sábado, 11 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4667: Tabanca Grande (160): Joaquim Peixoto, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 3414 (Bafatá e Sare Bacar, 1971/73)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Peixoto (*), ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73, com data de 10 de Julho de 2009:

Caro amigo e Camarada Carlos Vinhal:
Em primeiro lugar quero pedir mil desculpas por estar a ser um clantestino.
Tenho imenso gosto e prazer em ser membro da Tertúlia.
Embora não queira fugir à responsabilidade de não ter enviado tudo o que me era pedido, passo a explicar:

Em 1 de Abril recebi email para enviar dados pessoais, fotos e outras coisas que tais.
No dia seguinte enviei tudo, mas só agora me apercebi que o email não foi recebido por erro no endereço.
Peço desulpa.

Agora faço seguir o meu "curriculum", mas como sou periquito em informática, não sei se vai nos moldes que pediste.

Despeço-me, esperando, a partir de agora, ser membro do maior clube do Mundo.

Um abraço do camarada
Peixoto

OBS:-Em breve, enviarei um artigo para ser publicado

Dados pessoais:

Nome - Joaquim Carlos Rocha Peixoto
Posto militar - Furriel Miliciano
Especialidade - Atirador de Infantaria com o curso de Minas e Armadilhas
Unidade - CCAÇ 3414

As principais localidades onde estive: Bafatá e Sare Bacar

Morada:
PENAFIEL

Ainda a estou a exercer como Professor do 1.º Ciclo


O nosso camarada Joaquim Peixoto deu-nos o prazer da sua presença, acompanhado de sua esposa Margarida, no nosso IV Encontro em Ortigosa, como documenta a foto.


2. Comentário de CV:

Caro Joaquim Peixoto.
Obrigado por teres respondido tão prontamente.
As tuas amáveis palavras enviadas em sucessivas mensagens, em curto espaço de tempo, são para nós um incentivo, e bem estamos a precisar de algum neste momento, para continuarmos nesta espinhosa missão de mantermos o Blogue da Tabanca Grande, vivo e actuante, onde se discutam os assuntos relacionados com a guerra da Guiné de forma correcta, educada e sem violência verbal. O respeito pela diversidade de opinião, cor, opção política, religiosa e outras, é indispensável para uma convivência sã, e própria de verdadeiros camaradas e amigos que queremos ser.

Dizes que queres pertencer ao maior clube do mundo. Não pertencerás, mas uma coisa é certa, somos o maior blogue dedicado à guerra da Guiné. Pelo número de visitas registado na nossa página, tendo nós um registo de cerca de 350 tertulianos, vê-se a quantidade enorme de pessoas nos consultam para os mais diversos fins, entre os quais os didáticos.

Tu poderás ser mais um a narrar factos e a mostrar fotos que ajudem a reconstituir a parte da história em que nós, os ex-combatentes, fomos protagonistas.

Recebe então 352 abraços de boas-vindas.
Um especial deste teu camarada
Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

22 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1774: A morte do Fernando Ribeiro: eu ia nessa fatídica coluna e era seu amigo (Joaquim Peixoto, CCAÇ 3414)

16 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4039: O Prémio: Sirvam , em nome da Pátria, uma bica quente a estes rapazes!, dizia o Gen Spínola... (Joaquim Peixoto)

21 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4557: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (3): Um dia caloroso, em que fizemos novos amigos (Joaquim e Margarida Peixoto)

9 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4659: Parabéns a você (12): Dia 9 de Julho de 2009 - Joaquim Peixoto, ex-Fur Mil da CCAÇ 3414 (Sare Bacar, Cumeré, Brá, 1971/73)

Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4662: Tabanca Grande (159): António João Sampaio, ex-Alf Mil da CCAÇ 15 e Cap Mil da CCAÇ 4942/72 (Guiné, 1973/74)

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4666: Memorias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (2): De Viana do Castelo a Bissau


1. Continuação da publicação das memórias de Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, CCS/ BART 2917, e que esteve em Bambadinca entre Maio de 1970 e Maio de 1971 (A sua comissão terminou mais cedo, um ano depois de ter chegado a Bambadinca, por decisão do Com-Chefe, ao que se sabe). Vive actualmente em Vila Franca do Campo, Ilha de São Miguel, Região Autónoma dos Açores (RAA). Está reformado como enfermeiro do Serviço Regional de Saúde da RAA (*).


  MEMÓRIAS DE UM CAPELÃO II - RECORDANDO... DE VIANA DO CASTELO A BISSAU por Arsénio Puim 


 No dia 2 de Março de 1970, o BART 2917, em que me integrava como alferes-capelão, já deixara a Pesada [, o RASP 2,] em Gaia, e encontrava-se na linda e pequena cidade de Viana do Castelo, para fazer o IAO. 

 Foram dois meses e meio de intenso treino operacional, incluindo um acampamento, em princípios de Março, na serra, para as bandas de Santa Luzia, em que também participei. Um ambiente duro, onde faltava tudo o que pudesse saber a conforto. E, sobretudo, que frio, meu Deus, durante a noite! 

 A despedida oficial do Batalhão ocorreu no dia 6 de Maio [de 1970], com desfile pela cidade e Missa solene da Unidade na bonita igreja renascentista de S. Domingos. À homilia realcei duas ideias principais que a Missa, como acto de culto ao Pai da humanidade e de comunhão da Palavra e do Pão, nos deveria inspirar e consolidar: (i) por um lado, o espírito de comunidade que deveria imperar no Batalhão 2917 ao serviço das terras da Guiné, onde íamos viver; (ii) e, por outro, os valores humanos e cristãos que devem ser apanágio de todos os homens de boa vontade em quaisquer circunstâncias. 

 «Os exércitos, referi, também têm a sua mística altamente humanitária - que não a guerra, porque essa não poderá ser um ideal ou valor em si – mas a defesa do direito de todos, a garantia da liberdade dos povos, a consecução da paz justa». Só a 16 de Maio, à tarde, deixámos Viana do Castelo, a caminho de Lisboa. Deu-se, logo à saída, um percalço: mesmo em cima da ponte, o comboio parou de repente. Acontecera que um elemento do Batalhão ficara atrás e alguém, vendo-o correr na direcção do comboio, puxou a alavanca de emergêrncia. Ao longo do percurso, muitas pessoas juntavam-se à beira do caminho de ferro e despediam-se, acenando carinhosamente. 

 Pelas 12,30 horas de 17 de Maio largámos do Cais da Rocha, [em Lisboa,] no Carvalho Araújo, em direcção à Guiné. Um clima de emoção, à mistura com a alegria ruidosa dos sempre bem dispostos, caracterizou a despedida. Volvidos cinco dias, tendo como único horizonte o mar, o Carvalho Araújo atracou, pelas 22 horas, no porto comercial da ilha de S. Vicente, onde desembarcámos até à uma hora. E, pelas 6 horas da manhã, depois de podermos apreciar a grande e bela baía do Mindelo, continuámos a viagem, agora com mar um pouco mais agitado. 

 Às dez horas do dia 25 de Maio entrámos no Canal do Geba, muito largo e envolto por uma neblina acinzentada que mal nos deixava ver as margens. Quatro horas depois – tanto demorou o percurso da ria - aportámos, finalmente, em Bissau. Pequena cidade, arborizada e agradável, de traça espaçosa e com capacidade de expansão; presença marcantemente negra, falando habitualmente o crioulo; os homens fortes e bem constituídos, trajam mantos longos ou vestem como os europeus; nos hábitos das mulheres, o pano comprido a cingir o corpo e o lenço em touca, de cores vistosas, contrastam com a mini-saia e o penteado trabalhosamente ripado; fácil convívio racial; calor intenso e derrotante, vida pacata: foi assim que eu vi pela primeira vez Bissau, onde permanecemos alguns dias. 

 No dia 27 teve lugar a apresentação e desfile do Batalhão perante o general Spínola. Na ocasião, o Comandante-Chefe e Governador da Guiné desenvolveu um longo discurso, onde traspareciam conceitos dum patriotismo exacerbado e a aceitação de Portugal como povo eleito. Pareceu um homem de mentalidade fechada, incapaz de compreender ideologias diferentes, todas baptizadas de traição. Para os oficiais da Unidade, foi mesmo duro, chegando a dizer que sabia haver entre eles alguns «mal encaminhados» de ideias. Seria uma frase, de fins preventivos, usual nos seus discursos às tropas recém-chegadas? 

O que sei é que ouvi, mais tarde, Spínola dizer as mesmas palavras numa recepção aos capelães militares da Guiné. Definiu, no entanto, perspectivas de acção pelo progresso sócio-económico do povo da Guiné como único meio de ganhar a guerra, que, disse, «nunca se vencerá pelas armas». E acentuou que ou fazemos alguma coisa nesse sentido, assegurando pelas armas um ganho de tempo para o realizar, ou «não temos nada que fazer em África». 

 Hoje, julgo entrever, nestas palavras do General Spínola, sinais da concepção sócio-política ultramarina que viria a culminar com o projecto, muito «sui generis», do «Portugal e o Futuro», vindo a lume em 1974, ainda antes da Revolução dos Cravos. 

 Arsénio Puim 

 __________ 

Guiné 63/74 - P4665: Memória dos lugares (33): A minha visita a Missirá, na passagem de ano de 1970, com o médico Mário Ferreira (Arsénio Puim)

Viseu > 26 de Abril de 200 > Convívio do pessoal da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas > O Jorge Cabral, o segundo a contra da esquerda, "entre um Psiquiatra (Marques Vilar) e um Cardiologista (Mário Ferreira Gonçalves, autor do Romance Tempestade em Bissau)" (**)... Na ponta, do lado direito, o nosso camarada David Guimarães. Acrescenta o Jorge que ambos os médicos "me visitaram em Missirá, quando eu comandava o Pel Caç Nat 63, tendo o Mário, passado lá o Natal de 70, com o Padre Puim"...

Foto: © Jorge Cabral (2008). Direitos reservados

Mensagem do nosso camarada Arsénio Puim, que vive actualmente em Vila Franca do Campo, S. Miguel, Região Autónoma dos Açores, e que foi Alf Mil Capelão, da CCS do BART 2917, Bambadinca, entre Maio de 1970 e Maio de 1971.(***)


A MINHA VISITA A MISSIRÁ
por Arsénio Puim

Li no blogue uma evocação de Jorge Cabral relativa à visita do Capelão Puim ao Destamento de Missirá, na Guiné, em Dezembro de 1970. (****)

Foi realmente em Dezembro, mas no último do mês, e aí passei a noite de fim de ano.

O transporte foi de sintex através do rio Geba, à tardinha [Vd. foto à esquerda, sendo que o camarada que está de pé, e de G3 em punho, não é o capelão Puim, que não tinha arma distribuída, mas o Alf Mil Joaquim Mexia Alves, dois anos depois, em 1972, comandante do Pel Caç Nat 52, destacado em Mato Cão].

A placidez das águas, a arborização das margens, a sinuosidade do trajecto e sobretudo a abundância, a variedade e a beleza das aves – de cores as mais variegadas – fizeram desta uma viagem encantadora.

Da margem ao acampamento, julgo que ainda distavam um ou dois quilómetros, que percorri a pé mais o médico Mário Ferreira, que também visitava Missirá. Numa dada altura, ouvimos um grande tropel dentro do mato. Parámos. Mas logo vimos que era um bando enorme de macacos em deslocação. Ao atravessarem o caminho, olhavam-nos e logo continuavam a correria.

A noite de passagem do ano foi muito alegre, com boa comida e alcoolfarta. Houve discursos e música (admito que também discursei) no acampamento, que – é a impressão que guardo – se caracterizava por quase não haver separação física e humana entre ele e a tabanca e por todo um espírito que me pareceu nada ter a ver com o lema, demasiado redutor, pertencente a um Pelotão antigo, que ainda se podia ler, impresso num bloco de cimento, na parada [, referência provável ao Pel Caç Nat 52, anterior ao comando do Alf Mil Beja Santos - Missirá, 1968/69 - cuja divisa era 'Os Gaviões: Matar ou Morrer' : vd. foto à esquerda].

No primeiro dia do ano tivemos missa no pequeno aquartelamento de Missirá, e voltei a Bambadinca.

Esta é uma das minhas boas recordações da Guiné, graças também ao comandante do Destacamento e grande régulo de Missirá, o ex-alferes Jorge Cabral, que saúdo com amizade.

Arsénio Puim

____________

Notas de L.G.:

(*) Vd poste de 16 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2847: Convívios (57): CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Viseu, 26 de Abril (Jorge Cabral)

(**) Vd. poste de 10 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2092: Antologia (61): Tempestade em Bissau (Mário G. Ferreira)

Mário G. Ferreira, Tempestade em Bissau: Ano 1970. Lisboa: Pallium Editora. 2007. 216 pp. Preço 14 €.

O autor foi Alf Mil da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1527: Lista de ex-militares da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (Benjamim Durães)

(***) Vd. poste de 14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4521: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (1): No RAP 2, V.N. Gaia, onde fez mais de 60 funerais

(***) Vd. poset de 3 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 – P4455: Estórias cabralianas (50): Alfero, de Lisboa p'ra mim um Fato de Abade (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P4664: Blogoterapia (116): Os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são (José Martins)

1. Comentário do José Martins (na foto, o primeiro da direita), a comentário de um leitor do nosso blogue, estranhando o espaço que foi dado à manifestação da nossa solidariedade na dor e no luto, por ocasião da morte da Maria da Glória (*):

Não tenho Ordens nem Formação Eclesiástica. No entanto, entendo o que se passa nas Celebrações da Igreja Católica Romana, e quais os objectivos das mesmas.

A nossa presença numa missa de exéquias, sufragando alguém, é, sendo praticantes e crentes, uma manifestação de Fé; se somos católicos, porque nessa fé fomos baptizados mas não a seguimos de perto, é um acto de solidariedade.

Porque é que se encontravam presentes membros da nossa tertúlia? Porque o Mário e a Cristina (**) pisaram a mesma terra que nós – a Guiné – e, como já foi dito e fez escola, “os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são”. A Glória também é nossa filha!

Mas, o acaso proporciona algumas surpresas.

Se a nossa atenção acompanhou as leituras – a do Antigo e do Novo Testamento – e superiormente comentadas pelo Cónego Feytor Pinto, que para quem conheça a sua eloquência, não é estranho, ouviu a “história dos Doze”. Do AT [Antigo Testamento] os 12 filhos de Israel, do NT [Novo Testamento] os 12 Apóstolos, ou seja, o trabalho desenvolvido propõe a esses “eleitos” trazer ao Seu convívio, o maior número de elementos.

Haverá alguma relação, por muito estranha e/ou forçada que pareça, com o aparecimento e crescimento do nosso blogue? Poucos, no princípio apenas um, mas que hoje, efectivamente declarados, somos mais de 350, além dos que se intitulam “apenas leitores”? Fica a pergunta.

Também não quero deixar de referir que, imediatamente antes do final da missa, na altura em que o Ministro abençoa os presentes e deles se despede, subiu ao Ambão uma senhora que, pensava eu, iria alertar os paroquianos para qualquer evento ou facto que fosse motivo de aviso.

Mas não. Com voz suave e firme, apesar embargada pelo momento, soaram palavras de alguém que conheceu a Glória desde sempre e de muito perto, como vim a saber mais tarde, que nos transmitiu “um pedaço de si mesma e com muita saudade” mas que foi uma autêntica oração e elogio à Locas.

José Martins

__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 9 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4660: In Memoriam (26): Fazendo o luto pela Maria da Glória e agradecendo a todos a solidariedade (Mário Beja Santos)

(...) Não vejo qualquer interesse público no exercício desta elegia que me parece excessiva, tanto por não saber de quem se trata como por não entrever qualquer dimensão da defunta (rip). Sede comedidos, senhores. (...)

Comentário de um leitor, anónimo, e posteriormente assumido e assinado por Salvador Nogueira.

(**) O Beja Santos tem uma vastíssima e regular colaboração no nosso blogue. A Cristina Allen, por sua vez, publicou os seguintes postes:


9 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3713: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (1): Just married...

8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3850: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (2): Quarto, precisa-se, por favor!

19 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3913: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (3): Quanta chuva, Mário ?


24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3933: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (4): Cenas, pouco edificantes, de caserna, que não contarei...

24 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3667: As Nossas Mulheres (2): De Bissau a Lisboa, com amor (Cristina Allen)

Guiné 63/74 - P4663: Blogpoesia (53): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (VIII Parte): Da Monarquia Constitucional à República

Portugal > Proclamação da República em 5 de Outubro de 1910 > Alegoria (desconheço o autor)

Fonte: Página oficial da Assembleia República (com a devida vénia...)


Lisboa > Terreiro do Paço (antes do terramoto de 1755) > Azulejos (pormenor) > Casa do Alentejo > 17 de Janeiro de 2009.

Foto: © Luís Graça (2009). Direitos reservados.


VIII parte da História de Portugal em Sextilhas, escritas pelo Manuel Maia, licenciado em História (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74). Texto enviado em 4 de Julho último (*).


Da Monarquia Constitucional à República

221-De Trás-os-Montes sai Barão Casal
a perseguir escocês, anti-liberal,
que as forças miguelistas comandava.
Centenas, lá por Braga, chacinou
chegado à Invicta, entrada não ousou
pois líder da cidade intimidava...


222-À Causa Setembrista há uma adesão
dum velho general que passa então
a comandar, nas Beiras, Patuleias.
Chegado ao Porto, Póvoas, o visado,
ficou deveras entusiasmado
ao ver no povo a força das ideias...


223-Com frota para o sul cedo zarpou,
Sá da Bandeira em Lagos aportou,
p´ra juntar forças lá p´ro Alentejo.
Ocupa a capital do rio Sado,
permanecendo ali, qual sitiado,
à espera dum levante, junto ao Tejo...


224-Ao Porto é enviado um emissário
da quádrupla aliança mandatário
p´ra suspender a fratricida guerra.
Proposta já prevê uma amnistia
que aos revoltosos dava a garantia
de livres eleições na sua terra.


225-Recusa o Conde de Antas tal proposta,
com quatro barcos ruma junto à costa,
disposto a invadir a capital.
Travão disuasor da inglesa esquadra,
em plena Foz na altura fundeada,
levou à rendição do general.


226-De pouco ou nada valem os protestos
da junta, p´la ingerência e manifestos
que o Almirante Maitland debitava.
Os Passos combateram bravamente,
Saldanha, que avançara finalmente,
e em Grijó revolta terminava...


227-Gramido vai trazer a rendição,
dos Patuleias sob condição,
de acordo que jamais será cumprido.
Cabral ao regressar gera sarilho,
num fervilhar de ódio, qual rastilho
pois vencedor humilhará vencido...


228-Matosinhenses meios abastados,
geraram dois irmãos mui bem fadados,
mostrando p´ra política aptidões.
Nas guerras liberais estão envolvidos,
na Patuleia esforços são perdidos,
derrota sofrem manos de Guifões...


229-Brutais espancamentos e prisões,
recriam novamente as condições
p´ro eclodir de outra situação.
De novo o Porto tem papel fulcral
ao sediar revolta inicial,
que a História chama Regeneração.


230-A Invicta reclamou uma vez mais
amor à liberdade e ideais,
na rua clama o fim da repressão.
Saldanha, Regeneradores comanda,
a roda p´ros Históricos desanda,
partiu Cabral, rejubilou Nação...


231-Depois desta Maria Educadora,
o filho Pedro Quinto surge agora
p´ra um curto mas profícuo reinado.
Combóio fez rolar entre os carris,
telégrafo implantou desde a raíz,
consigo esclavagismo é extirpado...


D. Pedro V de Portugal (nome completo: Pedro de Alcântara Maria Fernando Miguel Rafael Gonzaga Xavier João António Leopoldo Victor Francisco de Assis Júlio Amélio de Bragança, Bourbon e Saxe Coburgo Gotha). Nasceu e morreu em Lisboa, no Palácio das Necessidades, a 16 de Setembro de 1837 e a 11 de Novembro de 1861, respectivamente. De cognome, O Esperançoso, O Bem-Amado ou O Muito Amado, era o filho mais velho da Rainha D.Maria II e do príncipe consorte D.Fernando II, de origem alemã.

Reinou de 1853 a 1861. Foi o mais culto dos reis da monarquia constitucional. Foi o 32º monarca portugês. Sucedeu-lhe o irmão D. Luís.

Filomena Mónica escreveu sobre ele uma notável biografia, editada por Círculo de Leitores e Temas e Debates (2007).


Fonte: Wikipédia. Imagem do domínio público.



232-Senhor de uma cultura de invejar,
partiu p´ra Europa, dado a viajar,
na busca do melhor para o seu povo.
Mal começara as lides do reinado
enfrenta as febres, vive atormentado,
morrendo, já viúvo, moço novo...


233-Após D. Pedro vem, rei Popular,
Luis, que o Porto irá remodelar
com obras de que a urbe carecia.
A doca de Leixões, Palácio e pontes
irão rasgar, por certo, horizontes,
passando o sonho além da utopia...


234-Para obstar a crítica bem dura
de compadrio com a escravatura,
na África distante e ignorada,
a lusa Sociedade de Geografia
apoia expedição que se exigia,
em gesta mui difícil e ousada...


235-O fito foi tomar conhecimento,
fortalecer presença no momento,
da imensidão da África que estranham.
Exploradores partiram co´a intenção
de se empenharem numa ligação
terrena, entre oceanos, que a banham.


236-Projecto português intenta unir
Angola a Moçambique e permitir
a ligação das costas via terra.
Com alemães convénio é definido,
mal mapa cor de rosa é conhecido
tão logo surge atrito co´a Inglaterra.


237-Orgulho de Tendais, país profundo,
um luso, Serpa Pinto, homem do mundo,
tal como, em S.Miguel, Ivens é tido.
Soltando seus vagidos em Palmela ,
Capelo engrandeceu terra já bela,
com feito tão brilhante cometido...


238-Zarparam Serpa Pinto, Ivens, Capelo,
catando com minúcia e com desvelo,
do Zaire e do Zambeze a foz ignota.
Mau grado algum prestígio p´ra Nação,
não fôra conseguida a ligação
difícil, face aos p´rigos dessa rota...


Selo de 25 réis, com a efígie de D. Carlos I, 34º Rei de Portugal. Reinou de 1889 a 1908. Foi assassinado com 44 anos, juntamente com o príncipe herdeiro Luís Filipe.

Fonte:
Wikipédia. Desenho e Gravura: Eugéne Mouchon. Print: Tipográfica, na Casa da Moeda. (Private collection Henrique Matos) (com a devida vénia...).


239-A ideia desta ligação por terra
chocava com interesses da Inglaterra,
em cuja zona intenta pôr a pata.
A prepotência gera o Ultimato,
D. Carlos cede a tal desiderato,
começa mal reinado o Diplomata...


240-Pintor sensível, fino aguarelista,
da natureza amante e desportista,
D. Carlos foi rei culto e estudado.
P´lo mar apaixonado há muitos anos,
investigou a fauna aos oceanos
a bordo do Amélia, requintado.


241-Do rei, republicanos fazem réu
com estigma de traição, forte labéu,
no Porto vai estalar revolução.
Janeiro de oitocentos, nove e um
o trinta e um virou dia incomum,
revolta só a custo tem travão.


242-Surgiram n´ultramar rebeliões ,
Mouzinho, em Chaimite, impôs galões,
ao soba Gungunhana, alta figura.
D. Carlos, portugueses quer unidos,
e p´ra pôr termo à guerra dos partidos,
forçou o João Franco e a ditadura.


243-Centúria nova, oitavo ano, fevereiro,
a tarde era do seu dia primeiro,
de volta ao paço está coche real.
Buissa despejando a sua ira,
ao rei e um infante a vida tira,
está perto a monarquia, do final.

244-Reflexo do desfecho violento,
país estremeceu, nesse momento,
face à assassina sanha ocorrida.
Republicanos vão forçar acções,
capazes de criar rebeliões,
que hão-de conduzir a nova vida.

245-Imposta a João Franco a retirada
por incapacidade demonstrada,
foi acto de pressão sobre o infante.
Nem mesmo a Acalmação vai trazer frutos
pois sete vezes surgem substitutos,
mas monarquia está agonizante...

246-El-rei D.Manuel, adolescente,
revolta quer travar mas é impotente,
e o povo extravasa, chega ao rubro.
República terá seu nascimento
um dia após proclamação de evento,
mil novecentos dez, cinco de Outubro.

Manuel Maia

[ Fixação / revisão de texto / selecção de imagens: L.G.]

__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

2 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4274: Blogpoesia (43): A história de Portugal em sextilhas (Manuel Maia)

3 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4278: Blogpoesia (44): A história de Portugal em sextilhas (II Parte) (Manuel Maia)

6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4290: Blogpoesia (45): História de Portugal em Sextilhas (Manuel Maia) (III Parte): II Dinastia, até ao reinado de D. João II

15 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4351: Blogpoesia (47): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (IV Parte): II Dinastia (De D.Manuel, O Venturoso, até ao fim)

3 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4456: Blogpoesia (48): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (V Parte): III Dinastia (Filipina)

22 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4561: Blogpoesia (49): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (VI Parte): IV Dinastia (Brigantina) (até 1755)

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4610: Blogpoesia (51): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (VII Parte): De Pombal (1755) até ao regente D. Miguel (1828)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4662: Tabanca Grande (159): António João Sampaio, ex-Alf Mil da CCAÇ 15 e Cap Mil da CCAÇ 4942/72 (Guiné, 1973/74)

1. Mensagem de António João Sampaio, ex-Alf Mil na CCAÇ 15 e Cap Mil na CCAÇ 4942/72, Barro, 1973/74, com data de 8 de Julho de 2009:

Caro amigo
Desde o passado dia 20

Como vizinho aqui em Leça, abuso ao mandar-lhe algum material. Já mandei ao Graça ainda antes de Monte Real sobre um comentário que está inserto no blog sobre a 4942/72 em Barro, que ainda não vi publicado. Mais tarde em 24 de Junho mandei mais uma página (só aos poucos é que vou conseguindo alguma coisa) que ainda não vi também publicada.

Admito que da minha parte houve duas falhas de extrema importância. Não mandei nenhuma das fotografias pedidas e também não me identifiquei suficientemente.

Para si mando um documento com 3 fotos (actual, CCAC 15 e 4942) e outro que é a tal 1.ª página de algumas recordações do que por lá se passou.

Peço também ajuda para tentarmos encontrar o camarada Alf. Lima, que foi um companheiro inestimável.

Obrigado.


Agora... quem sou eu

António João Sampaio
Parambos – Carrazeda de Ansiães

05983269
Alferes na CCAC 15
Capitão na 4942/72

Hoje:
Médico Veterinário (reformado por invalidez)
Consultor na área empresarial na AEP (Parque Invest)
Residente em Leça da Palmeira

Sou novo nestas andanças deste Blogue.

Obrigado ao Luis Graça por ter aberto a porta do sótão a muitos que, provavelmente como eu, teimavam em não deixar sair a poeira.

Graças ao amigo Mexia Alves, meu padrinho na CCAÇ 15, já estive presente no Encontro do Paúl, este ano e prometo que vou mandando notícias à medida das possibilidades e dos acasos.

Da minha estadia naqueles azimutes, faço questão, a não ser que o impeçam, de dar conhecimento do que de relevante foi ocorrendo.

Por questão de a propósito não vou respeitar a ordem cronológica das histórias mas terei sempre o cuidado de as enquadrar no tempo.

Como súmula de todo o tempo, este amigo foi para a Guiné em Outubro 1973, fazer o CCC. Saiu-lhe na rifa a CCAÇ 15. Passou Abril e os primeiros dias de Maio no continente e seguiu novamente para o CTIG, até ao fim da nossa presença.

E agora o folhetim, que o meu amigo fará o favor de filtrar como bem entender, por forma a não se tornar chato.

Um abraço
António Sampaio



Contributo sobre a CCAÇ 4942/72
O encontro


Tudo o que aparece na Blogue corresponde à verdade.

Eram uns valentes que conseguiram resistir à Guiné, ao IN e também às outras adversidades, que provavelmente não foram as menos importantes e de quem guardo grandes e boas recordações.

Era um grupo heterogéneo, soldados Madeirenses com um número significativo de refractários e alguns desertores (O Mosca era um deles salvo erro), com graduados e também alguns especialistas do continente. Guardo deles uma imensa saudade e para isso nada melhor que recordar.

O nosso encontro foi completamente casual.

Tinha acabado de chegar a Bissau, onde como é sabido, por norma se passavam alguns dias a gozar a messe e a piscina.

Para um recém graduado capitão era esperada uma estadia de dez a quinze dias até haver colocação.

Mas eis que de repente (que me desculpe o Júlio Dantas), ainda não tinha aquecido a cadeira, surge o impedido do Cmdt da 1.ª Rep (Ten Cor Delgado, salvo erro) que me informa que sou chamado de urgência ao QG.

- Ó Sampaio, também sou ex-aluno do Colégio Militar (situação incontornável para qualquer ex-aluno), temos um problema com a Companhia de Barro que tem de ser resolvido por gente com o nosso perfil (??????????), blá, blá, blá, blá, blá, blá. Embarcas no TAIGP com o Pombo amanhã da manhã para Ingoré. Vai contigo o Alf Comando Africano ??? que vai tomar conta da CCaç de Bigene e vai ficar directamente ligado ao comando de Barro até se fazer a ligação com o Batalhão de Ingoré de quem os dois vão depender operacionalmente.

Assim, setenta horas depois de ter aterrado em Bissalanca no célebre Boing 707 dos TAM, pilotado pelo Major Quintanilha e sua tripulação. Como gostava de conhecer o homem que me levou das duas vezes para a Guiné para lhe agradecer o valente cagaço que nos pregou quando na primeira vez se apresentou.

- Fala-vos o Major Quintanilha. Sobrevoamos neste momento Dakar, capital do Senegal, país com quem Portugal não mantém relações diplomáticas. À nossa asa poderão ver dois Fiat que tentarão evitar que sejamos atingidos por um míssil inimigo. (Foi a maneira encontrada para dar as boas-vindas e o povo agradeceu)

O que transcrevo foi a informação exacta que me deram da situação em que me iam meter.

A realidade só mais tarde a descobri. Primeiro em Ingoré onde me foi feito o ponto da situação conhecida e nessa noite já em Barro, onde a CCS do Batalhão de Ingoré me foi levar, já que de Barro ninguém respondia às mensagens rádio que foram sendo enviadas desde as 10 horas da manhã até cerca das 4 da tarde.

Com a escolta da CCS de Ingoré, com um saco mochila e uma mala ainda não desmanchada desde Lisboa, cheguei por volta das 5 da tarde ao que era suposto ser o quartel de Barro, mas onde não se via ninguém fardado, não havia porta de armas e o que havia mais dentro das instalações era africanos da aldeia.

Passados uns minutos, já no chão da parada e só, porque tinha mandado a escolta embora, apareceu o primeiro branco, à civil que me disse ser o Alferes Lima.



3. Comentário de CV:

Caro camarada António Sampaio, de acordo com as normas vigentes na Tabanca Grande, entre os Tertulianos não há qualquer distinção entre os antigos postos militares, estes servem apenas como referência à nossa actividade como ex-combatentes; idades, somos todos velhos companheiros de luta; habilitações literárias; profissão, assim como a posição que cada um ocupa presentemente na sociedade. Isto, porque só uma coisa nos une, a Guiné. Une-nos aquele chão, aquele povo, aquelas matas, as horas difíceis que vivemos, a fome, a sede e tudo o mais que descrevemos nas nossas memórias.

Posto isto, em nome da Tertúlia, deixo-te um abraço de boas-vindas, com votos de que venhas, com as tuas histórias, aumentar as nossas páginas recheadas de testemunhos, contados por aqueles que sentiram na própria pele os efeitos daquela guerra.

Antes de terminar chamo a atenção para o pedido do nosso novo camarada António Sampaio que quer localizar o Alf Mil Lima que foi encontrar em Barro.
CV
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4640: Tabanca Grande (158): José Albino P. Sousa, ex-Fur Mil Inf do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Bula e Tite, 1969/71)

Guiné 63/74 - P4661: Blogoterapia (115): As nossas idiossincrasias (José Brás / António Matos)

Nota prévia do blogmaster, Luís Graça:

O nosso blogue não pode, sob pena de se desvirtuar completamente, transformar-se numa arena de combate, alimentar mais polémicas motivadas por razões pessoais, idiossincrasias, questões bizantinas, conflitos de personalidade, diferenças de sensibilidade, dissonâncias cognitivas, défices de informação e conhecimento, estatutos sócio-culturais, subtilezas semânticas e conceptuais, divergência de opiniões político-ideológicas, etc....

Só há duas coisas que podem ser letais para a este projecto que é já único na Net, o nosso blogue e a nossa Tabanca Grande:

(i) a intolerância (religiosa, ideológica, política, étnica...);

(ii) os excessos de linguagem (sob a forma de picardias, insultos, etc.).

As nossas eventuais divergências, a existirem e, sobretudo, a transformarem-se em conflitos de opinião (manifestos, abertos...), passarão a ser apenas veiculadas internamente, através da nossa rede interna, ou seja, não sairão do perímetro da nossa Tabanca Grande (mesmo sabendo nós que as nossas moranças não têm portas nem janelas, que não há nenhum perímetro de "rede de arame farpado", postos de sentinela, abrigos, valas, campos minados, etc.)... Nem a G3 nem a Kalashnikov são autorizadas a entrar na nossa Tabanca... Nem mesmo de plástico...

Claro que se mantém a liberdade de comentar os postes, desde que os comentários respeitem o essencial das nossas dez regras editoriais....

Este deverá um dos últimos postes que publicamos, no blogue, cabendo no conceito de polémica (envolvendo, neste caso, três camaradas nossos, o Constantino Costa, o José Brás e o António Matos)...

A nossa vocação primordial não é alimentar polémicas, é contar histórias, é produzir e divulgar informação e conhecimento sobre a guerra colonial de que fomos protagonistas, entre 1963 e 1974. É também partilhar afectos e reforçar laços de camaradagem... É ainda, subsidiariamente, reforçar laços de solidariedade com o povo da Guiné...

Der Krieg ist vorbei, war is over, la guerra c'est finie, la guerra è finita, la guerra ha acabado, a guerra acabou... Peço a melhor compreensão de todos os amigos e camaradas da Guiné, onde quer que estejam. A razão é simples: eu, o Carlos, o Eduardo e o Virgínio, nenhum de nós tem já idade, tempo e... pilhas Duracell para fazer outra guerra ou mais guerras... L.G.


1. Mensagem, com data de 7 do corrente, do José Brás (foto acima, em conversa com o Vasco da Gama, na Quinta do Paul, em 20 de Junho último, no nosso IV Encontro Nacional),

Caro Luís

Desculpa os incómodos que te criei e ao blogue com o meu último post (*). Talvez que por escrito em cima do coração, deixou alguns equívocos e, naturalmente, de quentes reacções por aí.

Tenho que esclarecer algumas questões que ficaram abertas após o desiderato, em dúvida se o devo fazer pessoalmente para endereço dos que reagiram, ou mesmo e de novo para o próprio blog.

Certo é que, se a Henrique Silva não quero responder seja o que for, a António Matos, sim, pelo seu estatuto de tertuliano, pela sua franqueza aberta, pela sua crítica mais sugerida que explicita.

E quero desde logo confirmar o que disse, ainda que possa aceitar que havia outras formas e estilos para o fazer.

Afinal seria absurdo recusar os reparos do António Matos e aceitar os outros que já me enviou noutras ocasiões, empolgantemente positivos.

A vida é mesmo assim, e ter algum dia concordado sobre opiniões, factos e estórias, não obriga ninguém a concordar sempre no futuro. Necessário é que desacordos episódicos não prejudiquem abordagens e convívios futuros.

Fala o António do insulto explícito e soez que parece institucionalizar-se no blog, generalizando mas ficando claro que o que lhe motivou a palavra foi o meu post.

Fala também de 'protagonismos exacerbados', porque ofensivos de todos aqueles que não têm capacidade para intervir.

Também que escouceia perante primarismos políticos (melhor será dizer pseudo-políticos), verborreia facciosa, convicções de autoridade por demonstrar.

Não cito mais nada porque o que quero dizer é que o António ou está enganado ou leu mal o que eu disse ou eu disse o que não queria dizer.

Primeiro!

Não há aqui qualquer questão pessoal na minha reacção ao último escrito do Constantino que não pode separar-se de outros anteriores quer lhe li já. Excepto se se pode chamar de guerra pessoal à expressão de duas visões opostas sobre um mesmo assunto, consequência inevitável de velhos convívios, de crescimentos em ambientes culturais distintos, de abordagens por vias diferentes, às vezes apenas por ocasionais acidentes de percurso que acabam por marcar a perspectiva de cada um.

Recuso é a afirmação sobre primarismos pseudo-políticos, de verborreia, autoridades por demonstrar, linguagem que, se tomada a sério, teria também, por um lado, de ser tida como ofensa, e por outro lado, denúncia também de alinhamentos, neste caso, do outro lado daquele que António Matos me atribui.

Caros camaradas, não é em Constantino pessoa que eu invoco sinais de fascismo e de Salazar.

Precisemos. O fascismo não foi uma realidade virtual que nos últimos tempos em diversas sedes se tem tentado lavar. Existiu, perseguiu, recusou o andamento da história, atrasou este Pais em termos civilizacionais.

É no entanto errado atribuir apenas aos cinquenta anos de Salazar tal prática, porque durante séculos, a persistente mentalidade feudal nos marcou a todos, pessoas, pensamento, acção, de forma mais clara ou mais dissimulada, na maioria dos casos sem que se possam apontar culpas individuais e, se ao sistema, se poderão atribuir a todos, eu e tu incluídos...e naturalmente o Constantino.

As diferenças entre nós situam-se na abordagem ao problema da guerra colonial, ainda que possa acontecer que nem colonialistas tenhamos sido no significado verdadeiro e pleno do conceito político, social e económico da palavra.

Eu prefiro e essencializo a abordagem ao movimento global da descolonização, o direito à independência das regiões e das pessoas ocupadas pela força desde séculos e pela penalização de milhares de jovens que nunca tiraram nada desses povos e eram lançados, queiramos ou não, na repressão das ânsias dos povos ocupados, sofrendo, morrendo, voltando de aparente saúde mas com marcas indisfarçáveis.

Outros, incluindo ao que parece o Constantino, preferem abordar a questão pela honra da companhia, pela lendária valentia deste povo, pela ideia da obrigação de cumprir deveres patrióticos (e aqui nos irmanamos porque também eu adopto a ideia, mesmo que me seja ainda confusa a ideia do patriótico), pelo conceito de vitória ou derrota militar.

Não se estranhe que afirme que de Constantinos (sinais) está o mundo cheio, porque eu próprio sou isto e não outra coisa, em resultado do meu convívio nas vinhas de Alenquer com gente espoliada de tudo, incluindo a dignidade, com gente que saía das Beiras por nove meses de trabalho duro no Sul com pagamento escasso e tratamento de animais de carga, com gente que dava o salto logo que podia e fez de Paris a segunda cidade portuguesa.

E é isto ideologia barata ou apenas a postura consequente a um humanismo formado assim...à sombra do tal fascismo?

Na Guiné não tinha eu obrigações de participar nas saídas, nas emboscadas que fazíamos, nas patrulhas e colunas. Fi-lo muitas vezes apenas por incapacidade de ver outros em risco e, outras vezes, confesso, também por esse apelo estranho (e talvez condenável) do próprio risco.

Não sei se matei ou não, sei que disparei e muito. Sei que vi morrer. Nada que se compare às 16.000 minas que desmontaste.

Quanto à retórica que evoca o António, signifique na dele, "arte de bem falar", "discurso pomposo mas vazio" ou "palavreado inútil", não me apetece comentar já que tenho a certeza fundada naquilo que o António escreveu e eu li, havemos de amigavelmente e sem receio de diferenças, abordar com um bom vinho português na mão.

Aqui, acabou a polémica para mim e, se tu, Luís achares que nem deve ser editado (por via de protagonismos exagerados) nem o publiques, envia-o só ao António Matos com o meu abraço (não encontro o seu endereço na lista).

Nota: Como saiu e sem qualquer revisão, trabalho sem rede, portanto.

2. Mensagem de 8 do corrente, do António Matos (foto à esquerda), o homem das 16 mil minas, que tive o prazer de conhecer ao vivo, na missa do 7º dia da morte de Maria da Glória:


Como poderia eu deixar para amanhã uma reacção a este email do José Brás ?

Seja-me permitida uma pequena vaidade ao dizer-vos que sou transmontano e isto para emoldurar uma "fotografia" que pretendo não fique desfocada, bem pelo contrário, dê a possibilidade de se lhe verem os pormenores e os contornos mais íntimos e intimistas.

Por formação, por educação e muito também pelo que a vida me ensinou, reconheço-me como visceralmente honesto ainda que isso nada tenha a ver com o ser o senhor da verdade.

Regra geral também escrevo ao sabor do dedo, sem correcções e não tenho como norma a escolha das palavras certas para a ocasião certa.

Pretendo que a frontalidade não seja maquilhada de modo a torná-la mais suave mas isso tem custos por vezes difíceis de pagar.

Finalmente permitam-me que, numa auto-apreciação, eu diga que o sarcasmo é algo que aprecio e cultivo mas, como não tenho obra publicada, ninguém sabe se estou a zurzir ou se, dessa vez, falo sem subterfúgios.

Muito bem, postos estes pontos prévios e não indo ser tão exaustivo quanto o José Brás, limito-me a apreciar as consequências das interpretações do que se não-disse-mas-que-ficou-a-ideia-de-ter-dito-sem-dizer.

E tudo isso a par do que se-disse-e-se-queria-mesmo-dizer !

Comecemos pelo 2º ponto :

- Não apreciei a forma do discurso do José Brás relativamente ao Constantino porque (como disse no meu comentário) aquilo era mais próprio de uma troca de opiniões no recato dos dois e não duma discussão aberta. Deu ideia do tal pedido de aplausos.

- Não apreciei o argumento do recurso ao fascismo por manifestamente gasto e já pouco credível neste género de conversas. Como não apreciaria o recurso a qualquer tipologia esquerdista, quiçá comunista, para idênticos fins argumentativos.

- Apreciei a explanação do Constantino e, como disse também, a verosimilhança do descrito.

- Notei alguma similitude com o meu esquema mental que já tinha elaborado após as leituras várias sobre o caso Guileje e que me levou a equacionar uma estória mal contada, essa da retirada by Coutinho e Lima.

Vamos ao ponto 1:

Limito-me a sossegar o espírito do José Brás no que toca às minhas referências ao useiro insulto explícito e soez, à verborreia facciosa, aos protagonismos exacerbados, aos primarismos políticos, etc., et., etc.. pois tudo isso se refere a outro interveniente e não foi o teu post que me motivou a palavra.

É por demais evidente que não vou apelar à honra da palavra pois essa guardo-a para coisas importantes.

O fim de semana passei-o sem acesso à internet o que provocou que, no domingo à noite, ao abrir a máquina e entrando no blog, tivesse visto umas dezenas várias de posts e comentários, muitos àcerca de Guileje ( sempre Guileje! Já enjoa!), redigidos num português que fazia pouco sentido à minha capacidade interpretativa e onde pontificavam aqueles conceitos de forma avulsa e, esses sim, motivaram a minha palavra.

José, querendo crer que aceitas o que acabo de escrever, permite-me que, por outro lado, ao retirar quatro parágrafos do teu post te diga que me caíram muito mal e considerei-os extremamente ofensivos e aos quais reagi.

(...) Constantino... se chama o motivo (**). Não apenas Constantino... porque sei de saber experiente que de Constantinos está o mundo cheio e que, como fala do povo, "não me (nos) ofende quem quer, só ofende quem pode". (...)

(...) A minha angústia começa mesmo é quando me pergunto se terei de conviver, de habitar sob o mesmo teto (leia-se, tabanca), de chamar amigo e camarada, a um tipo com a mentalidade que exibe o senhor, discutir com ele questões que me arrepiam porque debatê-las assim é já, de alguma forma, aceitar-lhes um pó de razoabilidade nas diatribes sobre a vida de seres humanos, seus conterrâneos (e ainda que não fossem), arrebanhados contra vontade para uma empresa sobre a qual tinham mais que muitas dúvidas (sic). (...)

(...) Tudo em nome de uma alegada 'honra da companhia', do dever de imolação no altar da Pátria, de um heroísmo velho e anacrónico face ao movimento da história e à existência dos restos do Império sonhado (com outra desculpa histórica) pelos nossos antanhos.

Para este peditório já dei. (...)



Sem mais explicações porque as não há, recebam um abraço e fico à espera da melhor ocasião para apreciarmos esse vinho e a cereja no topo do bolo seria ...... a presença do Constantino !

António Matos

___________

Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4649: Blogoterapia (114): A Honra da Companhia, os fantasmas de Guileje, os limites da tolerância (José Brás / António Matos)

Guiné 63/74 - P4660: In Memoriam (26): Fazendo o luto pela Maria da Glória e agradecendo a todos a solidariedade (Mário Beja Santos)

Lisboa > 2009 (?) > A Maria da Glória, "uma menina à janela", num dos seus melhores momentos dos últimos anos, que foram muito sofridos... Foto que a mãe Cristina fez questão de mandar digitalizar e enviar para o blogue...

Foto: © Cristina Allen / Beja Santos(2009). Direitos reservados

Lisboa > Adro da Igreja do Campo Grande > 8 de Julho de 2009 > c. 19h30 > A Cristina Allen, na missa do 7º dia por alma de sua... Uma grande dignidade na dor e no luto... E sempre de perto acompanhada pela sua filha Joana (que esteve presente, com o seu marido, o italiano Sérgio).

Lisboa > Adro da Igreja do Campo Grande > 8 de Julho de 2009 > c. 19h30 > À missa do 7º dia por alma da Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009), também compareceu o filho mais novo régulo Malan Soncó, de Missirá, ao tempo do Beja Santos (Pel Caç Nat 52) e do Jorge Cabral (Pel Caça Nat 63)... Na altura, teria 7 anos...Hoje vive em Lisboa. Abudul Soncó, de seu nome próprio, se não me engano. Ei-lo aqui, representando as gentes do Cuor, de Missirá e de Finete, que tanto acarinhavam o nosso alfero Mário Beja Santos....


Lisboa > Adro da Igreja do Campo Grande > 8 de Julho de 2009 > c. 19h30 > Era a missa do 7º dia por alma da Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009) que nos deixou aos 32 anos... Muitos amigos e amigas da Glória (incluindo a Sofia e o Pedro, jornalistas), mas também malta do nosso blogue, quiseram associar-me à cerimónia, presidida pelo Cónego Feytor Pinto.

Na foto, reconhecem-se da esquerda para a direita: O Artur Conceição, o Jorge Cabral, eu próprio, o António Marques e o José Martins (na primeira fila); o Virgínio Briote, o Raul Albino, o António Matos e o Alberto Branquinho... Falta aqui o Fernando Calado, que estava no início da missa, mas que depois não voltei a ver. A foto foi tirada pela Alice. Quisemos simbólica e discretamente manifestar ao Mário, à Cristina e à Joana que os filhos dos nossos camaradas da Guiné também nossos filhos são... E somos solidários com os nossos camaradas na dor e na alegria...

Dos muitos camaradas que não puderam comparecer, devido à distância, destaco o Manuel Maia, que reside na Maia, o nosso vate do Cantanhez, o autor da História de Portugal em Sextilhas:

Caro Luís, tal como todos,fiquei chocado om a morte da filha do Beja Santos. Pelo que li fiquei a saber que tinha a doença bipolar já desde 2006. Também soube que, dada a sua grande paixão por Sintra, ali seriam depositadas as suas cinzas. Fiz esta sextilha que não sei se deva enviar-lhe (...).


ROUBADA MUITO CEDO DESTA VIDA,
DE BEJA SANTOS, LOCAS, FILHA QUERIDA,
TRINTA E DOIS ANOS, SETE EM SOFRIMENTO.
COM SINTRA A LIGAÇÃO ERA TÃO FORTE
QUE EM ESCOLHA DO REPOUSO NO PÓS MORTE
QUIS CINZAS LÁ ESPALHADAS PELO VENTO.



Obrigado, Manel, já foi entregue e seguramente foi muito apreciado pelo Mário, a Cristina e a Joana o teu gesto de carinho.

Também o nosso Paulo Raposo, que foi Alf Mil da CCAÇ 2405 (Galomaro/Dulombi, 1968/70) no tempo do Beja Santos, lhe mandou a seguinte mensagem:

Meu querido Beja Santos, meu ex-camarada de armas, meu amigo do peito, meu irmão na fé.

Também tenho filhos da idade dos teus. Só cada um pode avaliar no que lhe vai na alma.

Mandei celebrar missa amanhã às 8.30 na Igreja Matriz de Montemor em memória da tua querida filha.

Agora vivemos na fé depois viveremos na Luz.

Um abraço muito forte deste que te quer bem.-

Paulo


De mais longe ainda, de Xangai, na China, o António Graça de Abreu mandou um abraço solidário, sem quaisquer ressentimentos e num gesto que eu apreciei muito (por razões que cada um deles sabe), :

Camarada Beja Santos: Desde Xangai,no falecimento da tua filha, um forte abraço.
Antonio Graça de Abreu


Muitos outros camaradas e amigos deixaram comentários nos dois postes que publicámos (*).

Fotos: © Luís Graça (2009). Direitos reservados


1. Mensagem do Mário Beja Santos:

Luis e Malta:

Foi muito bom receber o vosso calor, até as vossas lágrimas, mas sobretudo a vossa companhia e os inúmeros testemunhos da vossa consternação. O blogue ali estive em peso, a dar-me a força que torna a dor(um pouco mais) tolerável. (*)

Para todos o que me abraçaram, me escreveram de perto e de longe, o penhor da minha gratidão. Agora, tenho por diante a substância do meu luto, na companhia dos que amaram profundamente a Locas.

A Cristina está a preparar um texto para o blogue referente à paixão da Locas pelos panos guineenses. Deixo-vos uma imagem da minha adorada filha no esplendor da sua beleza.

O blogue está sempre comigo, estou emocionado com os textos do Cherno Baldé, que grandeza a deste testemunho! E volto ao trabalho, dei-te ontem o livrinho sobre os cosméticos, vêm aí mais dois para Setembro, estou a acabar um programa de educação do consumidor online para os serviços da Comissão Europeia sobre consumo sustentável e depois atiro-me furiosamente à Mulher Grande (salvo seja!).

A ver se vou visitar o nosso Querido Vasco da Gama nas férias de Agosto, tenho ali um amigo e peras. Recebam todos a minha gratidão, Mário.
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:
6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4645: In Memoriam (25): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009): Missa do 7º dia, 4ª feira, 19h, Igreja do Campo Grande


6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P4659: Parabéns a você (12): Dia 9 de Julho de 2009 - Joaquim Peixoto, ex-Fur Mil da CCAÇ 3414 (Sare Bacar, Cumeré, Brá, 1971/73)

Guiné > Zona Leste > Contuboel > Tabanca dos arredores > CCAÇ 2479 (1968/69) > Um instruendo, de etnia fula, cuja identificação se desconhece... A placa rodoviária assinala alguns das povoações, mais importantes, mais próximas, incluindo Sare Bacar (39 km), mesmo na fronteira com o Senegal (vd. carta de Paunca), onde esteve o nosso aniversariante de hoje, o Joaquim Peixoto, professor do 1º ciclo do ensino básico... É uma pequena lembrança dos nossos editores que aproveitam, para lembrar ao Peixoto, a necessidade de ele mandar "notícias e fotos" lá da terra (Sare Bacar)... Parabéns ao Peixoto que entra para o Clube dos SEXA, Suas Excelências.

Foto: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados


1. Hoje dia 9 de Julho de 2009, entra no clube dos sex... agenários o nosso camarada Joaquim Peixoto (*), ex-Fur Mil da CCAÇ 3414, Sare Bacar, Cumeré, Brá, 1971/73.

O nosso camarada Joaquim Peixoto não foi apresentado formalmente à Tertúlia, já lhe fiz ver que é considerado clandestino, mas foi um dos presentes no nosso Encontro deste ano em Ortigosa.

A propósito da sua presença no nosso Encontro, fez estas declarações:

20 DE JUNHO DE 2009, Quinta de Paúl, Monte Real, Leiria

Dia inesquecível para mim!

Foi a primeira vez que partilhei um convívio com antigos camaradas da Guiné. Tive imensa pena de não encontrar camaradas da minha CCAÇ 3414.

As lembranças, boas e más, de uma guerra já passada vieram ao de cima e acordaram um turbilhar de ideias que pairavam na minha cabeça.

O mau, vivido num clima de medo a uma temperatura quase em ebulição, onde um rebelde e intruso mosquito teimava em picar as nossa peles ainda tão tenras, quase de meninos... Um barulho estranho, no sussuro da noite, despertava-nos dos nossos sonhos quase infantis. Um numero infinito de vivências e emoções estão guardadas na caixa negra do nosso ego.

Esse mau deu lugar a uma alegria imensa, onde pude recordar os bons momentos (que também os houve) e partilhar com os camaradas as experiências vividas há mais de 30 anos.

Foi um emaranhado de emoções, foi um recordar de situações, foi um convívio magnífico cheio de calor humano.

As conversas convergiam no mesmo sentido: A GUINÉ. Outros assuntos não tinham aqui lugar.

De longe a longe, parecia que o cheiro a terra barrenta nos entrava pelas narinas e recordava o cheiro inegualável de Bissau, Bafatá, Sare Bacar e tantas outras...

Cerrando os olhos, por breves momentos, as formas perfeitas das bajudas apareciam como num ecrã virtual.

Foi bom. Foi perfeito. Espero voltar.

Obrigado a ti, Luis Graça. Obrigado ao Carlos Vinhal, ao Virgínio Briote, ao Magalhães Ribeiro e ao Mexia Alves.

Obrigado a todos que trabalharam e organizaram este convívio.

Obrigado a todos os camaradas presentes. Obrigado a todos quantos ainda hoje recordam os momentos passados em agonia.

Joaquim Peixoto



Depois destas palavras bonitas, Joaquim, considera-te membro de pleno direito da nossa Tabanca.
Agora, mais a sério, tens de participar mais activamente no Blogue. A tua primeira intervenção, há dois anos, foi para falares do teu malogrado camarada Fernando Ribeiro e, daí para cá pouco ou nada escreveste. Lembro-te que é da responsabilidade de todos deixar um testemunho para memória futura. Contamos contigo.

A Tertúlia deseja-te uma longa vida junto da tua bajuda Margarida e restante família, sempre plena de alegria e saúde.




Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > O Joaquim Peixoto, assinalado com um círculo a vermelho, na segunda fila, entre o Manuel Amaro, à esquerda, e o Manuel Traquina à direita... O Joaquim Peixoto (que esteve em Sare Bacar, na zona leste, junto à fronteira com o Senegal (carta de Paunca), vive em Penafiel, é casado com a Margarida, que também veio ao nosso encontro... Ambos são professores do 1º ciclo do ensino básico...

Guiné > Zona Leste > Sare Bacar > CCAÇ 3414 (1971/73) > O Fernando Ribeiro, de pé, ao lado do seu amigo Joaquim Peixoto (hoje professor do ensino básico, em Penafiel). Morreu em Julho de 1973, na estrad de Binta-Faria, já no final da sua comissão.
"Algum tempo depois de regressarmos da Guiné, fizemos um almoço em Coimbra e fomos depositar um ramo de flores no cemitério em Condeixa. Haveria muito a dizer deste amigo que nos deixou tão cedo. Envio também uma fotografia em que estou com ele. (O Fernando está de pé.) Chamo-me Joaquim Carlos Peixoto, vivo em Penafiel, sou Professor do 1º Ciclo do ensino básico" (JP).

__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

22 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1774: A morte do Fernando Ribeiro: eu ia nessa fatídica coluna e era seu amigo (Joaquim Peixoto, CCAÇ 3414)

16 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4039: O Prémio: Sirvam , em nome da Pátria, uma bica quente a estes rapazes!, dizia o Gen Spínola... (Joaquim Peixoto)

21 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4557: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (3): Um dia caloroso, em que fizemos novos amigos (Joaquim e Margarida Peixoto)

Vd. último poste da série de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4607: Parabéns a você (11): Dia 30 de Junho de 2009 - Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4658: Vindimas e Vindimados (José Brás) (6): Achamos nós que não nos conhecíamos

1. Mensagem de José Brás (*), ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, com data de 6 de Julho de 2009, com um belíssimo texto que se transcreve mais abaixo, integrado na série Vindimas e Vindimados:

Carlos, camarada

Para não perder o ritmo aqui vai mais um texto com mais um abraço. Quer dizer, com muitos abraços, como verás na leitura dele. José Brás


ACHAMOS NÓS QUE NÃO NOS CONHECÍAMOS*

Cego sou
e surdo
porque passas tão perto
e não te vejo
nem oiço
fazendo o teu caminho
no poema de Machado
prolongamento apenas
de ti próprio

Achas tu que não nos conhecemos, que nunca nos encontrámos por aí, em anos perdidos nas baiucas fadistas de Lisboa; nos aviões da TAP a caminho das praias do Brasil em setenta, oitenta, noventa; em cinquenta e tal, alombando sulfates entre cepas velhas, nas colinas de vinha em Alenquer; no Niassa, em Novembro de sessenta e seis, entrando nas escuras águas da Guiné; na pista da Portela, em noventa e três, comendo trolha da polícia de intervenção; nos Invernos do Quebeque, neve, dias de sol nas fachadas da rua Ste. Catherine, Alten Munchen à noite, música bávara, Eisbein e... gajas; nas sessões de jazz do Berkeley College of Music em Bóston; em setenta e cinco, nervos à flor-da-pele, medo a sério maior que nas matas da Guiné, por colar papéis do partido nas saídas do metro, em Nova Yorque, em lugares de passagem de portugueses duas vezes, de madrugada a caminho do trabalho, à noite de volta a Greenwich Village e ao TV diner; Em Vila Franca, em sessenta e poucos, poupando na mesa os sete e quinhentos indispensáveis para ver "A Casa de Bernarda de Alba" pelo Teatro Moderno de Lisboa; no sol das arenas, descoordenado do tempo, abraçando toiros e escutando a voz quente das multidões, nas escadarias do hotel D. João III, em Luanda, no ano da independência, protegendo colegas da TAP, mulheres sem guerras no pelo e a gramarem com ataques do MPLA à Unita, metralhadoras, bazookas, morteiro no terraço; nas noites de farra de desquitadas na discoteca do Intercontinental de S. Conrado; nos cagaços pioneiros do ultraleve.

Que não nos conhecemos, dizes, ou pensas, e até estranhas que misture aqui tão diferentes lugares e tempos, que os amasse como se a vida e o viver não fossem mais que uma página em branco no monitor do portátil onde cada qual possa escarranchar palavras, botar a palavra ao ritmo do que lhe vem à tola, mesmo que nas palavras que amontoa, nada diga sobre a vida, digo, sobre gente, sobre aspirações de cada um, os desejos, as diabruras e virtudes, sempre maiores aquelas do que estas, e que, além disso, passe pelo tempo sem direcção nem sentido cronológicos, hoje ontem e amanhã arbitrariamente amontoados.

E pelos lugares também, na estrada de Buba, segurando nos braços o Marques a apagar-se. A apagar-se lentamente como pavio sem cera que o alimente, a respiração a ir-se, cada vez mais ténue, mais ténue, mais ténue, até se apagar de vez, os olhos abrindo, abrindo, fitando não sei o quê, fitando o nada de onde viera há vinte anos e onde voltava agora, definitivo.

A estrada de Buba em sessenta e sete, antes das vinhas da Cova do Charco, em Alenquer, em cinquenta e oito.

Os teatros "Off Brodway", em setenta e quatro, antes da praça de Touros de Salamanca em setenta.

Afinal, pisaste alguns dos caminhos que eu trilhei; olhaste horizontes que também eu olhei; desejaste mulheres que eu havia desejado já, ou desejei depois; ansiaste metas que também eu sonhei; sob o fogo do inimigo, buscaste abrigo nas mesmas árvores tropicais que me haviam protegido a mim; mergulhaste nas quentes e azuis águas dos trópicos, almoçaste as mesmas salsichas, bebeste a água das bolanhas que eu bebi, quando a falta de água nos deixava ansiosos e de vontade frouxa contra a sede, sofreste as mesmas nuvens de mosquitos entrando nos olhos, na boca, no nariz, passaste o Natal dormindo dois minutos de cada vez, entre um ataque e a espera de outro, como eu dormiste dias e noites ao lado das caixas que guardavam amigos, esperando transporte para Bissau, primeiro, e depois Lisboa, aldeias no Alentejo e nas Beiras, nome de rua.

Então, porque estranhas tu que eu fale como se nos tivéssemos encontrado realmente nestes actos e nestes lugares, e em nós os milhares de amigos que connosco, entre sessenta e três e setenta e quatro se tramaram como nos tramámos nós?

Só porque não esbarrámos de frente, num desses lugares que nomeio, à hora xis do dia ípsilon, do mês tal de milnoveetrocaopasso?

Não bebemos juntos umas Sagres, ou Cuca, ou Budweiser, ou Labatt, ou Brahma Chopp numa esplanada do calçadão, olhando piranha e viadinho?

Não tomámos outro veneno qualquer no mesmo balcão de single bar, em grupo data-hora perfeitamente identificável e coincidente, nos bate-fundo do mundo?

Só porque não concordámos ou não discordámos sobre temas comuns, nas horas vazias de cada um, fosse aonde fosse, afirmando coisas como se as perguntássemos, de tantas dúvidas que nos enchiam, a mim, a ti, a todos, ou quase, apanhados do clima que éramos nos anos que deveriam ser de certezas?

O tempo e o lugar, o grande tema!

O lugar. Os lugares nem sequer nos desviaram do encontro.

Tu dizes.

Talvez! Talvez que tenhamos em comum alguns desses sítios, muitos até, posso dizer, porque além do lugar dos tiros e dos medos, terras, ruas e praças de que falas, não todos, evidentemente, já eu atravessei também, mas em tempos diferentes, no calendário, nos relógios, na posição relativa da Terra e do Sol.

O tempo. O tempo, talvez.

Mas o tempo o que é, de facto?

Olhas para trás, em sentido figurado, está visto, não com o olhar dos olhos, com a capacidade que têm de imitar a câmara fotográfica, apanhando objectos e pessoas, cenas, actos honrados ou vilezas, fixando-lhes a imagem de pernas para o ar na retina, essa espécie de película de longínqua invenção, elo apenas no transporte delas ao sistema nervoso central para identificação e feed back.

Olhas é com a memória que tens das coisas e das gentes, das cenas que representaste antes, num ponto qualquer dessas entidades que dizem ser o tempo e o lugar, as alegrias e tristezas que dizes ter vivido e trazes ao hoje como se as vivesses agora mesmo e não ontem ou há mais de trinta anos.

Retomas o lugar que decidiste ser o teu durante a noite da emboscada, coordenando o silêncio da mata, coordenando as dúvidas dos teus, escondendo as tuas porque quem comanda não pode ter dúvidas.

Retomas os passos na picada, olhos e ouvidos atentos, os nervos crispados por ti e pelos que de ti dependem, cada passo em frente uma vitória.

És tu e podia ser eu, milhares e milhares de eus iguais nas ânsias, no cansaço, na certeza de que, venha o que vier, nada há de melhor que a certeza do futuro.

Não é seguro que as emoções trazidas em cadeia no processo, sejam as mesmas que talvez tivesses sentido então, tal como eu, ou sendo, não tenham a mesma profundeza, o mesmo brilho, a mesma rugosidade.

Mas não interessa aprofundar muito isso, ou corres o risco de mentir-te a ti próprio, afirmando que sim ou que não.

Quem sabe se não é aí, nessa falha, nessa fímbria de descoordenação, que podemos encontrar a essência do tempo e, nesse caso, a mim me parecendo que não vivemos apenas uma vez mas duas, três, muitas, tantas quantas as vezes que voltamos ao vivido, então, continuamos pelos dias regressando à mata, à messe, às noites de espera, ao cheiro a podridão que o sol faz levantar da bolanha, ao primeiro som cavo da explosão da morteirada, às cinco da manhã, ao abraço, sentimento de união que só ali foi possível, e continua sendo, e solidamente real.

E mesmo esse espaço indefinido a que chamam futuro, mesmo esse que, aparentemente não conseguimos divisar, o que é?

Repara.

Nenhum homem é apenas o que é hoje, mas também, hoje, muito do que foi antes e alguma coisa do que vier a ser depois.

E assim sendo, um homem nunca foi apenas o que foi, mas a cada momento do que foi, também o que é, e alguma coisa do que vier a ser.

Um homem não será nunca, apenas o que vier a ser no futuro, mas a cada momento do futuro, também o que é já hoje e o que foi antes.

Quer dizer, então, que o antes, de algum modo, era já o hoje e o futuro.

Quer dizer então e ainda, que o hoje, o antes e o futuro, tempos aparentemente tão definidos e distantes, mas, de facto tão entrelaçados, tão confusamente emaranhados, tão dependentes uns de outros, são apenas partes do todo da vida e tanto poderiam entrar no princípio, como no meio, como no fim dela.

O nosso futuro irá ainda passar muitas vezes pelo Xitole, por Guileje, pelo K3, por Susana, pelo tarrafo, pelos rios, pelo coração de tantos amigos e, quem sabe, mesmo pelos dos inimigos, vivos todos, porque em nós vivem mesmo os que dizem ter morrido.

Como vês, milhões de vezes nos cruzámos já e muitos mais milhões nos iremos encontrar num tempo assim, sem fim nem princípio.

Por exemplo, no Saltinho, cacholando as suas águas claras; no Mato Cão, em Catió comendo ostras, no instintivo mergulho ao chão ao primeiro tiro deles, depois, o coração a retomar o ritmo certo, a segurar os acontecimentos, a segurar-se a si próprio; na padiola improvisada, carregando camarada ferido, se não morto ou caminhando para tal, vencendo o estorvo da mata apertada que fustiga a cara, as mãos, a alma, até a um "porra, caralho, puta que pariu isto!".

Que nem blasfémia é, por vir de dentro, da revolta ingénua e sentida contra o limite; ou em quarto abarracado da Guiné, jogando a lerpa e o abafa, bebendo qualquer coisa que preencha apenas vazios intermitentes no acto de beber.
Soldados fomos e certamente somos ainda, um pouco, tendo sido nesse tempo, também, o que somos hoje, civis.

E teremos ainda tempo, talvez, outras coisas para ser na vida que nos resta, marcados pelo que fomos então, marcados pelo abraço grande e colectivo que daremos sempre, no som da costureirinha e do morteiro, longínquos nos anos, segundo se diz, mas para nós, intemporais.

E achei eu, também, que não nos conhecíamos!
Todos.
José Brás

*Ao Joaquim Mexia Alves,
camarada primeiro a quem
dei troco na Tabanca Grande,
e através dele, aos outros que
estão em nós, aos nós que
estão nos outros



Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > O Joaquim Mexia Alves em agradável conversa com o José Brás... Este último foi Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68... É autor de um premiado romance, de 1986, Vindimas no Capim (Lisboa, Europa-América) (**). Pertenceu aos quadros da TAP. Mora em Montemor-O-Novo.

__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

3 de Julho de 2009 A Guiné 63/74 - P4636: Vindimas e Vindimados (José Brás) (5): Tudo na mesma em Salancaur
e
7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4649: Blogoterapia (114): A Honra da Companhia, os fantasmas de Guileje, os limites da tolerância (José Brás / António Matos)

(**) Informação que foi pedida ao José Brás por um significativo número de amigos e camaradas em Ortigosa, e não só, que querendo adquirir o Vindimas no Capim não conseguem encontrá-lo.

ASS: Aquisição de Livros
Mem Martins, 8 de Julho de 2009

Caro José,

Espero que esteja bem.

Vimos por este meio informá-lo que poderão adquirir o seu livro nas nossas
livrarias Europa-América (Castelo Branco, Estoril, Faro, Lisboa, Parede ou
Porto) e Lyon (Cacém, Castelo Branco, Mafra, Mem Martins ou Queluz) ou
através da nossa sede (219 267 700, e-mail: clubedeleitura@europa-america.pt
ou através do nosso website: http://www.europa-america.pt/ ).

Sempre ao dispor.
Os meus melhores cumprimentos,

Inês Valentim
Relações Públicas

Guiné 63/74 - P4657: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (17): Dias em Binar -2

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 4 de Julho de 2009:

Carlos Vinhal

Aos Homens da Ponte da Tabanca Grande - Paquete das Recordações - e a todos os embarcados, não enjoados ou enjoados, mando o meu abraço e um bem-haja.
Mando também esta bagagem de “ Viagem…” na esperança que sirva para atenuar algum enjoo ou que pelo menos não o provoque ou agrave!

Até breve
Luís Faria


Dias em Binar – 2

Um a um os dias iam passando, por norma em batalhas com a mosquitada, com a canícula e com a falta de abastecimentos. Não recordo porque havia esta falta. Talvez por a estrada para Bula ser perigosa e tivesse que ser picada quase na sua totalidade, o que obrigava à respectiva segurança nas orlas das matas de entrada para o Choquemone? Por sermos só um grupo meio desfalcado, não sendo suficiente para as tarefas exigidas?? Não recordo, é uma branca!!

Na verdade a minha passagem por Binar está envolvida por um denso nevoeiro com algumas abertas. Espero bem que alguém que por lá tivesse andado dê uma ajuda na dispersão desta nevoeirada. Tenho esperança!


O Primata voador

Nessas abertas, para além do já narrado em poste anterior vejo a nossa camarata, num dos pavilhões, com as camas encimadas pelos omnipresentes dosséis aramados com pendentes anti-mosquito e cirandando por cima deles um pequeno e refilão macaco sagui (?) , pertença e companheiro do Fur Mil Madaleno, que muito o estimava. O bicho era um tanto agressivo mas ao mesmo tempo dado e não desdenhava uma boa brincadeira, se para aí estivesse virado!

A brincar a brincar, um a certa ocasião mandou-me uma dentada, o que provocou uma reacção rápida: uma punhada forte no dossel onde ele estava sentado, pela lei física da acção/reacção, fez com que o bichano não tivesse tido tempo de se agarrar e fosse catapultado, qual homem-bala para o espaço, conseguindo por sorte (?) ficar pendurado no travejamento de sustentação do telhado, que ainda ficava a uma considerável altura!

Como o primata voador de lá saiu não recordo, mas teve ajuda com certeza! Recordo sim a fúria do meu amigo Madaleno perante a situação. Quanto ao atleta voador, durante algum tempo, sempre que me via os seus olhos faiscavam, guinchava e dava às pernas e braços para longe.

Claro que a situação acabou por ter certa piada, e passou a ser normalíssimo vermo-nos, Madaleno incluído, a fazer do mosquiteiro catapulta, se bem que de modo mais suave. De início o bicho não descolava da rede, tal a força com que se agarrava com as patitas, mas quando se apercebeu que ninguém lhe queria fazer mal, começou a alinhar… e era um gozo apreciar a técnica elevatória equilibrista do artista e a sua aterragem, sempre uma incógnita!!

Afinal ele, a vedeta, também gostava de dar espectáculo e dos mimos que ganhava de seguida, desde que a catapulta não fosse accionada por alguém que aparentasse estar chateado!! Podia não conseguir agarrar o travejamento…!!!


Picagem automática

Um dia, creio que pelo final da manhã, fomos surpreendidos por disparos de G3 vindos da direcção da estrada de Bissorã e cada vez mais próximos. Ficados à defesa, depara-se-nos uma nuvem de pó cada vez mais próxima, até que avistámos duas viaturas que a antecediam: da primeira, com a pica G3 na mão, apeia-se o Cap Gaspar (Gasparinho) que era por demais falado pelas estórias que dele se contavam e contam (já referenciadas neste Blogue**) e que, veio de Nhamate ao nosso burgo, se bem recordo, em missão de cortesia apresentar os cumprimentos de boas-vindas ao Cap Mil Mamede e dar uma de conversa com o pessoal e uns copos à mistura bem bebidos!!

Apesar do pouco tempo em presença, recordo-o como um homem educado e alegre, simpático e bonacheirão, terra-a-terra sem papas na língua e valente, que me pareceu gozar com a guerra e com o sistema, em especial com a hierarquia dominante, (seria curioso ver a resposta que daria ao nosso AB, o Almeida Bruno!!) o que julgo, contribuía em parte para a estima que a sua rapaziada lhe tinha e demonstrava. Podiam dizer que ele funcionava assim por estar bem encostado!? Que fosse? Não me pareceu nada dar-se ares de importante e muito menos egocêntrico, como outros!

Acabada a visita, lá se montaram ele e a sua rapaziada nas viaturas, qual vedeta cinéfila aos olhos do pessoal sorridente que presenciava a sua partida, na esperança de um regresso para breve, mas que não mais aconteceu. Foram na verdade umas horas diferentes e marcantes, pela positiva.

Pena não ter havido muitos como o Gasparinho, que com todos os seus defeitos e virtudes era ao que parece, um raio de sol para a sua Rapaziada e por aquelas terras de sofrimento. Que esteja em Paz!

Com um abraço
Luís Faria
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4619: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (16): Dias em Binar - 1

(**) Vd. poste de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4628: Estórias avulsas (38): Histórias passadas na Guiné (José Borrego)

Guiné 63/74 - P4656: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (4): CCAÇ 816, Operação faísca em Cansambo

1. Mensagem de Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67, com data de 7 de Junho de 2009:

Camaradas,

Recebam um grande abraço e votos de muita saúde, extensivos a todos os ex-combatentes da Guiné, ainda mais para aqueles que, de algum modo, ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

FOGO DE ARTIFÍCIO em CANSAMBO às 03 h da madrugada do dia 6 de Abril de 1966

(Das minhas memórias “PÁGINAS NEGRAS COM SALPICOS COR-DE-ROSA”)

Operação Faísca. Não sei se foi coincidência, mas que lá muito faiscou naquela noite (e não foi intempérie), lá isso foi verdade.

Estávamos então a 5 de Abril de 1966. A “casa-de-mato” de Cansambo era a que ficava mais perto do Olossato. [Vd. carta de Binta].

Éramos quase vizinhos, só que… dávamo-nos muito mal.

Esta operação revestiu-se de grande ineditismo, pois, pela primeira vez, pelo menos no que dizia respeito à minha Companhia, o assalto ao refúgio inimigo foi perpetrado em PLENA NOITE!

O Capitão, como sempre e como era das suas atribuições, planeou a operação, e, desta feita, de uma forma muito inteligente e sobretudo audaciosa: Atacar em plena obscuridade da noite! Não lembrava ao diabo (e ele que andava sempre por ali).

O nosso guia era o Joaquim, outrora “turra” de boa estripe, que conhecia muito bem tal “casa-de-mato”, ou não fosse ele de lá oriundo.

Desta vez o Joaquim decidiu-se da melhor maneira para… nós, e também para a integridade física dele, pois o ele nos ter enganado uma vez custou-lhe ficar com a cara que o deixou irreconhecível, para não falar do corpo, de tanto murro, pontapé, etc.

Basta dizer que, senão toda, quase toda a Companhia, nesse dia do engano, molhou a sopa no pobre Joaquim. Coisas de então.

Bom, como ia dizendo, o Joaquim desta vez resolveu colaborar e então pôs o Capitão ao corrente e a par e passo do que ia na “casa-de-mato” de Cansambo.

O Capitão soube então que eles colocavam sentinelas nas árvores a partir das 4 horas da madrugada, portanto muito antes do alvorecer, altura esta que normalmente a tropa atacava.

Assim prevenidos, pois se a tropa resolvesse atacar, como era seu hábito e norma daquela guerra, ao romper do dia, as sentinelas dariam por isso muito antes e alertariam o pessoal da “casa-de-mato” que teria entretanto tempo para nos receberem com uma bem montada, ainda que normalmente improfícua, emboscada.

O Capitão lembrou-se então e em boa hora (isto dito depois) de a Companhia atacar o refúgio inimigo às 3 horas da madrugada, isto é, uma hora antes de as sentinelas tomarem as suas posições e formarem o seu dispositivo de segurança.

Portanto eles seriam apanhados quando despreocupadamente deveriam estar a dormir.

Mas, o atacar em plena noite, coisa que até aí nunca tinha acontecido, implicava alguns problemas e receios, entre estes o posicionamento e ordenamento na altura do ataque, pois como era noite cerrada e não se visava um palmo à frente dos olhos, isto teria de ser feito com muito cuidado e disciplina, e sobretudo sem ponta de barulho, o que era ainda o mais importante.

Bom, o Capitão planeou bem em todo o pormenor e a malta mostrou-se confiante, até porque o Joaquim parecia agora ser um grande trunfo.

À frente foi o meu Grupo de combate e a primeira secção era a do Baião.

O Capitão pôs o Furriel Mil José Baião com a sua Secção à frente da coluna como represália de ele se ter demorado em Bissau mais tempo do que ele tinha permitido, para ele tratar de um assunto qualquer. Eu desta feita não fui, pois estava em Bissau a contas com uma super-alergia e então estava a ser medicado pelo hospital e em regime de internamento.

Para surpreender o inimigo evitou-se o percurso habitual de saída (estrada Olossato-Farim) evitando também assim a passagem pela ponte sobre o rio Olossato aonde o inimigo também vigiava as 24 horas do dia.

Assim atravessámos em canoa rudimentar e em pequenos grupos o dito rio, algumas centenas de metros da dita ponte e a jusante e depois a progressão foi feita em corta-mato.

O Capitão mandou a malta levar balas tracejantes, pois como estas deixam um rasto luminoso perfeitamente visível à noite, a malta poderia melhor acertar com o alvo, ou pelo menos ver para onde elas iam, alvo esse que era certamente o refúgio inimigo.

Aos homens dos morteiros mandou o Capitão levar very-lights - granadas de morteiro, mas apenas de efeito luminoso.

Os very-lights uma vez lançados, apenas serviam para iluminar o espaço aéreo circundante durante uns breves segundos e permitir assim, neste curto espaço de tempo, uma razoável visão da zona do objectivo.

Portanto o maior problema seria o da instalação da malta relativamente ao refúgio, que teria de ser feita sem hipótese de detecção por parte do inimigo.

Uma vez a malta instalada e devidamente camuflada -a noite nesse aspecto ajudava e de que maneira - era só abrir fogo e então com a ajuda dos very-lights o fogo logo se concentraria no refúgio.

E tudo aconteceu, para felicidade nossa, como o Capitão planeara e nós todos confiávamos.

Foi tão grande a surpresa para eles que os 2 Grupos de combate mobilizados para o assalto instalaram-se em dispositivo adequado e em meia lua e sem dar azo ao mais leve pressentimento da sua presença, e então foi só aguardar o sinal de FOGO(!)

Este deu-se na hora H. O potencial de fogo era grande. As granadas de bazuca e de morteiro choveram aqui e acolá em ritmo bem cadenciado e de vez em quando surgia no ar um very-light para ajudar a malta a aferir melhor a pontaria.

O Capitão comandava o assalto utilizando um megafone.

Quem não soubesse que se tratava de um episódio da guerra até julgava que era um S. João bem festejado com bombas de Carnaval e fogo de artifício ao mesmo tempo.

Eles mal tiveram tempo para fugir quanto mais ocuparem os abrigos que tinham na periferia do refúgio e, ainda assim, eram muitos os rastos de sangue ali encontrados. Abandonaram praticamente o armamento todo e tudo o mais. Reagiriam depois ao longe com algumas rajadas de flagelação. O costume…

Assim, desta feita, foram-lhes apanhadas 5 Pistolas-metralhadoras, diversos carregadores para aquelas, diversas granadas de mão, de morteiro e de LGF (ver foto) e o morteiro 82 por pouco não foi apanhado.

Digo que por pouco, pois viu-se bem o rasto dele a pressupor dificuldade de transporte. Essa foi a maior pena.

O Capitão sabia que aquele morteiro dava a volta por algumas “casas-de-mato” do Oio, e então ele aguardou a altura, por indicação de Joaquim, que ele lá estivesse para a Companhia tentar capturá-lo.

Mas, claro, apanhar uma arma destas era sempre muito difícil, pois eles tinham o máximo cuidado em não se verem privados deste tipo de armamento.

Falava-se em represálias severas se o perdessem, mesmo ainda que alguém se tivesse de sacrificar para o salvar e, assim, do morteiro 82 que na ocasião reforçava a “casa-de-mato” de Cansambo, só se ficou com o cheiro.

Foi então quase (este quase pelo morteiro) um êxito de 100% a operação em Cansambo, de Faísca de seu nome.

Apanhámos praticamente todo o armamento que eles possuíam naquele refúgio, provocámos, senão baixas, bastante feridos a julgar pelos rastos de sangue bem visíveis, e destruímos completamente o refúgio inimigo de Cansambo.

Não tivemos qualquer azar, pois tão grande foi a surpresa, pela hora e pelo método, que eles só se preocuparam em fugir bem e depressa, daí não ter havido qualquer esboço de reacção.

“Parecia o S. João meu Furriel”, dizia-me um soldado mais tarde. Referia-se ele ao efeito dos very-lights e das balas tracejantes. “Pareciam bichas de rabear”, acrescentou outro.

Que espectáculo, imaginei eu. Foi formidável a ideia do Capitão, foi mesmo bestial - concordámos todos nós - mas ao fim e ao cabo deveu-se também em grande parte à colaboração do “ex-turra” e agora nosso grande amigo, de seu nome Joaquim, pois ele, em todo o pormenor, informou o Capitão tal e qual como a coisa funcionava em Cansambo.


Armamento capturado na Operação Faísca: Em 1.º plano: 3 pistolas-metralhadoras PPSH (a famosa costureirinha) e 2 “Thompson” (c/ um balázio de cerca de 12 mm. de diâmetro) e ainda 1 carregador PPSH; atrás 2 granadas de Lança-granadas-foguete e um carregador Kalashnikov; mais atrás: algumas granadas de mão e 8 granadas de morteiro 60, entre outro material de menor importância.

O Joaquim a partir daí passou a ser o melhor do mundo. Podia era ter-se livrado daquela grande sova aquando da primeira tentativa de assalto à “casa-de-mato” de Cansambo, ele que, intencionalmente, fez-nos andar à deriva, (não foi só ele a fazê-lo pois haviam guias que até davam o jeito possível, para ficarmos à mercê de mira inimiga), fazendo assim gorar os nossos propósitos.

Como sempre acontecia, o Joaquim, um “turra” então renegado, começou a compartilhar da vida comum de Olossato. Vestia agora bem e até tinha direito a gravata e comia do rancho.

A partir daí, sim, foi dada toda a liberdade ao Joaquim agora Senhor, pois a gente também sabia que ele jamais fugiria.

Sim, um “turra” depois de ter denunciado os colegas jamais regressaria ao seu convívio, pois era óbvio que estes lhe tratariam imediatamente da saúde, fazendo-o desaparecer do mundo dos vivos, pagando assim a sua traição.

O Joaquim, claro, escolheu ser um pacato cidadão da típica e pacata povoação do Olossato.


P.S. Devo dizer que o “Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa” foram escritas, ou vá lá rabiscadas, praticamente todas, em pleno tempo de guerra e acabadas logo a seguir ao meu regresso.

Escrevia à noite e ao outro dia já estava a pôr as cartucheiras à cintura e a G3 ao ombro outra vez, para passar por algo que poderia depois contar… se pudesse.

Naquela altura tinha os meus vinte e poucos anos e fora empurrado para uma guerra que já na altura não a compreendíamos muito bem. Ia impregnado de patriotismo e honradez e outras coisas assim, lutar contra o terrorismo, dizia-se.

Hoje tudo era contado de maneira diferente (ou noutra perspectiva) ficando desde logo subjacente o respeito por aquele massacrado povo africano que, afinal, só queria a sua terra e não queria ser escravizado. Naquele tempo ainda se via muito branco a bater no preto…

Quero com isto dizer que os excertos que vou mandando (com todo o gosto), para este magnífico blogue, são transcrições absolutamente fiéis à minha escrita feita naquele preciso tempo (espaço, maneira e modo).

Só assim haveria razão e cabimento de as querer mostrar tal e qual.

As minhas memórias começam assim e em jeito de intróito.

“PÁGINAS NEGRAS COM SALPICOS COR-DE-ROSA”

Este pequeno livro, que encerra uma modesta prosa, foi elaborado, a maior parte, nos últimos dias da minha comissão na Guiné, e concluído logo depois do meu regresso.

As páginas que se seguem, ilustram (ainda que de uma maneira sumária) o que foi a vida da minha Companhia e de um modo particular a minha, naqueles dois inesquecíveis anos de episódios multifacetados, os quais estive ao serviço da Pátria na defesa da sua integridade territorial, entre milhares de assim servidores, que integrados na Aviação, na Marinha ou no Exército, com galhardia e raro estoicismo defendiam aquele pequeno pedaço de terra no longínquo ocidente africano que corajosos portugueses de então descobriram, galgando mares e marés, e de uma forma assaz atribulada.

Das melhores e das piores recordações da minha vida dali as guardo até à morte.

As “páginas negras” escreveu-as a guerra…, que era o que afinal me levou ali, e estas eram as do quotidiano.

Os “salpicos cor-de-rosa” foram os bons momentos de alegre confraternização entre a malta, foram os jogos de mesa ou de campo, as “piscinas” (“cocktail” de bebidas - todas as que houvesse na altura - num grande alguidar de aço inox, que cada um bebia por sua vez e até dava direito a mergulhar o farfalhudo bigode), as brincadeiras entre uns e outros e…. a chegada da “Dornier” que trazia os aerogramas da família e até, às vezes, sardinhas.

Fotos: © Rui Silva (2009). Direitos reservados.

Um abraço,
Rui SIlva
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em: