segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5866: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (5): uma versão historiográfica (?) (Luis Graça)





Guiné > Zona Leste > Rio Corubal > Cheche > 6 de Fevereiro de 1969 > Op Mabecos Bravios > Entrada e saída de viaturas, da CCAÇ 1790, a unidade de quadrícula de Madina do Boé,  na famigerada jangada que fazia a travessia do rio entre as margens sul  e norte... A última viagem seria fatal para 46 militares portugueses (das CCAÇ 1790 e 2405) e 1 civil... Foi o maior desastre do género, no TO da Guiné.

Imagens do Arquivo Histórico-Ultramarino. Fonte: Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso – Os Anos da Guerra Colonial – Vol 10: 1969 – Acreditar na vitória. Matosinhos: QuidNovi. 2009. pag, 23 ( Com a devida vénia...).



1. Mandei ao José Martins, Armandino Alves, Rui Felício e Paulo Raposo, autores de postes sobre o desastre do Cheche (**), a seguinte mensagem:

Esta é a versão historiográfica... No livro, vol 10, de Os Anos da Guerra, de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso,  há 3 fotos, do Arquivo Histórico-Militar, que vou ver se reproduzo, com imagens de viaturas a entrarem e a sairem da jangada...

Querem fazer algum comentário adicional a este excerto que vai ser reproduzido no blogue ?

Agradeço o vosso interesse e empenho em esclarecer os pontos mais obscuros ou controversos desta operação que acabou tragicamente.

Lembro que no blogue também já publicámos o Relatório da Op Mabecos Bravios, bem como o depoimento de Hélio Felgas, além dos testemunhos (presenciais) do Paulo e do Rui (***)... LG

2. Excerto da brochura Os Anos da Guerra, vol 10, pp. 23-24:

1969 – Os Acontecimentos

(…) Fevereiro, 6

Desastre do Cheche na travessia do rio Corubal, durante a retirada das forças portuguesas do quartel de Madina do Boé, na Guiné

Esta operação [, Op Mabecos Bravios,] tinha em vista retirar as forças portuguesas da posição insustentável de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC e depois ocupada logo a seguir, no mesmo dia.

A companhia que estava em Madina do Boé havia 13 meses era a Companhia de Caçadores 1790, comandada pelo capitão José Aparício.

Depois de saírem de Madina, pelas nove da manhã do dia 6 de Fevereiro de 1969, as forças portuguesas perderam meia centena de homens e grande quantidade de material, quando a jangada que fazia a travessia do rio Corubal, se virou. Aparentemente por excesso de peso, ou pela sua má distribuição, agravado por uma detonação que provocou o pânico.

Na sequência da retirada e do desastre, o PAIGC ocupou Madina do Boé, Mejo e Cheche, tendo sido o facto alvo de exploração junto da opinião pública mundial por parte dos serviços de informação e propaganda do PAIGC.

O Exército justificou a retirada daquela região em consequência do reordenamento populacional, que exigia que aquelas populações fossem transferidas para aldeias de maior progresso económico e social.

De facto, o abandono do quartel de Madina do Boé fazia parte da reorganização do dispositivo militar que Spínola estava a levar a cabo desde que tomara posse[, do cargo de Comandante-Chefe e Governador, em 20 de Maio de 1968].

Madina era, juntamente com o Destacamento de Beli (já desactivado em Junho de 1968) e com Cheche, uma posição muito difícil de defender, por estar na fronteira da Guiné-Conacri, numa zona semidesértica e a uma cota inferior à dos morros do Futa Djalon, separada dos outros postes portugueses pelo rio Corubal, o que tornava esta localidade muito difícil de reabastacer ou mesmo de socorrer.

In: Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso – Os Anos da Guerra Colonial – Vol 10: 1969 – Acreditar na vitória. Matosinhos: QuidNovi. 2009. pp. 23-24.

3. Comentário de L.G.:

Como repetidamente temos aqui escrito, o nosso blogue não é (nem nunca será, se isso depender só de mim) nenhuma espécie de tribunal da história da guerra colonial. Não julgamos, não condenamos, até por que, mal ou bem, todos fomos actores no TO da Guiné, plurais, contraditórios, dilacerados. O que nos move é apenas a vontade de lutar contra o esquecimento, o branqueamento, a indiferença, a manipulação, a falsificação, a ignorância, o cinismo, o conformismo... Privilegiamos as histórias de vida, as narrativas, os testemunhos presenciais, a pequena história, a fotografia, o documento... De um lado e do outro. Não estamos do lado do politicamente correcto.  Nem do pensamento único. Não queremos nem defendemos o unanimismo.  Procuramos a triangulação de fontes, muito embora tenhamos muitas limitações no acesso a documentos de arquivo, oficiais ou oficiosos.  Não somos historiadores.  Não fazemos investigação científica. Procuramos separar factos e opiniões, sentimentos, emoções, etc., muito embora saibamos que não há texto sem contexto. Nem há conto sem contador, mesmo quando quem conta um conto, acrescenta um ponto...

Madina do Boé, a sua retirada, o desastre do Cheche... nada disto tem uma leitura única. Mesmo aqueles que estiveram no cerne dos acontecimentos, têm (ou podem ter) diferentes versões, parcelares, dos acontecimentos. O comandante da operação, Cor Hélio Felgas, não estava na jangada, mas uns meses antes de morrer insistia na teoria do bode expiatório, neste caso, o elo mais fraco da cadeia hierárquica, que era o Alf Mil Dinis (camarada do cadete Torcato Mendonça, no COM, em Mafra, em 1967)... O Rui Felício, que estava na jangada e foi ao fundo com os seus homens, não tem dúvidas quanto ao diálogo entre o Alf Mil Dinis, responsável pela segurança da jangada, e o comandante da CCAÇ 1790... Cada um de nós tem o díreito a ter opinião,  mas não pode emitir juízos de valor, não fundamentados, em público, e nomeadamente no nosso blogue. Não incentivamos, nem apoiamos, não desejamos esse tipo de comportamento.

Há membros do nosso blogue que acham que há assuntos-tabu... O desastre do Cheche seria um deles. Alegam que nunca iremos saber a verdade... Ou que a verdade é dura demais para se dizer e ouvir... Quanto a nós, não há razão para fechar o dossiê, prematuramente... Os membros do nosso blogue são livres de abriir e reabrir este tipo de dossiês temáticos (que são as nossas séries), desde que possam haver factos novos ou índícios que sugiram factos novos...

E também há membros, mais recentes, do nosso blogue que pura e simplesmente nunca tinham ouvido falar do desastre do Cheche nem da sua gravidade. Eis mais uma razão para o lançamento desta nova série, Ainda o desastre do Cheche... LG

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série:

21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5861: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (4): Cem anos que viva nunca esquecerei as imagens da catástrofe e o diálogo entre o Alf Diniz e o Cap Aparício (Rui Felício)

(**) Notas sobre a CCAÇ 1790 – Mobilizada pelo RI 15, partiu para a Guiné em 27/9/1967. Regressou em 20/8/1969. Esteve em Fá Mandinga, Madina do Boé, Nova Lamego e São Domingos. Comandante: Cap Inf José Ponces de Carvalho Aparício. Pertencia ao BCAÇ 1933 (Nova Lamego, Bissau, S. Domingos, 1967/69).

(***) Vd., entre outros, os seguintes postes:

7 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5778: Efemérides (45): O desastre do Cheche, visto por quem esteve lá e perdeu 11 homens do seu grupo de combate (Rui Felício, Alf Mil, CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)

25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

(...) (viii) O desastre da jangada

Cerca das 9 ou 10 horas da manhã apareceu um helicanhão que sobrevoou demoradamente toda a zona. Depois pousou e eu fui ter com ele procurando informar-me do que a tripulação tinha visto. Mas tinha chegado, apareceu um soldado correndo para mim a gritar que a jangada se estava afundando, logo após ter partido da margem sul. Pedi imediatamente ao piloto para... [ linha inteira cortada na fotocópia] depois para a margem do Cheche onde eu estava. Parecia vir normalmente carregada com homens e material.

(ix) Um comandante também chora

Quando chegou é que eu soube que diversos homens tinham caído ao rio, não aparecendo mais. Verifiquei tratar-se do pessoal que realizava a última travessia.

Quando se fez a chamada, viu-se que faltavam quarenta e tal homens, seis dos quais nativos.

Não consegui controlar-me e desatei a chorar, tal como aliás vi muitos valorosos militares a fazerem. Foi assim que me encontrou o General Spínola que nesse dia também quisera ir ter comigo.

Aguardámos horas, com o helicóptero sobrevoando o local na esperança de localizar alguns dos desaparecidos. Dois ou três bons nadadores também mergulharam na zona onde acorrera o acidente. Nada foi encontrado.

Interroguei diversos militares mas alguns nem podiam falar. Outros disseram-me que a jangada, logo após ter partido da margem sul, tinha-se afundado um bocado, ficando o estrado rés-vés com a água. Este afundamento era aliás natural desde que não fosse excessivo. O estrado, como dissemos atrás, ficava a cerca de um metro da água quando a jangada estava vazia. Esta distância diminuía conforme o peso do carregamento mas o estrado normalmente nunca chegava a ser coberto pela água.

Segundo parece, alguns dos homens que seguiam junto às vedações laterais assustaram-se quando alguma água começou a cobrir o estrado. Teriam então descido para o rio procurando segurar-se às travessas laterais do estrado e continuar assim a travessia. Desta forma o peso da carga diminuiria e a jangada subiria. Só que não se lembraram de que com o equipamento e as munições cada um pesava mais de cem quilos.

Foi desta forma que uma operação que decorrera sem qualquer baixa (ao contrário do que inicialmente se esperava), viu o seu final tragicamente enlutado. Durante toda a noite, desde as seis da tarde da véspera até às 10 ou 11 da manhã seguinte, as jangadas tinham trabalhado sem qualquer anomalia. Fizeram dezenas de travessias. E o azar logo havia de aparecer na última e de forma tão dolorosa.

Nem o facto de na altura terem ocorrido acidentes semelhantes (ou talvez ainda mais graves), com jangadas em Moçambique, podia servir de lenitivo para o que nos sucedera na Guiné. Dezenas de homens que tinham vivido longos meses sob bombardeamentos quase diários, acabaram por morrer afogados. (...)


12 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(...) A CCAÇ 2405, comandada pelo Cap Mil Inf Novais Jerónimo, integrava a coluna militar que tinha partido na manhã do dia anterior de Madina do Boé, rumo ao Cheche, e tinha como missão escoltar a Companhia de Caçadores [1790] evacuada daquele aquartelamento e que era comandada pelo Cap Inf Aparício (que, após o 25 de Abril, veio a assumir a função de Comandante Geral da PSP de Lisboa).(...)

(...) O Capitão Jerónimo, comandante da CCAÇ 2405, e eu próprio, estávamos na jangada no momento do acidente, onde se encontrava também o Alferes Miliciano Jorge Rijo, oficial da CCAÇ 2405, com o seu pelotão.

O Alferes Miliciano Paulo Raposo, também oficial da CCAÇ 2405, já tinha feito a travessia do rio na viagem anterior, e encontrava-se na margem norte do Corubal com o seu pelotão, observando a tragédia. (...)

(...) Não me recordo de ter ouvido qualquer disparo de morteiro, antes do desastre... E não me lembro de ter detectado antes qualquer sinal de pânico entre os soldados... Aliás, a sua experiência operacional no teatro de guerra era já apreciável e não entrariam em pânico por um simples disparo de morteiro que estou seguro que não existiu.

Houve alguns disparos de morteiro, é verdade, mas após o desastre e feitos pelas NT, no intuito de prevenir qualquer aproveitamento do IN que eventualmente estivesse emboscado nas imediações.

Exceptuando os militares que infelizmente pereceram afogados no Corubal, passados poucos minutos, todos restantes retornavam à jangada que, pouco depois, se reequilibrou e retomou a sua viagem para a margem norte do rio. E eu fui um deles... Depois de me ter libertado da espingarda, das cartucheiras, das botas e das granadas, cujo peso me puxava inexoravelmente para o fundo...
 
Em nenhum momento descortinei qualquer tipo de pânico quando regressei à jangada e, talvez nervosos ainda do desastre, todos sorriamos e aceitávamos o banho forçado como uma dádiva divina depois de vários dias de sede e calor. (...)
 
(...) Em resumo e concluindo:

(i) O desastre do Cheche ficou a dever-se, em minha opinião, ao excesso de peso entrado na jangada.

(ii) E ela é corroborada por todos aqueles que, como eu, viajavam na jangada e que em conversas a seguir ao desastre manifestaram a mesma opinião.

(iii) Note-se que a mesma jangada tinha já feito dezenas de travessias sob as ordens directas do Alf Diniz sem nunca se ter detectado qualquer problema.

(iv) Esse problema surgiu de forma trágica na última travessia, ou seja, naquela em que o responsável Alf Diniz não pôde efectivamente proceder segundo o que estava estabelecido, deixando entrar na jangada o dobro da sua capacidade, por ordem do 2º Comandante da Operação a que, pela natureza da hierarquia militar, não poderia opor-se.

(v) Mas fê-lo, e disso dei testemunho no âmbito do inquérito que se seguiu, advertindo previamente o seu superior hierárquico para o facto de estar a infringir as determinações que tinha sobre a forma de fazer a travessia do rio e da lotação definida para a embarcação.

(vi) E estou convencido que a rapidez do desaparecimento das vítimas nas águas calmas, escuras e profundas do Corubal, se ficou a dever ao facto de todos transportarem consigo pesado equipamento de guerra que lhes tolheu os movimentos e os conduziu para o fundo do rio, de forma tão rápida, com a agravante de que a maior parte deles não sabia nadar.

(vii) Finalmente, não posso deixar de fazer referência ao que o José Martins diz ter ouvido de "alguém que esteve no centro do acontecimento" de que as águas tomaram um tom avermelhado.

(viii) Sei da existência de crocodilos naquele troço do rio Corubal.

(ix) Sei que alguns dos corpos de soldados encontrados dias mais tarde, apresentavam sinais de terem sido dilacerados por crocodilos.

(x) Mas sei também que as águas, naquele dia, e após o acidente, apenas apresentavam o tom natural verde escuro de um rio calmo e profundo e tenho dúvidas que os crocodilos tivessem estado presentes naqueles momentos, com o ruído de helicópteros sobrevoando as águas a baixa altitude, na tentativa de encontrar e socorrer algum soldado em dificuldades. (...)

Vd. o diossiê do José Martins:

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)

Vd. ainda:

24 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2980: In Memoriam (5): Morreu ontem o Major General Hélio Felgas, antigo comandante do Agrupamento nº 2957, Bafatá (1968/69)

(...) Estava há vários anos doente e acamado. Ainda há uns meses atrás, telefonei-lhe para casa, aqui em Lisboa, para lhe pedir autorização para publicar no nosso blogue um escrito dele, com a sua versão do desastre do Cheche. Atendeu-me, muito gentilmente, a esposa. Expliquei-me a razão de ser do telefonema. Ouvi a conversa da senhora com o marido, que devia estar perto... Ainda me recordo das suas palavras, em que se percebia a voz do velho comandante:

- Diz-lhe que a culpa foi do alferes, a culpa foi do alferes... [Julgo que se queria referir ao Alf Mil Diniz, responsável pela segurança da travessia do Corubal...  (...)

7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé

13 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXIX: A verdade sobre o desastre de Cheche (Paulo Raposo)

2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

(...) Este documento, que me chegou às mãos através do Humberto Reis, relata a dramática operação em que participou a CCAÇ 2405, sedeada em Galomaro, e pertencente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), operação essa que tinha em vista retirar as NT da posição insustentável de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC (e depois ocupada logo a seguir, no mesmo dia, a 6 de Fevereiro de 1969, após a retirada das NT).

Recorde-se que a companhia que estava em Madina do Boé, há 13 meses, era a CCAÇ 1790, a mesma a que pertencia Gustavo Pimenta, o alferes miliciano que perdeu metade do seu pelotão nessa trágica retirada (ele é o autor do livro sairómeM - Guerra Colonial. Porto: Palimage Editores, 1999) [vd. post de 17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790) ]

Em Cheche, já no regresso de Madina, pelas 9 da manhã do dia 6 de Fevereiro de 1969, as NT sofrem a perda de meia centenas de homens e grandes quantidades de material, quando a jangada que fazia a travessia do Rio Corubal se virou. Aparentemente, sem explicação (Já ouvi várias teorias sobre isso, mas essas especulações ficam para mais tarde...).

O desastre terá sido devido a excesso e desiquíbrio de peso. Iam na jangada mais de cem homens (4 grupos de combate mais a tripulação da embarcação), além de viaturas e outro equipamento. Dos que desapareceram, 17 pertenciam à companhia de Galomaro.

Esta operação foi uma das mais dramáticas que se desenrolaram no TO da Guiné, devido não só à pressão do IN (invisível mas sempre ubíquo como Deus) como a outros factores desfavoráveis para as NT (o calor, a falta de água, as condições do terreno, as terríveis abelhas da Guiné que estavam objectivamente ao serviço do PAIGC, as insónias, o stresse, a exaustão física e emocional (...).

(...) O texto que se segue tem uma ou outra palavra ilegível. Foi feita a sua recuperação. Impresso a stencil há 35 anos, do documento foi feita uma fotocópia, fornecida ao Humberto Reis por um camarada da CCS do BCAÇ 2852.

Curiosamente, o autor do relatório da Op Mabeco[s Bracvios], o comandante da CCAÇ 2405, não apresenta quais quer razões, técnicas, militares ou outras, para o afundamento da jangada, limitando-se a descrever, de maneira sucinta e factual, o desastre, como mandava o livro de estilo dos operacionais, nunca deixando que os seus sentimentos ou emoções interferissem com a capacidade de identificar e descrever os acontecimentos mais relevantes ocorridos durante uma operação. (...)

Guine 63/74 - P5865: Convívios (192): 2º Encontro (mensal) da Tabanca do Centro, em Monte Real, em 26 do corrente (Luís Graça)

1. Sob a batuta experiente do nosso camarada Joaquim Mexia Alves (aqui na foto, nas Termas de Monte Real, posando ao lado do busto de seu pai, Opympio Duarte Alves, empresário e antigo governador civil de Leiria), a Tabanca do Centro, como sede em Monte Real, Leiria,  vai reunir-se, pela 2ª vez, este ano (*)...

Reprodução do poste de 17 de Fevereiro de 2010 > 2º Encontro da Tabanca do Centro - Último Aviso!!!

2º Encontro da Tabanca do Centro está agendado para dia 26 de Fevereiro, 6ª feira, no mesmo local, Pensão Montanha,  em Monte Real, às 13 horas. [Estrada Vieira Leiria,  Monte Real, Leiria 2425-039, telef.  244 612 115]. (**)


A ementa desta vez será bacalhau assado na brasa, (não é a correr), com batatas a murro e migas.

Poderá muito bem ser que haja alguns mimos para entrada, e as sobremesas serão as habituais.

O valor mantém-se na enorme quantia de 8,50€! (oito euros e cinquenta cêntimos).

Terei que receber as inscrições, (de preferência para o mail tabanca.centro@gmail.com, ou aqui na caixa de comentários), o mais tardar até dia 24 de Fevereiro às 12 horas, pois o restaurante precisa de saber com o que conta. (...)

2. Lista (provisória) das inscrições para o 2º Encontro da Tabanca do Centro - 26 de Fevereiro - Monte Real

Agostinho Gaspar
Alice e Luís Graça
Antonieta e Belarmino Sardinha
António Martins de Matos
Artur Soares
Dulce e Luís Rainha
Gil Moutinho
Giselda e Miguel Pessoa
Idálio Reis
Isabel e Alexandre Coutinho e Lima
João Barge
Joaquim Mexia Alves
José Belo
Jorge Narciso
Juvenal Amado
Manuel Reis
Teresa e Carlos M. Santos
Vasco da Gama
Victor Barata
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 30 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5728: Convívios (177): 1.º Encontro da Tertúlia do Centro, aconteceu no dia 27 de Janeiro de 2010 em Monte Real


(**) Fica na rua principal de Monte Real, também conhecida por Rua de Leiria. A entrada faz-se por uma porta de lado.

Guiné 63/74 - P5864: Notas de leitura (69): Guerra Colonial - Angola - Guiné - Moçambique, Edição Diário de Notícias (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Fevereiro de 2010:

Queridos amigos,
É de facto impossível iniciar um estudo da guerra colonial sem começar por aqui.
É a homenagem elementar que pretendo aqui deixar.

Um abraço do
Mário


A primeira história importante sobre a guerra colonial

Beja Santos

Nada existiu de tão significativo antes da publicação da “Guerra Colonial, Angola, Guiné, Moçambique”, da autoria de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes. A obra foi editada em fascículos no Diário de Notícias, no fim dos anos 90, e em 2000 a Editorial Notícias deu-a à estampa. Os mesmos autores abalançaram-se recentemente a publicar “Os Anos da Guerra Colonial”, que recebeu muita inspiração, como é compreensível, da iniciativa anterior. É impossível estudar-se a guerra colonial sem ter em conta esta obra de referência. Basta pensar só no elenco de colaboradores: Adriano Moreira, António José Telo, David Martelo, Diana Andringa, José Falcão de Campos, José de Matos-Cruz, Josep Sanchez Cervelló, Luís Salgado Matos, Nuno Santa Clara Gomes, Rosário Simões, Rui de Azevedo Teixeira. Como escrevem os autores na apresentação, importa não pôr de lado a delicadeza do tema: ainda há paixões à tona, há fontes irrepreensíveis e há questões que podem ser encaradas como factores de distorção, sobretudo quando os actores transmitem a visão dos acontecimentos no enfoque pessoal, sem contraditório. E adiantam: “O presente trabalho pretende constituir algo em que se possam rever aqueles homens e mulheres que, em qualquer situação participaram na guerra e os que com eles se relacionaram. Algo que dirá respeito a Portugal e aos países africanos que, neste longo conflito, conquistaram a sua independência política”.

A estrutura da obra é aliciante, comporta uma organização que permite visualizar os locais do conflito e as grandes operações ali desencadeadas; pode ficar-se com uma ideia das forças em presença (recorde-se que ainda hoje não há dados fiáveis sobre as forças efectivas dos guerrilheiros, nos três teatros de operações), quem e porquê se fez a guerra, a evolução da matriz doutrinal, os principais dirigentes, heróis e políticos, alguns aspectos do quotidiano da guerra, o impacto da guerra na sociedade portuguesa, guiões, modelos de armas e cronologia da guerra colonial.

Os autores não iludem as questões que possam ser vistas como controversas como seja falar de guerra colonial em oposição a guerra do Ultramar ou guerra de África. Entram na cronologia dos acontecimentos com o que se passou em 15 de Março de 1961, em Angola, e a determinação de Salazar após abortar o golpe de Botelho Moniz. Tem destaque na reocupação do Norte de Angola a operação Viriato e a entrada em Nambuangongo. Sanchez Cervelló sintetiza o novo quadro africano, entre 1945 e 1962. Explicado o essencial de uma guerra subversiva, os autores apresentam o teatro angolano e os movimentos da independência. Segue-se a Guiné, a história do PAIGC, a operação Tridente, um resumo do meio físico, humano e económico da região. A operação Águia é o preâmbulo da guerra de Moçambique, dá-se um apontamento da Frelimo e igualmente do meio físico, humano e económico de Moçambique, bem como o enquadramento do teatro de operações.

Apresentados os actores e o meio, dada a moldura ideológica e as mudanças registadas em África no período precedente à luta dos movimentos de libertação, faz-se desfilar os contingentes em contenda, os dispositivos militares, as operações, as condecorações, os eventos marcantes, mas também o sistema de informações, a guerra psicológica, o papel das organizações femininas (Cruz Vermelha e Movimento Nacional Feminino), as tensões dentro da Igreja Católica.

As relações internacionais têm o merecido destaque, tal como a africanização da guerra, a noção do quadro económico (que era praticamente desconhecido da chamada metrópole, em 1974, à vontade da independência africana ameaçava sobrepor-se a da independência branca, como escreve Salgado de Matos). Minas e armadilhas, o papel das forças especiais, os transportes, os diferentes tipos de equipamento, a guerra dos céus, as lanchas e os navios, as transmissões, as obras de engenharia, a administração militar, a acção psicológica, têm o merecido relevo. Grandes protagonistas como Costa Gomes, Kaúlza, Spínola, estratégias e operações, recebem o merecido acolhimento como irão sobressair momentos de viragem como aqueles que viveu a Guiné em Maio de 1973, com Guidage, Guileje e Gadamael. E estamos chegados a outras questões fulcrais como as mentalidades da geração de 60, o papel da literatura, do cinema, o fenómeno do movimento dos capitães e, por último, a génese do 25 de Abril e no seu rescaldo as feridas de guerra, como é o caso dos deficientes. A obra remata com um balanço e uma reflexão final e a bibliografia utilizada.

É uma edição impar, com esta “Guerra Colonial”, a historiografia deu um salto. Nestas 600 e tantas páginas alcançou-se uma admirável síntese sem descurar o rigor do pano de fundo, em si tão complexo. Nós, os camaradas da Guiné, fomos directos beneficiários, Aniceto Afonso escreveu depois uma importante súmula sobre a guerra da Guiné que a seu tempo fiz referência. Inevitavelmente, ela tem que fazer parte da nossa biblioteca, é por isso que eu a ofereço ao blogue, com um abraço de elevada consideração e admiração pelos seus autores.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5824: Notas de leitura (68): Memória, de Álvaro Guerra - A tiros de raiva e metal escaldante (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5863: Histórias de heroísmo (3): A odisseia de uma escolta a Cabedu, em LDP, no Rio Cumbijã (José Colaço)


1. O nosso Camarada José Colaço (ex-Sold Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), enviou-nos a seguinte mensagem em 20 de Fevereiro de 2010:


A odisseia de uma escolta (*)



Tudo começou na manhã de 14 de Dezembro de 1963.

A companhia independente, CCaç 557 , comandada pelo então capitão Ares, vinda da Metrópole, tinha desembarcado no cais de Pidjiguiti, em Bissau, no dia 03/11/1963 e tudo corria normalmente, com o pessoal aquartelado num barracão na Bolola, com vista para o referido cais.

Nesse dia cerca das 9 horas, mais ou menos, o capitão chamou-me e fez-me a seguinte pergunta:
- Ó Colaço (nome por que sempre me tratou, dado eu na companhia ser conhecido pelo nome e não pelo número como seria normal), quantos homens de transmissões temos neste momento na companhia?.

A pergunta derivava do facto de haver vários especialistas de transmissões que tinham sido escalados para escoltas aos batelões destinados a levar os chamados géneros (mantimentos), para companhias que estavam no mato.

Lá dei a informação o melhor possível e a resposta do capitão foi: “
- Então,  tu e os teus colegas arranjem as vossas coisinhas, que à tarde têm de embarcar para o mato!.

Não nos disse para onde. Só na hora do embarque vim a saber que o destino era Catió, mas estava muito longe de saber que Catió era só uma miragem para um mini-estágio e, o destino final seria o Como [e a Operação Tridente].

A hierarquia sabia o grau de deficiência com que os chamados especialistas eram chamados para a guerra, porque uma coisa era apertar o gatilho de uma G3 que, em segundos, um atirador estava pronto a efectuar, outra,  que fiava um pouco mais fino, era receber mensagens e emitir outras tirando partido da saída da antena para que as ondas hertzianas se propagassem no espaço.

Assim, as transmissões eram um ponto fulcral para toda a organização estratégica de uma companhia ou de um grupo de combate, pois ficar incontactável era um dos problemas de difícil, ou nula, resolução.

A viagem até Catió foi normal e pernoitei no quartel de Bolama com tudo programado (cama e pequeno almoço).

Chegado a Catió fiquei adido ao BCAÇ 619, sendo o meu trabalho, único e quase exclusivo, passar os dias no posto rádio do batalhão a treinar, principalmente, a recepção de mensagens e o alfabeto fonético, que era o meio, com prioridade, utilizado no mato.

Só nas emergências e a comunicação entre grupos, em combate, era autorizado a utilizar a comunicação oral normal.

Mesmo assim, com alguns códigos à mistura, à noite, fui escalado (não sei quantas vezes), para fazer parte da secção que fazia protecção aos obuses que bombardeavam o Como (por períodos de cerca de 45 minutos a uma hora).

Isto serviu-me, para me ir habituando ao que me estava reservado.

Como a roda do tempo não pára, estávamos na semana do Natal de 1963, e, foi aqui, que surgiu a odisseia da dita escolta.

Era urgente reabastecer a CCaç 555 sedeada em Cabedu e adida ao BCaç 619 (**). Então o comando de Catió organizou um reabastecimento de mantimentos (os tais chamados géneros), numa LDP [, Lancha de Desembarque Pequena] com uma secção de atiradores comandada por um furriel miliciano, e eu fui integrado nessa escolta como elemento de transmissões para manter o contacto com Catió, e, quando este não fosse audível, sintonizaria Cabedu.

O rádio que me disponibilizaram, foi um ANPRC 10, cujo alcance era bastante limitado (só era muito bom para comunicar com os aviões, DO 27 ou T-6), quando nos sobrevoavam.

Lembro-me de ter dado muitas informações aos pilotos dos T-6, para metralhar mais 40 ou 50 metros à esquerda, à direita ou à frente, em relação à picagem que tinha sido feita anteriormente. Não posso precisar, mas o alcance era de cerca de 5 a 6 km em boas condições de propagação das ondas hertzianas.

O contacto com Catió perdeu-se, logo que navegámos meia dúzia de milhas, e de Cabedu nem ruídos eu conseguia ouvir. Tudo totalmente mudo.

Como nem o comandante da escolta, nem o marinheiro maquinista da LDP, conheciam a zona, o já então carismático João Bacar Jaló forneceu-nos um dos seus homens, que ele pensava ser de inteira confiança, como guia conhecedor da zona.

Com tudo previsto quanto às marés, na parte da manhã rumámos com destino a Cabedu, e, após navegarmos pelo rio Cumbijã, cortamos numa bifurcação à esquerda, não sei se era um afluente ou uma ria.

O que eu sei é que conforme prosseguíamos, o caudal do rio era cada vez mais fraco, e a pergunta sacramental que se fazia ao guia era:
- Tens a certeza que vamos no rumo certo ?

Ele dizia:
- Sim, sim, é este o rio para Cabedu!

A dado momento, já nenhum de nós acreditava no guia, porque a informação que tínhamos é que até Cabedu não havia problemas quanto à falta de água para navegar, o que não era o caso. O comandante da escolta bem me dizia:
- Ó telegrafista,  comunica.

Disse-lhe, meio desorientado:
- Para já não sou telegrafista, sou de transmissões, e como é que comunico com esta m... se isto não presta, só dá para avisar quando estivermos próximo de Cabedu, ou se, por sorte, se neste momento formos sobrevoados por um avião dos nossos, uma DO ou um T-6 ?!

Estávamos numa zona de campo aberto, fazia lembrar o Alentejo na Primavera, viam-se ao longe vacas a pastar e nós, com receio que a lancha batesse no fundo e parássemos por falta de altura de água para navegar, ou, pior ainda, de atravessar a fronteira sem sabermos. Nós não fazíamos a mínima ideia onde nos encontrávamos.

Mas como é hábito dizer,  o tuga tem sempre sorte, se parte uma perna foi sorte não ter partido as duas, se parte as duas foi sorte não ter morrido e se morre teve sorte senão ficava a sofrer o resto da vida.

Surgiu então um pequeno lago, onde o marinheiro com muita perícia conseguiu inverter a marcha. Que alívio! Não há palavras para qualificar aquele momento feliz, por ter sido encontrado aquela pequena bacia de água, que nos permitiu pôr a salvo.

Logo que invertemos a marcha, o guia que vigiávamos com muita atenção, veio debaixo de prisão. A partir daí, uma das razões dele nunca ter tentado a fuga, era encontrarmo-nos numa zona ampla, com boa visão, onde ele seria abatido com muita facilidade. Se a zona fosse de Bolanha, e, ou, tarrafo, com a nossa preocupação presa no IN, bastava ele dar um salto para fora da lancha e nós não mais o víamos.

Chegados a Catió, o comandante da escolta fez o relatório e o guia foi entregue ao João Bacar Jaló. O João reprimia as traições com bastante dureza. Ele mostrou o pau com que agredia os traidores no estômago, mas a resposta do falso guia foi:
- Mim murre… mas não diz nada.

Um alfa bravo
José Colaço
Sold Trms da CCAÇ 557
____________

Notas de M.R.:


 
(**) Notas sobre o BCAÇ 619: Mobilizxdao pelo  RI 1, partiu para aGuiné em  8/1/1964. Regressou a 9/2/1966. Esteve sedeado em Catió. Comandante: Ten Cor  Inf Narsélio Fernandes Matias. Unidades de quadrícula: CCAÇ 616 (Bissau, Empada); CCAÇ 617 ( Bissau, Catió, Cachil); CCAÇ 618 ( S. Domingos, Binar)

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5862: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (13): Um buraco no inferno da Mata dos Madeiros

1. Mensagem de José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 5 de Fevereiro de 2010:

Caro amigo Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais uma pedaço do meu roteiro por terras da Guiné.

Os meus votos de boa saúde vão para ti e para os nossos camaradas, com um abraço amigo
José Câmara


Um buraco no inferno da Mata dos Madeiros

A partir do momento em que a CCaç 3327 foi notificada para se preparar para sair para o interior, muita coisa se modificou no comportamento diário dos militares. A alegria de sair de Bissau, contrastava com a ânsia de providenciar para as necessidades imediatas de quem iria sair ao encontro do desconhecido.

Tínhamos apenas quatro dias pela frente, e a nossa actividade militar continuava inexorável. O tempo livre era escasso, pelo que tivemos que nos socorrer da entreajuda para as pequenas, mas necessárias tarefas.

Entre as tarefas imediatas e pessoais, tivemos que contactar as nossas lavadeiras para devolverem os uniformes, tarefa arrojada pois nem sabíamos onde moravam. Eram elas que vinham até Brá levantar e depositar os uniformes. No meu caso pessoal, a minha roupa era lavada no Palácio, pelo que nesse aspecto não tive preocupações. Porque sabíamos que íamos por um período mais ou menos longo para a Mata dos Madeiros, onde estaríamos privados de quase tudo, houve a necessidade de comprarmos artigos de higiene para um período longo, e ainda envelopes, papel para a escrita e selos, pois muitos nós tínhamos os nossos familiares nos EUA e não podíamos utilizar os aerogramas.

O preço de uma carta para os States magoava os escassos recursos financeiros de alguns dos nossos soldados

A acrescentar a tudo isso, tivemos que requisitar todo o material logístico necessário ao desempenho da nossa missão - viaturas, metralhadoras, morteiros, lança granadas e respectivas munições. A acrescentar a tudo isso, uma cozinha de campanha, frigoríficos a petróleo, tendas individuais, colchões insufláveis, cobertores, mantimentos para 15 dias, incluindo as rações de combate. E ainda um posto sanitário de campanha.

No dia 5 de Abril emalamos a secretaria e aos poucos fomos emalando os nossos haveres. Muitos de nós saímos de serviço com o Render da Parada no dia 6 de Abril. Alguns minutos para limparmos os nossos alojamentos, e os últimos retoques nas nossas malas.

Finalmente soou a hora da partida.

A ordem foi dada para que as rações de combate fossem distribuídas e as as malas fossem colocadas nas viaturas. Foi então que um dos militares disse: - Malas-às-costas! Como os nómadas...

A coluna estava em marcha. Primeiro obstáculo, a jangada em João Landim. No lado de cá ficava Bissau. No outro lado... eu perdiria a minha virgindade em relação à guerra. Confesso que me sentia apreensivo, e mais ainda, quando depois de passar à entrada de Bula comecei a ver a quantidade de tropas que protegia a nossa passagem. Depois Có, a mítica Curva da Morte, um autêntico cotovelo antes de chegarmos ao Pelundo. Finalmente, entrámos em Teixeira Pinto para uma pequena apresentação no CAOP1.

A tarde ia avançada. Mesmo assim, avançámos para o Bachile. Ao chegarmos junto da Ponte Alferfes Nunes, reparámos que esta estava em obras de reparação, pelo que só uma viatura de cada vez atravessava no tabuleiro.
Nessa altura, eu ainda não sabia que estava a deixar o paraíso para entrar no inferno.

Pernoitámos no Bachile, um quartel de reduzidas dimensões, sede da CCaç 16. Ali ficaria a secretaria da companhia e a padaria. Também seria deste quartel que nos abasteceríamos de água.

No dia seguinte, 7 de Abril, rumámos ao sítio do nosso primeiro acampamento. Seguimos pela estrada nova, passando pelo primeiro buraco (acampamento) das tropas ainda ali estacionadas. Impressionantes eram as condições. Senti que não ia para melhor.

Chegada à Mata dos Madeiros. As secções agrupam-se para dar início à primeira saída

A partir de certa altura, a parte alcatroada acabou. Penetrámos na mata. O guia, engenheiro-topógrafo da obra, a determinada altura, flectiu para a esquerda, entrou numa pequena clareira e parou.

Estávamos a cerca de 10 (dez) quilómetros do Bachile - rodeados de mato, do chilrear dos pássaros, e protegidos (a fé é que nos salva) pelo Sagrado Coração de Maria.

O Furriel Pinto com a sua secção já preparada para sair

Descarregadas as malas, de imediato se preparou a protecção ao "descampado".

Enquanto penetrávamos na mata, sentimos o barulho das máquinas a arrumar o matagal e a preparar o terreno do acampamento. Com o anoitecer, regressámos. Preparados os turnos de sentinela, cada um procurou qualquer coisa para encostar a cabeça e descansar um pouco. Infelizmente tal não foi possível, pois passamos a noite à bofetada com os mosquitos.

Ali era o buraco da Mata dos Madeiros.
José Câmara
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5787: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (12): Bissau, uma guerra diferente onde os rumores também voavam

Guiné 63/74 - P5861: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (4): Cerm anos que viva nunca esquecerei as imagens da catástrofe e o diálogo entre o Alf Diniz e o Cap Aparício (Rui Felício)

1. Mensagem, com data de 19 do corrente, do Rui Felício(ex-Alf Mil, CCAÇ 2405, Mansoa, Galomaro e Dulombi, 1968/70):

 Assunto: Ainda o Cheche (*)

Meu Amigo Luis Graça (c/c  Paulo Raposo)

Antes de mais um abraço, depois de tão longa ausência. Aproveito, a propósito, para te dizer que nada justifica o meu afastamento do teu blogue, a não ser alguma preguiça e o desvio para outros blogues onde às vezes escrevo. E o tempo não dá para tudo...

Posto este esclarecimento, passo a responder ao que me pedes, sobre o desastre do Cheche.

Reitero tudo o que disse o Paulo Raposo. E não o faço pela grande amizade que lhe tenho. Faço-o porque o que ele diz é a verdade.

Com efeito, como já antes escrevi e como já antes disse telefonicamente ao próprio Cap Aparício, foi ele mesmo quem deu a ordem ao Alf Diniz.

E também escrevi que este Alferes alertou o Cap Aparício para o facto de a ordem que lhe estava por ele a ser dada ser contrária às instruções que tinha. Isto é, que a jangada não poderia suportar uma lotação superior a dois grupos de combate, sendo certo que a ordem do Cap Aparício significava o embarque do dobro dessa lotação.

Escrevi também então, que o Alf  Diniz, contrariado, se conformou com a ordem recebida e lhe deu execução, em virtude da patente mais alta do Cap Aparício.

Quanto ao major, tanto quanto julgo lembrar-me, era um oficial com funções de 2º comandante da operação comandada pelo Cor Hélio Felgas.

Sempre estive convencido que ele estava no lado sul do rio. Pelo menos sei que o vi por lá. Talvez durante as travessias anteriores. Mas se o Raposo afirma que na altura do acidente ele estava já no lado norte, não tenho razões para duvidar do que ele diz.

Porque, sem querer que pareça que estou com ele a trocar galhardetes, o Paulo Raposo é um homem por cuja idoneidade e seriedade seria capaz de pôr as mãos no lume. E admito que neste caso do major a minha memória já me tenha atraiçoado.

Onde ela não me atraiçoa, e essas imagens ainda hoje as tenho presentes, é na própria catástrofe e no diálogo entre o Cap Aparício e o Alf Diniz. Passassem cem anos e jamais esqueceria...

Finalmente, os parabéns pela excelente qualidade do teu blogue que atingiu nestes poucos anos um patamar cimeiro na blogosfera nacional. Sei-o pelo que vejo e pelos testemunhos de inúmeras pessoas que a ele se referem.

Rui Felício
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série:

21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5859: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (3): O oficial mais graduado que ia na jangada era o Cap Aparício, comandante da CCAÇ 1790 (Paulo Raposo)

Guiné 63/74 - P5860: O 6º aniversário do nosso Blogue (7): Sempre em frente (José Eduardo Reis de Oliveira – JERO -, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 675)


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil Enf da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 21 de Fevereiro de 2010:

Camaradas,

Com alguma solenidade aqui estou eu a enviar um texto, com o título "Sempre em frente", com que pretendo homenagear os Editor do blogue "Luís Graça e Camaradas da Guiné", co-Editores, e demais Camaradas que têm colaborado com as suas mensagens, para o crescimento do blogue que tanto mudou a minha vida, desde que nele "entrei".

Com o simbolismo do texto, que também tem muita leitura nas entrelinhas, pretendo homenagear todos aqueles que, ao longo de seis anos, têm conseguido manter cada vez mais viva a memória e respeito que são devidos aos ex-combatentes.

Bem hajam por isso.
Guardámos até hoje – quarenta e tal anos passados -o nº.2 do jornal “Sempre em Frente” de 5 de Agosto de 1965,“Órgão das Sete Ninfas do Cacheu”, propriedade do «490 & Companhias».
“SEMPRE EM FRENTE”

(ORGÃO DAS SETE NINFAS DO CACHEU)

Numa fase em que tanto se fala das pressões a que a Imprensa e os jornalistas dos nossos dias estão sujeitos pelos órgãos do Poder recordamos um jornal d’outros tempos, de que foi proprietário o “490 & Companhias” (1).
Recuando no tempo...

Tinha como Director «O Constante», Editor «O Constâncio» e Redactor «O Constantino»!!!

Em artigo da Direcção, titulado “Razão de Ser”, reportava-se ao número anterior – o número 1 – e reafirmava-se – jogando com as palavras - que... «Sempre em Frente» não é um papel impresso, mas uma ideia que se expressa... que vive dentro de nós, e se comunica aos outros, não para propagandear e sugestionar, mas para estabelecer amplo convívio, pela comunicação de sentimentos que mereçam ser convividos».

Antes disso esclarecia o Editor que… «SEMPRE EM FRENTE nasceu com um ideal e os ideais são sempre superiores à opinião. Esta costuma precisamente impor-se, governar e escravizar os que não têm nenhum ideal».

À distância no tempo interrogamo-nos porque não temos o nº. 1 do “SEMPRE EM FRENTE”…

Talvez dificuldades de “distribuição” não o tenham feito chegar a Binta (e à CCaç.675), que se situava a 20 Kms. de Farim, onde era “impresso” o “Órgão das Sete Ninfas do Cacheu”, propriedade do «490 & Companhias».Recordamos – só para situar quem hoje nos leia – que a C.Caç.675 foi uma Companhia Independente que, de Junho de 1964 a Abril de 1965 , esteve subordinada ao B.Cav. 490, comandado pelo mítico Ten. Coronel Fernando Cavaleiro.

Neste número 2, a que nos temos vindo a referir, haviam dois artigos –“Tabanca Nova”, da responsabilidade de “Ardina Camuflado” e “O Cais que Não Caiu”, de “Turista do Cacheu” – que confirmam a mensagem do Editorial“... a obra de reconstrução... e os que conseguiram sair do ódio e do rancor que a guerra carrega, para que à guerra suceda à paz, como à tempestade se segue a bonança... que restitui a ordem... e os valores que dão sentido à vida.»

Ora estes artigos tinham a ver com a “minha” Companhia 675 , comandada pelo “meu” Capitão Tomé Pinto.

Julgamos que terá sido por isso que guardámos esta “relíquia” jornalística (que conta hoje quarenta e tal anos) e que nesta data, como reconhecimento e “prenda” do 6º.aniversário do nosso blogue ofereço aos seus Editores para os arquivos do nosso “Luís Graça e Camaradas da Guiné”´.
E chega o momento de desvendar quem era o Director «Constante», o Editor «Constâncio» e o Redactor «Constantino».

Foi o lendário Capelão Padre Monteiro da Gama que, atrevemo-nos a dizer, foi um dos grandes homens do seu tempo na Guiné.

Neste momento tão especial do nosso blogue aqui fica também a nossa humilde homenagem à sua memória.

Num tempo em que tanto se fala dos problemas da Imprensa e dos jornalistas e da promiscuidade e jogos interesses que “moram” junto do Poder sabe-nos bem recordar pessoas como o Padre Gama!
Nota (1): Reprodução parcial da capa da revista “Sempre em Frente”, nº. 2, edição do (Batalhão) 490 & Companhias. Revista do arquivo pessoal do autor, 05.08.1965.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

21 de Fevereiro de 2010 >
Guiné 63/74 - P5856: O 6º aniversário do nosso Blogue (6): Seis (6) anos em prol da História de Portugal e da Guiné-Bissau (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P5859: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (3): O oficial mais graduado que ia na jangada era o Cap Aparício, comandante da CCAÇ 1790 (Paulo Raposo)

1. Mensagem do Paulo Raposo,  a quem pedi que comentasse o texto do Armandino Alves (*):

 Data: 19 de Fevereiro de 2010 10:59
Assunto: Ainda o Cheche

Olá,  Luís, bem Hajas. Vou responder ao Armandino.

1 – Sou camarada de armas, mas não camarada.

2 – Como é que o Major que estava ao meu lado, quando eu já tinha passado o rio, podia ter dado a ordem de embarque a todo o pessoal ?

3 – Todo o staff que eu conheci ao Spinola foi o Cap Almeida Bruno. Os safardanas dos políticos de hoje é que esbanjam o nosso dinheiro em staff e mordomias.

4 - O Cap José Aparício e Cap Jerónimo são vivos e boa saúde, porque é que o Alf Dinis já podia ter morrido.?

5 – O oficial mais graduado que ia na jangada era o Cap Aparício, portanto…

6 – O meu muito amigo Alf Felício, que é como um irmão para mim, é um homem integro e verdadeiro. Diz ele que o Cap Aparício não fez caso das advertências do Alf Dinis, pelo facto de ir pessoal a mais na jangada.

7 – O Major que estava ao meu lado devia ser do Batalhão que estava em Nova Lamego que coordenava toda a logística.

8 – Na grande operação em que também tomei parte,  ao Fiofioli, [Op Lança Afiada,] na véspera do assalto à respectiva mata, os Ten Cor Hélio Felgas e Banazol, dormiram connosco no mato e tomaram parte do assalto.

9 – O que eu e o Alf Felício dizemos é a verdade e faz fé. Nós precisamos de ser confirmados para...

10 – Podem recolher informações do Alf Diniz, mas nunca para confirmar as nossas declarações.

Um abraço para ti, meu rapaz.

Paulo Lage Raposo
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5858: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (2): Acima do Alf Diniz, só havia 2 homens, os Cap Aparício (CCAÇ 1790) e Jerónimo (CCAÇ 2405) (Armandino Alves)

Guiné 63/74 - P5858: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (2): Acima do Alf Diniz, só havia 2 homens, os Cap Aparício (CCAÇ 1790) e Jerónimo (CCAÇ 2405) (Armandino Alves)

1. Mensagem com data de 8 do corrente,  do Armandino Alves, ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 1589 (Fá, Beli, Madina do Boé, 1966/68):

Assunto - Ainda o Cheche

Caríssimo Camarada Luís Graça:

Perguntas se o Major que estava com o Paulo Raposo seria o que pressionou o Alferes Diniz a violar o regulamento. Nunca podia ser pois ele estava do lado de cá do Rio Corubal e a conversa que o Paulo Raposo viu foi do outro lado do rio onde estavam os elementos que iam atravessar. (*)

Este Major devia fazer parte do staff do Spínola pois ele estava lá a dar as boas vindas aos amigos. Operações com comandos de Majores ou Tenentes Coronéis só a nivel de Batalhão. Esta de levar ou trazer Companhias actuando como escolta e segurança era uma operação a nível de Companhia e portanto comandada por um Capitão do Quadro ou Miliciano. Normalmente era reforçada pelo Esquadrão de Reconhecimento Fox com uma ou duas viaturas e respectiva guarnição. Portanto,  acima do Alferes Diniz só havia dois homens : Capitão Aparício e Capitão Jerónimo. Qual deles deu a ordem ? Se alinhavarem tudo o que está escrito de certeza que descobrem. Não sei se o Alferes Diniz é vivo ou não, mas este é que poderia dissipar as dúvidas

Armandino Alves

PS - No Poste 2828 de 9 Maio 2008 do Helder de Sousa (**) fala do livro No ocaso da Guerra do Ultramar e mostra uma página desse livro relativa à Operação Mabecos. Esta Operação não tem nada a ver com a do desastre do Cheche [ ,Op Mabecos Bravios]
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5853: FAP (47): O desastre de Cheche visto do ar (Vitor Oliveira, ex- 1º Cabo Melec, BA 12, 1967/69)

20 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5851: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (1): Silvina Claudino, de 26 anos, uma sobrinha que o 1º Cabo José Antunes Claudino, da CCAÇ 2405, natural de Alcanhões, Santarém, nunca conheceu

7 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5778: Efemérides (45): O desastre do Cheche, visto por quem esteve lá e perdeu 11 homens do seu grupo de combate (Rui Felício, Alf Mil, CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)

6 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5775: Efemérides (44): O desastre de Cheche, 41 anos depois (José Martins)

(**) Vd. poste de 9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2828: Convívios (56): CCS/BCAV 2922, Piche, Buruntuma, Canquelifá (Helder Sousa)

Guiné 63/74 - P5857: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (4): Operação Grande Ronco (2)

1. Segunda parte da Operação Grande Ronco*, trabalho de autoria de Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70).


Operação Grande Ronco (2)

Parte 2

A 26Jul68, depois do sol nascer, ouve-se uma voz de comando:

- Vá, levantem-se que vamos arrancar.

Era o Comandante da minha Unidade que parou por detrás de mim. Não me tendo apercebido deste facto, porque estava deitado no capim, levantei-me e dou meia volta com a arma na mão. Pelo movimento tive azar, fui ameaçado de prisão pelo superior hierárquico, desfiz-me em pedir desculpas porque não sabia que ele ali estava. Aceitou o meu pedido com ar de sorriso, mas com voz forte disse-me:

- Se houver uma segunda vez não te safas de uma porrada. (já lhe falei no assunto, mas não lhe viera à memória esta situação).

Alguns momentos depois chegara o Coronel Hipólito que dialogou com o Capitão. Como após o primeiro embate as coisas ficaram complicadas, delegou neste funções de orientação operacional e do que achar por conveniente, dada a sua experiência. Deste caso lembrou-se o Capitão, hoje, Coronel.

Tudo pronto, é reiniciada a marcha, são percorridos alguns quilómetros e a ponte móvel a servir, detectaram-se minas que são levantadas ou deflagradas, contudo sempre que necessário a frente ia informando e passando a palavra para não haver sobressaltos.

O IN desencadeara uma emboscada na zona frente da coluna auto, que se estendia desde as viaturas que eu seguia para o centro, eram as balas das kalashs e das PPSH (costureirinhas) sobre as árvores só para chatear. Via a certa distancia explosões de vários tipos de granadas que podiam também ser de granadas lançadas pelas NT, dado que também batiam a zona.

Pensando que no caso de haver uma emboscada, iria proteger-me numa das viaturas próximas, no entanto para esta situação, o pensado não surtira efeito. Logo que acontecera, acercara-me de um bagabaga que me estava próximo e o melhor onde podia proteger-me, mas quando reflecti sobre esta posição achei que poderia ter sido perigosa, dado que era um local propício para aí o IN colocar mina e/ou fornilho (servira-me de lição).

Sendo a primeira embosca em que intervinha, mirava para algo suspeito e apercebo-me de uma elevação com mata muito densa, o que dava a entender que o IN deveria estar instalado em zona privilegiada e de contra encosta.

Entre outras, uma granada explodira a cerca de 40 metros do local onde estava amochado, que depois foi identificada como do RPG 2, pois fui posteriormente apanhar a parte do foguete que saltara do corpo da granada, para guardá-lo como ronco (foto 5).

Logo alguém disse:

- Tens que ir apanhar muitas. - E eu respondi: - Não vou, porque esta tem significado.

Considerando o alcance máximo do RPG 2 e provavelmente o IN estaria emboscado a cerca de 300 metros da coluna.

Foto 5 > Guiné-Bissau> Buba> Sinchã Cherno> 1968 > Resto do foguete depois da explosão, que esteve acoplado ao corpo da Granada do RPG 2.

Eis que há uma pausa no cair granadas nas proximidades, não se ouvindo a passagem das balas das costureirinhas ou outras. De repente um camarada aproxima-se de nós e grita para não dispararmos, porque os que vão flanquear estão próximos dos gajos e a chegar à nossa frente.

Viemos a saber que a malta do Pelotão de Caçadores Africanos que iam no flanco, deram um enxerto de porrada no IN e como estes foram surpreendidos tiveram que se pôr em fuga.

Nesta intervenção, as NT não sofreram quaisquer baixas.

Refeita a marcha, algum tempo depois, a coluna sofreu nova emboscada, agora na retaguarda, tendo ocasionado às NT um ferido ligeiro. Por sua vez o IN deveria ter levado um embrulho e/ou sentirem-se pressionados pelas tropas dos flancos, puseram-se em fuga e não mais incomodaram.

Continuando a progressão, é montada a ponte móvel, são detectadas e levantadas minas, sem outros incidentes.

Pelo meio da manhã apareceram dois Fiat's quase de simultâneo, que nos sobrevoaram quase rasando as copas das árvores, talvez para nos verem e/ou comunicar. Mas pelo barulho dos motores e conjugando com o som da deslocação do ar, deram-se acontecimentos de grande incerteza, foram para mim situações que mais pareciam de bombas e que o céu ia desabar.

A partir de agora já havia contacto com o exterior e com apoio aéreo, a tensão amainou e com isso veio a emoção.

Posteriormente pelo menos deu-se a observar a chegada de um helicóptero, trouxera equipamento de Rádio de Transmissões e efectuara os Tevs para o HM 241 de Bissau.

Foto 6 > Guiné-Bissau > Região de Quinara > Sector de Buba > 1969 > Helicóptero Alouette III a efectuar TEVS. Eu estou mantendo segurança a pedido do Piloto, estando um ferido no banco de trás.

Refeitas as transmissões via rádio, logo se soube que ao encontro da coluna vinham tropas de Aldeia Formosa e Mampatá. A sua frente teve contacto quase ao fim da tarde. Como vieram a picar a estrada, detectaram uma mina e por isso estava supostamente livre.

Como o aproximar da noite ocasionara que as viaturas levassem as luzes acesas e que as da frente fossem em marcha acelerada, a existência de poças de água ainda mais ajudava a maltratar a já depauperada estrada de terra, dificultando a marcha das que procediam.

Estivemos perante uma situação em que se o IN nos atacasse, com aquela forma dispersa, umas dezenas iam parar aos anjinhos.

Os mais velhos diziam que já não haviam problemas porque estávamos a chegar a Mampatá, que era já ali, mas foi uma eternidade para lá chegarmos (foto 7).

Chegados, estava população a ofertar água a quem seguia na coluna, era sua tradição o que muito nos sensibilizara.

Foto 7 > Guiné Bissau >Região de Tombali > Mampatá > 1968 > Paragem de uma coluna e tempo de espera para se recompor. Os camaradas que estão na foto são da minha Unidade. Em cima da esquerda, sou eu e depois o ex-Condutor Auto Vítor “O Lisboa”; em baixo, não ligo o nome com o camarada, a seguir o Soldado Isaac das Trms e o Soldado Albino Oliveira “O Cantiflas,” que devido a acidente nos deixara em Empada.

A marcha prossegue, passando pelas Tabancas de Bacardado e Afia. Por conseguinte são cerca das 20 horas, do dia 26 de Julho de 68, passamos pela estrada contígua à pista de aviação, quando finalmente chegamos a Aldeia Formosa (Quebo) onde nos aguardavam.

Ufa, até que enfim, que ansiedade de chegar ao cabo de cerca de 36 horas.

Deduzindo o tempo de pernoita, temos que os 30 quilómetros de distância foram percorridos à média de 1,5 Km/h.

Foto 8 > Guiné-Bissau > Região de Tombali >Aldeia Formosa (Quebo) > 1968 > O que restou do Unimog sinistrado pela mina AC (agora com colocação de rodado), a ser rebocado para a oficina (em fundo) a fim de ser desmantelado para peças sobressalentes. Na viatura, em cima e da esquerda: sou eu, e os restantes são da CCaç 1792, o ex-1.º Cabo Condutor Auto, o ex-1.º Cabo Mecânico Auto e um Condutor Auto; em baixo, o ex-1.º Cabo Mecânico Auto José Luís Moreira, da minha Secção, e um Soldado da CCaç 1792.


Parte 3

Da posição: Guiné 63/74 –P5699 estórias avulsas (70) A.E.; Rubrica de Perdidos e Achados, sou de dar o seguinte conhecimento.

Após receber vários E-mails e usando o GPS, finalmente descodifiquei os caminhos para chegarmos ao epicentro da Unidade Militar do celebre desconhecido e localizei a estátua “O Pensador.”

Sendo convocado o Soldado Condutor Manuel Martins, o barbeiro de serviço, hoje comerciante a residir em Aldeia do Carrasco - Portimão, que a solicitação do José Belo, retirara a boina da cabeça do dito cujo, não sendo o suficiente fez-lhe o cortes do cabelo e da barba. Tendo-se feito luz sobre de quem se tratava, aí está o homem e deixem-no tratar do seu bloco de notas (Foto 9).

Há mais “estórias” amigo e camarada Zé Teixeira, virá a vez de outro haja saúde e boa disposição.

Não esquecendo que revelando fotografias, ainda fiquei com a cara de muitos camaradas, não tendo mais por ter enviado material para revelar na África do Sul, provavelmente parte foi confiscado e outro já se deteriorou.

Relativamente ao convívio no almoço de cozido, em Monte Real, digo, que por ali não reconhecia o camarada e amigo José Belo, a neve da Lapónia branqueia-lhe a barba, o ar deverá ser gélido e não há a amenidade dos meus Algarves.

Diga-se que tenho dele uma fotografia como recordação que irei mostrar no momento adequado. Penso que deixei de o ver pessoalmente em Abrantes, no entanto em datas posteriores ao 25 de Abril, voltei a vê-lo pelas imagens da RTP.

Foto 9 > Guiné-Bissau > Região de Quinara > Empada > Porta de Armas> 1969 > Momento de concentração de um pensador, escrevendo belos poemas e/ou estórias.

Nesta data, completara a primeira etapa da minha comissão de serviço, sendo um quadro do que no futuro eu teria intervenção, tornando-se mais ou menos de rotina.

Porque para além da minha Especialidade e em escoltas às colunas auto, também era escalado para a defesa dos aquartelamentos e para apoio nocturno a população em auto defesa, com intervenção na protecção à abertura e construção do troço de estrada Buba - Nhala.

Com um grande abraço deste amigo e camarada, subscrevo-me,
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas
Um Maioral
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5845: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (3): Operação Grande Ronco (1)

Guiné 63/74 - P5856: O 6º aniversário do nosso Blogue (6): Seis (6) anos em prol da História de Portugal e da Guiné-Bissau (Mário Fitas)

1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, Os Lassas, Cufar, 1965/66, enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 20 de Fevereiro de 2010:


Seis (6) anos em prol da História de Portugal e da Guiné-Bissau



Caros Camaradas desta Grande Família, atabancados nesta maravilhosa aventura, de deixar escrito na primeira pessoa, com as suas próprias mãos, a verdadeira história do comportamento do Soldado Português na Guerra da Guiné.

Acabei de falar com um desses grandes soldados, Homem precisamente com H muito grande, e se encontra fazendo a sua última batalha.

Não estou portanto preparado para grandes escritos. No entanto, não quero passar sem deixar uma palavra de gratidão, para o Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Brito e Eduardo Magalhães Ribeiro pelo trabalho extraordinário que têm feito em prol do conhecimento da verdadeira vida, dos jovens Portugueses que participaram na dura experiência da Guerra em terras dessa maravilhosa Guiné.

Desculpem-me todos os camaradas tertulianos, em apenas citar o fundador e seus co-editores, mas ficai com a certeza que todos estão em igualdade no meu coração.

Magra a minha contribuição que ao Blogue tenho dado. Espero ainda vir a dar mais daquilo que me é possível contribuir para a nossa História.

A todos aqueles, que por comentários ou escritos, fui inconveniente. Aqui ficam as minhas desculpas e pedido de perdão.

De Florbela Espanca, grande poeta da minha querida Planície, a forma como termina o meu “Putos, Gandulos e Guerra”.

“Almas de Vagabundos
Onde há charcos e lagos
Pântanos e lamas…
Onde se erguem chamas
Onde se agitam mundos,
E coisas a morrer…
E sonhos… e afagos…

Almas sem Pátria,
Almas sem rei,
Sem fé nem lei!
Almas de anjos caídos,
Almas que se escondem para gemer
Como leões feridos!”

Assim! Como tem acontecido, para todos:

Aquele fraterno abraço do tamanho do Cumbijã!
Mário Fitas
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763
____________
Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P5855: V Convívio da Tabanca Grande (1): Vamos escolher uma data para o evento (A organização)

V ENCONTRO NACIONAL DA TERTÚLIA

ORTIGOSA - MONTE REAL - LEIRIA - 2010


Caros Camaradas e amigos tertulianos

Estão desde já todos convidados a participar no V Encontro Nacional da Tertúlia, a realizar em Ortigosa, Monte Real, Leiria, na Quinta do Paul, o mesmo restaurante onde se realizaram os dois Encontros anteriores.

Como primeiro passo para se avançar na organização deste evento, trazemos junto da Tertúlia duas datas que pareceram as mais apropriadas, atendendo ao calendário das festividades e feriados nacionais.

Assim propõe-se a escrutínio, o último sábado de Maio (dia 29) e o primeiro de Junho (dia 5), ficando desde já combinado que o fim de semana escolhido para este ano será o mesmo para os futuros Encontros.

O nosso camarada Mexia Alves está já a negociar com a Quinta do Paul, e tudo leva a crer que vamos ter o mesmo preço do ano passado. Também como no ano transacto, no preço está incluído um lanche que ninguém vai desperdiçar, já que queremos convívio até cerca das 20 horas. E por que não pelas ruas de Monte Real?

Além do Mexia Alves e de mim (na retaguarda), ainda vão dar uma ajuda, o Miguel Pessoa que se encarregará dos adereços, e os novíssimos colaboradores Belarmino Sardinha e José Eduardo Oliveira (JERO). Não podemos esquecer o Eduardo Magalhães que também estará disponível, assim como o Comandante Luís Graça para chamar a atenção quando algo estiver a correr mal. Quando todos ajudam, custa menos.

Se alguém, a quem as datas são indiferentes, se se quiser desde já inscrever, pode fazêlo. Sugiro, para não haver dispersão de dados, que utilizem para o efeito preferencialmente o meu endereço, porque assim vou actualizando a lista que irá ser posta na nossa Página, como aliás é costume. Eu encaminharei as inscrições para a Organização

Mais tarde dar-se-ão mais pormenores quanto a ementa, preço, estadia em Monte Real, etc.

Julgo que por agora é tudo. Vamos pois preparar com afinco o nosso V Encontro e tentar bater o número de presenças do ano passado.

Como diria qualquer político da nossa praça: - Votem por favor.

O porta-voz
Carlos Vinhal

O nosso camarada Mexia Alves às voltas com as massas
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Vd. poste do IV Encontro de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4609: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (17): Comentários para rescaldo (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P5854: O Nosso Livro de Visitas (83): Policia Militar na Guiné (Nuno Esteves, ex-Militar de Cavalaria (PE) no Regimento de Lanceiros 2)




1. O nosso Amigo Nuno Esteves, ex-Militar de Cavalaria (PE) no Regimento de Lanceiros nº2, entre 1994 e 1996, com o posto de Soldado RC PE, enviou-nos a seguinte mensagem em 8 de Fevereiro de 2010:

Policia Militar na Guiné

Saudações Lanceiras caro Sr. Luís Graça,

Espero que perdoe a minha ousadia por lhe enviar este email. Passo-me a apresentar: Chamo-me Nuno Esteves, fui militar de Cavalaria (PE) no Regimento de Lanceiros nº 2, entre 1994 e 1996, com o posto de Soldado RC PE e actualmente sou administrador do fórum: http://regimentolanceiros2.forumeiros.com


O assunto que me leva a enviar este e-mail, é a presença de companhias/pelotões de Policia Militar no Teatro de Operações da Guiné.

Solicitava assim a vossas Ex.ªs, se alguém da vossa vastíssima tabanca, me podia fornecer dados sobre essas mesmas companhias ou pelotões PM.

Fica o meu e-mail de contacto caso me possam ajudar: nuno.lanceiros@hotmail.com

Um bem hajam,
Sem mais, subscrevo-me atenciosamente.
Nuno Esteves
Ex-Sold RC PE
"Morte ou Glória" e "Ajudar a Cumprir" para sempre.

Emblema de colecção da CPM 8242 e PPM 8223: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
_____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5853: FAP (47): O desastre de Cheche visto do ar (Vitor Oliveira, ex- 1º Cabo Melec, BA 12, 1967/69)

1. Mensagem do Vitor Oliveira, ex-1.º Cabo Melec, FAP, BA 12, Guiné, 1967/69 [, na foto, à direita]:

Amigos Luís e Victor.

Quero vos dizer que infelizmente assisti a este acidente no Cheche aquando da retirada de Madina do Boé. Foi o dia mais triste que passámos em Nova Lamego,não houve ninguém que não chorasse. Mas quero dizer que as versões que tenho lido, na sua maioria, não são verdadeiras.

1º - Não era uma lancha que fazia a travessia mas sim uma jangada feita em bidões de 200 litros.

2º - Não houve nenhum ataque do IN.

3º - A protecção era feita por dois T6G que estavam desde o amanhecer e não por um Helicanhão (na altura do acidente estava lá um Héli pilotado pelo 1.º Srgt Ribeiro).

4º - O acidente deu-se por excesso de peso e má distribuição da carga.

5º - A Força Aérea tinha em Nova Lamego uma DO 27 um Heli e seis T6G assim distribuídos: dois com duas bombas de 50 quilos e seis de 15 quilos, dois com Rockets e dois com metralhadoras e seis bombas de 15 quilos. Era a mesma frota que levávamos quando da protecção das colunas para Béli ou Madina.

6º - Passado cerca de duas ou três horas do acidente, apareceu o General Spínola e acompanhou a pé a coluna até ao quartel que havia entre o Cheche e Nova Lamego do qual não me recordo o nome (penso que era Canjadude).

7º - Passados uns dias com uma DO 27 o Tenente-Coronel Piloto Costa Gomes, um Tenente Piloto do qual não me recordo o nome (era o piloto mais magrinho que existia na base) e eu sobrevoámos o rio e vimos cenas horríveis, os corpos a boiar e os crocodilos à volta deles. O Tenente-Coronel Costa Gomes entrou em contacto com os Fuzileiros para recolher os corpos, creio que fizeram um pequeno cemitério próximo do Cheche onde colocaram os corpos.

Junto envio cópia da caderneta de voo onde tenho 3 horas e 10 minutos a sobrevoar a coluna nesse maldito dia 6 Fevereiro 1969.

Um abraço.
Vítor Oliveira
1.ª 66 Melec