quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5765: Blogoterapia (144): Que estou eu aqui a fazer? (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 1 de Fevereiro de 2010:

Meus caros camarigos editores
Espero que o Luís esteja já recomposto do aniversário!
É que são muitos anos já, e devem doer a fazer!!!!

Aqui vai um texto, que em certa medida foi inspirado pela leitura do texto do camarigo Torcato.

Como sempre fica à vossa disposição para arquivo na "cesta" secção, ou para publicação.

Depois acusem-me a recepção, por favor.

Com o meu abraço camarigo para todos
Joaquim Mexia Alves


QUE ESTOU EU AQUI A FAZER?

Que estou eu aqui a fazer?
Que calor é este tão intenso que sinto e que humidade é esta que se me agarra ao corpo de tal modo que tudo em que eu pego me fica colado às mãos, me fica colado à pele?

Há quanto tempo aqui estou, e quanto tempo falta ainda para me ir embora?

Devo fechar os olhos e sair daqui por uns momentos nas asas do pensamento que me leve a Monte Real, que me leve a Lisboa, ou é melhor ficar assim de olhos abertos, para não me deixar levar por ilusões?

Mas o que é que faço aqui?

Porque me chamam Alferes, porque vêm ter comigo pedindo-me autorização para tanta coisa?

O que eu queria era ser médico!
Não tem nada a ver com isto!

Mas como é que raio eu vim aqui parar?
Mas eu tinha como certo que só acontecia aos outros! Eu tinha como certo que a mim ninguém chamaria para isto?
Mas que raio de coisa é esta que me acontece?

Sim, está bem, eu tenho este corpo alto, mas ainda sou menino!
Como podem colocar em mim a responsabilidade das vidas daqueles homens todos?
Alguns até são casados, valha-me Deus, e com filhos!

E depois vêm de quando em vez pedir-me conselhos!
Então e o que é eu, menino estudante, (pouco é certo), muito pouco calejado da vida, posso dizer a cada um?

O problema é que nos olhos deles eu vejo que confiam em mim!
Valha-me Deus! Em mim!

Mas eu sou ainda um pouco menino de casa dos pais. O que sei eu da vida, a não ser gozar com a vida!

E depois isto de andar de arma ao ombro não tem nada de heróico!
Quando brincava às guerras isto tinha muito mais graça, não morria ninguém e os bons ganhavam sempre!
E quem é que raio são os bons?

Lembro-me até, (onde raio tinha eu a cabeça), de ter um certo orgulho em vir para a guerra!
Pois é, mas a verdade, verdadinha, é que afinal nesta coisa guerra morre gente, e também há gente que fica estropiada para o resto da vida, uns fisicamente e outros mentalmente.

Basta ver, já andam por cá alguns que não estão muito certos da cabeça!
Se calhar eu também não!

O que estará o meu pai a fazer agora? E a minha mãe? E os meus irmãos? E os meus amigos?
Nem sei já se é tempo de Verão ou de Inverno, com o calor que por aqui faz!
Apetecia-me adormecer e só acordar no fim disto tudo.

Mas gaita, se já em Lisboa eu dormia mal, quanto mais aqui com este calor e o estupor dos mosquitos que parecem hordas de japoneses em Pearl Harbor!

Voltarei vivo? E todo inteiro?

Porra, os olhos! Os olhos é que não! Um braço, sei lá, uma perna, mas os olhos não! Sem olhos não, mato-me!

Bem, já estás a divagar que nem um tonto!
Deixa-te lá dessas merdas que só te chateiam ainda mais e não resolvem a ponta dum corno!
Endireita-te, abre bem os olhos e dá uma ordem qualquer:

- Ó Festas, traz lá outra cerveja!!!

Monte Real, 1 de Fevereiro de 2010

Nota:
O Festas era o “barista” da messe de oficiais no Xitole.
As fotografias e o texto do Torcato, levaram-me a ir recordar as minhas fotografias.
Deparei com esta, tirada no Xitole, nos idos de 1972, e pus-me a falar com ela e ela comigo.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5599: Blogues da Nossa Blogosfera (31): Tabanca do Centro (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 2 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5748: Blogoterapia (143): Pensar em voz alta: Colonialismo... jamais... jamais... (Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P5764: Recortes de Imprensa (22): Guiné-Bissau de Colónia a Independente, de José Gregório Gouveia no Tribuna da Madeira (José Paradela)




Chegou até nós, via mensagem de 31 de Janeiro de 2010, do Arquitecto José Paradela, ilhavense, amigo do nosso camarada Jorge Picado e do nosso editor Luís Graça, um recorte do jornal "Tribuna da Madeira", fazendo a apresentação, a duas páginas, do livro "Guiné-Bissau de Colónia a Independente" de autoria de José Gregório Gouveia que foi Fur Mil Enf.º da CART 1525.


Foto retirada do site do "Tribuna da Madeira", com a devida vénia


"Guiné-Bissau de Colónia a Independente" de José Gregório, está disponível na página da CART 1525, em: http://www.cart1525.com/


Também, com a devida vénia ao jornal "Tribuna da Madeira", aqui fica a Biografia de José Gregório Gouveia:

Biografia do Autor


José Gregório Gouveia tem 65 anos, é casado, advogado e natural da Calheta. Prestou serviço militar na Guiné, integrado na CART 1525, nos anos de 1966 e 1967, depois de fazer o Curso de Sargentos Milicianos (1964/65) na Escola Prática de Cavalaria de Santarém e o 2.º Ciclo do CSM na Especialidade de Enfermeiro no Hospital Militar de Lisboa.

Após o regresso do ultramar, em 1968, foi sucessivamente funcionário da Câmara Municipal da Calheta, trabalhador bancário, dirigente regional do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, dirigente do PS-Madeira e deputado na Assembleia Legislativa Regional da Madeira.

O advogado tem inúmeras colaborações com a imprensa.
Primeiro no "Jornal da Madeira" com crónicas sobre a Calheta e depois como autor de vários trabalhos no semanário "Madeira Hoje. Seguiram-se colaborações como articulista no "Diário de Notícias" e, actualmente no "Tribuna da Madeira", onde começou por subscrever a rubrica "Período Revolucionário da Autonomia" e agora uma denominada "Rosas e Espinhos da Nova Autonomia". Não é a primeira vez que Gregório Gouveia dedica-se à produção literária. O advogado publicou o livro "Madeira-Tradições Autonomistas e Revolução dos Cravos".
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5107: Recortes de Imprensa (21): Revista da Liga dos Combatentes - Homenagens aos Combatentes (Ribeiro Agostinho)

Guiné 63/74 - P5763: Notas de leitura (62): Salgueiro Maia (1): Crónica dos Feitos por Guidage (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Janeiro de 2010:

Queridos amigos,
O Vasco Lourenço tinha razão quando me disse que estes textos do Salgueiro Maia são inigualáveis.
São mesmo, o que mais aprecio é a capacidade de ter agido com tanta dor contida, fazendo bem tanto quanto possível, de acordo com o tumulto das circunstâncias.
Não dá para perceber como estes textos não são dados às crianças que vão crescer a ignorar a guerra que fizemos.

Um abraço do
Mário


Salgueiro Maia: Crónica dos feitos por Guidage

Beja Santos

É provável que existam textos ainda mais apocalípticos, brutais e crus do que estes. Pessoalmente, não conheço nada mais violento sobre a guerra, a morte estúpida, a dor incompreensível, a dignidade humana no grau zero, do que o testemunho que Salgueiro Maia nos deixou nos textos que intitulou “Crónica dos feitos por Guidage”. É na secção “depoimentos” que faz parte do livro “Capitão de Abril, Histórias da Guerra do Ultramar e do 25 de Abril”, de Salgueiro Maia (Editorial Notícias, 1994). Estamos em Maio de 1973, a comissão militar da companhia de Salgueiro Maia está praticamente no fim. Naquele dia 5 de Maio notou-se uma azáfama anormal de meios aéreos; depois um forte tiroteio, pede-se apoio aéreo, da artilharia, evacuações. Tudo aquilo partia de um destacamento onde Salgueiro Maia tinha um pelotão. Sem hesitar, o capitão avança para o destacamento. Aí, há notícia de um novo contacto com as forças do PAIGC, as nossas tropas tiveram seis mortos, há feridos graves, material abandonado, sobreviventes à deriva. Novo contacto, mais um morto e três feridos graves. Os nossos soldados permanecem no terreno, pedem auxílio. O comandante do batalhão manda avançar uma companhia em reserva para acudir aos camaradas, a companhia recusa-se a avançar. Salgueiro Maia parte em seu auxílio:

“Para quem não conheceu a mata da Guiné, é difícil explicar como se consegue ir a corta-mato com viaturas tendo de encontrar passagem por entre as árvores, os arbustos, o capim alto, as ramagens com picos e, ao mesmo tempo, seguir uma direcção certa, apesar de tentarmos ir o mais depressa possível. Depois de rotos pela vegetação e cansados de correr ao lado das viaturas, chegámos ao local de combate. Ainda pairava no ar o cheiro adocicado das explosões; os homens tinham um ar alucinado, de náufrago que vê chegar a salvação, mas, em lugar de mostrarem a sua alegria, estavam ainda na fase de não saber se era verdade ou não.

Mando montar segurança à volta da zona e pergunto pelos feridos ao primeiro homem que encontro – tem um ar de miúdo grande a quem enfiaram uma farda muito maior do que ele; parece de cera, olha-me sem me ver e aponta com o braço. Sigo na direcção apontada e depressa vejo uma nuvem de mosquitos e moscas: já sei que à minha frente tenho sangue fresco. Debaixo de uma árvore, estão estendidos cinco homens; o capim está todo pisado; alguns dos homens estão em cima de panos de tenda; à volta, estão várias compressas brancas empastadas de vermelho; o chão parece o de um matadouro, há sangue coalhado por todo o lado; a maioria do sangue vem de um dos homens que já está cheio de moscas. Dirijo-me para ele – está cor de cera e praticamente nu. Olha-me como que em prece; ninguém geme, o silêncio é total. Trago comigo o furriel enfermeiro e um cabo maqueiro. Mando-os avançar, assim como as macas. Dirijo-me ao ferido mais grave – o ferimento provém-lhe da perna. Tem em cima dela várias compressas empastadas de sangue. Tiro as compressas e vejo que o homem não tem garrote. Pergunto estupefacto por que é que não lhe fizeram um. Alguém me responde que o enfermeiro está ferido. Começo a sentir raiva”.

O dia tomba, é impossível recorrer a uma evacuação por helicóptero, os feridos são depositados nas caixas dos Unimogs. O PAIGC volta a atacar, desta vez com foguetões de 122 mm. O ferido da perna morre. Salgueiro Maia escreve: “Guardo dele uns olhos assustados a brilhar numa pele branca e seca, a ficar vazia de vida porque, em 60 homens ninguém sabia o mais elementar em primeiros socorros: fazer um garrote”.

É desolação a toda a volta, enquanto se forma a coluna para regressar a Bissau, Salgueiro Maia dá consigo a contemplar os mortos de boca e olhos abertos, com aspecto de quem não compreende nada do que aconteceu. E escreve: “Mecanicamente, tiro os atacadores das botas dos mortos, ato-lhes os queixos, ponho-lhes as mãos em cruz, os pés juntos. Com a água do cantil molho-lhes os olhos e fecho-lhes. Olho para a minha obra e também não entendo”.

O pior vem depois. No dia 22 de Maio de 1973, Salgueiro Maia e a sua companhia estão prontos para seguir para o Cumeré, parece que a comissão terminou. Mas não, têm que partir de urgência para o Norte. O PAIGC desencadeara uma ofensiva em Guidage, a guarnição estava cercada e, aparentemente, isolada. As flagelações do mês de Maio, na zona de Guidage, eram incontáveis. O PAIGC apostara numa operação de grande envergadura: trouxera mísseis terra-ar para dissuadir os meios aéreos; implantara um campo de minas anti-carro e anti-pessoal na estrada Guidage-Binta. A última coluna de reabastecimento fora atacada durante cerca de 24 horas sem interrupção, as NT retiraram abandonando mortos e viaturas, seguiram para Guidage. O comando-chefe reage com a operação Ametista Real. Uma companhia de pára-quedistas e um destacamento de fuzileiros tentam abrir o itinerário, chegam a pé a Guidage depois do destacamento de fuzileiros ter caído num campo de minas e os pára-quedistas terem sofrido uma emboscada. Salgueiro Maia recebe ordens para seguir para Binta-Farim e depois, com uma companhia africana e uma companhia de atiradores, abrir o cerco para Guidage. O relato que ele faz é uma peça espantosa.

Este livro fica a fazer parte do património do blogue. Precisei de ir à Associação 25 de Abril buscar livros para recensão, em conversa com o Vasco Lourenço veio à baila este texto sofridíssimo e de uma camaradagem sem igual. Ofereceu-me o livro, ele deve ficar em boas mãos.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5758: Pré-publicação de Mulher Grande, de Mário Beja Santos (3): Dois anos maravilhosos: S. Domingos, Varela, Ziguinchor, antes da guerra...

Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5753: Notas de leitura (61): Armor Pires Mota (6): Estranha Noiva de Guerra, uma obra prima à espera de reconhecimento (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5762: Parabéns a você (74): Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6, Bedanda 1971/72 (Editores)

Hoje, dia 4 de Fevereiro de 2010, está de parabéns o nosso camarada Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico na CCAÇ 6, que esteve em Bedanda nos anos de 1971 e 1972.

Ao Dr. Mário Bravo vem a Tertúlia desejar um divertido dia de aniversário, na companhia de seus familiares e amigos, na certeza de que esta data vai ser festejada durante muitos anos, não sejamos, o Mário e quase todos nós, jovens sexagenários.


O ex-Alf Mil Médico Mário Bravo, apresentou-se à Tabanca no mês de Janeiro de 2007, assim:

Meu Caro Luís Graça:
Por motivo ocasional, tive conhecimento da existência deste fabuloso movimento de memórias das gentes que estiveram na Guiné.

Fui médico (alferes miliciano) na CCAÇ 6, em Bedanda, desde finais de 1971 até aos primeiros meses de 1972.

Actualmente, com 60 anos de idade, sou ortopedista na cidade do Porto. Ainda não estou reformado, mas tenho vontade de ocupar algum do meu tempo livre a relembrar velhos tempos.

Envio duas imagens (fotos), como se pretende e aguardo as vossas instruções para o envio de outras fotos que tenho e que se referem a Bedanda, isto é, a companheiros dessa época. Por exemplo, tenho fotos do Cap Ayala Botto que, segundo li, é Coronel na reserva.

Cumprimenta
Mário Bravo


O editor do poste não sabe se o Dr. Mário Bravo ainda está em actividade, oxalá que sim, porque são precisos técnicos com experiência, principalmente ortopedistas, porque a armação é o que mais se deteriora com a idade. Eu que o diga.
Vem isto a propósito, de que, se eventualmente já tiver mais tempo disponível, está na altura de nos contar as suas vivências na Guiné. Sou fã das histórias dos militares que estiveram ligados ao serviço de saúde, porque viveram experiências ímpares, quer pela diversidade dos problemas encontrados, quer pela dificuldade e capacidade de improvisação, face às necessidade mais básicas para desempenharem as suas funções.

Do espólio fotográfico do Camarada Mário Bravo, escolhemos as fotos que se seguem:

Alf Mil Médico Mário Silva Bravo

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) > O Alf Mil Médico Mário Bravo - ao meio, na foto - esteve na CCAÇ 6 em Bedanda, mas também ia regularmente a Guileje, no tempo do Samúdio (1.º Cabo Enfermeiro, o primeiro à esquerda).
Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados


Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1972 > O Mário Bravo na porta de armas

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1972 > O Alf Mil Médico Mário Bravo, que pertenceu à CCAÇ 6 (Bedanda, 1971/72) ia também regularmente a Guileje, prestara assistência médica aos respectivos militares e população. Ironicamente, esta a mensagem de boas vindas - Boa viagem - com que as visitas eram recebidas.

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72> O Alf Mil Médico, Mário Bravo, à direita; e o Tenente Miliciano Capelão Mário Oliveira.

Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > 1972 > O Alf Mil Médico Mário Bravo - o quarto a contar da esquerda, de óculos - no meio de um grupo de oficiais. O António Graça de Abreu - Alf Mil (CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) - é o primeiro da esquerda.

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72 > Na foto, o Mário de pé, à esquerda... O grupo era o que trabalhava com ele na enfernaria... Do lado direito, de pé, está o Fur Mil Enf Dias, natural de Viana do Castelo.

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72 > O Alf Mil Médico Mário Bravo e o terceiro, de pé, a contar, da esquerda. Da primeira fila, à direita, segurando a bola, então Comandante da CCAÇ 6, Ayala Botto que, na Guiné, também foi ajudante de campo do Gen Spínola.

Fotos: © Mário Bravo (2007). Direitos reservados


Finalmente a listagem de postes do Doutor Mário Bravo ou a ele relativos


23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1457: Tertúlia: Apresenta-se o Alf Mil Médico Mário Bravo, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72)

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1466: Mário Bravo, médico de Guileje (Amaro Munhoz Samúdio)

28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1467: Bem vindo a Guileje, Doutor (Mário Bravo)
e
Guiné 63/74 - P1469: Bedanda, manga de saudade ou uma dupla sinistra, o padre e o médico (Mário Bravo, CCAÇ 6)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1517: Tertúlia: Com o António Graça de Abreu em Teixeira Pinto (Mário Bravo)

3 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1726: Álbum das Glórias (12): Bissau: Clube Militar, mais conhecido por Biafra (Mário Bravo)

21 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2566: Em busca de ... (21): Malta de Bedanda, do futebol e dos serviços de saúde (Mário Bravo, Alf Mil Médico, CCAÇ 6, 1971/72)

23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2573: Futebol em Bedanda, CCAÇ 6, 1971/72 (Ayala Botto / Mário Bravo)

3 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5396: Os Nossos Médicos (10): Mário Bravo (CCAÇ 6, Bedanda, 1971/72), hoje ortopedista no Porto
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5751: Parabéns a você (73): Germano Santos, ex-Op Cripto da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, 1971/73) (Editores)

Guiné 63/74 - P5761: Núcleo MuseolÓgico Memória de Guiledje (13): intervenção da Presidente da AD, Isabel Miranda, no dia 20 de Janeiro de 2010

Intervenção da AD - Acção para o Desenvolvimento, na pessoa da sua presidente, Sra. Dona Isabel Miranda (aqui, em foto de 5 de Março de 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje, Bissau, 1-7 de Março de 2008):

Exmº Senhor Malam Bacai Sanhá, Presidente da Republica da Guiné-Bissau
Exmº Senhor Carlos Gomes Junior, Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados
Senhores Embaixadores
Senhores combatentes da Independência da GB
Senhores Internacionalistas Cubanos
População da Guiné-Bissau, de Tombali, de Guiledje
Meus Senhores e minhas Senhoras


Bem Vindos a Cantanhez, berço da Nação Guineense!

Há 18 anos que a nossa ONG, a AD, vem trabalhando nesta zona histórica do país, tendo como permanente referência Amilcar Cabral que, para além de ser um agrónomo visionário, era também um antropólogo de profunda sensibilidade, que sempre colocou o Homem, as suas preocupações, as suas convicções e as suas percepções do mundo, no centro de todos os processos de desenvolvimento.

Com a Luta pela Independência aprendemos, entre outras coisas:

- A ter a nossa própria agenda de prioridades, baseada nas dinâmicas e vontades locais e não as que nos são impostas do exterior. Cabral dizia que "ninguém luta pelas ideias que estão na cabeça dos outros…";

- A importância de percorrer e encontrar caminhos inovadores para a solução dos problemas e desafios. A declaração da Independência da Guiné-Bissau durante a ocupação colonial foi uma decisão ímpar e única de repercussões universais;

- Que os processos mais duradouros são aqueles que são inicialmente minoritários e que vão crescendo com a adesão das comunidades à medida que provam que são viáveis e eficazes. A criação do PAIGC em 1956 por um punhado minoritário de nacionalistas, transformou-se em 17 anos numa onda gigante maioritária que nos levou à independência;

- O valor da solidariedade e entreajuda entre os actores dos processos de desenvolvimentos é determinante para ultrapassar as dificuldades, em vez de se estar sempre a queixar de falta de meios.

Meus Senhores e Minhas Senhoras,

Quando há 2 anos a AD, o INEP e a Universidade Colinas do Boé organizaram o Simpósio Internacional de Guiledje, estavam a contribuir para o reconhecimento nacional do papel único de uma geração que abdicou da sua própria vida pessoal e profissional, para criar um país, em que as pessoas fossem elas próprias, donas do seu destino promovendo os valores da gesta da libertação.

O Museu "Memória de Guiledje" é, antes de tudo, uma homenagem à geração de Cabral, a todos os que com o seu exemplo escreveram uma das mais belas páginas da nossa História. Mas é também um lugar de confluência de rios anteriormente desencontrados que hoje procuram um caminho comum.

Encontro com os militares portugueses, aqueles que, embora em campo oposto, aprendemos a respeitar pela sua coragem e capacidade militar numa luta de longa duração e que, afinal, partilham os mesmos sentimentos de amor pela Guiné-Bissau e pelo seu povo, pela sua humildade, dignidade, valentia e determinação, os quais sempre souberam distinguir o povo português do regime colonial que a ambos oprimia .

Hoje, em liberdade, reencontramo-nos com emoção, com vontade de juntar memórias, recordações, encontros e desencontros, voltar a caminhar juntos num caminho de respeito e progresso.

Saudamos a presença da Srª Julia Neto, esposa do capitão José Neto que tanto amou este canto e que tanto contribuiu para que o Museu "Memória de Guiledje" fosse um êxito. Poucos dias antes de falecer, deixou-nos o seu desejo mais profundo: "hei-de voltar a Guiledje", disse. A sua esposa, Srª Julia Neto, está hoje entre nós para realizar esta sua última vontade. Através dela saudamos todos os militares portugueses das 12 companhias que passaram por Guiledje e que quiseram deixar um pouco das suas recordações (aerogramas, fotografias, filmes, contos e narrativas).

Saudamos por fim os nossos irmãos internacionalistas cubanos que verteram o seu sangue e suor nesta Pátria de Combatentes valorosos e, na pessoa dos hoje aqui presentes, saudamos todo um povo que prossegue a sua gesta de solidariedade para com a GB nos domínios da saúde, educação e desenvolvimento do nosso país.

A AD propõe-se

(i) assegurar o funcionamento do Museu de Guiledje e perpetuar a memória histórica da luta pela independência da Guiné-Bissau no sul do país;

(ii) contribuir para criar aqui neste local a sede do Parque Transfronteiriço de Guiledje para promover a conservação e gestão correcta dos recursos naturais e humanos, em especial os Corredores de Animais Selvagens de Balana e Bendugo, fortemente ameaçados actualmente, estabelecendo uma cooperação entre as comunidades da Guiné-Bissau e Guiné-Conakry;

(iii) construir o Centro de Aprendizagem Rural, com o objectivo de formar e capacitar jovens para actividades profissionais, agrícolas e associativas: construção de poços, carpintaria, serralharia, mecânica, construção civil, energia solar, condução de pomares de fruteiras e jardins hortícolas e transformação de produtos agrícolas;

(iv) criar aqui um Pólo de Turismo Histórico com antenas nos quartéis de Cacine, Gadamael, Gandembel, Iemberém, Cadique, Cabedú e Bedanda, bem como nos acampamentos da guerrilha nas matas de Cantanhez, na Base Central e Hospital Donga.

Garantimos que a AD tudo fará para que este local dignifique o seu rico passado, valorizando o Museu, resgatando a cultura do povo de Cantanhez, assim como de mãos dadas com os agricultores, as mulheres e os jovens deste canto apoiar a seu desenvolvimento para que todos possamos dizer "A independência valeu a pena"

Obrigado

Isabel Miranda, Presidente da AD (*)

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 4 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5760: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (12): Cerimónia da inauguração, a 20 de Janeiro de 2010, e visita, a 29, de uma delegação cubana (Pepito)

Guiné 63/74 - P5760: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (12): Cerimónia da inauguração, a 20 de Janeiro de 2010, e visita, a 29, de uma delegação cubana (Pepito)


 Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico  Memória de Guiledje (*) > 20 de Janeiro de 2010 > "O dia da inauguração contou com a visita do Senhor Presidente da Republica da Guiné-Bissau, Malam Bacai Sanhá, o qual recebe esclarecimentos prestados pelo Dr. Alfredo Caldeira,  da Fundação Mário Soares".


"Igualmente o Senhor Primeiro Ministro, Carlos Gomes Junior, acompanhado do Ministro da Educação Nacional, Artur Silva, [e, à direita deste, o anfitrião, o Director Executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento , Eng. Agrónomo Carlos Schwarz da Silva,]  seguiram detalhadamente todas as secções do Museu".



"O Senhor Vice-Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, António Indjai, acompanhado de uma forte delegação de membros das chefias militares, percorreu com interesse o Museu"



VISITA DE INTERNACIONALISTAS CUBANOS

No dia 29 de Janeiro de 2010, uma delegação de 7 combatentes cubanos, que apoiaram a luta pela Independência da Guiné-Bissau, liderados pelo famoso Comandante Móia (Victor Dreke Cruz) (**), foram expressamente a Guiledje para uma visita guiada ao Museu.




A delegação cubana em visita ao Museu...



 O Comandante Móia, chefe da delegação...


Comandante René: foi ele  que colocou as minas na estrada de Guiledje no início da operação de assalto final ao quartel.



Fotos e legendas: ©  Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2009). Direitos reservados
_____
 
Notas de L.G.:
 
(*) Vd. último poste da série > 30 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5731: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (11): Inauguração da mesquita, almadjadja, com a presença do filho do Cherno Rachide e da Júlia Neto (Pepito)

(**) Vd. poste de 18 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P967: Antologia (51): Os combatentes cubanos ou a mística da guerrilha (Victor Dreke)

Vd. também postes de:

1 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez (Domingo Diaz, 1966/67)

24 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3090: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação do cubano Ulises Estrada

Guiné 63/74 - P5759: Convívios (184): Operação Coruche no dia 30 de Janeiro de 2010 (José Manuel M. Dinis)

Relatório de uma Operação nas imediações de Coruche, enviado por José Manuel Matos Dinis, em mensagem datada de 30 de Janeiro de 2010. Da referida Operação, supomos não haver registo fotográfico, porque o mesmo não nos foi facultado.


OPERAÇÂO CORUCHE
Situação:
Apetite quanto baste
Missão: Golpe de mão nas imediações de Coruche
Objectivo: Território em poder de Jorge Rosales
Forças actuantes: Oficial: Jorge Rosales; Sargento: José Manuel M. Dinis
Meios: Abastecimento durante a deslocação
Planos estabelecidos para a acção: Deslocação em meios auto até ao objectivo e retorno no mesmo dia à base.
Data da acção: 30JAN2010

Meu Capitão,
Para reflexão analítica e eventual tomada de decisão, passo a descrever sob a forma de relatório, a acção hoje concretizada de uma espécie de golpe de mão.

O oficial Jorge Rosales, que é proprietário de um palacete na lezíria ribatejana, algures entre Coruche e a Casa do Carvalho, a gozar um período de grande prestígio por ter comandado a operação Magnífica, na Linha, depois de ter comandado Porto Gole, e já ter sido futebolista há muitos anos, contactou-me telefonicamente, com vista à exploração de uma agressiva campanha militar sobre um objectivo alimentício.

Ora, tendo eu nascido com costela combatente, não poderia regeitar o repto. O dito oficial ainda me alertou para a hora matinal a que se obrigava sair, mas lembrei-lhe que um operacional não tem horários, princípio confrangedor para muitos amanuenses da A.M.

Metidos ao caminho, sem escolta, nem espalhafato, atingimos o primeiro objectivo na praça de Coruche, onde, atónitos, a peixeira chamava o marido peixeiro, e, ambos muito cortezes e disponíveis, puseram-se incondicionalmente sob o comando do antes referido senhor oficial. De seguida, passámos à banca de frutas e legumes, onde, pode dizer-se ocorreu idêntica reacção dos locais.

Dada a facilidade com que ultrapassámos estes objectivos, ainda sobrou tempo para dois dedinhos de conversa com originários da terra, comer uma bifana (só o senhor oficial a comeu, já que eu tinha passado a véspera de caganeira (desculpe V.Exa. mas não conheço a expressão militar), vinho e cafés. Resolvido este problema, regressámos à viatura com os seguintes trofeus: 2 fataças escaladas; dois carapaus pujantes de frescura; um choco cujos olhos sorriam; um queijo de ovelha; dois pães caseiros; batatas; tomates; um pepino e um molho de agriões.

Chegados ao local, abertas as janelas do palácio e feito o reconhecimento do local, que inclui a piscina, duas casotas de apoio, uma adega e um barbecue, arredámos um jeep para aliviar a área de acção e, constatando bastante antecedência para o acto, dirigimo-nos em passeio descontraído de reconhecimento dos arredores, só nos detendo por momentos à porta de Joaquim Galvão, um exótico palrante de matérias políticas.

Regressados, distribuímos funções, que calharam quase todas a mim, em reconhecimento das minhas capacidades, e consistiram, no ajuntamento de artigos combustíveis para o necessário braseiro; o deslocamento de uma mesa e duas cadeiras; a preparação e confecção de uma excelente salada; e a colocação do peixe no devido lugar do barbecue. As restantes tarefas ficaram por conta do já identificado senhor oficial.

Manducámos com muito apetite, que a operação já exigia reforço estomacal, e bebemos da pinga do ainda agora referido senhor oficial, um produto que ele gaba ser exclusivamente suco de uvas. Poderá V.Exa. avaliar o perigo decorrente dessa beberagem, tendo em conta a delicadeza dos estômagos do pessoal, habituados à ingestão de produtos químicos delicados com a designação de vinhos, com dóques e tudo. Não fora a boa preparação dos intérpretes, e poderia ali ter acontecido alguma desgraça.

Seguidamente, fomos orientados por uma pista olfativa de café e bagaço. No local, encontrámos um nativo de faladura entremelada que se propunha pagar a despesa por ser aniversariante. Esta declaração causou grande impacto junto das NT, pelo que foi decidido sermos nós a oferecer ao festejante, mesmo correndo o risco de cair em cilada oportunista. No entanto, esta acção não deixou de impressionar um grupo de senhoras da sociedade local, bem como a dona do estabelecimento, que se mostrou muito agradada com a nossa presença.

Consumada a vitória, e de regresso ao palácio, o senhor oficial proprietário do imóvel, bastas vezes referido, deu-me a subida honra de lavar a loiça, tarefa de que me incumbi com entusiasmo e a merecer a aprovação geral, quer do senhor oficial, quer dos espíritos basbaques que assistiram a tudo.

A operação epílogava-se com tremendo êxito, e não havendo outros objectivos identificados, nem manifestações provocatórias a carecerem de amansamento, decidimo-nos pelo regresso à base, depois de tomadas as medidas adequadas de fechar janelas e portas, viagem que decorreu com normalidade, e uma paragem na tasca da rabo-de-cavalo, uma mulherona com que nos regalaríamos em treinos, não fora ela casada e boa dona da casa de pasto.

Pelo caminho, o senhor oficial ainda fez referências a concentrações do grupo do Cadaval, ou da Tabanca Magnífica, pelo que se aguarda o competente despacho de V.Exa.

JMMD
30JAN2010
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5750: Convívios (179): 1º Encontro/Convívio do BCAÇ 4513 (Fernando Costa)

Guiné 63/74 - P5758: Pré-publicação de Mulher Grande, de Mário Beja Santos (3): Dois anos maravilhosos: S. Domingos, Varela, Ziguinchor, antes da guerra...


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > S. Domingos > Estádio de Amizade de S. Domingos > 1º Festival Cultural de S. Domingos: Nô laba rostu di nó Guiné (S. Domingos, 18-20 de Dezembro de 2009) > Dançarinos balantas de Ingoré. O festival foi um sucesso, envolvendo cerca de 5 mil participantes e espectadores. Juntou diferentes grupos artísticos, culturais, teatrais, folclóricos, de Aramé, Elia, Suzana, Varela, Cacheu, Ingoré, S. Domingos e Ziguinchor.

Segundo a AD - Acção para o Desenvolvimento que organizou esta iniciativa, "a valorização das diferentes facetas das manifestações culturais dos grupos étnicos existentes na Guiné-Bissau, alguns em perigo de desaparecimento por razões de absorção e integração por outras etnias, como os banhuns, cassangas e baiotes, permite à maioria o conhecimento e acesso a essas manifestações culturais, retirando-as do esquecimento e promovendo-as a património cultural nacional".

Por outro lado, "a actuação de grupos culturais locais favorece a criação e consolidação dos movimentos contra uma “cultura” urbana que despreza a tradicional, porque rural, lutando contra a intolerância e discriminação sexual e religiosa".


Foto: © João Graça (2009). Direitos reservados


1. Pré-publicação de excertos do próximo livro do nosso amigo e camarada Mário Beja Santos, Mulher Grande. Trata-se da terceira parte do Capº III (*):

Mulher Grande > III > A Guiné em chamas ou o “Tubabo Tiló”
por Mário Beja Santos


[III. 3] A exaltação de S. Domingos


S. Domingos era uma aldeia, a nossa casa ficava a 500 metros do porto. Olhe para o mapa e veja como estávamos próximos da fronteira. Pelo estradão, estávamos a 45 ou 50 minutos de Suzana, no bom tempo, e logo a seguir tínhamos a praia de Varela, a minha inesquecível praia de Varela. Por vezes íamos pelo estradão de Suzana até ao Cabo Roxo, não pode imaginar o panorama que dali se desfruta.

Para quem, como nós, até agora tinha estado longe de tudo, S. Domingos, se bem que uma povoação insignificante, aproximava-nos de território francês, e como o Albano mantinha relações muito cordiais com as respectivas autoridades, passei a ir com regularidade a Ziguinchor.

Era tudo em dimensão diminuta, estávamos, como disse, perto do porto, tínhamos uma tasca quase à porta de casa. A administração ficava em frente à nossa casa, a seguir havia a escola e um pouco mais abaixo o madeireiro. A nossa casa era o centro de S. Domingos, digo isto sem nenhum exagero, pois a estrada para Ziguinchor e para Varela passava-nos à porta.

Quando lá chegámos, depois de um longo dia de viagem que começou em Pirada, seguimos por uma picada até Sonaco, depois Bafatá, voltei a fazer aquele percurso que passa por Mansabá, revi Bissorã, onde matei saudades, seguimos depois por Barro, Sedengal até S. Domingos. Quando chegámos quase ao anoitecer, cheia de pó por dentro e por fora, olhei para a casa e disse para comigo: “Mais uma casa velha para arranjar, mais móveis para comprar, mais costura, pareço a Penélope, aprumo e desmancho, quando me estou a afeiçoar às coisas, chegou a hora de partir!”.

A casa impressionou-me bem, tinha gerador e não tinha prisão no rés-do-chão, como no Gabu. Estávamos lá há poucos dias, quando fomos convidados pelos colegas do Albano a visitar Ziguinchor. Foi uma sensação maravilhosa de ter um restaurante a algumas dezenas de quilómetros de casa, havia lojas de tecidos e um estabelecimento onde se podiam comprar produtos franceses, sobretudo conservas. Não pode imaginar a minha alegria de entrar numa outra loja que tinha livros franceses, comovi-me quando vi romances da Colette, Romain Rolland e André Gide.

Para minha surpresa, na primeira vez que vim à rua em S. Domingos abeirou-se um branco com a pele muito tisnada, tirou o chapéu colonial e saudou-me: “Sou o Toscano, não sou parente do seu marido, sou o Toscano madeireiro”. O chefe de posto era o Braga, branco tal como a mulher, fui madrinha do filho que ali nasceu, estávamos ali há mais de um ano. Recordo que havia dois padres italianos em Suzana.

Penso que vamos encontrar bastantes imagens da região de S. Domingos, das férias em Varela, dos passeios com amigos franceses, aqui nos meus álbuns. Tenho agora uma confidência a fazer, foi em S. Domingos que pela primeira e única vez vi o Albano com os copos. Ele foi dar um passeio, eu estava de cama, quando regressou vinha a rir-se, fez-me uma careta e disse: “Benedita, desculpe, hoje não durmo aqui, não estou bem, senti que bebi demais, o padre recebeu vinho para a missa, fomos provar, não sei como me embebedei!”. Dito isto, com as mãos a agarrar a barriga dava grandes gargalhadas, caiu no chão, levantou-se e saiu. Eu olhava para aquilo tudo sem abrir a boca, sinceramente o único medo que tive foi que aquelas cenas se voltassem a repetir.

O importante é que eu sentia mais alegria em S. Domingos, a tal sensação de estar perto de tudo, de poder viajar, encontrar gente, comprar uma revista, passear, ter a satisfação de marcar um almoço ou um lanche. E a certa altura, quando a professora partiu tive a emocionante experiência de dar aulas. Senti que era uma vocação tardia, iria gozar aqueles momentos com toda a intensidade.

Desculpe insistir, desde Bissorã que eu não me dava tão bem com a Guiné. Às vezes penso que foi Ziguinchor que mudou tudo. Logo que chegámos a S. Domingos mudámos de motorista, o Guilherme foi trabalhar para a meteorologia em Bissau, o Albano admitiu o Xuxo, era ele que me levava às compras em Ziguinchor.

Aos sábados, sempre que possível, íamos passear a Varela. Nunca mais esqueci Varela com o seu extenso areal e palmares ao fundo, o concessionário do restaurante continuava a ser o Sr. Refrega e o ajudante, o Sr. Vasco. O governador da Guiné tinha aqui um palácio. Foi tudo saqueado em 1961, logo a seguir ao ataque a S. Domingos. Faço-lhe uma confidência, não sei se me estou a repetir, nunca mais me ocorreu querer voltar à Guiné, mas ainda hoje tenho saudades de Varela e de algumas viagens que fiz a Ziguinchor.

Em 1959, fizemos obras na casa de S. Domingos (durante as obras vivemos na casinha de Varela) e demos uma festa. Onde gostávamos de receber era em Varela. É neste período que eu senti uma grande mudança no estado de espírito do Albano. Pela primeira vez, via-o trazer trabalho para casa, eram os relatórios sobre a evolução da situação no Senegal, em Bissau sabia-se perfeitamente a qualidade e a quantidade de informações que ele possuía.

Várias pessoas me disseram mais tarde que não havia ninguém na Guiné, no Norte, tão bem informado como o Albano. Regularmente, por este tempo, o Albano era chamado a Bissau para reuniões de carácter confidencial. Como não havia estabelecimentos comerciais em S. Domingos, acompanhava-o, fazíamos a viagem até Cacheu, daqui para Teixeira Pinto e depois Bissau.

A recordação que melhor guardo foi este período maravilhoso de 2 anos, o Albano começara a estudar a economia dos Felupes e preparara uma monografia sobre a habitação dos Banhuns. Sei que não vai acreditar, mas a Christine Garnier viveu uma semana em nossa casa, viajava discretamente para o Senegal, quando chegou começou por dizer que preparava uma reportagem, mais tarde abriu o jogo, quando revelou a finalidade da sua viagem ficámos de boca aberta: fora o próprio Salazar que lhe pedira um relatório sobre o que se estava a passar no Senegal, trabalhou o documento com o Albano todas as noites, ele mais tarde confessou-me que o documento identificava com inteiro rigor as novas realidades.

Já disse e insisto que nunca falava de trabalho com o Albano, mas uma noite ele confessou-me: “Benedita, tudo vai mudar na Guiné com o que se está a passar em Dakar e Conacri, há gente que está a ser preparada para a guerra, não lhe escondo que há gente a fugir da Guiné para nos fazer guerra. Temo o pior”. Antes de partir, a Garnier disse-nos que o relatório tinha sido enviado à D. Maria, a governanta de Salazar. Desculpe estar tão repetitiva.

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

[Continua]
_______________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 2 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5747: Pré-publicação de Mulher Grande, de Mário Beja Santos (2): Da Guerra do Turu-Ban ao Tubabo Tiló, passando pelo deslumbrante Corubal

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5757: O Nosso Livro de Visitas (82): "Projecto de Documentário sobre Bafatá" (Silas Tiny)




1. Mais um dos nossos Amigos, de nome Silas Tiny, jovem realizador, se nos dirige, solicitando a colaboração à tertúlia do nosso blogue, para a colaboração na realização de um documentário sobre Bafatá.

Bafatá, 1962 a 2010



Amigos,

O meu nome é Silas Tiny e sou um jovem realizador, que neste momento está a desenvolver um documentário sobre a cidade de Bafatá, versando o período da Guerra Colonial e o tempo actual.

Neste momento preciso de entrar em contacto com portugueses, que lá tenham vivido e servido militarmente.

Queria saber se é possível colocarem um poste com a seguinte informação:

"Projecto de Documentário sobre Bafatá"

Aos camaradas da Guiné, Amigos e participantes no blogue, o meu nome é Silas Tiny e sou um jovem realizador que vive em Portugal.

Neste momento estou a desenvolver um projecto de Documentário sobre a cidade de Bafatá. Começo por explicar melhor o projecto. Este meu projecto surgiu quando li uma reportagem no blogue do Sr. Jorge Rosmaninho, que fala de um operador de cinema que viveu na cidade de Bafatá e que, ainda hoje, continua a fazer a sua rotina diária como trabalhador do Sporting Clube de Bafatá, como se ainda aquele cinema estivesse a funcionar.
Se quiserem até podem consultar mais pormenorizadamente a história clicando no link: http://opatifundio.com/site/?p=9.

Gostei tanto desta história, que pensei logo em fazer um documentário que abrangesse este homem, a cidade de Bafatá e o cinema do Sporting Clube desta localidade.

Quero fazer um apelo a todos os camaradas, seus familiares, amigos (ex-militares e civis), que tenham mantido alguma actividade nesta cidade, ou que saibam de histórias interessantes e importantes, ou que conheçam pessoas ligadas a estes temas, para entrarem em contacto comigo, mandando-me um pequeno e-mail descritivo, para o meu endereço de correio electrónico [...] ou através dos números de telemóvel [...] ou telefone [...].

Por favor, não hesitem.

Podem também consultar o site da produtora que está associada ao desenvolvimento deste projecto: http://www.realficcao.com

P.S. - A informação é esta. Peço-vos isto porque o vosso blogue tem tantos camaradas e porque vindo do blogue eles podem ficar mais entusiasmados a colaborar coisa que eu não tenho conseguido com muito sucesso até ao momento. Em anexo tem uma foto minha caso queira colocar.

Abraços e cumprimentos a todos,

Silas Tiny

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Nota de M.R.:

Vd. também os postes relacionados:

16 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5658: O Nosso Livro de Visitas (81): António Marquês, ex-Fur Mil da CCAÇ 4810 (Moçambique), comenta o nosso Blogue e dá-nos conta dos seus contactos com pessoas ligadas à Guiné-Bissau

Guiné 63/74 - P5756: FAP (46): Recordando o inferno do HM 241, as heli-evacuações, o cubano Cap Peralta, os Alouettes III, celebrando a camaradagem e a amizade... (Jorge Narciso)



1. Comentáriod o Jorge Narciso (*) ao poste 1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5741: Blogoterapia (142): Aquela janela virada para o heliporto (Jorge Teixeira/Portojo)


De Jorge para Jorge

Caro:

Ao passar hoje pelo blogue, de imediato me chamou a atenção a foto do heli aterrado no HMB [, HM 241, Bissau], contida no teu Post.

E como a ti, também ela me suscitou um tal corropio de lembranças, que, acredita-me, quase me atordoam.
Tentando alinhar ideias:

Como mecânico dos helis, foi exactamente no Hospital Militar que (excepção feita, naturalmente, à BA12) mais vezes aterrei na Guiné. E também a mim as recordações que suscita, serão tudo menos agradáveis. Seja a da lembrança das condições (fisicas e ou psicológicas) infra-humanasde homens que para ali transportei, seja a indescritível visão da sala de horrores, chamada triagem, onde eles eram colocados; de cada vez que ali tinha que ir recuperar macas. São imagens que jamais se esquecem.

Mas outra lembrança conseguiste, com o teu Post, desenterrar do fundo do meu subconsciente, a da evacuação do Capitão Peralta, a qual passo a transmitir, a quente, tal como a memória me debita.

Antes porém e à falta de outros registos, resolvi ir ao Google e digitar: Capitão Peralta.

Resultados:

- Ferido e capturado em 18 Nov 69 durante a operação JOVE, realizada pelo Páras entre os dias 16 e 19, no corredor de Guileje.

- A base dessa operação, a partir de onde os Paras foram heli-transportados, foi Aldeia Formosa.

Vamos agora à minha memória, que espero não me esteja a atraiçoar, sequer a iludir, e na qual (apesar da evidente redução de neurónios) quero ainda confiar.

Coloco os resultados dessa pesquisa em dois planos:

- O das quase certeza (ou com menor grau de falibilidade) e o das incertezas associadas, que evidencio entre parêntesis.

Assim:

(1) Só não estava no voo em que viste o Capitão Peralta aterrar no HM, pelas condições extra-ordimárias e que decorreu essa evacuação,  cujos contornos passo a descrever.

(2) Em operações como esta, em que, independemente da Tropa participante, a base se situava num aquatalamentos longe de Bissau, para aí se deslocavam normalmente: 5 helis + 1 heli-canhão, transportando uma equipa de manutenção e uma Enfermeira.

Dali partiam, então, fazendo as viagens necessárias para, transportando 5 ou 6 militares por heli, os colocar, protegidos pelo canhão, na ZOPS.

Se a operação se resumia a um dia, permaneciam os helis nessa base em alerta, para: evacuações, eventuais transportes das Tropas para outras posições na mesma ZOPS e finalmente para a sua recuperação no final da Operação.

Nos casos em que a Operação fosse por mais de um dia, ficaria em todos os dias em que esse decorresse e na base da mesma, no minimo um heli de alerta (com Piloto, Mecânico e Enfermeira) para eventuais evacuações e o heli-canhão para protecção destas e para intervenções de tiro,  se solicitadas.

(3) Nesta Operação em particular, é seguro que estive presente, desde logo porque recordo perfeitamente o objectivo apontado para a mesma (nos helis e durante os voos, mesmo que não quisessemos, ouvíamos muita informação dita classificada): captura do NINO.

(4) No dia 18 (Precisei a data na citada consulta na Net), portanto no 3º dia da Operaçãp, voei (seguramemte de Aldeia Formosa) para essa ZOPS onde aterrei, no helicóptero que fez a evacuação do Capitão Peralta, não continuando no voo para o HM de Bissau,

PORQUÊ?

(4) Os Alouette III têm capacidade para transportar 6 passageiros, para além do piloto (este e mais dois à frente) e até 4 no banco traseiro.

Em evacuações com feridos em maca, essa capacidade ficava reduzida, pois para além dos 3 lugares à frente, normalmente ocupados pela tripulação (Piloto, Mecânico e Enfermeira, na maioria dos casos), apenas é possivel alojar 1 ou 2 macas na rectaguarda, que, por transportadas transversalemente, impedem (ou dificultam, algumas vezes me tocou vir meio sentado meio em pé, nas abas da maca) utilizar os lugares traseiros.

No caso desta evacuação (Cap Peralta), tendo sido determinado, no terreno, que o capturado devia ser acompanhado no voo por escolta armada, foi necessário ocupar, por quem a fez, um dos lugares destinados à tripulação.

Para resolver o problema e - repito - se a memória não me atraiçoa, registou-se um caso que me lembre único:

O helicanhão, que fazia a protecção à evacuação, ATERROU NA ZOPS, nele embarcado o mecânico (eu prÓprio) e voado (junto ao apontador) para Aldeia Formosa, donde posteriormente regressei a Bissau (outra nebulosa é que não me recordo como - noutro heli ? de DO ? ), pois no canhão não foi concerteza.

Como remate a estes factos, este voo no canhão foi para mim perturbante, pois que uns meses antes (Julho/meu 3º mès de Guiné) estive também para voar (nesse caso por experiência passiva que, para sorte minha, não concretizei) no retorno duma outra Operação em Galomaro, voo esse com um fim trágico, traduzido no despenhmento do heli (a que assisti) ocorrido em Bafatá, com a morte do meu comandante: Maj  Rodrigues (Piloto) e dum camarada de todos os dias, o Machadinho - como lhe chamávamos - , Mecânico Armamento/Apontador.

Um dia destes tentarei fazer o relato que me for possivel desta outra dramática ocorrência.

Voltando ao Post e à tua solicitação ao Jorge Félix (tantos Jorges), quase seguramente ele ainda estava nessa data na Guiné.

Como atrás referi, não me lembro se terá sido inclusivE participante nos factos, em qualquer caso terá certamente presente memórias relacionadas e, quem sabe, como tem a sorte (que a FAP me coartou) de ter os seus registos de voo, pode buscar nos mesmos confirmações

Amanhã envio-lhe uma mensagem a chamar a atenção para o Post.

E como este já vai longo, por aqui me fico.
Recebe um abraço

Jorge Narciso

2. Comentário de L.G.:

Tenho uma dívida para com este camarada, que conheci pessolamente há dias, em Oeiras, e que me escreveu, no dia dos meus anos, palavras  que me tocaram (#)... (Aliás, tenho uma dívida, muito grande, para com as dezenas de camaradas que me disseram coisas que me sensibilizaram, emocionaram, e que não foram decididamente simples palavras de circunstância, ou de etiqueta social; ainda não arranjei para lhes dar uma palavrinha pessoal, personalizada...). É que este camarada, da FAP, fez milhares e milhares de milhas nos céus da Guiné, na mesma altura em que eu lá estive, esteve em missões no Sector L1, na zona leste, seguramente em operações onde eu estive, em que houve heli-evacuações e apoio do heli-canhão... e só agora, passados quarenta anos, é que damos um abraço... Mais: ele pede expressamente para eu o incluir na lista dos meus amigos... E eu ainda não lhe respondi!

Pois, vou aproveitar o ensejo para lhe dizer, em público, aqui no nosso blogue, que camaradas como o Jorge não precisam de ser sujeitos a um  período probatório, a exames de selecção, a testes de amizade... O Jorge é daquelas pessoas  que de imediato inspiram confiança, que são transparentes, afectiosas, bem formadas, empáticas... Pessoas de palavra, que não precisam de dizer muito ou escrever muito. O Jorge é daqueles camaradas que eu ponho logo na lista dos favoritos, no arquivo que diz: AMIGOS... Jorge, haveremos de selar o gesto com um copo na Lourinhã, em Vilar / Cadaval ou num nosso próximo encontros, numa das nossas já numerosas tabancas!... Quem sabe, talvez na Tabanca do Centro, já no fim do mês, se agenda mo permitir... Até breve! Um Alfa Bravo. Luís

(#) Caro Luís


Por uma vez (durante o recente colóquio em Oeiras) tivemos a oportunidade, já prevista, de selar com um gesto de cumprimento uma rápida mas agradável troca de palavras de saudação.

Creio, no entanto, não ter sido essa a primeira vez que estivemos fisicamente perto, pois durante os anos de 69 e 70 fomos contemporâneos na Guiné; e isto porque, para além daquela extraordinária coincidência do meu reencontro como Humberto Reis, com quem constantemente conviveste [em Contuboel e Bambadinca, Junho de 1969/Março de 1971] , basta fazer um mero exercício de cálculo de probabilidade, que aliás é também válido para qualquer outro camarada em qualquer ponto da Guiné.

Tendo eu sido, durante todo o tempo em que permaneci na Guiné um, dos em média, 5 ou 6 mecânicos permanentes na linha dos hélis e que neles sempre voavam (excepção feita nas acções de embarque e desembarque de tropas durante operações), significa que também em média em cada 5 ou 6 vezes que um héli aterrou junto de ti, num estaria eu !

Cada um de nós cruza-se, pois, ao longo da vida com um incomensurável número de pessoas; dessas, estabeleceremos comunicação com uma quantidade ainda muito significativa, e destas conhecemos efectivamente um número ainda apreciável.

Só que: cruzarmos, contactarmos ou conhecermos, não representa, só por si, que se gerem 'proximidades'. Proximidades essas que podem até nem ser físicas.

Mas quando tal acontece, é nesse número, naturalmente mais reduzido, que estão aqueles com quem efectiva e assumidamente comungamos... AFECTOS; nas suas diversas, mas complementares, formas: Amor, Amizade, Camaradagem, Solidariedade, Compreensão, Consensualidade, etc. etc.

Pela forma como estás na vida, como te relacionas com os que te rodeiam e mais ainda pela predesposição natural que possuis para gerar esses afectos, QUERO, à luz dos nossos (mesmo que eventuais) encontros anteriores, dos (reais) presentes e da sua continuidade futura, manifestar, em jeito de parabéns, o meu regozijo pela celebração de mais esta tua primavera (não importa quantas somas já) e que, na sua continuidade futura com os que te são queridos, mantenhas a tua nítida lucidez de pensamento, sempre acompanhada da forma física que mais desejares.

PEDIR-TE O FAVOR DE ME ACEITARES NO NÚMERO DOS TEUS AMIGOS


Recebe um afectuoso abraço

Jorge Narciso

___________________

Nota de L.G.:


(...)  Abr de 69/Dez de 70) - BA 12 / Bissalanca - Linha da frente dos Alouette III (onde ao fim de pouco tempo, e devido à tardia nomeação, apesar dos meus 20 anos, comemorados aliás no Saltinho durante uma missão de abastecimento, era o cabo especialista mais antigo - tempo de FAP - da mesma linha).


Fiz ali algumas centenas de horas de voo, só não sei quantas, porque a minha caderneta de voo (que não sei porquê me obrigaram a entregar no regresso, diziam que para entrega posterior) está em parte incerta, se é que ainda existe (penso que não é caso único) (...)



Fotos: ©  Jorge Narciso (2009). Direitos reservados

Guiné 63/74 - P5755: Em busca de ... (117): Pessoal de Transmissões dos cursos de Árca D'Água e EPT à Graça (B. Sardinha/J.C. Neves)



O nossos camaradas Belarmino Sardinha (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau), e José Carlos Neves (ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974), querem organizar um convívio de pessoal de Transmissões que tirou a Especialidade em Arca D'Água (Porto) e Escola Prática de Transmissões, à Graça.

Aqui fica o apelo




PESSOAL DO STM e RADIOTELEGRAFISTAS
(Batalhões e/ou Companhias)


Como a generalidade dos militares, onde se incluem muitos Radiotelegrafistas, estavam integrados em Batalhões e/ou Companhias e confraternizam anualmente, lembrou-se o camarada Carlos Neves, Radiotelegrafista do STM, de reunir num almoço todos os que tiraram a Especialidade no Regimento de Transmissões, em Arca D'Água, no Porto ou na Escola Prática de Transmissões, à Graça, em Lisboa, e que fizeram Serviço na Guiné

Assim, não só se encontravam os do STM como muitos outros, todos os que quiserem, que embora não tendo pertencido ao STM fizeram conjuntamente a Especialidade em Arca D'Água e Graça.

Para o efeito, o camarada Carlos Neves criou o e-mail, radiotelegrafistas@gmail.com, para onde podem inscrever-se os interessados, bem como opinarem o que acharem por útil para nos reunirmos.

Este e-mail tem também a vantagem de não sobrecarregar o pessoal em serviço à Tabanca Grande ou qualquer outras das Tabancas Pequenas, Médias, Nano ou Micro existentes onde este mail venha a ser divulgado, sendo certo que contamos com o boca a boca entre a malta para reunirmos o maior número possível de pessoal de Transmissões.

À vossa disposição e espera fica o e-mail acima indicado.

Belarmino Sardinha e José Carlos Neves
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5743: Em busca de ... (116): O Ruiguila procura ex-Condutores da CCAV 2749 do Abrigo Os Volantes, Piche, 1970/72

Guiné 63/74 - P5754: (Ex)citações (56): Falando de descolonização com Filomena Sampaio (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 27 de Janeiro de 2010:

Carlos
A uma troca de comentários entre mim e o José Belo, apareceram vários outros comentários, todos eles, felizmente, agradáveis de ler, não porque concordassem a 100% connosco mas porque, mesmo no que discordavam, eram claros e amistosos.
Entre eles, a amiga Filomena enviou o que se segue:

"Para quem pouco ou nada percebe do assunto, torna-se cada vez mais difícil compreender a colonização/descolonização, mas ficamos com algumas ideias (positivas/negativas?) quem sabe um dia, possamos acreditar numa só versão sobre o assunto.
Gosto de ler os seus textos.
Filomena"


Achei por bem enviar-lhe uma mensagem sobre o assunto directamente para o seu endereço porque me pareceu que não deveria estar a massacrar os nossos camaradas e o espaço do blogue com as minhas maluqueiras pessoais.
Já recebi dela resposta agradecida.

No centro do cozido do centro (que bom que estava!) alguns camaradas afirmaram que gostariam de vê-lo publicado porque eu havia falado nele e o José Dinis já o tem e parece que gostou.

Daí que o envio aqui, ficando à tua guarda e decisão, julgando eu que a amiga Filomena não se oporá a que seja editado, sendo que, se for, deve ser antercedido do seu próprio comentário para melhor entendimento geral.

Um abraço
José Bras


Mensagem do camarada José Brás para a nossa amiga tertuliana Filomena Sampaio

Caríssima amiga
Em primeiro lugar uma nota.
Escrevo -lhe directamente porque me parece abusivo da paciência dos camaradas da Tabanca, manter por mais tempo este debate, embora também receie que o seja a utilização do seu endereço, sobretudo porque não tenho a certeza absoluta que seja a amiga, a pessoa que comentou mais que uma vez os meus postes, aliás, o que lhe agradeço.

Tem toda a razão no que diz, sobretudo porque imagino que se refere, não a si, mas a muita outra gente que, infelizmente, não teve nunca acesso a um debate verdadeiro sobre o assunto, e o que teve sempre foram leituras parciais, ora de um grupo, ora de outro, contraditórias entre si muitas vezes, senão mesmo radicalmente opostas, quase sempre incompletas e com inverdades gradas pelo meio, deixando o informado a pão e laranjas na iminência de não crer em nada nem em ninguém.
Se há alguma coisa que não quero, uma é assumir aqui ares professorais de pessoa que tem resposta segura e definitiva, e a outra é impingir-lhe a ideia de que sou eu quem tem razão. De facto, não tenho senão a minha razão, que em muitos pontos não bate certo com a razão de outros.

A minha amiga sabe que razão e verdade não são coisas absolutas, uniformes e definitivas nos seus enunciados, mas o resultado da acumulação de outras e variadas razões e verdades que a vida e a realidade, lidas por um ou por outro, podem não fazer não coincidir.
Vamos lá ver. Então não existem razões e verdades unas e indiscutíveis que sejam factos concretos, com identidade, com tempo, com modo e com lugar certos e que aplicadas às vidas das pessoas produzem os mesmos efeitos e consequências em todos?
Não sei responder-lhe de modo absoluto mas posso dizer-lhe que não acredito, porque as pessoas que sofrem tais razões e verdades são diferentes uns dos outros, sentem de modo diferente porque nasceram, cresceram e consolidaram o seu ser, em movimento e em realidades também diferentes.

Repare!

Um jovem nascido na Cova da Moura não pode ver com o mesmo olhar um polícia na rua com sua pistola à cinta, como o verá o porteiro de um prédio de luxo, para ficarmos apenas entre pobres. No entanto um polícia é uma pessoa concreta, a sua pistola e as suas balas também o são e matam do mesmo modo a porteiro ou a suspeito marginal, podendo dizer-se, então, que os olhos de um e do outro deveriam realizar a mesma leitura. Nem falamos das diferenças de leitura que o polícia faz, olhando para um ou para o outro dos seus observadores do exemplo.
Colonialismo.

Muito brevemente poderá ser dito que é a ocupação de um País ou de um território por outro País com o objectivo de explorar recursos naturais, o solo, o mar ou o sub-solo, tendo para isso que dominar as gentes que já habitavam tais terras e detinham nelas uma história e uma cultura diferentes e modos de vida adaptados a essa história e a essa cultura.

Grosseiramente se diz ainda hoje que potência colonial eram todos os países que ocuparam terras distantes das suas originais, sobretudo na África e na América, e que durante anos subjugaram os povos naturais, tratando-os, primeiro como escravos, mais tarde como mão d'obra barata, sempre apartados de qualquer ideia de igualdade e mesmo de desenvolvimento civilizacional.

De facto, o avanço científico e tecnológico que chegou na Europa com a revolução industrial e o advento do capitalismo, separou entre si tais potências, uma vez que o uso da ciência e da tecnologia permitia a quem as detinha uma exploração mais rápida e mais funda em menos tempo e com menos meios.

Foi assim que vimos ingleses, por exemplo, enviar para a Rodésia máquinas, engenheiros, arquitectos, médicos, técnicos de toda a ordem e fazer dos negros locais os operários a quem ensinavam a desempenhar tarefas e profissões mais desenvolvidas, pedreiros e carpinteiros, condutores de maquinaria, serralheiros e mecânicos, operadores de máquinas várias.

Portugal, País onde a primeira máquina a vapor chegou 100 anos após o início da sua utilização na indústria inglesa, enviava para Angola carros de bois, pedreiros, carpinteiros, sapateiros, tasqueiros e, na sua maioria agricultores pobres de uma pobre agricultura braçal portuguesa, analfabetos quase todos.
As relações entre brancos e pretos na Rodésia, apesar do ensino e da formação, era muito mais evidentemente racista do que a dos portugueses em Angola, pobre gente, ela também já colonizada no seu país, habituada a grandes sacrifícios, e misérias e a modos de vida não muito diferentes dos que tiveram de suportar lá, convivendo com negros, amancebando-se com as mulheres, fazendo filhos mulatos e exercendo todas as profissões humildes que os ingleses deixavam aos locais na Rodésia.

Quer dizer que a Inglaterra foi um verdadeiro colonizador, sacou muito mais dos recursos existentes e para o fazer desenvolveu muito mais a Rodésia e os rodesianos do que Portugal fez em Angola. Do ponto de vista estrito da ciência económica e cultural a Inglaterra era uma potência colonial e nós uns pobres diabos.
Não quer isto dizer que é menos legítimo ou mais ilegítimo o colonialismo de um e de outro e que um era mais repressivo e racista que o outro, apenas porque na Rodésia ingleses viviam numa sociedade completamente apartada dos negros e em Angola os portugueses se misturavam com os negros e, por vezes, viviam em condições de vida não muito melhores.

Aquando das descobertas e logo que se começou a explorar os territórios, a realeza europeia tratou de imediato de fazer leis que proibiam a implantação de oficinas e fábricas de transformação dos recursos, obrigando a que estes viajassem aos países dominadores para aí serem transformados e muitas vezes re-enviados por preços mil vezes superiores. Com tais medidas proibiram sempre qualquer tipo de desenvolvimento, fosse ele industrial ou cultural e obstaram à acumulação dos capitais indispensáveis para garantir as transformações económicas e sociais.
Como os povos locais não se submetiam com facilidade, eram tratados à chibata, pela espada e pelas espingardas e, nisso, se igualaram sempre colonizadores ricos e pobres.

Durante os quinhentos anos de domínio português em Angola, nunca houve cinco anos seguidos sem alguma forma de resistência dos povos locais, e de guerra, ao contrário do que a história oficial sempre nos fez crer.
Esta é uma interpretação individual e minha, naturalmente não inventada por mim mas bebida no tal caldo cultural em que cresci. Não faltará quem desdiga isto, ainda que sejam factos históricos assumidos, aparentemente sem hipóteses de contestação.

Dirão que portugueses não batiam nos negros e eu vi muitos portugueses baterem nos seus empregados; dirão que portugueses pagavam bem aos trabalhadores e eu sei e toda a gente sabe que os exploravam com fúria; dirão até que os negros nos queriam lá e eu sei que não é verdade e que estavam cheios de raiva contra nós, independentemente de casos particulares em que havia de facto tratamento mais humanizado; dirão que aquela terra era também sua porque nela tinham crescido e construído família, explorações agrícolas, comerciais e industriais e eu não direi que não há aí muita verdade e que não é deplorável a forma violenta como foram despojados de tudo e expulsos.

A meu ver, o verdadeiro culpado de tudo isso foi o regime que não soube ler a história, não segui o caminho das outras potências coloniais, não previu a inevitabilidade das alterações nem as conveniências políticas, mantendo uma guerra violenta e prolongada e aumentando raivas que poderiam ter sido atenuadas atempadamente.

Muito concretamente, sobre cada coisa ou ideia, pode perguntar-se em jeito curto.
Foi bom ou foi mau que portugueses tivessem daqui partido em caravelas e sofrido o que sofreram, descobrindo os caminhos para outras paragens e outras gentes?

- uns dirão que sim porque foi um magnífico contributo que Portugal deu para alargar a ideia de mundo, e mesmo o mundo geográfico e concreto, conhecer outras gentes com seus costumes e culturas, descobrindo que não estávamos sós e que havia outras fés e outros deuses, outros recursos essenciais à humanidade para dar um salto e sair dos restos de feudalismo para uma sociedade moderna e que isso justifica sofrimentos e crimes:

- outros dirão logo que não porque a nossa matriz era a Europa e não a África ou a América, e era com a Europa que deveríamos ter crescido e não de costas viradas para ela, indo ocupar terras habitadas por outros povos com culturas e recursos que não tínhamos o direito de ocupar e suprimir, e menos ainda subjugando, matando, saqueando.

Entre estes dois extremos terá de ser a amiga que pensa e escolhe, incluindo, se quiser, talhando pelo meio, isto é, nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

E o que serve para este exemplo servirá para todas as outras questões, incluindo as verdades e as razões que cada um exibe na discussão da guerra colonial e da descolonização

Peço-lhe desculpa pelo tempo e pelo tom meio petulante da minha resposta, senão petulante de todo, aconselhando a leitura de alguns livros como "As veias abertas da América Latina" de Eduardo Galeano, ou, por exemplo, uma obra mais pequena e simples, agora mesmo saída da mão de uma portuguesa nascida em Moçambique, por sinal parente do camarada tabanqueiro Juvenal Amado, com o título "Caderno de Memórias Coloniais" de Isabela Figueiredo, retrato de um colonialismo que se diz diferente, sem abordagens a grandes temas filosóficos ou históricos, mas utilizando as cenas simples do quotidiano nas relações entre brancos, e entre brancos e negros na antiga Lourenço Marques.
São livros que, por vias diferentes nos dão retratos muito vivos sobre o que foi a colonização/descolonização e o racismo.

Cumprimentos amistosos e à família
José Brás
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5702: (Ex) citações (51): Falando de descolonização com António Rosinha (José Brás)

Guiné 63/74 - P5753: Notas de leitura (61): Armor Pires Mota (6): Estranha Noiva de Guerra, uma obra prima à espera de reconhecimento (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Janeiro de 2010:

Queridos amigos,
É uma sensação maravilhosa e um reconforto enorme encontrar pela frente esta gema literária. A Âncora Editores propõe-se reeditar o romance. Vamos ver o que é que responde o Armor Pires Mota.

Um abraço do
Mário


Armor Pires Mota (6)

Estranha Noiva de Guerra: Uma obra-prima à espera de reconhecimento


Beja Santos

Estranha Noiva de Guerra”, nova incursão de Armor Pires Mota na literatura da Guerra Colonial, é uma verdadeira surpresa, o mais agradável dos imprevistos para quem começou a conhecer a sua obra de fio a pavio. Não é uma guerra qualquer. O herói chama-se Bravo Elias, combate em Mansabá, a trama do romance decorre numa operação ao Morés, inicialmente parece um êxito até que a reacção do IN é brutal, desarticulando as tropas portuguesas no teatro de operações. Num dado momento, o Bravo Elias fica só com o Perdiz, faz parte dos supremos regulamentos de um combatente não deixar morto ou moribundo por mãos alheias, os camaradas vão zelar para que ele tenha tumba ou hospitalização, não se subtrai a dignidade a quem está à sombra da bandeira portuguesa. Inicia-se uma espantosa via-sacra em que aparece Mariama, a guerrilheira, que lhe promete levá-lo até ao quartel. É uma gramática riquíssima, um compromisso entre o português castiço, a narrativa à Hemingway com foros da narrativa delirante latino-americana. Conversa-se com o Perdiz como se ele estivesse vivo, anda por ali um cão que fará toda esta romagem, no mais puro estado de fidelidade; e até existe John, um pássaro, que se serve das migalhas de casqueiro na palma da mão estendida.

A cumplicidade entre o Bravo Elias e Mariama vai crescendo. Ambos fazem uma padiola para carregar o defunto e o material bélico, o esquife segue aos solavancos: “O sol batia nas covas dos olhos. Os raios voltando ao espaço, pareciam ensanguentar os arbustos, o azul do céu e eu assustava-me, ao passo que os pássaros, depois de feito o ensaio geral pela manhã, se davam ao luxo de uma sesta bem antecipada. Porém, mal tínhamos andado para aí cinco tiros de funda, vi, com susto que Mariama soçobrava do esforço. À uma, descemos a padiola. Aproveitei aí para compor o cabelo do Júlio Perdiz. A rapariga, entretanto, fazia-me sinal para que eu me sentasse. Com aceno de cabeça, disse que sim. Puxou-me pelo braço. Brincando, tacteou-me os poros com uma adaga de fogo branco, avassalando a alma, os nervos”. É uma paixão que desperta. É preciso escrever-se muito bem para não enveredar pela lamechice, o autor descreve com sabedoria e rigor toda a ternura que desponta.

Atravessa-se a bolanha de água pastosa, o calvário prossegue, aquela região chama-se Lala Samba, os jagudis voltam a atacar o finado, arrancam-lhe os olhos, metade de uma orelha, o nariz. Aos tombos, chegam a Cumbijã Sare, lavam o que resta do Perdiz, Mariama parece em transe, está no seu “chão”. Chegamos a uma nova etapa da via-sacra, aparecem dois guerrilheiros, Mariama enrola uma justificação, chegam à tabanca de Sambuiá, onde um velho, de nome Mamadú Keta antigo alferes de segunda linha, irá oferecer um cachimbo ao Bravo Elias. É o fascínio de uma reconciliação, do atar e do desatar vínculos diluídos pela guerra. E assim se chega à recta final: “Ladeámos Tabassai junto aos morros de baga-baga. Para diante, havia a certeza do arame farpado, o odor forçado da tranquilidade. Realmente, do enorme poilão, que se perfilava no horizonte de aço, saltou um novo bando de jagudis, que investiu contra o resto do Perdiz. Arranquei-me do desânimo, pequei da G-3 e limpei seguramente meia dúzia no seu voo raso e pesado”. A via-sacra vai evoluir. Armor Pires Mota escreve magistralmente um ataque a Mansabá como nunca encontrei na literatura da Guerra Colonial: o vigor da encenação, os sons, as imagens de sofrimento, as águas-fortes das correrias e dos rodopios. É nisto que os dois jovens guerrilheiros do Morés matam Mariama. O apocalipse está completo, o Bravo Elias olha à volta todo este mundo devastado, com odores dos escombros e dos estragos das armas, John pia assustado, era um fio de voz que doía. E assim termina esta obra incomparável: “Então, resolvi erguer-me de onde estava, aéreo e pardacento, e, cambaleando muito, fui à procura de John por cima de um mundo de destroços”.

Quando se acaba de ler este livro incomparável, assalta logo ao espírito a inquietação: foi por cegueira ou alheamento que “Estranha Noiva de Guerra” não é livro que ande de mão em mão dos combatentes, das pessoas que gostam da boa língua portuguesa, que distinguem a qualidade da água chilra?

É totalmente incompreensível o desconhecimento desta obra, pior ainda, nada fazer em silenciar a originalidade desta escrita. Vou já à procura de editor para ela. Há que fazer justiça a “Estranha Noiva de Guerra”.

Em 1999, Armor Pires Mota edita “Terra Ferida”, uma homenagem a quem sofre no Golfo, na Bósnia, em Timor, no Kosovo ou em Angola. Mas não esqueceu os deveres contraídos com a Guiné, a quem dedica o poema Guiné/98, um apelo à paz e ao carinho que devemos às crianças:

Aos livros de contos, de sonho e de paz,
os meninos encostam seu trémulo ouvido
mas agora sabem que as palavras
eram apenas de vidro
ou aragem de veleiro

ou breve rumor de korás
na alegria profunda
de noites no terreiro.
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As asas são ainda dos meninos,
(netos dos meus amigos
de Mansoa, Bissau ou Bissorã)
mas os olhos só têm voo
de medo e de nada
e não abrem destinos,
quando os cavalos de morte
relincham sombras, nuvens, desatinos,
e devoram inteiro o sol da madrugada.




Armor Pires Mota suspendia as suas viagens ao tempo da Guiné, passava a investigar a história da sua região, Oliveira do Bairro. Então, em 2008, regressa à Guiné com “A Cubana que dançava flamenco”. Silas Macário foi raptado, vive inauditas peripécias, acaba por se render aos encantos de uma enfermeira, uma rapariga dos seus vinte anos, uma cubana. É agora este o livro que tenho para ler e fazer a respectiva recensão, aguardando que Armor Pires Mota abra novamente os cofres da memória de combatente na Guiné.



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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5744: Notas de leitura (60): Estranha Noiva de Guerra, de Armor Pires Mota - I (Beja Santos)