros) casos, em que se deram situações de fraqueza.
Mas... essa fraqueza, não foi do generoso soldado Português mas sim, e, digo sem medo nenhum, pela ignorância e cobardia de quem os comandava. E quem os comandava sabíamos nós.
Dezenas de Companhias - as quais posso citar - passaram por Cufar e visitaram Camaiupa, Cabolol, Caboxanque em pleno Cantanhez, e aí não havia arame farpado.

O nosso blogue e suas narrações na primeira pessoa é uma fonte inesgotável, para contradizer, as palavras do sr. General.

Estas são as minhas palavras! Mas para que ao sr. Gen. Almeida Bruno seja demonstrada a verdade da Guerra na Guiné, solicito que seja aposto no Blogue como resposta a palavras tão frustrantes, o Prefácio de "Pami na Dondo a Guerrilheira" o qual não foi editado com o livro, mas que se encontra descrito no P1911 de 2 de Julho de 2007 pelo nosso camarada Marques Lopes.

Já tive problemas por comentar os (Senhores da Guerra) que ficam encantados com as (luzes da Ribalta) flaches das TVs e se desbragam por vezes, não tendo o senso e a honestidade de reconhecer que muito daquilo que ostentam no peito, foi à custa daqueles que eles hoje desprezam e tratam mal.

Viva o Brioso, Simples mas Grandioso Soldado Português!

Para todos eles o abraço da extensão do Cumbijã
Mário Fitas

2. Prefácio do Livro de Mário Vicente, Pami Na Dondo A Guerrilheira

Nesta obra, de forma peculiar, o autor apresenta-nos a bajuda (nativa jovem e ainda virgem) Pami Na Dondo - A GUERRILHEIRA - e por ela vamos saber como na Guiné, entre os seus naturais, nasceu a ideia de Nação e como surgiu o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde).

A obra oscila entre a ficção e a realidade, bem documentada, descrevendo o ambiente e as personagens; somos assim postos perante a profundidade de um romance e não face à superficialidade de qualquer outro tipo de narrativa.

Assim, somos transportados desde a vivência dos militantes do PAIGC até à acção e forma de viver dos soldados que compõem a Companhia de Caçadores 763, uma Unidade do Exército Português onde o autor esteve integrado, numa comissão de serviço militar na Guiné Portuguesa.

Ao longo do texto vamos de mãos dadas com a jovem Pami Na Dondo que nos narra a sua infância e adolescência, as peripécias que viveu, até que, já mentalizada, se transformou numa guerrilheira do PAIGC mais tarde, e por via dos factos, é feita prisioneira pelos militares que ela combate e, retida no interior do seu Aquartelamento com o seu espírito de observação, tem a oportunidade de nos poder denunciar o procedimento e as personalidades daqueles que ela tem por seus inimigos.

Pami Na Dondo conta-nos como chegou à noção de Nação, como ajudou a diluir os antagonismos existentes entre os diversos grupos étnico-tribais, acabando por aderir ao PAIGC que para ela seguia a prossecução dos objectivos que ela também visava.

Pelos olhos dela vamos assistir ao desenvolvimento do PAIGC desde os seus primórdios até ao seu completo amadurecimento e, quando mais tarde prisioneira, ficamos a saber o seu comportamento e pensamentos relativos aos seus captores.

A acção desenrola-se no Sul da Guiné, nos princípios de 1965, e gira em torno das actividades de uma Companhia de Caçadores e é pelos olhos de Pami Na Dondo que vamos tomar contacto com diversos elementos daquela Companhia.

Pami Na Dondo alista-se nas hostes da guerrilha que dominava aquela zona de território e, por motivo de um acidente que lhe incapacita um dos braços, acaba como professora do PAIGC devido à sua formação escolar e pelo facto de falar correctamente o português, o que a recomenda para tal função. É na escola que ela mentaliza e doutrina os futuros guerrilheiros e lhes dá paralelamente a correspondente pre paração escolar.

À data em que se inicia a obra, a acção subversiva interna já atingiu a 4ª Fase (criação de Bases e de forças pseudo-regulares). Isto só foi possível em tão curto espaço de tempo, pelas qualidades de Amílcar Cabral, Fundador do PAIGC, homem esclarecido e determinado, cabo-verdiano, engenheiro agrónomo formado no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, e que antes prestara serviço nos Serviços de Agricultura de Bissau, tendo passado à clandestinidade por dissidências com os seus colegas europeus.

De vontade firme e forte, homem culto, Amílcar Cabral procede ao recrutamento dos futuros guerrilheiros, atenua as divergências étnicas entre aqueles que vão cooperar com ele, cria entre todos a noção de Nação e, dirigindo a subversão externamente através do Comité Revolucionário, instalado em Conakry, articula rapidamente as forças do Partido com o apoio dos países de Leste. Refira-se como curiosidade que os EUA se deixaram atrasar na corrida ao apoio dos diversos "grupos de libertação nacional", mas apesar disso ainda conseguem colocar no porto de Conakry um navio-hospital para tratamento dos guerrilheiros feridos do PAIGC.

Ao atingir a 4ª Fase da subversão Amílcar Cabral tinha o território dividido em Regiões e Zonas sendo as zonas divididas em Áreas cujas Bases foram estabelecidas nas matas de muito difícil acesso.

As Forças Armadas Revolucionárias Populares (FARP) são constituídas pelo Exército Popular (EP), Guerrilha Popular (GP) e Milícia Popular (MP). Estas últimas são o instrumento local de defesa e vigilância das populações.

Nas tabancas (povoações) das zonas que considera libertadas, nomeou responsáveis -2 homens e 2 mulheres- que constituem o comité da tabanca, controlando os movimentos dos elementos combatentes e também da própria população.

As bases dispõem de escolas que fazem a doutrinação dos jovens ao mesmo tempo que desenvolvem uma intensa campanha de alfabetização das massas. É numa destas escolas que Pami Na Dondo lecciona dando todo o seu empenho ao Partido.

A guerrilha é a base de recrutamento do Exército Popular e actua regionalmente apoiando a MP e o EP.

Os 1°-, 2°- e 3°- comissários militares, os 1°-, 2°- e 3°- comissários políticos, são as categorias dos chefes existentes nas FARP. Os elementos combatentes são militantes (EP), guerrilheiros (GP) e milicianos (MP), e revelam-se atacando ou flagelando os quartéis, alvejando aviões ou embarcações, implantando abatises, minas e armadilhas nos itinerá rios, destruindo pontes ou casas de alvenaria, coagindo as populações e exercendo represálias. Furta-se normalmente ao contacto com as tropas regulares, mas resiste nos locais de refúgio. Ataca ou flagela as tropas quando estas estão a destruir as tabancas abandonadas pela população ou estão a remover os abatises colocados nos itinerários.

É dentro deste ambiente e vivendo esta situação que vamos encontrar a bajuda Pami Na Dondo que nos descreverá quanto se passa sob os seus olhos, o que ouvem os seus ouvidos e, enfim, descobrindo os seus pensamentos e raciocínio.

Convêm acrescentar que o PAIGC bem treinado e mentalizado, desfruta de uma vantagem ímpar: enfrentava e dava luta a um exército que não fazia a mais pequena ideia do que era a luta de guerrilhas onde o inimigo pode surgir de qualquer direcção, que se esvaía no seio da população - como o peixe na água - com superioridade de armamento, o que nada tinha a ver com a guerra convencional que se ministrava nas escolas militares.

No Exército o oficial de patente mais elevada que pisa o terreno, que enfrenta o guerrilheiro e que tem de resolver todos os problemas de ordem logística que se lhe deparam diariamente, é o Capitão. O capitão tem de possuir caracter e personalidade, é orgulhoso e cheio de brio, tem coragem física e destemer, não evita o combate com o inimigo e no decorrer da actividade operacional procura sempre ter do seu lado a iniciativa das operações, com o intuito de retirar o espaço de manobra ao guerrilheiro.

Um capitão consciente procura compreender a guerrilha e as populações e preparar-se para em comissões futuras poder aplicar da melhor forma os conhecimentos colhidos. Com o decorrer dos anos muitos desses capitães, de novo no T.O. (Teatro de Operações) ou ainda capitães ou já promovidos a majores, vão dar o seu melhor na contenção da guerrilha. Infelizmente o Exército vai buscar os melhores para os ingressar no Corpo do Estado Maior (CEM), desfalcando os operacionais, o que se torna grave com a falta de quadros de capitães tendo de se recorrer a capitães milicianos sem qualquer vocação ou preparação para a guerra.

O CEM é um escol onde não se toca a não ser para funções políticas, governamentais ou diplomáticas, o que não tem implicações directas na guerrilha que se enfrenta; assim, ficam por aproveitar os possíveis ensinamentos que eventualmente pudessem ser aplicados no terreno. Por outro lado, e infelizmente, os oficiais superiores (majores e tenentes-coronéis, nomeadamente) trabalham nos QG (Quartel General) ou Agrupamentos de forças e não faziam ideia do que era a luta de guerrilhas, não baixam ao terreno e limitam-se a manterem-se nos PC (Posto de Comando) durante o desenrolar das operações pelo que as suas instruções (e mesmo as Ordens de Operações) se tornam razoavelmente irreais ou de difícil cumprimento.

Enfim, e apesar de todas as dificuldades, é de justiça mencionar que a Companhia de Caçadores 763 conseguiu pacificar a sua Zona de Acção. Apesar de tantas vicissitudes é com prazer e orgulho que realçamos a acção da CCAÇ 763 a cujos efectivos pertenceu o autor.

A CCAÇ 763, transportada no M/M Timor, chega a Bissau em 17/02/1965 e em 17/03/1965 ocupa a Zona de Acção (ZA) que lhe foi atribuída, entrando em quadrícula em CUFAR, no Sul da Guiné.

A Companhia empenha-se operacionalmente com um sentido de missão e de patriotismo dignos de registo, não há interrogações sobre as razões por que ali se encontram, não havendo a registar um único caso de deserção, toma a iniciativa das operações tácticas desalojando os guerrilheiros dos seus refúgios o que permite desarticular a guerrilha que perde totalmente o controlo da situação; por outro lado constróem-se as infra-estruturas do futuro aquartelamento, cria-se um campo de futebol, um de voleibol e um de badmington, por forma a manter os seus elementos permanentemente ocupados.

Não deixamos de mencionar que a Companhia, por sua iniciativa e à revelia do Exército, consegue recrutar ainda em Lisboa oito cães Pastores Alemães (6 machos e duas fêmeas) aos quais tendo sido atribuídos os respectivos tratadores à custa dos seus efectivos, se ministrou instrução com vista ao seu emprego em patrulhas, guarda, sentinela, esclarecedor do terreno, ataque e combate, todos bastantes acarinhados pelo pessoal da Companhia, e tendo vindo a tornar-se extremamente úteis no decorrer das operações.

Desenvolvendo a maior actividade em todos os sectores, sempre empenhados, em menos de seis meses a ZA foi pacificada, a guerrilha abandonou a zona e o contacto com as povoações vizinhas tornou-se um facto natural; a criação de uma escola dentro do aquartelamento para cento e oito (108) crianças, com um instrutor desportivo e um professor, e tendo os alunos direito ao pequeno almoço e almoço, foi um passo de grande valia no âmbito da acção psicológica sobre as populações. Por outro lado sendo a ZA maioritariamente Balanta (povo animista) e tendo a Companhia ao seu serviço um Pelotão de milícia nativa constituído por Fulas e Mandingas (povos vindo do leste de África e muçulmanos), e que tradicionalmente se odiavam, conseguiu-se um estreito espírito de cooperação entre todos, o que muito veio contribuir para o bom êxito das nossas actividades em todas as vertentes.

O Governador e Comandante-chefe na altura, chegou a confidenciar a alguém que se tivesse seis Companhias como a CCAÇ 763 o problema da guerrilha estaria resolvido.

Infelizmente este problema não foi resolvido, tendeu a agravar-se, considerando do nosso lado a falta de quadros preparados, e do lado da Guerrilha a sua melhoria em todo o tipo de armamento enquanto nós nos mantínhamos agarrados à G-3 e à bazooka.

Em 1973 o PAIGC consegue abater no Norte da Guiné, numa única manhã, dois aviões Dornier e um avião T-6; no Sul em dias não consecutivos, abate dois aviões a jacto Fiat; estava detentor dos mísseis terra-ar, apanhando as forças Portuguesas completamente de imprevisto. Isto vem afectar seriamente a nossa cobertura aérea e o moral dos nossos soldados. No entanto, apesar de tão sérios revezes, continuou a lutar-se até ao dia 25/04/1974.

Vai longo o prefácio e há que dar a palavra a Pami Na Dondo.

Mas não queremos terminar sem frisar que para nós foi extremamente honroso o convite do autor para elaborarmos este prefácio, que, esperamos, tenha servido para esclarecer alguns aspectos ligados à subversão na Guiné-Bissau.

Ainda não há muito tivemos o ensejo de ler a obra do autor Putos, gandulos e guerra, uma autobiografia elaborada com bastante mérito, onde aborda a sua infância, adolescência e a passagem pelas fileiras do Exército.

Agora, depois de tomado o contacto com a GUERRILHEIRA congratulamo-nos com o salto estilístico e linguístico que o autor sofreu, facto pelo qual o felicitamos vivamente.

Um abraço ao Mário Ralheta na certeza de que no futuro saberá fazer jus às suas capacidades literárias, vindo a engrandecer as letras portuguesas.

Carlos da Costa Campos
Coronel
__________

(*) Vd. poste de 28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)

Vd. último poste da série de 5 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4142: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (10): A propósito dos Bandos que pululavam na Guiné (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P4148: (Ex)citações (21): Sinto um enorme orgulho em fazer parte desta enorme família (Cátia Félix)

1. Mensagem da nossa amiga Cátia Félix (*), com data de 6 de Abril de 2009:

Caros Amigos

Obrigado pelo post de boas vindas e, especialmente pela intenção.
Deixei um comentário de agradecimento e, achei por bem enviar-vos também por email, já que me apadrinharam na vossa "casa".

Aqui fica e, depois poderão lê-lo no blog (desculpem ser tão extenso):

Caros Amigos
Desde já o meu muito obrigado pelas boas vindas e por todo o carinho manifestado.
Sinto um enorme ORGULHO em fazer parte desta grande família.
Sei que com vocês só tenho a aprender e, com as vossas histórias retirar uma grande lição de vida.

Quem é que hoje em dia, no nosso país, se sujeitava a deixar o aconchego do lar, tendo apenas como companhia a nefasta missão de defender a pátria idolatrada?
Que ORGULHO eu tenho de todos vocês que combateram entre bombas e ogivas, canhões e trincheiras, de corpo cansado, à deriva, com suor, sangue, lágrimas e solidão... Eu consigo reconhecer o vosso verdadeiro valor...

Os "grandes" não o reconhecem? Pois não... Porque apenas têm a frieza de inventarem guerras e as imporem aos seus soldados. Os "valentões" que governavam e gorvernam apenas têm ideias fertéis para inventarem, agora coragem para combater é outra história...

O amigo Carlos Vinhal disse: "a história alguém a há-de escrever. A nós cabe deixar os relatos e os testemunhos para estudo futuro."
Para mim a história são todos vocês. Vocês sim fizeram história e, é essa história que eu vou com certeza contar aos meus filhos, porque da minha parte a vossa história não morrerá no tempo. Farei o meu papel de "Cavaleira desta ordem" como disse o amigo António Matos.

Não vivi no tempo da Guerra Colonial, nem passei pelas angústias que as famílias passaram... Talvez não me aperceba mesmo o quão profunda é a palavra CAMARADA e o sentimento que ela transporta, mas provavelmente será UNIÃO, AMIZADE, LEALDADE... sentimentos que eu quero carregar e passar, porque sem isso a minha vida não teria sentido.

Amigos, em tudo que puder ajudar, apesar da minha tenra idade, estarei aqui...

Obrigado pelos beijinhos, pelo abraço com uma palmada nas costas (acredita que o consegui sentir)... Obrigado por existirem.

Disfrutarei com todos vocês, homens e mulheres de armas, esta viagem que é a vida, pois apenas tenho uma oportunidade e tenho de tirar o maior proveito.

Beijinhos da nova amiga
Cátia Félix

P.S. Desculpem a hora tardia, mas a noite é e sempre será a minha companheira.


2. Comentário de CV:

Face ao exemplo da nossa amiga Cátia só me apetece dizer que afinal não estamos mortos e não nos matarão assim com duas penadas.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Abril > Guiné 63/74 - P4140: Tabanca Grande (130): Cátia Félix, jovem estudante de Ciências Farmacêuticas, solidária e interessada pela Guerra Colonial

Vd. primeiro poste da série de 4 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4139: Comentários que merecem ser Postes (1) As vacinas da tropa ou as doses cavalares (António Matos)

Guiné 63/74 - P4147: Blogpoesia (38): A Criatura e Rambo Guinéu (Manuel Maia)




1. Em mensagem com data de 4 de Abril de 2009, recebemos do nosso camarada Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, (1972/74), este soneto e esta sextilha.




A CRIATURA

Figurão de figurina figura,
Pavão de politiqueiro pendor,
Cacique de cambada condutor
E Soba de sortuda sinecura...

Pedante de pestilenta postura
Camaleão cambiando de cor,
Peralta presunçoso, sem pudor,
Casmurra e capciosa é a criatura...

Verboso de verborreia viscosa,
Falante de fala falaciosa
Cultor de calculado cinismo.

Fedúncio de farisaico feitio
Bargante de bedúncio bafio
Nababo de notório narcisismo...

Manuel Maia


RAMBO GUINÉU

Os óculos "Ray-Ban", boina a preceito,
Medalhas à mão cheia enchendo o peito,
Nem Rambo ostenta pose tão guerreira...
O camuflado é novo, sem usança,
O lenço um adereço de "cagança"
Num certo general, que faz nojeira...

Manuel Maia
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes com data de:

15 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4037: Blogpoesia (31): Quando eu era menino e moço... (Manuel Maia)
e
29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4101: O trauma da notícia da mobilização (6): Trata de arranjar o caixão, disse-me o pobre do Zé... (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 30 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4112: Blogpoesia (37): Para fechar o dia dos poetas da guerra colonial, celebrado hoje, aqui e em Coimbra... (Alberto Branquinho)

Guiné 63/74 - P4146: Parabéns a você (3): No dia 6 de Abril de 2009, ao camarigo Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, Guiné 1971/73 (Editores)

Joaquim Mexia Alves pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e depois na CCAÇ 15 (Mansoa).
A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74).



O nosso camarigo (*) Joaquim Mexia Alves está hoje de parabéns.

Falar dele é fácil e difícil. Fácil, porque não é preciso estar a inventar para enumerar as suas qualidades de cidadão e amigo. Difícil, porque acabamos por pecar por defeito.

Há poucos dias dizia ele que entre nós os dois se criou uma empatia muito grande, aquando da organização do último Encontro da Tertúlia. Foi fácil e aconteceu normalmente. Ele no terreno, contactando o restaurante e organizando tudo para que o Encontro corresse da melhor maneira, como correu, e eu apenas secretariando, organizando a papelada, parte para que ele, confessou, tinha pouco ou nenhum jeito.
O entendimento entre nós foi imediato, não sendo preciso mais que meia dúzia de telefonemas e alguns mails. Do resultado, melhor que o vosso testemunho não há.

O contacto que tivemos naquele dia e uma pequena tertúlia espontânea com alguns camaradas, acontecida numa esplanada de café, à noite, em Monte Real, deixou claro a pessoa que é, e como é fácil criar com ele amizade. Os presentes discutiram a guerra da Guiné e, aqui e ali discordaram, mas respeitaram-se e apertaram as mãos como verdadeiros camarigos.



Ortigosa, Monte Real, 17 de Maio de 2008 > III Encontro da Tertúlia do Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, brilhantemente organizado por Joaquim Mexia Alves

Pessoa leal no confronto verbal, não fugindo à polémica quando se trata de defender os seus pontos de vista, respeitador da opinião dos seus antagonistas de ocasião, extremamente correcto no trato, o Joaquim é uma pessoa agradável e afável. Sendo uma figura muito conhecida em Monte Real, onde a sua família tem tradição, não vi nele qualquer ar de vaidade. Foi preciso eu perguntar-lhe se o homenageado num memorial existente no Jardim de Monte Real era seu familiar. Respondeu que sim, que era o seu pai, mas sem entrar em pormenores quanto ao passado daquela figura marcante de Monte Real e do Distrito de Leiria.

Monte Real >Termas de Monte Real > O Joaquim Mexia Alves junto ao busto do fundador das termas, Olímpio Duarte Alves, que foi também governador civil de Leiria (1959-68). Na base do monumento lê-se: "A Olympio Duarte Alves, uma vida ao serviço destas termas que fundou e do termalismo nacional".

A sua colaboração no Blogue é tão extensa que pesquisar as suas intervenções é coisa complicada. Localizei uns quantos postes mais marcantes que poderão consultar. Destes é fácil derivar para outros não referenciados.

Deixo estas fotos relativas à sua passagem pela Guiné, onde como Alferes Miliciano, esteve ao serviço CART 3492, Pelotão de Caçadores Nativos 52 e CCAÇ 15.

Mato Cão > Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > Destacamento da Ponte dos Fulas > O Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, que de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973 passou por três unidades no TO da Guiné: pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e depois na CCAÇ 15 (Mansoa ). A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74).

Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, CART 3942 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa)

Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > Bolama > CART 3492 > 1972 > "No jipe, frente para trás: Alf Canas, Alf Novais, Alf Lima (Secretaria?), Alf Rodrigues (meu camarada de curso, também que era da CCS e veio depois para o Xitole, por troca com o Alf Gonçalves Dias se não me engano), Alf Martins (CART 3493, Mansambo) e eu [, assinalado cum círculo]".

Lisboa > Sociedade de Geografia > 6 de Março de 2008 > Três históricos do Pel Caç Nat 52 > Joaquim Mexia Alves, à esquerda da foto, no lançamento do livro Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, de Mário Beja Santos, que está ao centro. À direita, está o Henrique Matos que foi o 1.º Comandante do Pel Caç Nat 52. Desta vez, no lançamento do 2.º livro (Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio), este quadro não se vai repetir, devido à ausência do J. Mexia Alves.

Monte Real > Base Aérea n.º 5 > 25 de Fevereiro de 1988 > O Cap Pil Av Jaime Brandão, mais o seu amigo e conterrâneo Joaquim Mexia Alves, preparando-se para um passeio de... A7.

Talvez por ser um homem sensível, tem uma veia poética e musical que não se coíbe de demonstrar, principalmente quando está entre amigos, situação em que se sente como peixe na água.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > CART 3942 / BART 3873 > 1972 > O nosso autor e cantor Joaquim Mexia Alves... Além da CART 3942 (Xitole), o J. Mexia Alves comandou, como Alf Mil Op Esp o Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e e esteve ainda, na parte finald a sua comissão, na CCAÇ 15 (Mansoa )


Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Um momento poético-musical: da esquerda para a direita, o J. Luís Vacas de Carvalho, o J. Mexia Alves e o David Guimarães


Fado da Guiné

Letra (original): © Joaquim Mexia Alves (2007)
Música: Pedro Rodrigues (Fado Primavera)

Lembras-te bem daquele dia
Enquanto o barco partia
E tu morrias no cais.

Braço dado com a morte,
Enfrentavas tua sorte,
Abafando os teus ais.
(bis)

Dobrado o Equador,
Ficou para trás o amor
Que então em ti vivia.

Da vida tens outra margem
Onde o medo é coragem
E a noite se quer dia.
(bis)

Aqui estás mais uma vez,
Forte, leal, português,
Sempre de cabeça erguida.

Não te deixas esquecer,
Nem aos que viste morrer
Nessa guerra em tempos ida.
(bis)

Que o suor do teu valor
Que vai abafando a dor
Que te faz manter de pé,

Seja massa e fermento
Desse nobre sentimento
Que nutres pela Guiné.
(bis)

Joaquim Mexia Alves
Monte Real,
18 de Agosto de 2007


Para o camarigo Mário Beja Santos
na véspera da apresentação do seu livro

Hoje fico assim,
Sentado a pensar.
Queria tanto que a memória
Se fizesse viva
E eu pudesse recordar.

Não,
Mais que recordar,
Viver
Aquele caminho do Mato Cão
E o cheiro daquele tarrafo
A agarrar-se-me ao coração.

Lembro-me agora
De quando ali cheguei
Ao pé deles
Os do 52
Ali na Ponte do Udunduma.
O medo entranhado
No suor quente,
Os pensamentos a correrem
Por aqueles espaços fora.

Todos me pareciam estranhos!
Não eram os meus homens
Aqueles que comigo embarcaram
Indecentemente,
Mesmo antes do Natal.
Não aqueles não eram a minha gente!

Confesso agora,
Tinha medo,
Muito medo!
Sei lá se sou capaz,
Sei lá se um dia à noite
No escuro silencioso do breu...
Sei lá!

Mas vá lá que és homem,
Mostra-te sem medo,
Levanta-te na tua altura,
Deixa que te meçam
E percebam que estás aqui
E não vais recuar.

Olha-os nos olhos,
Entrega-te por eles
De modo que eles percebam,
Para que também eles
Se venham a entregar por ti.

Sorri
O sorriso dos sem medo,
Ou melhor dos loucos,
Que já nem sequer pensam
Porque também não vale a pena
Já pensar.

E passa o tempo,
E as conversas chegam.
A empatia começa a nascer
E a confiança neles
E deles em mim
A tomar forma,
A criar raízes.

Já são a minha gente
E eu já sou deles também.
À volta da cadeira de verga
(Já falei dela uma vez),
Sentados pelo chão, (***).
Trocam-se recordações.
Surge um nome,
Um tal Tigre de Missirá!
Que raio tem o homem
Que eu não tenha!
Também já não interessa,
O homem já não mora cá.

Pois se deixaste um nome,
Se deixaste recordações,
Não penses tu,
Ó desconhecido,
Que não hei-de fazer melhor.

É assim que há muito,
Muito tempo,
Já povoavas os meus pensamentos!
Sabia lá eu um dia
Que te havia de encontrar,
Na guerra das palavras escritas,
Em que a arma
É uma caneta.

Hoje fico assim,
Sentado a pensar.
Será que o livro do Mário
Traz cheiros de bolanha molhada,
Barulhos de macaréu,
Gritos de macaco cão,
Cantares de humor duvidoso
De homens tisnados do sol,
Que cantam para espantar
O medo de não voltar.

Hoje fico assim
Sentado a pensar,
Que um livro pode trazer
Um abraço do passado
Para agora no presente
Viver, sonhar, recordar.

Hoje fico assim
Sentado a recordar...

Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 10 de Novembro de 2008


Sentado na minha cadeira (2),
Cerveja na mão,
Fito os olhos no longe,
Tão longe,
Que vai para além do horizonte.
O Sol começa a descer ,
Lá ao fundo,
Para os lados do Enxalé,
E os seus raios de luz
Tocam a terra de sangue
E pintam o ambiente de vermelho.
O momento é mágico,
Porque não há nada mais bonito
Que o Pôr do Sol na Guiné.
Na bolanha,
Junto ao Geba
(Que se ouve a murmurar),
Passa um pequeno tornado.
Quase que o podia agarrar!
Ao meu lado,
O Furriel Bonito.
Deve estar a meditar
No que é que eu estarei...
A pensar!
Estou para aqui, isolado,
Vivendo como uma toupeira
Debaixo de terra,
Cercado de arame farpado.
A letargia da rotina diária
Toma conta de mim
E tanto me faz
Que o dia nasça
Como chegue ao fim.
Fecho os olhos por um momento.
Estou em Monte Real!
É fim de tarde,
Hora de banho
E vestir a preceito,
Que o meu pai não deixa
Que se jante no Hotel
Sem uma roupa de jeito.
Já lá vem o chefe de mesa
Que tem muito que contar,
Fala-me da carne e do peixe,
Tenho a boca a salivar.
Tocam-me no ombro!
Esfumou-se o meu sonho!
É o Mamadu que me diz,
Com o seu sorriso:
«Alfero,
O comer está pronto.»
O que lhe falta
Em smoking de profissão,
Excede em alegria
E dedicação.
Levanto-me,
Olho em redor.
Nas pequenas tabancas,
A luz das fogueiras
Ilumina a escuridão
Da falta de luz.
Abano a cabeça,
Para afastar o torpor,
E grito bem alto
Com a minha voz forte,
A afastar o temor:
«Pessoal,
vamos morfar,
que nunca se sabe,
quando isto vai acabar!»

Monte Real, 29 de Março de 2008
Poema (original): © Joaquim Mexia Alves (2007)


Ao nosso querido amigo, camarada, camarigo Joaquim Mexia Alves, os Editores Luís Graça, Virgínio Briote, Carlos Vinhal e os restantes 312 tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, desejam-lhe as maiores venturas para os próximos 40 anos que queremos sempre com boa saúde.
__________

Notas de CV:

(*) Camarigo - Palavra inventada por Joaquim Mexia Alves que significa mais que um amigo, mais que um camarada. Significa as duas coisas juntas, alguém que sendo camarada junta a particularidade de ser ao mesmo tempo amigo.

Da vasta colaboração de Joaquim Mexia Alves podem ver estes postes de:

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1912: Um buraco chamado Mato Cão (Nuno Almeida, ex-mecânico de heli / Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52)

25 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1997: Álbum das Glórias (22): O Alf Mil Pires, cmdt do Pel Caç Nat 63, em Mato Cão, na festa do meus 24 anos (Joaquim Mexia Alves)

15 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2364: O meu Natal no mato (5): Mato Cão, 1972: Com calor, muito calor, e longe, muito longe do meu clã (Joaquim Mexia Alves)

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2631: Dando a mão à palmatória (5): Recado para uma ida à Guiné (Joaquim Mexia Alves)

30 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2701: Blogpoesia (10): Olhando para uma foto minha, no Mato Cão, ao pôr do sol, com o Furriel Bonito... (Joaquim Mexia Alves)

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2961: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (11): Às vezes dá-me umas saudades da Guiné... (J. Mexia Alves)

1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3261: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (7): o meu amigo e conterrâneo Jaime Brandão (J. Mexia Alves)

26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3940: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (2): J. Mexia Alves, ex-Alf Mil (Xitole, Mato Cão, Mansoa)

(*) Camarigo - Palavra inventada por Joaquim Mexia Alves para significar mais que amigo, mais que camarada. Camarigo significa as duas coisas juntas, alguém que sendo camarada junta a particularidade de ser ao mesmo tempo amigo.

Vd. postes da série Parabéns a você de:

20 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2367: Parabéns a você (1): Humberto Reis, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71): born in Portugal, December 19th, 1946 (Luís Graça)
e
27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4084: Parabéns a você (2): Carlos Vinhal, nosso co-editor, um rapaz de Leça, que desmontava minas em Mansabá (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P4145: Tabanca Grande (131): José Cortes, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito (1972/74)

1. No dia 2 de Abril de 2009, recebemos do nosso camarada Afonso Sousa esta mensagem:

Caro Carlos Vinhal

Tu como actual comandante da Tabanca Grande, na ausência temporária do Luis Graça, dá o devido encaminhamento a mais este tertuliano que localizei em Coimbra, no seguimento das pistas para encontrar o furriel Andrade.

2. Mensagem de José Cortes, com a mesma data, anexada à do Afonso:

Caro amigo Afonso Sousa

Recebi hoje o seu mail, que desde já agradeço, ontem mesmo entrei no site do companheiro Luis Graça, o qual achei espetacular, e para o qual vou começar a enviar também algumas histórias da minha comissão.

Eu fui Furriel Miliciano, Atirador de Infantaria, arma da qual me orgulho de ter pertencido.

Na Guiné não exerci a minha especialidade por contingência de serviço da Companhia, que não tinha Sargento que fosse reponsavél, pelo Material de Guerra, eu como Furriel Atirador com melhor nota, fiquei responsável pelo mesmo.

Mesmo assim não deixei de estar ligado a dois acontecimentos graves da Companhia, um acidente com um lança granadas de 6,5 no qual perdeu a vida o nosso soldado António Manuel, mais 4 soldados da Milícia, numa acção de Reordenamento no Sumbundo.

Outro, uma mina que provocou a morte do soldado José Jubilado dos Santos.

Estas histórias são para contar mais tarde.

Agora vou-me apresentar:

Sou José Augusto Cortes, ex-Furriel Miliciano da Companhia de Caçadores 3549, cumpri missão em Fajonquito, Leste da Guiné e pertencemos ao BCAÇ 3884, sediado em Bafatá.

Sou nascido e criado em Coimbra, onde resido na Freguesia de Santa Clara, lugar de Bordalo.

Ainda trabalho, sou funcionário do SUCH,(Serviço de Utilização Comum dos HospitaIs), faço serviço no Hospital da Universidade de Coimbra como Técnico de Manutenção.

Por isso se for preciso alguma coisa aqui de Coimbra estou as ordens.

Sem mais um abraço.
Cortes

José Cortes, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito, 1972/74

3. Há poucas horas de hoje, 5 de Abril de 2009, chegou esta mensagem do nosso novo camarada José Cortes:

Caros companheiros:

No seguimento das conversas com o companheiro Alfredo Sousa, venho candidatar-me à entrada na tertulia Tabanca Grande.

Não tenho grandes dotes de escritor, mas vou fazer os possiveis para agradar.

Sou José Augusto Cortes, tenho 58 anos, sou funcuinário do SUCH, (Serviço de Utilização Comum dos Hospitais), e trabalho no Hospital da Universidade de Coimbra, cidade de onde sou natural e resido.

Fui Furriel Miliciano na Guiné,zona leste em Fajonquito, na CCAÇ 3549, que pertencia ao Batalhão 3884, sediado em Bafatá.

Desembarcámos no aeroporto de Bissalanca no dia 26MAR72, fomos fazer o IAO, ao Cumeré, de onde seguimos em LDG, para o Xime e daí em viaturas cívis e militares, para Fajonquito.

Rendemos a CART 2742, que no dia de Páscoa desse ano 02ABR72, perdeu o Capitão Borges Figueiredo,e mais quatro militares, já connosco na Guiné no Cumeré.

Foi uma comissão que correu com alguns sobressaltos, desde termos 3 Comandantes de Companhia, 3 Primeiros Sargentos, 2 camaradas mortos e dois feridos graves.

São histórias para contar mais tarde.

Em anexo vão duas fotos para pagar a entrada.

Um Abraço
José Cortes
Ex-Fur Mil
NM 10977771
José Cortes em Fajonquito
José Cortes na actualidade

4. Comentário de CV:

Caro José Cortes, ainda bem que resolveste aderir à nossa Tertúlia, onde és bem-vindo.

Podes começar a escrever quando quiseres e não te preocupes por não teres grandes dotes de escritor. Eu também não tenho e até cheguei a editor deste Blogue. Costuma-se dizer: Quem não tem cão, caça com gato. Fora de brincadeira, não te preocupes que a gente sempre dá um jeito aos textos.

Queria pedir-te o favor de sempre que envies fotografias, as faças acompanhar sempre com legendas para todos ficarmos a saber a que se referem, tanto a local, como a acontecimento.

Dizes que fazes manutenção nos Hospitais de Coimbra. Eu tenho um amigo/camarada da Guiné chamado José Lourenço, que também é da Manutenção dos Hospitais aí em Coimbra. Mora na Mealhada e é electricista. Conhece-lo? Qual é a tua área profissional?

Termino, enviando-te, em nome da tertúlia, um abraço e que hoje seja o primeiro dia de muitos em que vais participar activamente no nosso Blogue.

CV
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4140: Tabanca Grande (130): Cátia Félix, jovem estudante de Ciências Farmacêuticas, solidária e interessada pela Guerra Colonial

domingo, 5 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4144: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (2): Partiu vivo jovem forte/Voltou bem grave e calado... (Sophia) (Vasco da Gama)

1. Mensagem de Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, com data de 2 de Abril de 2009, falando da sua presença e da do Zé Manel na Conferência sobre Poesia da Guerra Colonial, Uma Ontologia do "Eu" Estilhaçado, em Coimbra, no dia 30 de Março de 2009 (*):






Meus Caros Camaradas da Guiné,

Animado pelo nosso Comandante Luís Graça, logo secundado pelo nosso camarada José Brás, lá foi o Vasco menos preocupado até porque sabia que o nosso José Manuel de Mampatá também iria estar presente. Ora, dois ex-combatentes da Guiné, daqueles de fora do arame, ainda por cima amigos, são indestrutíveis.

Saí de casa com uma hora de antecedência e dirigi-me à Faculdade de Letras, onde a minha companheira leccionou durante vinte anos. Encontrei a D. Fátima da secretaria que, a par de outros funcionários, não sabia de nenhum colóquio.

Andar para cima, descer ao piso dois, procurar anfiteatros e... nada. Lá um iluminado se lembrou:

- É no CES, sabe onde eram as urgências do hospital velho?
- Sim - diz o velho Vasco! Tentei um sprint e constatei que estou mesmo arrumado. Pesadão, dores nos pés ao tentar caminhar mais depressa, dores no peito e fico-me por aqui...

Cheguei mesmo em cima da hora e ao entrar na sala logo o boné identificou o Zé Manel. Sentei-me junto a ele, passei os olhos por toda a sala, olhei bem para os elementos da mesa e ia começar a conferência. Disse com os meus botões :

- Somos os únicos combatentes! Enganei-me, havia também um senhor general.
O título da conferência acima referenciado era seguido de : UMA ONTOLOGIA DO "EU" ESTILHAÇADO.

Ontologia? Estou lixado! Se nem o significado de ontologia sabes; o que estás aqui a fazer? Estamos debaixo de fogo, temos de raciocinar com calma e rapidamente! Enquanto o primeiro conferencista ia avançando na sua intervenção, eram as costureirinhas a cantar, lá se fez luz no Tigre do Cumbijã:

- logos= conhecimento; onto= ser. Está visto que podes continuar a assistir.

Curiosamente procurei, ao chegar à Figueira, a palavra na enciclopédia e não a encontro.

Seguiu-se à primeira intervenção, não muito fácil de acompanhar, a Senhora Professora Dra. Margarida Calafate Ribeiro que fez uma intervenção, na minha perspectiva brilhante, sobre o tema Guerra, poesia e trauma: leituras da poesia da Guerra Colonial. Achei de tal forma interessante que lhe pedi o texto para o enviar para a nossa Tabanca. Prometeu fazê-lo, mas até hoje ainda nada chegou.

Após o intervalo para o café falou a Dra. Cristina Néry Monteiro. A meio do discurso tive de sair para colocar umas moedas no parquímetro. Perdi parte da intervenção, mas apanhei o final, ao qual se seguiu o debate.

Ao botar faladura falei, apaixonadamente, do nosso blogue, da qualidade dos nossos poetas, dos versos que destilam guerra pelos poros, como disse o Luís, do mérito e da qualidade literária de muitos deles, de gente que tem obra publicada e premiada a quem a Universidade se devia abrir e dirigir. Quem melhor do que quem viveu a guerra pode poeticamente descrever o que por lá se viveu? Há, no entanto, quem não o entenda assim.

O nosso camarada Josema também fez a sua intervenção, tendo-se emocionado ao ler um poema. Fui em seu auxílio e relatei aos presentes que poesia não eram só versos, poesia é o que os meus camaradas da Guiné, referindo o Zé Manel em particular, fazem ao deslocarem-se sem interrupção há não sei quantos anos à Guiné, levando material para os hospitais, distribuindo cadernos, livros e esferográficas pelas escolas, poesia são as sementes que carinhosamente os meus camaradas para lá enviaram e que hoje, desabrochadas, matam a fome a muita gente. Que poema mais bonito existe que o poema da solidariedade?

Fui almoçar com o Zé à Munique e regressámos para o debate da parte da tarde. Dois italianos teorizaram temas difíceis, fechados, espessos para quem não é entendido na matéria.

Depois dos comentários finais do senhor Professor Helder Macedo, íamos assistir à representação do Projecto IGNARA # Guerra Colonial pelo Grupo Teatro Mosca num outro espaço.

Nas conversas de bastidores, tive o imenso prazer de constatar que o Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, é lido, melhor, consultado pela intelectualidade que vem fazendo trabalhos de mestrado e doutoramento. Para além da Dra. Cristina, conheci uma outra doutoranda da Lusíada que está a fazer uma tese sobre os nossos camaradas nascidos na Guiné e que combateram ao nosso lado. Se o Briote, ou outro camarada qualquer, ler este texto poderá dar-me pistas nesse sentido?

Através da minha pessoa poderão enviar alguns poemas que eu farei chegar, eventualmente em mão, à Dra. Cristina, até para discutir com ela a problemática ANTOLOGIA/ARQUIVO e da possibilidade da Universidade dar um empurrão ao nosso mérito poético.

Voltando ao Teatro sobre a Guerra Colonial.

Dois moços e uma menina, todos filhos de ex-combatentes, formam o Teatro Mosca. Leram, "o trabalho de casa", com uma dicção perfeita. Começaram a sua pesquisa, pois filhos da guerra que são, pouco, muito pouco souberam dela pelos seus pais. Gostei da forma e no final perorei sobre o conteúdo. Disse que não podemos ficar pelos Massacres, pelo filme da Diana Andringa e pelo filme do Joaquim Furtado. Falo nestes três items, pois foram por eles referidos.
Disse-lhes que no meu modesto entender o texto podia e devia ser enriquecido com a referência ao sofrimento dos nossos camaradas que por aí andam de mão estendida, numa vivência ostracizada, dos que carecem de tratamento médico, de uma voz amiga e solidária que a sociedade lhes nega e também da solidariedade que os ex-combatentes da Guiné dedicam ao povo. Os risos, os sorrisos, os abraços, as lágrimas vertidas nos encontros dos ex-combatentes com o povo da Guiné não são Teatro, são Realidade, só possível pela grandeza enorme de toda a malta da Guiné.

Meus queridos camaradas vou encerrar para obras por uns dias.

Peço desculpa pela extensão do texto, mas vou terminar com um poema dedicado aos nossos camaradas mortos na Guiné, dentro ou fora do arame farpado.

Guerra ou Lisboa 72

Partiu vivo jovem forte
Voltou bem grave e calado
Com morte no passaporte

Sua morte nos jornais
Surgiu em letra pequena
É preciso que o país
Tenha a consciência serena

Sophia de Mello Breyner Andresen

Camaradas
Adeus e até ao meu regresso,
Vasco da Gama
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4093: Agenda Cultural (5): Poetas da guerra colonial em conferência internacional, Coimbra, CES/UC, 30/3/2009 (Cristina Néry)

2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4127: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (1): 4 anos, um milhão de páginas visitadas... (Luís Graça / Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P4143: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (5): A Justiça Militar ou um processo... kafkiano

1. Mensagem de António Paiva (*), ex-Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70, com data de 1 de Abril de 2009:

Caros Luís, Carlos e Virgínio

Vou falar de mim.
António Paiva


A Justiça Militar ou um processo... kafkiano

Soldado e Furriel

Tendo regressado em Junho de 1970 a bordo do Carvalho Araújo com destino à disponibilidade, senti-me feliz, missão cumprida. Estou livre.

Em Novembro do mesmo ano, 5 meses depois, algo me surpreende, recebo em minha casa um postal do Ministério do Exército a notificar-me com apresentação obrigatória, dia tantos de tal, no Serviço de Justiça em Sapadores.
- Mau, que querem de mim, que fiquei a dever, que tenho para pagar?

Muitas perguntas fiz a mim próprio e não encontrei respostas.
Comecei a pensar:

- Como me apresentei com um dia de atraso no CICA 5 em Lagos e ouvi dizer que dava uns dias de prisão, o que não veio a acontecer, segui em frente ficando registado na caderneta como Refractário, apresar de estar registado na caderneta a data certa 18 de Setembro de 1967.

- Por cá, nada mais de anormal se passou, só fui uma vez ao Cais da Rocha e duas ao aeroporto, na segunda vez embarquei por ter faltado um Oficial.

- Na Guiné, em Novembro de 1969, a faltar poucos meses para fim de comissão, tive um acidente com um táxi na Estrada de Santa Luzia, mesmo atrás do Hotel Avenida (penso que era assim que se chamava) tendo o mesmo batido na porta do prédio, a meu lado levava um camarada que me tinha pedido boleia no QG até á Amura, grande amigo, que ficou com leve ferimento na testa por ter batido no pára-brisas, o qual partiu, mas foi-se embora dali para me evitar um Auto de corpo-delito.
No dia seguinte estava no Hospital o senhor António, à minha procura, dono do Restaurante que havia na estrada entre os Adidos e a BA12, onde íamos comer o bacalhau assado, para me informar que tinha ido ao QG assinar um termo de responsabilidade pelo acidente e que o processo iria ser arquivado. Este senhor era também dono do Táxi. Dias depois saiu no Boletim Informativo do Hospital o arquivamento.

- No dia 31 de Dezembro de 1969, não por culpa minha, mas sim do whisky, sou apanhado na estrada do aeroporto com excesso de velocidade, levo 10 dias de detenção, a minha sorte foi não soprar no balão, senão os dias eram mais. Era fim de ano.

- No dia em que cá cheguei, fui aos Adidos, não me aceitaram, teria de ir ao RSS em Coimbra por ser a Unidade a que pertencia e só lá podia passar à disponibilidade e entregar a restante farpela militar.
Tudo bem, fui para casa tomar banho, que bem precisava, almoçar com meus pais e depois parti para Coimbra, onde cheguei pelas l6h e 45m.
Azar, bati com o nariz na porta, a Companhia a que eu pertencia, Auto Macas, tinha fechado mais cedo, só lá estava o cabo com quem falei e lhe disse:
- Já que aqui estou, vou lá cima ao Norte ver a família, Castro Daire, e amanhã mais cedo passo por cá.
E assim fiz, às 15h do dia seguinte lá cheguei, fui ter com o cabo que prontamente me diz:
- Estás f…, o Sargento não me deixou fazer o espólio do que cá deixaste, que vinhas à civil e não te apresentaste a ninguém, tens de ir falar com ele e podes ter 15 dias de prisão à perna.
Quem teve o corpo todo, 33 meses e 7 dias, preso à vida militar, 15 dias à perna não seria grave.
Lá fui ter com o sargento, figura cativa do quadro.
Depois de dizer tudo o que tinha para dizer, ao fim de alguma conversa entre ambos, volta a olhar para os papéis, pensei que antes não os tinha visto bem, olhando para mim me diz:
- Os c… que vem da Guiné, vem malucos, vá-se embora.
- Obrigado. - Agradeci.
Lá fui com o cabo entregar o que tinha.

Tudo isto era os meus pensamentos até ao dia em que tinha de lá ir. Algo teria ficado mal e eu não tinha pago no tempo.

Chegado o dia, lá me dirigi à Secção de Justiça em Sapadores, onde fui recebido por um Capitão.
- Bom dia.
- Bom dia.
- Recebi este postal para me apresentar aqui.
- Sim, senhor. É o sr. António Duarte de Paiva?
- Sou.
- Com o numero mecanográfico O6243167?
- Sim.
- Esteve na Guiné?
- Estive.
- Veio cá de férias?
- Vim.
- Mas não voltou.
- Voltei, sim.
- Como pode ser, se você está aqui.
- Diga o que se passa.
- Você é Furriel, estava numa Companhia do Batalhão 1911 (penso ser este o número que ele disse) veio cá de férias e desertou, pode ficar detido.
- Se fui Furriel, o Estado deve-me dinheiro, recebi como Soldado, aqui tem minha caderneta.

O Senhor Capitão, examinou a Caderneta, só me disse:
- Desculpe, há aqui um lapso.
- Lapso não, erro e bem grande!

Resolvido o problema, lá vim embora em liberdade.

Será que esse Furriel existiu ou foi só imaginário? Se existiu, safou-se bem com o meu nome e nunca foi procurado.

O certo, é ter sido mais um erro dos muitos que se cometeram nesse tempo.

Um abraço
António Paiva


2. Comentário de CV:

É caso para dizer que um homem cumpre o seu tempo de comissão integralmente, já depois de estar a gozar a peluda, não merece apanhar um susto destes.

Sabendo nós como funcionam os burocratas, que logo pela manhã, quando começam a trabalhar, ligam a máquina de complicar e então na Tropa muito pior, devido a uma cadeia hierárquica, em que cada um pisa com prazer o de baixo, o nosso camarada António Paiva teve muita sorte em não ser graduado em Furriel, só para apanhar com a porrada destinada ao outro sortudo desenfiado.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3917: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (4): Não cobiçar a mulher do próximo

Guiné 63/74 - P4142: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (10): A propósito dos Bandos que pululavam na Guiné (José Teixeira)

1. Mensagem José Teixeira (*), ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70, com data de 1 de Abril de 2009:

Camaradas
Estou a tentar digerir as palavras do General Almeida Bruno, mas não consigo.
Assim sendo junto mais um desabafo

José Teixeira



A propósito dos Bandos que pululavam pela Guiné

Depois de reler atentamente as palavras do General dos óculos escuros sobre os célebres bandos que se entretinham atrás do arame farpado à espera que o bandido os viesse visitar e os textos de legítimo repúdio de muitos camaradas, que como eu ficaram profundamente ofendidos, decidi-me a agir.

Comecei por um aluno do 3.º ano do 1.º Ciclo

O que é um Bando de homens? Perguntei.

- Um conjunto de bandidos, foi a célere resposta.

De seguida fiz a pergunta à Internet e a resposta foi ainda mais rápida:

Quadrilha, Associação de malfeitores, Bando de ladrões

E deu exemplos muito concretos: Polícia prende bando que assaltou...; Bando mantém família refém enquanto rouba residência...; Bando armado assalta bomba de gasolina, etc., etc.

E... para suavizar um pouco: Bando, simboliza grupo de amigos.

Aí fiquei feliz. Afinal formávamos grupo de amigos que se entretinham a jogar cartas e a beber uns copos enquanto aguardávamos a visita do inimigo. Se ele soubesse que não passávamos de um bando até podia entrar e beber connosco.

Porque é que os senhores de galões dourados de Bissau os enganavam pela rádio Guiné dizendo que nós estávamos zangados com eles!

Ainda hoje temos o Bando da Tabanca Grande, o Bando da Tabanca Pequena de Matosinhos e tantos outros bandos que pelo menos uma vez por ano se juntam para relembrar e re-viver os tempos em que eram bandos sem saber.

Mas...

Bando... bandido... bandoleiro... é isso mesmo, não passávamos de uns bandoleiros.

Não se lembram que os nossos instrutores até nos mandavam pôr a arma em bandoleira?

Fui um pouco mais longe.

Procurei no Dicionário. Simples e sintético. A palavra bando significa: Conjunto de pássaros, ajuntamento de pessoas ou animais e... companhia de malfeitores. Bolas , voltamos ao mesmo !

Insisti e fui consultar uma enciclopédia. Agora sim. Bando quer dizer: conjunto de aves da mesma espécie ou semelhante, por vezes às centenas que voam em grupo. Tal sucede em especial com gansos, pombos, galinholas , perdizes ou patos.

Isso mesmo, não passávamos de uns patinhos, armados de G3.

Confesso que é muita areia para a minha camioneta, um General afirmar categoricamente que os militares que estavam no interior da Guiné, não passavam de bandos dentro do arame farpado à espera que o inimigo os viesse atacar.

Mas quem decidia as operações e as controlava de avião ?

Quem decidia a divisão de uma Companhia Operacional em três e mandava colocar um Grupo de combate nesta e naquela tabanca, tirando toda a força operacional à Companhia ?

Quem mandava os bandos de várias companhias avançar em direcção a uma base inimiga e quando esta estava cercada, apareciam as tais forças de elite para fazer o ronco final ? (nota que nada tenha contra, pelo contrário devo-lhes muito e registo no coração a sua coragem e abnegação, quer a Páras, Comandos ou Fuzas com quem convivi irmamente)

Quem nos mandava fazer segurança na construção de estradas meses e meses, quantas vezes com saídas em contínuo.

Quem nos obrigava a fazer colunas, com as picadas transformadas em riachos, onde as minas escondidas pelo bandido eram o maior inimigo, porque traiçoeiras, já que nas emboscadas, em que caíamos, havia um frente a frente e vencia o mais rápido ou o mais esperto e... o que tinha mais sorte ou habilidade em fugir da bala ou estilhaço assassino.

Quem dava instruções para avançarmos para este ou aquele objectivo ?

Fico-me por aqui: Afinal não passávamos de uns bandos patinhos armados de G3, não é senhor general?

Zé Teixeira
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Março > Guiné 63/74 - P4103: Carta aberta ao sr. Gen Almeida Bruno (1): Sinto-me muito honrado em ter pertencido a um dos tais bandos (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4133: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (9): Os livros não mudam o Mundo,... O Homem muda o mundo (José Martins)

Guiné 63/74 - P4141: Os Bu...rakos em que vivemos (2): Bula, CCCAÇ 2790 (António Matos)

1. Mensagem de António Matos (*), ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, com data de 1 de Abril de 2009: Caro Luís Graça, Perante o teu desafio, não podia deixar de me alistar de imediato na descrição de mais um buraco da Guiné, desde logo o único que conheci. Talvez o ideal fosse, antes de mais, definir o que entendo por buraco neste contexto. Assim, buraco, seria todo e qualquer local onde, o militar em comissão de serviço, se via confrontado, diariamente, a desenvolver a acção que lhe fora confiada com grande probabilidade de ser vítima atingida na sua integridade física ou moral durante aquela guerra. Nesse sentido, a Guiné, toda ela, era um imenso buraco. Não limitarei, portanto, a designação ao(s) local(ais) onde a intensidade das acções inimigas tivessem sido mais assíduas ou desferidas com maior acutilância. É, pois, com essa postura realista e humilde que reinvindico a minha zona de actuação como um buraco de dimensões enormes não esquecendo todos os outros camaradas que passaram as passas do Algarve em missões de grande stress e quantas vezes com a dor do ferro a trespassar-lhe a carne e a arancar-lhe pedaços... Estive em Bula cujos limites (grosseiros) seriam, a Norte o Cacheu (S. Vicente), a Oeste, Ponta Matar, a Este, Choquemone e a Sul o Mansoa.

Bula > Mercado Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados De 1970 a 1972 foi uma zona de grande actividade guerrilheira com passagens constantes de Este para Oeste e vice-versa a desencadear constante perseguição da nossa parte e originando-nos diversas baixas. Na tentativa de minorar essa movimentação do IN, foi montado o maior campo de minas de todo o ultramar (cerca de 16.000 minas) em cuja equipa de técnicos me encontrava na qualidade de alferes atirador e minas e armadilhas. A montagem demorou bastante tempo e o desgaste físico e psicológico a que fomos submetidos leva-me a confrontar essa realidade com qualquer outra na Guiné. Lá, vi caírem vários camaradas de pernas decepadas; Lá, vivi momentos de inolvidável apreensão ao temer flagelações sem hipótese de grandes defesas, pois não estávamos armados uma vez que se tornava incompatível o transporte da G3 com aquela actividade; Lá, vi indígenas igualmente vítimas daqueles engenhos; Lá, voei com o sopro da deflagração duma mina que tinha sido accionada por outro camarada; De lá, falei com o meu Deus a implorar protecção; Do meio de todo aquele inferno lembrava os pais, irmãos, namorada... Naquele campo de ferros e trotil alienei parte da minha capacidade de ser inteligente para sobreviver e poder, um dia, vir a um blog contar como foi... Os dias começavam bem cedo para que o calor não perturbasse tanto os movimentos cirúrgicos que as nossas mãos executavam... Quantas vezes, mal chegados à arena, regressávamos de imediato fruto de acidente com um camarada... No dia seguinte, qual trapezista que cai do seu equilíbrio e se estatela no chão, voltávamos, maquinalmente, estranhamente calmos, sem reinvindicar nada, até que (quantas vezes, meu Deus!) o PUM se ouvisse e os gritos nos dilacerassem as entranhas... E os dias sucediam-se... E os acidentes também... E os erros que se cometiam aquando de deslocações pelo campo a fim de permitir operações que nos eram atribuídas... E com que trágicos resultados... E quantas vezes, depois de regressar ao quartel após esse part-time eu tomava o comando do meu Pelotão para o acompanhar em operações de maior melindre... Mas nem só de minas era constituído o nosso dia-a-dia! No nosso buraco cabíam outras realidades... O nosso camarada António Matos manuseando uma mina portuguesa. Foto: © António Matos (2009). Direitos reservados Estive destacado em Augusto Barros cuja população, hostil por excelência, era verruminosa. Às nossas ofertas de arroz e mão de obra para a construção de tabancas, agradeciam com flagelações. A essas, respondíamos com galhardia e de todas saímos vencedores e impusemos a autoridade. As picadas de acesso a Bula cedo se tornaram suportáveis pela adopção de critérios psicologicamente traumatizantes: as viaturas da frente eram cheias com as mulheres e crianças que necessitavam de se deslocar aproveitando as disponibilidades militares. Porém, a hipótese de contacto era sempre admitida e o ambiente tornava-se fechado, de dentes cerrados, olhos prescutando o inimigo e o mergulho para o chão estava à distância de um clique. Quando os mísseis assobiaram por cima das nossas cabeças, a dimensão da guerra tomou outra envergadura. Quando as Panhards demoravam mais um bocado e a luta tomava foros de coisa de homem-a-homem, a nossa meninice perdia mais uns pontos e os homens iam-se formando com a bitola das leis da selva. E quantas vezes era solicitado o heli-canhão que, ao aparecer, permitia que muitos soldados chorassem de alívio e Lhe agradecessem a benesse de continuarem vivos... E para culminar a configuração do buraco, chegados ao quartel, quantas vezes encarávamos uma hierarquia militarmente incompetente, balofa, désputa e estúpida! Esta hierarquia que perguntava pelos estragos materiais e esquecia os mortos e os feridos! Isto não são figuras de retórica, sr. Almeida Bruno! Se do alto do seu pedantismo tiver dúvidas (não as devia ter, falando como fala!) recordo-lhe o 19 de Janeiro de 1971 na estrada Bula-S.Vicente. Documente-se e limpe-se a esse guardanapo, meu caro senhor! Nem só de Guileje viveu a guerra da Guiné! E heróis, houve-os nas mais insignificantes situações! Nos mais miseráveis e recônditos buracos desabrocham estórias dum dramatismo incomensurável que a morte, só por si, deveria fazer erguer monumentos individualizados a cada uma das vítimas! (in http://sekanevasse.blog.com/). Camarada Luís Graça, por aqui me fico na identificação do meu buraco na expectativa de que esta prosa, pouco cuidada, possa ser motivadora de outras fotografias que envergonhem os homens do ar condicionado, calcanhares em cima da mesa, arrotando estrondosa e etilicamente nas reuniões da socialite! Um grande abraço, António __________ Notas de CV: (*) Vd. último poste de António Matos de 4 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4139: Comentários que merecem ser Postes (1) As vacinas da tropa ou as doses cavalares (António Matos) Vd. Primeiro poste da série de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4115: Os Bu... rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P4140: Tabanca Grande (130): Cátia Félix, jovem estudante de Ciências Farmacêuticas, solidária e interessada pela Guerra Colonial

Vamos receber hoje, formalmente, na nossa Tabanca Grande a Cátia Félix, uma jovem que serviu de elo de ligação entre Cidália Nunes, viúva do malogrado camarada António Ferreira que caiu em combate na tristemente célebre emboscada do Quirafo e o nosso Blogue.

Ela socorreu-se de nós para ajudar a apagar as dúvidas que subsistiam na nossa amiga Cidália Nunes de que o seu jovem marido não tivesse morrido naquele trágico dia 17 de Abril de 1972.

Vamos lembrar alguns passos que levaram ao dia de hoje.

1. No poste Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago), lê-se a determinada altura:

Mensagem, com data de ontem, do nosso camarada e amigo Paulo Santiago
Assunto - A Guerra e o luto continua presente

Luís, Briote,Vinhal

Recebi em 3 de Março passado um mail, que reencaminho, enviado por uma jovem, Cátia Félix, a pedido de Cidália Nunes, viúva do 1º Cabo Radiotelegrafista António Ferreira, morto em combate em 17/04/1972 na emboscada do Quirafo (*).

Como imaginam, ao receber aquele mail, dois sentimentos brotaram de mim: satisfação e tristeza. Satisfação pelo que escrevi sobre a Tragédia do Quirafo, satisfação, também, por existir este blogue que o Luís em boa hora lançou, permitindo aos ex-combatentes da Guiné contarem a verdade que, a maior parte das vezes, não vem nos documentos oficiais. Tristeza, porque adivinhei que por trás daquele mail estava um luto com quase trinta e sete anos. Tanto tempo...

Há poucos minutos, tive um longo telefonema da Cidália, onde pressenti uma imensa saudade e uma imensa resignação, ainda que ponteada por algumas dúvidas, sendo a principal "O meu marido morreu naquela emboscada ?"
[...]

e mais à frente

Mail enviado ao Paulo Santiago, em 3 de Março último, por Cátia Félix

Assunto - As histórias da Guiné...

Caro Paulo Santiago

Sou leitora assídua do blog dos ex-combatentes da Guiné pois apesar da minha tenra idade (25 anos) sempre me suscitou muito interesse as histórias verídicas por todos vocês vividas.

De tudo o que li, a Tragédia do Quirafo foi sem dúvida a que mais me impressionou, talvez por conviver com uma família de um militar da CCAÇ 3490. Possivelmente já ouviu falar desse militar, António Ferreira (Porto), que era das Transmissões (radiotelegrafista) dessa companhia.
Estou a enviar-lhe este email a pedido e em nome da esposa do Ferreira, Cidália Cunha, que gostaria imenso de entrar em contacto consigo para trocarem impressões, pois apesar de já terem passado muitos anos as histórias da Guiné permanecem na vida de todos.

Porquê enviar um email ao Paulo? Porque de tudo o que lemos, sentimos que se tem dedicado imenso a todas as causas mal explicadas que se passaram naquelas terras áridas.

Desde já agradecemos imenso todo o seu empenho e sabedoria na forma como consegue transmitir na perfeição todos os assuntos relacionados consigo e com os seus camaradas.

Ficamos a aguardar uma resposta.

Com os melhores cumprimentos
Cátia Félix
(P'la Cidália Cunha)



2. No poste Guiné 63/74 - P4050: (Ex)citações (21): A esperança de que o António Ferreira ainda esteja vivo...(Cátia Félix), pode ler-se:

Cátia Félix, amiga da viúva de António Ferreira, Cidália Cunha, deixou o seguinte comentário ao poste de 18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

Boa noite, amigos

Desde já apresento-me...sou a Cátia, amiga da Cidália Cunha (viúva), que entrei em contacto com o Paulo Santiago (um SENHOR). Agradeço imenso a dedicação de todos, acreditem que tudo o que fizerem fará a diferença.

Tenho uma relação com a Cidália como mãe/filha e numa das nossas muitas confissões ela contou-me toda a sua história. O casamento de sonho com o grande amor da sua vida e o desabar de tudo nas terras da Guiné.

Esta grande Mulher que desde sempre fez frente aos "grandes" do exercito à procura de respostas que nunca conseguiu ter.
[...]


3. No poste Guiné 63/74 - P4117: A tragédia do Quirafo: 37 anos para fazer o luto pelo António Ferreira (Paulo Santiago / Cátia Félix)

Camarada Vinhal:

Após ter estado no Sábado, juntamente com o Santos Oliveira, com a Cidália, viúva do 1º Cabo Radiotelegrafista António Ferreira, e com a Cátia, pensei em escrever um poste mais ou menos longo. Hoje, recebido o mail que reencaminho, acho que terei muito poucas palavras a dizer. O mail da Cátia tem lá tudo.

Em todo o caso, tenho algo que deverá ser dito agora. Começo pela Cátia, que nos encantou, a mim e ao Santos Oliveira. Esta jovem, também bonita, dá uma lição de Solidariedade que fascina. Ela não tem ligações familiares com a Guerra Colonial, não é uma estudante de História ( frequenta Ciências Farmacêuticas ) que tivesse vindo ao nosso blogue para se documentar para os seus estudos, não, ela vem ao blogue porque está Solidária connosco, ex-combatentes na Guiné, vive as nossas angústias e também as nossas alegrias. Ela tem uma relação fraternal com a Cidália e foi ela que desencadeou toda esta acção em que nos envolvemos.
[...]


4. Luís Graça achou que devia convidar a Cátia Félix a fazer parte da Tertúlia e no dia 31 de Março de 2009 publicou um comentário no poste P4117:

Acho que a Cátia faz falta no nosso blogue, na Tabanca Grande... Convido-a a juntar-se, formalmente a nós. Ela é um elo de ligação ao António e à Cidália... Ela conseguiu um pequeno milagre, ajudou - com o apoio do Paulo, do Santos Oliveira e do nosso blogue - a ultrapassar o difícil processo de luto patológico da Cidália...

Imaginem, amigos e camaradas, o sofrimento de 37 anos, devido à dúvida (atroz) que perseguia a Cidália...
- Serei eu viúva? O meu António ainda estará vivo?

A somatização deste sofrimento pode ter consequências brutais na saúde física e mental de qualquer pessoa. Se puderes, Paulo, e tu, Santos Oliveira, se puderem vão à missa do dia 17 de Abril. Em nome de todos os amigos e camaradas da Guiné.

Um Alfa Bravo, a todos vós, Cidália, Cátia, Paulo, Oliveira. Que o António descanse finalmente em paz.

LG



5. Finalmente, Cátia Félix, em mensagem do dia 1 de Abril de 2009, dava a sua concordância a que a considerássemos uma das nossas.

Caro Luís

Fiquei muito sensibilizada com as suas nobres palavras. É com muito gosto que me juntarei a todos vós formalmente, apenas tem de me dizer como. Sei, no entanto, que a minha experiência de vida é muito petiz em relação a todos vós, mas no que puder opinar no vosso blog assim o farei.

"Camaradas" mais uma vez muito obrigado por todo o empenho neste caso. Sei que perceberam o quanto era importante e também comovente para esta família tudo o que se pudesse saber acerca de tudo o que se tinha passado naquele trágico dia 17 de Abril de 1972. Porque o LUTO, mais cedo ou mais tarde, teria de ser feito...
Porque já que militares e civis não são devidamente respeitados pelo governo, que o sejam entre amigos e camaradas.

Já o disse ao Paulo e ao Oliveira e volto a citar, fico muito grata e feliz por saber que existem pessoas como todos vocês. Que apesar de a guerra colonial não ser do "meu tempo", é no meu tempo que quero dizer a todos da minha idade que existem homens que honraram a nossa pátria...

Cumprimentos sinceros
Cátia Félix


6. Comentário de CV

Cátia, desculpa a expressão, uma das nossas, mas é mesmo assim que te consideramos a partir de hoje.

Peço-te que percas uns minutos a ler o lado esquerdo da nossa página, onde entre outras coisas ficarás a saber que nos tratamos todos por tu, independentemente dos nossos antigos postos militares, idade e posições (sempre subjectivas) sociais.

Poderás e deverás intervir no nosso Blogue sempre que aches que tens algo a acrescentar. Como digo muitas vezes, nós os ex-combatentes regemo-nos pelo coração, mais que pela razão, enquanto que as pessoas que não sofreram na pele o flagelo daquele guerra, têm um distanciamente que lhes permite uma visão mais calma, mais fria, talvez mais ponderada das situações. Não é por acaso que se diz que a história alguém a há-de escrever. A nós cabe deixar os relatos e os testemunhos para estudo futuro.

Agradecemos as bonitas palavras que nos dirigiste e aceitámo-las com alguma vaidade. Gostei particularmente que nos chamasses camaradas. Talvez não te apercebas do quão profundo é o sentimento de camarada. Muito mais que amigo, quase tanto como irmão. Irmão, mas de sangue diferente.

Tens as formalidades de admissão muito facilitadas, porque não tens que enviar as fotos da praxe (fardada e civil), nem contar uma história sobre a tua Unidade. Isso são coisa para nós, os mais velhotes.

Queremos sim que entres e faças companhia a estas senhoras nossas tertulianas: Adelaide Gramunha Marques, Ana Paula Ferreira, Diana Andringa, Gilda Brás, Manuela Gonçalves (Nela), Maria Clarinda, Paula Salgado e Zélia Neno. Queira Deus que não me tenha esquecido de alguma senhora. Claro que para comandar esta equipa feminina, não vamos propôr um homem, temos uma senhora, melhor, um dos nossos queridos Anjos da Guarda, a nossa camarada Giselda Pessoa, ex-Enfermeira Pára-quedista. Como vês estás bem acompanhada.

Desta vez não vou deixar um abraço da Tertúlia, mas sim um beijinho. Sê muito bem-vinda.

CV
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Notas de CV:

Sobre a tragédia do Quirafo e a morte do nosso saudoso camarada António Ferreira, vejam os postes de:

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

19 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4050: (Ex)citações (21): A esperança de que o António Ferreira ainda esteja vivo...(Cátia Félix)

31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4117: A tragédia do Quirafo: 37 anos para fazer o luto pelo António Ferreira (Paulo Santiago / Cátia Félix)

Vd. último poste da série de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4098: Tabanca Grande (129): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Sold Radiotelefonista, Condutor Auto e Escriturário, QG/Bissau, 1968/70