segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5282: Gabriel Telo e José Carlos Machado, CCAÇ 3518, Guidaje, 1973: Presentes ! (Juvenal Candeias)




1. Mensagem do Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cacine, Guileje, Cameconde, 1971/74, membro da nossa Tabanca Grande desde Maio último (*)


Caros amigos,

O passado sábado, no Monumento aos Mortos do Ultramar, foi de muita emoção com a chegada dos restos mortais do Gabriel Telo e do José Carlos Machado (**), que pertenceram a uma companhia - CCaç 3518 - "irmã gémea" da minha - CCaç 3520.

Formámos as companhias no BII 19, no Funchal, donde saímos para a Guiné na madrugada do dia 20 de Dezembro de 1971, no Angra do Heroísmo.

Depois da IAO no Cumeré, viajámos novamente juntos para o Sul, eles com destino a Gadamael, nós a Cacine.

Estava também presente na cerimónia alguém que eu não via desde a Guiné. O Daniel Matos, Furriel Miliciano da CCaç 3518, que estava no mesmo abrigo em que o Telo e o Machado morreram. Foi ele que tratou de todo o trabalho fúnebre seguinte! Naturalmente que ele estava ainda mais emocionado e não conseguiu suster as lágrimas.

Desculpem lá este assunto, mas tinha que desabafar com alguém!

Assim sendo, hoje não há história com tiros e flagelações! (***)

Vai [, depois,] uma história breve e soft para desanuviar! E podem gozar-me à vontade! Eu quero é que vocês riam e sejam felizes! Nem que seja à minha custa!

Um grande abraço.

Juvenal Candeias

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4294: Tabanca Grande (136): Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cacine, Cameconde (1972/74)

(...) Como eu já tinha dito ao Luís, os meus textos têm normalmente algumas especificações desnecessárias para os antigos combatentes, mas a realidade é que eu os escrevo, primeiro que tudo para os meus filhos e a seu pedido! Portanto, se quiseres corrigir... estás à vontade! (...)

(**) Vd. poste de 14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5272: Efemérides (31): Regressaram os restos mortais de mais três heróis de Guidaje, Maio de 1973 (José Martins)

(...) (ii) 1º Cabo GABRIEL FERREIRA TELO, mobilizado no Batalhão Independente de Infantaria nº 19, no Funchal, integrando a Companhia de Caçadores nº 3518, solteiro, filho de João de Jesus Telo e Maria Flora Ferreira Telo, natural da freguesia de Paul do Mar, concelho de Calheta - Madeira:

Morreu em Guidaje em 25 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate durante um ataque inimigo ao aquartelamento. Foi sepultado no cemitério de Guidaje.

(iii) Furriel miliciano JOSÉ CARLOS MOREIRA MACHADO, mobilizado no Batalhão Independente de Infantaria nº 19, no Funchal, integrando a Companhia de Caçadores nº 3518, solteiro, filho de Manuel achado e Delta de Jesus Moreira, natural de freguesia de Ervões, concelho de Valpaços:

Morreu em Guidaje em 25 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate durante um ataque inimigo ao aquartelamento. Foi sepultado no cemitério de Guidaje. (...)


Vd. também os postes de:

22 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2785: Ninguém Fica Para Trás: Grande Reportagem SIC/Visão (3): Sabemos ao menos quem foram e onde estão ? (Luís Graça)

24 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1546: Lembrando a CCAÇ 3518, os Marados de Gadamael, retidos no inferno de Guidaje (Daniel de Matos)

(...)Como estive 22 dias cercado em Guidaje (Maio/Junho de 1973), gostaria de deixar também um testemunho. Tal como o posto de transmissões, nas fotos referidas também não aparece o abrigo do obus, destruído a 25 de Maio, onde me encontrava no momento do rebentamento da morteirada, com mais 15 camaradas, metade dos quais que ali se refugiaram durante um ataque do IN. Desses, morreram logo 6 (que dias mais tarde fui incumbido de enterrar nas imediações) e apenas eu não fui ferido (todos os outros se feriram com diferentes gravidades).

A maioria pertencia à minha companhia, independente - a CCAÇ 3518, Marados de Gadamael - que ali viu retidos 2 pelotões durante um abastecimento de cibe vindo de Bissau, fazendo segurança à coluna que inicialmente se destinava apenas a Farim.

Não percebo por que razão esta Companhia nunca aparece referenciada nos acontecimentos de Guidaje e nos efectivos que lá permaneceram nesses dias fatídicos. Aliás, o número de mortos em combate que muitas vezes é mencionado, parece-me incorrecto. Lembro-me de enterrar camaradas envoltos em lençóis, por já se terem esgotado os caixões...

Cordiais saudações
Daniel de Matos
(ex-Furriel Miliciano) (...)


(***) Vd. postes da série Histórias de Juvenal Candeias:

16 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5113: Histórias de Juvenal Candeias (5): Vicente, o Piu

16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4961: Histórias de Juvenal Candeias (4): Há periquitos no Quitafine

1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4623: Histórias de Juvenal Candeias (3): Um Manjaco em chão Nalú

12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4323: Histórias de Juvenal Candeias (2): Incêndio no Rio Cacine

7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4299: Histórias de Juvenal Candeias (1): Pirofobia ou a mina que não rebentou por simpatia

Guiné 63/74 - P5281: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça) (20): (Im)possível regress(ã)o

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça > Duas Fotos falantes... do seu álbum. A (im)possível regressão...


Fotos: © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados.


1. Mensagem do Torcato Mendonça, Fundão, 26 de Outubro de 2009 :

Caros Editores

São inquietações, dúvidas e outros temores de uma manhã de domingo. Muda a hora e a madrugada e nós vivemos duplamente a hora. Como, e porque não no relato do facto há muito passado? Com que direito ou quem me deu o direito a esse relato?

Ontem fui 'garatujando'... hoje para não me desiludir com o meu Benfica, erro meu, fui teclando e aí vai esta inquietação.

Ah, o Benfica ganhou 6-1 (1 foi fora de jogo) e eu creio não estar louco.

Abraços fortes e fraternos do,
Torcato



2. Blogoterapia > REGRESSÃO PROIBIDA
por Torcato Mendonça

Sento-me, na manhã ensolarada de fim de Outubro, domingo de mudança de hora e não sei se estou no antes ou no depois. Estou.

Entretenho-me, lentamente, a tomar o pequeno-almoço, a sentir o calor outonal a vir da varanda fechada, a ver a encosta da Gardunha a desmaiar o verde e lá no alto, as nuvens ralas a deixarem-se atravessar pelos traços rectilíneos dos poucos aviões que passam. São poucos hoje, porventura como eu perderam a hora. Não perdem certamente o destino; uns para Lisboa, outros para essa Europa de minha saudade. Há tempo, há tanto tempo, demasiado até que não cavalgo o céu num voo qualquer.

Mesmo sem o querer, sem sentir volto à Europa e logo regrido mais e estou em África. Não queria lá voltar e volto. E estou, sem o querer num passado longínquo. Trago ao presente o que queria ser o vazio, o nada, o esquecimento. Volta sempre e vivo-o como a hora da madrugada de hoje que se finou para, de pronto, recomeçar a ser ela de novo. Vêm-me ao presente os ontem de há muito. Este não se passa logo ali. Não, este cristalizou num recanto bem fundo da memória, num pequeno espaço e volta sempre.

Porquê? Não sei. Ficou lá e foi desvanecendo, esvaziando e um dia começou a encher, a vir cada vez mais forte, violento e claro. Protestou por tanto tempo ter sido reprimido e acabou por ser aceite.

Mas questiono-me: como me atrevo hoje a relatar essas vivências passadas sem pudor, sem ter certezas absolutas do correcto relato desses factos. Porquê e para quê? Porque o faço?

Ainda há dias, depois de muito tempo sem nada relatar, o fiz: escrevi, relatei o facto vivido há muito e depois, mais abertamente até dele falei.

Pior ainda, foi lido por não sei quantas pessoas e até falei com uma: a personagem do relato e ele foi ler.

Depois ligou e falamos, falamos e revivemos esse passado e outros por nós vividos, jovens estudantes, jovens a viver a vida alegremente ou, mais tarde mais tristemente e de verde vestidos. Dizia ele:
- Como te lembras de ditos tão meus ? Onde escreveste isso?
- Não escrevi. Guardei num recanto da memória. Parece que ficou marcado com ferro em brasa. Género ferra de gado, lembras-te?

E continuamos a recordar e a esperar pelo encontro da Companhia. Este ano em Évora. Talvez antes, talvez antes o abraço na Pax-Júlia da nossa juventude (*).

Mas temo cada vez mais em escrever, em contar esse passado. Ainda por cima de forma tão intimista.

Será que temporal, factualmente, está correcto e não incomodo ninguém? Que direito tenho eu? Porque e para que escrevo então?

Já nem sei o porquê de trazer ao presente esse passado, essa parte de meu passado, não tão agradável assim e nada digo, nem me atreveria a contar outras partes de um passado que, sem vaidade, valeu a pena viver.

Trago ao presente o momento. O presente não é mais que o breve momento, o instante e logo passa a passado. E esse relato interessará a alguém? Fica a dúvida, o vazio, o nada e a incerteza. Então porque torná-lo presente?

Ah porque não esqueces? Descrevendo-o deixa de ser vazio, alivia e, mesmo não vivendo duplamente a hora como a de ontem, encontro mais tranquilidade. Será? Não sei. Talvez seja um regredir proibido.

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 22 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5140: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2330) (9): Mistura 79 ou quando tive que mandar o Manel a Moricanhe...

domingo, 15 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5280: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (21): Uma visita ao Oio...


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos a sua 21ª história, com data de 11 de Novembro de 2009:

Uma visita ao Oio...
30 de Agosto de 1964

Vinte e cinco dias depois do dia fatídico em que foi ferido com gravidade, voltou ao seio da «675» o nosso Comandante de Companhia, sendo recebido por todos, desde o oficial até ao soldado mais humilde, com a mais sincera alegria.

Numa manifestação espontânea de consideração e estima, isenta no entanto daquela rigidez militar ou medo pelos galões, que deve ser para o Chefe a melhor prova de respeito e disciplina, todos o rodeavam dando-lhe mais uma vez a certeza de ter em cada subordinado um colaborador leal e um amigo que o seguem com dedicação e confiança totais.

Mais magro, pálido, com sinais evidentes do mau bocado porque acabava de passar e ainda com o estilhaço no ombro, o nosso Capitão era acompanhado pelo Sr. Comandante de Batalhão (fez a viagem Farim–Binta em barco a motor) visitou demoradamente o aquartelamento, correspondendo sorridente a todas as saudações que lhe eram dirigidas, tendo para todos uma palavra amiga que sensibiliza e que torna intimo o Chefe e o Homem.

Já inteirado sobre a actividade da Companhia durante a sua forçada ausência, não perdeu tempo em reiniciar uma actividade caracterizada por uma ideia permanentemente ofensiva, e poucas horas depois da sua chegada, partia, comandando a companhia para uma visita ao já lendário OIO, numa operação de envergadura em que colaboravam mais duas companhias.

O seu estado de saúde, ainda precário, não o impediu de estar presente á frente dos seus homens, nesta operação que se adivinhava difícil, pedindo alta ao hospital numa altura em que era recomendável passar mais alguns dias de convalescença.

Pouco depois da meia noite, três grupos de combate estavam prontos a sair.

Ordenadamente, cada secção embarca numa LDM que passará a companhia para a margem contrária.

O transbordo decorreu na melhor ordem e com o mínimo de barulho possível, seguindo a LDM ao longo de Cachéu logo que terminou o desembarque para despistar o inimigo, caso este se tenha apercebido do movimento desusado no rio.

A «fama» dos terroristas da OIO e o desconhecimento da zona onde se ia actuar – sem guias conhecedores da região – fazia com que desta vez uma indisfarçável expectativa, que criava um «aperto mitral», nos levasse a iniciar a marcha nocturna com redobrados cuidados.

Golpe de Mão a tabancas do Oio: Tambato Mandinga, Gebacunda e Fátima in PORTUGAL. Estado Maior do Exército. CD-ROM nº série 798.

Seguiu-se através de um caminho, que sobrelevava a bolanha inundada, numa longa fila indiana que progredia lentamente.

Devido á completa escuridão utilizava-se uma corda para ligação.

Percorridos uns 3 kms penetrou-se na selva muito densa começando aí as dificuldades para atingir o objectivo – a tabanca de Gebacunda habitada pelo inimigo – pois a bolanha indicada na carta parecia prolongar-se mais para o interior.

As dificuldades avolumavam-se com as características da floresta cerradíssima e começamos ás voltas sem saber onde nos encontrávamos.

Amanheceu, e embora estivéssemos atrasados, o aparecimento da luz do dia vem facilitar um pouco a orientação embora se tornasse quase impossível continuar a missão com a vantagem dos factores surpresa e silêncio.

Avistámos, dentro em pouco, gente a trabalhar na bolanha e, como já prevíamos, fomos detectados por um pequeno grupo que deu o alarme através de uma trompa.

Perseguimos imediatamente esses elementos inimigos até próximo de Tambato Mandinga, inflectindo depois resolutamente para o objectivo que atacámos e incendiámos sem encontrar resistência do inimigo, que se pôs em fuga fazendo apenas um tiro de pistola. Da tabanca o pessoal fugiu antes do ataque, tendo parte seguido em direcção ao rio e outro para SO, pelo que conseguimos fazer só um prisioneiro - um Padre Mandinga.

Comunicado o facto ao navio patrulha, que apoiava a operação, este fez imediatamente fogo na direcção provável da fuga do primeiro grupo referido.

Capim em chamas. Agosto de 1964. Fotografia do autor.

As explosões contínuas das granadas e os grossos rolos de fumo que se elevaram da tabanca em chamas davam um aspecto « dantesco» á zona onde actuávamos, chegando-nos ao nariz um cheiro acre a queimado e a pólvora que nos galvanizava na perseguição do inimigo que, desmentindo a sua fama de «maus», sprintavam velozmente á frente da tropa de Binta que desde aquele momento passavam a não conhecer só de nome.

Perdido o contacto com este grupo, que fugiu para SO, iniciou-se o regresso, avistando-se num pontão frente a Gebacunda um grupo inimigo, de uns 20 indivíduos, que corriam na margem da bolanha provavelmente com o intuito de nos emboscar á saída da mata.

Abrimos fogo imediatamente e arrancámos para o grupo inimigo que, vendo aquela tropa gritando como possessos na sua direcção, fez uma travagem brusca invertendo rapidamente a marcha, a toda a velocidade, para a mata mais próxima, fazendo umas atabalhoadas rajadas de pistola-metralhadora.

Mais uma vez os «valentões» do OIO nos desiludiram e alguns levaram «recordações» de Binta, já que vimos alguns rastos de sangue depois de perdermos o seu contacto na mata muito densa, por onde fugiram.

Reiniciámos o regresso pelo mesmo itinerário depois da missão ter sido dada como terminada pelo PC aéreo.

Os últimos 2km na bolanha foram particularmente penosos, ressentindo-se bastante o nosso Capitão do esforço despendido após um período de inactividade devido ao seu ferimento de 5 de Agosto último.

Com 12 horas de «trabalho» Binta estava de novo à vista e a perspectiva apetecida de um banho, de um almoço e de uma sesta de algumas horas animavam a moral das nossas tropas.

A LDM passou-nos para a outra margem do Cacheu e, minutos depois, contávamos aos que tinham ficado como é que os «turras do OIO» tinham fugido a sete pés frente à malta
da CCaç 675.

E depois do banho falou-se mais no almoço que se atrasou do que no OIO e dos seus mitos.

Na foto Ten. Coronel Fernando Cavaleiro e Capitão Tomé Pinto

Mais uma missão cumprida com honra e proveito para a tropa do Capitão de Binta.

Facto a destacar foi a vinda do Comandante de Batalhão, Ten. Coronel Fernando Cavaleiro, para acompanhar o nosso Capitão, regressado do hospital, protagonizando ambos uma acção temerária numa vinda de Farim a Binta durante a noite.

Com efeito viajar pelo rio Cacheu num barco a motor barulhento e lento, com uma pequena escolta de quatro militares, terá sido verdadeiramente arriscado, para não dizer uma loucura.

O esforço permitiu-lhes chegar antes da tropa partir para a operação, onde intervinham outras forças militares da região.

O exemplo de dois grandes chefes sempre presentes quando era preciso junto dos seus homens.

«Mais do que pela bandeira o soldado bate-se pelos seus Chefes»

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5279: Estórias do Jorge Fontinha (8): A propósito de férias

1. Mensagem de Jorge Fontinha*, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 12 de Novembro de 2009:

Carlos Vinhal,
Aqui vai mais uma das recordações da Guiné. Vão saindo a saca-rolhas.
Espero que contribua para se fazer mais um pouco de História.

Um abraço.
Jorge Fontinha


A PROPÓSITO DE FÉRIAS

O Luís Faria abriu um novo capítulo, nas suas Estórias. As férias. Isso leva-me a pensar nas minhas, no ano de 1971.
Parece que, quando tudo está previsto para correr bem, há sempre algo que tem forçosamente de correr mal.

Jorge Fontinha a caminho das Férias

As minhas férias estavam previstas para se iniciarem no dia 10 de Junho de 1971 e tinha avião TAP marcado para o final da tarde do dia 12, vésperas de Santo António, em Lisboa.

No dia 9, apanho a coluna de Bula para Bissau, onde ainda iria almoçar, por sistema, no SOLAR DOS 10, o belo Bife à Solar e a indispensável garrafa 0,75 de Casal Garcia geladinho. É claro que antes, teria de passar pelo Pilão

A tarde é passada na 5.ª Rep, já vestido à civil. Umas cervejolas, bons camarões, umas ostras e boa cavaqueira com uns camaradas de Alijó. Estando já de férias, esperava pelo dia 12, pois ainda queria ir passar o Santo António ao Bairro Alto.
De repente, três valentes estrondos e algo a passar sobre nós, colocou toda a gente em pânico e a correr em todas as direcções, como baratas tontas. Que diabo! Estávamos em Bissau e não era suposto nem previsível um ataque à capital.

Impensável! Os projécteis, em voo rasante, acabaram por cair no rio, ao fundo da avenida e tanto quanto sei, não provocou danos físicos a ninguém. Não sei se houve danos materiais.

Foi a primeira vez que Bissau foi atacada com mísseis e eu tinha que lá estar! Irra...**

Finalmente o dia 12 e o meu embarque. Primeiro, o alívio, depois uma soneca e finalmente a Portela à vista e o aterrar suave sobre a pista. Saída do Aeroporto e tomada de um táxi.

-Para a Baixa, ou antes deixe-me ao Chiado - digo eu ao taxista.

Por alturas da passagem pelos Restauradores, violento estrondo e algo a brilhar nos céus de Lisboa. Segue-se violento ribombar de foguetada, próprio das festas de Santo António. Atónito, pergunto ao taxista, o que se está a passar? O homem olha para mim, não menos atónito e pergunta-me:

- Oh homem, de onde é que você vem?

- Da Guiné e leve-me para uma residencial o mais longe possível daqui!

Levou-me para Oeiras!
Estava mesmo apanhado, não estava?

Um abraço para a Tertúlia
Jorge Fontinha
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5169: Parabéns a você (37): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791 (Editores)

(**) Sobre o ataque a Bissau no dia 9 de Junho de 1971, vd. postes de:

1 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2146: PAIGC - Instrução, táctica e logística (3): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (III Parte): Deslocamentos (A. Marques Lopes)
e
3 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2147: Ainda os ataques com foguetões a Bissau (Carlos Vinhal)

Vd. último poste da série de 31 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4888: Estórias do Jorge Fontinha (7): A nossa Casinha

Guiné 63/74 - P5278: Estórias avulsas (58): Constituição de um Batalhão de Caçadores, por especialidades e nº de efectivos (Fernando Costa, BCAÇ 4513)


Pegando num típico batalhão de caçadores, como o BCAÇ 4513, conclui-se que num total de 567 homens, 57% tinham a especialidade de atiradores... As oito principais especialidades de apoio (condutores auto, pessoal de trasmissões e afins, alimentação e cozinha, sapadores, serviço geral - incluindo escriturários -, mecânicos auto e afins, corneteiros e serviços de saúde) representavam, só por si, 35% do total... Um em cada dez era condutor auto...

Infogravura: © Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné (2009). Direitos reservados

1. Mensagem enviada pelo novo Camarada Fernando Costa, ex-Fur Mil Trms da CCS do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74), em 14 de Novembro de 2009 (*):
Camaradas,
Já alguma vez pensaram em como eram constituído um batalhão de caçadores, quer no número de homens, quer por especialidades?
Esta noite fiz um pequeno exercício de pesquisa, sobre os números do meu batalhão, e aqui está o resultado:


Obs - Clicar duas vezes, em cima da imagem, para ampliar

Fernando Costa
Fur Mil Trms
2. Comentários de EMR / LG:
Trabalho notável, Fernando. Não tinha ideia tão precisa das inúmeras "competências" reunidas num batalhão... Fizeste o apuramento estatística, em Excel, baseado no teu batalhão ... Difícil é publicar isto direitinho, em html... O blogue só suporta documentos em formato txt ou doc, bem como imagens (jpg, gif...). Uma solução seria pôr isto em power point... Acabaste por mandar em jpg, obrigando a ampliação... O gráfico que publicamos permite comparar os operacionais com o pessoal de apoio: os primeiros representavam apenas 57% do total...
Um abraço. Obrigado
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste do mesmo autor em:

4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5205: Convívios (172): 1º Convívio do BCAÇ 4513, 8 de Dezembro - Mealhada (Fernando Costa)



(*) Vd. último poste da série em:


11 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5252: Estórias avulsas (57): Funeral de 'homem grande', refeição melhorada... da tropa (José M. Ferreira)

Guiné 63/74 - P5277: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (12): O Furriel Emanuel

1. Mensagem de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66, com data de 13 de Novembro de 2009:

Boa noite, Carlos
Aqui vai mais um apontamento de ficção em modelo real.

Um abraço para ti, para todos os companheiros da Tabanca Grande e para quem mais se quiser juntar debaixo da árvore sagrada da nossa memória.

O Furriel Emanuel é um tributo ao soldado prudente, dócil, fiel cumpridor das ordens que recebe, exemplo de um ser superior que não sabe que o é e que nunca o vem a descobrir, vitima da cegueira de uma humanidade cada vez mais desumana.

Um abraço
Carlos A. Geraldes


O Furriel Emanuel

Era de origem timorense. Magro, de cara chupada e pele muito escura, cabelo preto de azeviche, parecia mais indiano que indonésio. Apesar de ter sido criado em Lisboa (viera para Portugal com os pais, ainda era bebé), parecia que tinha vivido sempre no sertão de Timor, como aquele menino criado por uma matilha de lobos que, mesmo depois de ter sido transportado para a civilização, todas as noites ia para a janela espreitar a lua, saudoso da companhia dos seus irmãos caninos.

Na escola do bairro onde os pais moravam, era xingado constantemente pelas outras crianças que lhe chamavam preto da Guiné. Ficava furioso e tentava explicar pela milésima vez que não era preto nem era da Guiné, mas sim de Dili numa ilha chamada Timor. Nesses momentos chegava até a sentir alguma dificuldade em expressar-se correctamente em português o que mais contribuía para o gáudio geral da pequenada. Talvez por isso nunca conseguiu formar-se, ter um emprego fixo, tornar-se um lisboeta de pleno direito como os outros. Era talvez o apelo da selva que vinha do seu ser mais profundo que lhe dificultava o completo entendimento da vida moderna. Certos costumes corriqueiros da nossa vida normal, como tomar uma aspirina para uma dor de cabeça, por exemplo, era para ele uma verdadeira aflição. Colocava-se em bicos de pés, com o corpo tenso, arqueado para trás, lembrando a posição de um faquir a querer engolir uma espada. Raras eram as vezes em que ele conseguia deglutir a pastilha com sucesso. Tossia e vomitava como um desgraçado.

E muitas outras coisas de que agora já não me lembro mas que eram uma marca insofismável das suas características tão especiais. Emanuel não parecia português, de Portugal.

Quando desembarcou na Guiné sentiu que, ali, estava mais perto das suas raízes. Sentiu-se como peixe na água. Enquanto os restantes camaradas se queixavam do calor húmido e dos malditos mosquitos, Emanuel ria-se com satisfação e ia tagarelar com as bajudas da tabanca onde era aceite com grande regozijo.

Outra coisa: o furriel Emanuel não conhecia a palavra não. De convívio alegre e matreiro, estava, no entanto, sempre pronto para fazer tudo o que lhe pedissem ou lhe ordenassem, mesmo que isso parecesse ser quase impossível. Era sempre o primeiro a aparecer equipado, armado e municiado, quando o destacavam para chefiar uma ronda, fazer uma patrulha ou integrar o Grupo de Combate a que pertencia para alguma operação mais prolongada. Sempre sem uma palavra de desagrado, contrariedade ou medo (que era outra palavra que não tinha sentido para ele). Nas operações mais difíceis e arrojadas, nunca se lhe ouviu um queixume, uma manifestação de cansaço ou desalento. Sempre pronto, fresco e desperto mesmo se estivesse sem dormir há mais de dois dias. De aspecto frágil era, no entanto, incansável, rijo e cheio de força. Até metia medo. Foi também por isso que se serviram dele como carne para canhão, sem qualquer constrangimento. Arrastaram-no para uma guerra sem sentido, que ele nem ousou questionar. Fizeram-no passar fome, e ele nem se apercebeu. Deram-lhe ordens para matar, e ele matou sem pestanejar. Usaram-no até ao extremo e, no fim, esqueceram-no e abandonaram-no ignominiosamente.

Quando um dia recebeu a trágica notícia da morte de toda a sua família num terrível desastre de viação, ficou imóvel, perplexo, e uma enorme tristeza começou por lhe toldar completamente o rosto. Pela primeira vez ficou de olhar perdido no vazio em que a sua vida se tinha transformado. Desde esse momento Emanuel pareceu morrer por dentro, vivia apenas como um autómato. Dos seus colegas e superiores nem uma palavra de conforto, nem uma mão no ombro. Como era diferente, um inadaptado, foi sempre um incompreendido, nunca tinha ganho grandes amizades. Apenas os soldados da secção, sentiam por ele uma espécie de compaixão, talvez por agora partilharem de mais perto um mesmo rosário de dor, mas nunca tiveram coragem de o confessar.

Quando regressámos à Metrópole, aos nossos aconchegantes cantinhos familiares, o furriel Emanuel não tinha para onde ir, não tinha família, não tinha amigos, não tinha ninguém a quem se pudesse agarrar, à deriva numa terra que nunca fora a dele. Nos primeiros tempos ainda o viram vagabundeando pela Baixa de Lisboa, dormindo aqui e ali em pensões baratas, comendo em tascas manhosas na companhia de chulos e prostitutas.

Parece que acabou por morrer na Alemanha, para onde tinha conseguido emigrar, não sei como nem quando, pobre e abandonado como sempre, numa noite gelada, sem nunca ter conseguido voltar à sua tão saudosa ilha natal.

Se calhar nunca chegou a ouvir falar desse tal acréscimo de pensão que queriam dar aos ex-combatentes da guerra do Ultramar! Não se preocupava em estar a par dessas coisas, não era isso que lhe iria resolver os problemas.

Viana do Castelo, Nov. 2009
Carlos A. G.
carlos.geraldes@live.com.pt

OBS:-Negritos da responsabilidade do autor do texto
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5253: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (11): A Enfermeira Josefina

Guiné 63/74 - P5276: Agenda Cultural (45): Semana Cultural da Guiné-Bissau, 16 a 20 Novembro, no Clube Literário do Porto (Regina Gouveia)


1. A nossa Amiga Regina Gouveia, esposa do nosso Camarada Fernando Gouveia (Alf Mil Pel Rec Inf - Comando de Agrupamento 2957 -, Bafatá, 1968/70), enviou-nos em 13 de Novembro o programa da Semana Cultural da Guiné-Bissau, que vai decorer entre 16 e 20 de Novembro de 2009, no Clube Literário do Porto.

SEMANA CULTURAL DA GUINÉ-BISSAU
16 a 20 Novembro de 2009

Uma iniciativa conjunta do Clube Literário do Porto com a Associação de Estudantes da Guiné-Bissau:

Dia 16 | Segunda-feira
Auditório
21h00
Conferência / Debate "A Cultura dos guineenses", pelo Dr. Abdul Baldé, Sociólogo

Dia 17 | Terç a-feira
Piano-bar
21h00
Encontro para falar sobre os "Contos tradicionais da Guiné-Bissau
Orador: Adão Quadé acompanhado por instrumento musical
Ibrahima Galissa, som de cora

Dia 18 | Quarta-feira
Auditório
21h00
Projecção de um documentário, "As duas faces da guerra Colonial na Guiné-Bissau"
Diana Andringa
Flora Gomes

Dia 19 | Quinta-feira
Piano-Bar
21h30
Poesia de Choque
António Pedro Ribeiro e Luís Carvalho
Convidado Especial, Dr. Julião Sousa, no âmbito da Semana Cultural da Guiné-Bissau

Dia 20 | Sexta-feira
Auditório
21h30
Apresentação do filme "Nha Fala", do realizador cineasta Flora Gomes

Clube Literário do Porto
Rua Nova da Alfândega, n.º 22
4050-430 Porto
T. 222 089 228
Fax. 222 089 230
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5275: Controvérsias (53): Polémica M. Rebocho / V.Lourenço: Por mor da verdade e respeito por TODOS os camaradas (A. Graça de Abreu)

1. Texto do António Graça de Abreu (na foto, à esquerda, na apresentação, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Memórias Literárias da Guerra Colonial, 2 de Outubro de 2008, do seu Diário a Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, Guerra e Paz Editores, 2007) (*)

O coronel Vasco Lourenço em caso polémico, quer reacção do Exército
por António Graça de Abreu


“Com as descolonizações, os povos criaram uma memória nacional por oposição aos colonizadores. Criou-se a ideia de que a expansão fora algo infamante, exigindo-se mesmo assunções de culpa. Ora, em meu entender, isso é tão disparatado como a glorificação desses colonizadores.”

Vitorino Magalhães Godinho, em Jornal de Letras nº 984, de 18 de Junho de 2008, pag. 13

A notícia vem no Diário de Notícias, há já mais de um ano, a 21 de Junho de 2008, pág. 16, da autoria do jornalista Manuel Carlos Freire. Agora, Novembro de 2009, quando o nosso Manuel Godinho Rebocho edita a sua tese em livro (**), talvez valha a pena recordá-la.

O coronel Vasco Lourenço (***), por quem não tenho especial simpatia, critica a ofensa feita aos oficiais do quadro permanente de “fugir à guerra colonial (1961-1974)”, sobretudo nas terras da Guiné, que surge aparentemente fundamentada na tese de doutoramento, “aprovada com distinção”, defendida pelo sargento-mor pára-quedista Manuel Godinho Rebocho, na Universidade de Évora e agora, Novembro de 2009, publicada em livro.

O Manuel Rebocho é um dos nossos, ainda há uns bons tempos atrás o tivemos no blogue a explicar que os restos mortais, as ossadas dos três pára-quedistas mortos e enterrados em Guidage, provavelmente ficariam na Guiné e jamais regressariam a Portugal, à Pátria, boa ou má, onde nasceram. Felizmente tal não veio a acontecer. O Manuel Rebocho também explicou, creio que muito bem, que o tenente-coronel pára-quedista Araújo e Sá era “um grande comandante” de homens, um militar que honrou as tropas pára-quedistas.

No nosso blogue, temos tido alguns defensores da tese da derrota militar na Guiné, da incapacidade das nossas tropas, não só os oficiais do QP, mas também os oficiais milicianos, sargentos e soldados, “sem meios”, vítimas do “colapso militar”,
“irremediavelmente batidos”, incapazes de responder à “supremacia militar” dos guerrilheiros do PAIGC.

Ora, segundo a tese de Manuel Rebocho, se os oficiais do exército do QP “fugiam à guerra colonial (1961-1974)”, imagine-se o que sucedeu na Guiné nos anos 1973/74, com os oficiais do QP a “fugir” e “os oficiais milicianos e os sargentos do QP a aguentar”. Em tão estranha situação, que não conheci, era inevitável a derrota militar.

Ou será que, como diz o coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril e antigo combatente na Guiné, o sargento Manuel Rebocho “deturpa (de forma malévola) o que então se passou na Guiné”? São palavras do Vasco Lourenço.

Vamos ao texto publicado a 21 de Junho de 2008 no Diário de Notícias.

“A tese de doutoramento aprovada com distinção (2005) na Universidade de Évora, acusando a generalidade dos oficias do quadro permanente (QP) do Exército de fugir à guerra colonial (1961-1974), está a gerar uma onda de indignação em diversos círculos castrenses. Dois factos ocorridos este mês tiraram a tese da penumbra: no passado dia 4, o tribunal de Évora absolveu o presidente da Associação 25 de Abril (Vasco Lourenço) num processo movido pelo autor da tese Manuel Godinho Rebocho (sargento-mor pára-quedista na reforma) por causa de críticas feitas pelo coronel Vasco Lourenço. A 10 de Junho, o coronel Morais da Silva terminou a análise da tese, concluindo que, pelos “erros e conclusões sem fundamento bastante, não dignifica a Universidade de Évora.”

Na origem da polémica está a tese de doutoramento sobre a “A Formação das Elites Militares em Portugal de 1900 a 1975”. O autor sustenta que os oficiais do quadro permanente fugiram da guerra, a qual se aguentou devido aos oficiais milicianos e aos sargentos do quadro permanente.[1]

Entre outras afirmações polémicas, diz: “Porque os oficiais dos anos 60 fugiram da guerra, não reuniram as características das elites. (…) Em função disso, o Exército desmoronou-se; a cadeia de comando partiu-se; o Exército venceu-se a si próprio, a Academia Militar falhou na selecção e na formação psicológica das futuras elites militares, as quais não desempenharam as suas funções aos valores próprios e exigíveis a um Exército.” (pág 488).

Vasco Lourenço, referido directamente na tese, insurgiu-se quando Manuel Rebocho o convida para a defesa da tese (19 de Setembro de 2005):

“Não me ouviu, deturpa o que então se passou na Guiné, e convida-me?”, contou ontem ao Diário de Notícias o presidente da Associação 25 de Abril. Além de escrever ao autor, Vasco Lourenço transmitiu também o seu protesto à Universidade de Évora e ao júri[2], observando que “talvez não tivesse sido ouvido previamente por o doutorando (Manuel Godinho Rebocho) ter noção da malévola deturpação do que se passou na Guiné.”

Manuel Rebocho que o DN não conseguiu contactar, considerou-se ofendido e apresentou queixa em tribunal contra Vasco Lourenço, que foi absolvido, O presidente da Associação 25 de Abril vai agora pedir ao Exército e à Academia Militar que condena “por uma tese destas, sem suporte científico, seja aprovada.”

Este ponto surge como pilar central da crítica do coronel Morais da Silva cujo passado militar o fez sentir-se “enlameado” com a tese, que leu para “desmontar” os argumentos do autor. “Caracterizar um universo de centenas de capitães do QP (…) a partir do desempenho de dois elementos desse universo, mostra que o autor nada conhece da teoria da amostragem e, portanto, as conclusões a que chegou não têm a menor validade científica”, escreveu aquele oficial.


Este o artigo do Diário Notícias. O jornalista conclui lembrando que “Vasco Lourenço foi o comandante das forças que anularam a sublevação do 25 de Novembro, iniciada pelas tropas pára-quedistas e em que Manuel Rebocho participou”.

Repito, o que é que isto tem hoje a ver connosco, estarei a misturar alhos com bugalhos?

Vamos apenas para recordar que Vitorino Magalhães Godinho que cito no início deste texto, o coronel Vasco Lourenço, e já agora eu próprio, não são gente da direita nostálgica de qualquer passado colonialista.

No que a mim diz respeito, - e porque de direitista a esquerdista, já me colaram éne rótulos -, está tudo no meu Diário da Guiné, 1972/74, inclusive a referência ao meu processo na PIDE/DGS, com a cota dos documentos sobre mim elaborados pela PIDE, a partir de 1967. Quem quiser pode ir à Torre do Tombo consultá-los.

O que é que me tem levado a alinhar tantas páginas, às vezes um tanto magoadas, no blogue?

(i) O gosto pela verdade histórica;

(ii) O respeito imenso pelos meus camaradas de armas, meus irmãos na Guiné, agora também pelos oficiais do quadro permanente que conheci em Teixeira Pinto, em Mansoa, em Cufar, não propriamente no ar condicionado de Bissau, com quem convivi muito de perto durante 22 meses;

(iii) O respeito também pelo “inimigo”, os guerrilheiros do PAIGC.


Aprendi a respeitar o rigor da informação e a seriedade na análise histórica. Cometo naturalmente alguns erros, já escrevi, e não estou a ser original ao afirmar que cada homem é um mundo. Mas procuro olhar e entender a História (e estamos a falar da História Contemporânea de Portugal e da História da Guiné–Bissau), a nossa História, a partir de “uma investigação séria e rigorosa, como uma construção científica capaz de nos ajudar a compreender quem fomos e quem somos”. Estou outra vez a citar Vitorino Magalhães Godinho

Um abraço a todos os tertulianos, a todos os camaradas e amigos.

António Graça de Abreu

11 de Novembro de 2009

Ano do Búfalo

António


2. Comentário de L.G.:

"Sério, sereno, justo mas não justiceiro, tomando partido pela busca da verdade e do rigor historiográfico, sem deixar de ser caloroso e fraterno" - é um elogio que eu gostaria de poder fazer a todos os que escrevem no nosso blogue. Eu sei que há divergências de leitura, análise e interpretação, entre nós, no que diz respeito à guerra colonial e ao seu contexto histórico - nos planos estratégico, político, militar, social, económico e cultural... Não quero nem posso escamotear essas diferenças... Nem sempre é fácil sermos "calorosos e fraternos" quando não concordamos... Mas podemos ser "sérios, serenos e justos" na crítica...

Este contributo do António (que, tal como eu, ainda não leu o livro) é também um convite para olharmos, de vez, para o nosso passado, sem falsos saudosismos nem miserabilismos, mas também com frontalidade, verdade, orgulho... E sobretudo continuarmos a 'fazer pontes' com os outros povos (às vezes, parece que continuamos a 'fazer a guerra'... Ora o PAIGC foi, objectivamente, o 'nosso IN', no passado; mas war is over, a guerra acabou)...

No própximo dia 17, na ADFA, em Lisboa, o nosso camarada Manuel Rebocho vai apresentar o seu livro e nós vamos lá estar para o ouvir, a ele e aos seus convidados, com a mesma abertura de espírito com que estamos, estivemos e estaremos em eventos semelhantes (por exemplo, na apresentação do livro do Coutinho e Lima sobre a retirada de Guileje em 22 de Maio de 1973). São dois camaradas nossos, membros da nossa Tabanca Grande, que divergem na apreciação de muitas coisas, directa ou indirectamente relacionadas com a guerra colonial da Guiné.

O Manuel Rebocho é hoje doutorado em sociologia dos conflitos, por uma universidade pública portuguesa, a Universidade de Évora, e a sua tese, agora em livro, deve ser conhecida e lida, antes de alguém vir para a praça pública utilizá-la como se fora uma G3.

Não ignoro que o tema (as elites militares e a guerra colonial) é, em si, polémico, como o são, aliás, todos os temas de história contemporânea: não temos ainda a distância efectiva e afectiva para julgar o "nosso tempo"...

Eu ainda não conheço a tese (não está acessível, 'on line') nem ainda comprei nem li o livro. Não tenho por hábito e formação usar a G3 para impôr os meus pontos de vista. Na nossa Tabanca Grande a G3 é hoje, de resto, uma peça de museu. Quem a trouxer, se há quem ainda ande com ela, deve deixá-la lá fora. (Obviamente, isto é uma metáfora).

Todos os pontos de vista, devidamente fundamentados, sobre o livro do Manuel Rebocho - incluindo os aspectos mais académicos, teórico-metodológicos, de investigação científica - serão bem vindos e terão lugar no nosso espaço, que é livre, plural e aberto. Mas, desde já devo dizê-lo, não aceito que se diabolize ninguém. Controvérsias, sim, duscussão livre, franca e aberta, sim. Se possível, serena, calorosa e até fraterna, melhor ainda. Mas transformar o nosso blogue numa tribuna panfletária, não. Decididamente não.

[Revisão / fixação do texto / bold a cores / título: L.G:]

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Notas do A.G.A.:

[1] Será que Manuel Godinho Rebocho se esqueceu dos furriéis milicianos e dos nossos cabos e soldados?

[2] O júri era constituído pelo prof. Adriano Moreira, Joaquim Serrão (será o prof. Joaquim Veríssimo Serrão, antigo presidente da Academia Portuguesa da História. Se é, não posso acreditar!), Maria José Stock, antiga presidente do Instituto Camões, e que vai apresentar agora o livro do Manuel Rebocho, Maria Colaço Baltazar e o professor da Academia Militar coronel Nuno Mira Vaz, autor de um interessante livro Guiné 1968 a 1973, soldados uma vez, soldados sempre, Lisboa, Tribuna da História, 2003.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 7 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3276: Memórias literárias da guerra colonial (3): O poder na ponta das espingardas, segundo A. Graça de Abreu (Luís Graça)

(**) Vd. postes de:

10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5243: Controvérsias (52): Elites militares, estratégia e... tropas especiais (L. Graça / A. Mendes / M. Rebocho / S. Nogueira)

29 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5180: Agenda Cultural (39): “Elites Militares e a Guerra de África”, de Manuel Rebocho: 17 de Novembro, às 18h00, sede da ADFA - Lisboa


Sobre o Manuel Rebocho, vd. postes dele ou sobre ele:

27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

4 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)

5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

17 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho)

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho

27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

28 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3674: Em busca de... (59): Ex-combatentes do BCAÇ 4616/73 (Manuel Rebocho)

16 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4694: Meu pai, meu velho, meu camarada (6): Ex-Cap Pára João Costa Cordeiro, CCP 123/ BCP 12 (Pedro M. P. Cordeiro / Manuel Rebocho)


(***) Sobre Vasco Lourenço:

Vasco Lourenço (à esquerda, em foto da capa do livro Vasco Lourenço do Interior da Revolução, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro, Lisboa, Âncora, 2009):

" Nasceu em Castelo Branco em 1942. Ingressou na Academia Militar em 1960. Pertenceu à Arma de Infantaria. Combateu na Guerra Colonial, tendo cumprido uma comissão militar na Guiné de 1969 a 71. No dia 25 de Abril de 1974 era capitão nos Açores. Membro activo do Movimento dos Capitães, pertenceu à Comissão política do MFA. Nesta condição foi nomeado para o Conselho de Estado (24 de Julho de 74), passando mais tarde a integrar a estrutura informal do Conselho dos Vinte e a partir de 14 de Março de 75 tornou-se membro do Conselho da Revolução, funções que manteve até à extinção (1982). Passou à Reserva no posto de tenente-coronel a 20 de Abril de 88. Pertence desde a sua fundação aos corpos gerentes da Associação 25 de Abril" (Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra).

Guiné 63/74 - P5274: FAP (36): Ventos e cata-ventos (Miguel Pessoa)

1. Texto do Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (e membro efectivo, activo, produtivo e proactivo do nosso blogue):

VENTOS E CATA-VENTOS

O pára-quedas de cauda do Fiat G-91 era um componente importante na utilização do avião em pistas mais curtas ou naquelas em que, devido às altas temperaturas existentes, a corrida de aterragem (*) era agravada.

Lembro-me, depois de uma aterragem em Nova Lamego (em que naturalmente tive que usar o pára-quedas de cauda), não havendo ali material de substituição, tive que prosseguir para Bissalanca sem poder recorrer a ele. E, dadas as altas temperaturas verificadas àquela hora na pista da BA12, recordo-me bem que, sem o pára-quedas, o avião "comeu" praticamente a pista toda até se imobilizar. E os travões ficaram bem quentes nessa ocasião...

Naturalmente, havia algumas restrições ao uso do pára-quedas do avião, nomeadamente no que diz respeito às condições e velocidades máximas de utilização. Assim, ele deveria ser extraído apenas depois de o avião tocar no solo e com uma velocidade inferior a 150 nós (**).

Compreendem-se essas restrições pois o pára-quedas, aberto, comportava-se como um verdadeiro cata-vento e, se nos lembrarmos que na outra ponta estava o avião, imagine-se a rotação a que este podia estar sujeito no caso de ventos fortes laterais. E esses efeitos sentiam-se ainda mais no ar. Por outro lado, havia um limite físico à abertura do pára-quedas - o cabo que ligava o pára-quedas ao avião tinha uma rotura prevista aos 3000 kg de força, o que acontecia quando a abertura era efectuada acima dos tais 150 nós (***). Corria-se nesse caso o risco de a calote se desprender, deixando o pára-quedas de ter qualquer utilidade.

Existia no entanto uma gama de velocidades (pequena) entre a velocidade de tocar no chão e a velocidade máxima de abertura do pára-quedas que permitia abrir o pára-quedas ainda no ar, sem ultrapassar essa velocidade limite. Tinha que se ter um cuidado extra, pois ao abrir o pára-quedas o nariz do avião tinha tendência para baixar. Na verdade não se ganhava nada com isso mas era um exibicionismo que um piloto mais atrevidote gostava de experimentar. Bem, foi precisamente o meu caso...

Dei-me bem com o método (que, na verdade, usei apenas esporadicamente), até ao dia em que fiz uma aproximação a Bissalanca e resolvi abrir o pára-quedas de cauda imediatamente antes de tocar, sem ter tido em muita consideração os ventos que a Torre de Controlo me reportava.

O facto é que rapidamente me arrependi do feito, pois o avião iniciou um par de rotações para um lado e outro do eixo da pista (20º ou mais para cada lado). Tendo finalmente conseguido dominar o animal (os animais, se incluirmos o que ia a pilotar...) lá consegui pôr o estojo no chão e fazer uma corrida de aterragem mais ou menos normal. E o facto é que nunca mais, desde então, deixei de cumprir rigorosamente o que estava estabelecido no referente às condições e velocidades de utilização do pára-quedas de cauda do Fiat G-91...

Miguel Pessoa

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Notas do autor:

(*) Em termos simples, a distância percorrida desde o "tocar no chão" até à paragem completa do avião

(**) 150 nós (ou 150 milhas náuticas por hora) correspondem a quase 280 km/hora (150 x 1,853= 277,9 km/h)

(***) Um agradecimento ao Cristiano Valdemar, ex-mecânico de Fiat G-91 na BA12, que me relembrou estes dois valores, já desaparecidos do meu "disco rígido"...

Guiné 63/74 - P5273: Parabéns a você (42): Orlando Pinela, ex-1.º Cabo Reab Mat Auto da CART 1614/BART 1896 (Editores)

1. Salvé dia 15 de Novembro de 2009.

Neste dia o nosso camarada Orlando Pinela*, ex-1.º Cabo Reab Mat Auto da CART 1614/BART 1896,
Cabedú, 1966/68, festeja o seu 64.º aniversário, e nós, tertulianos desta Tabanca Grande aqui estamos a desejar-lhe um feliz dia, com muita saúde e alegria, junto de quem lhe é mais querido. Mais um pequeno esforço e aqui estará, neste mesmo lugar, a mesma malta a comemmorar o seu centenário. Sim, porque nós não fazemos por menos.

O nosso camarada Pinela apresentou-se assim à Tabanca em Março passado:

Boa tarde e saudações cordiais do camarada Pinela.
Aí vai o meu pobre historial militar.

Fiz a recruta na Serra da Carregueira no 1.º turno de 1966, tendo tido uma recepção excepcional como faxina à cozinha. Nunca tinha visto tanta loiça, era um autentico Hotel de *****, os quartos eram todos duplos e tinham uma média de 160 camas.
Esses dois meses, além da chuva e do frio, tudo passou sem grandes sobressaltos além de alguns roubos de equipamento.

Como já estávamos naquele Resort há muito tempo, todos fomos à vida indo eu parar ao Entroncamento, terra muito conhecida pelos combóios, talvez fossem mais os militares que a população. Aí sim, tive uma rececpão estupenda de boas instalações, no quarto de vez em quando, como o mesmo não era muito grande, era necessário desviar as camas para passar o combóio e também não eramos muitos, mais ou menos uns 300.

Assim chegou o mês de Agosto, fim da especialidade e nova mudança sempre a fugir para o Norte.
Agora sim fui para uma cidade estupenda, a capital de Trás-os-Montes, Vila Real, condições acolhedoras e condignas e uma excelente camaradagem, ficando a fazer serviço no material de Guerra, tendo quase todos os dias a visita do senhor Comandante da Unidade (RI13), um homem com dignidade e de bom coração.
Como também sou Trasmontano da região de Bragança, muitos fins de semana lá ía a casa para encher as peles.

Assim pelo fim de Setembro acabou a estadia nesta unidade e rumando para uma cidade a Sul do Rio Douro, Vila Nova de Gaia, já com o bilhete na bagagem para novos rumos. Estive três dias na Serra do Pilar até me reagrupar à Companhia. Mais uma vez fui conhecer novas caras, pois nem uma alma conhecida. O Bart 1896 integrava as Cart 1612, 1613 e 1614, tendo passado por uma Bateria em Leixões até ao treino operacional em Viana do Castelo com o embarque a 12 de Novembro de 1966.

Esta descrição é em traços largos a minha passagem pelo Serviço Militar no Continente, talvez não seja muito importante para os camaradas do blog, mas é o começo da minha apresentação.
Dentro de dias vou começar a escrever a minha singela passagem por terras da Guiné.

Despeço-me com um abraço para todos os camaradas da Tabanca Grande e em especial ao camarada Carlos Vinhal em ter pachorra para me aturar.
Um abraço
Orlando Pinela


Orlando Pinela a banhos (de sol) no Resort de Cabedú
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4096: Tabanca Grande (128): Orlando Pinela, militar da CART 1614 (Guiné, 1966/68)

Vd. último poste da série de 14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5266: Parabéns a você (41): César Vieira Dias, ex-Fur Mil Sapador da CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71 (Editores)