quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7062: In Memoriam (55): António Domingos Rodrigues (1947-2010), natural de Torres Novas, ex-1º Cabo Trms Inf, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969 / Março de 1971)

Vivia em Torres Novas. Era um homem bom, afável e prestável.  Discreto.  Durante anos tinha trabalhado como empregado de armazém. Reformara-se ainda há pouco tempo. Gozava, aparentemente, de boa saúde.

Foi 1º Cabo Trms Inf da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). Fomos para a Guiné juntos, em Maio de 1969, no Niassa: éramos uma família, meia centena de quadros e especialistas. Estivemos a maior do  tempo, juntos,  em Bambadinca, depois de quase dois meses a dar a instrução de especialialidade aos nossos soldados do recrutamento local.  Regressámos em Março de 1971.


Foto (acima): O António em Castro Daire, em 2009. Foto de L.G. 


Estive com ele pelo menos em três ou quatro encontros da malta de Bambadinca desse tempo: em Lisboa, na Casa do Alentejo (2007), em Castro Daire (2009) e mais recentemente em Óbidos (2010). Já confirmei com o Humberto Reis, o António não esteve connosco, no 1º convívio, em 1994, em Fão, Esposende. De qualquer modo esteve em muitos convívios mais do que eu...


O António organizara, na sua terra (ou ajudara a organizar, juntamente com o Mourão Mendes, da CCS/BCAÇ 2852), o convívio de 2008 do pessoal de Bambadinca (1968/71): CCS/BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras subunidades adidas (Pel Caç Nat, Pel Rec Daimler)... Não estive presente. 


O António costumava falar lá em casa, sobretudo na vésperas dos convívios anuais, do seu tempo de Guiné. Homem de transmissões, tendo como chefe o Fur Mil Trms José Fernando Almeida (que vive hoje perto de Óbidos),  era amigo, entre outros, do ex-1º Cabo Enf Fernando Sousa (que organizou o convívio de 2006, na Trofa, e que já me mandou as duas fotos da praxe para completar o processo de entrada na Tabanca Grande, o que ainda não aconteceu por falta minha).

Ontem o António fazia anos: 63... Sentiu-se mal e deixou-nos... Assim de repente. Morte súbita. Uma ataque fulminante. Falência cardíaca. De nada lhe valeram os socorros imediatamente prestados no local. É daquelas mortes que nos deixam sem palavras. Assim, sem mais nem menos, sem um homem se poder despedir daqueles que ama. 

Recebi a dolorosa notícia, ao princípio da tarde,  através do camarada António Fernando Marques (ex-Fur Mil, da CCAÇ 12, meu parceiro da mina A/C que pisámos, em 13 de Janeiro de 1971, na estrada Nhabijões-Bambadinca). 


O António deixa uma viúva,  Rosalinda, e um filho, Pedro. Estão destroçados. Acabei de falar com o Pedro.

O  Pedro Rodrigues está contactável pelo telemóvel 919528023 (o telemóvel do pai). O funeral é no sábado, às 9h30 (a confirmar). Há também o telefone fixo, que está disponível na lista do pessoal de Bambadinca.

O corpo segue para o cemitério da freguesia de Casais da Igreja, a 15 km da sede do concelho. O nosso infortunado camarada era natural de Outeiro Pequeno. 


 O José Fernando Almeida acaba de mo confirmar, em mail recebido por volta das 10h da noite: "Falei com a sobrinha do Rodrigues, informou-me que o funeral  se realiza dia 2 de Outubro,  às 9.30 H . Sai da Igreja do Carmo (Casa Mortuária ). Fica junto à Escola da Polícia, em Torres Novas. Segue para o Cemitério de Casais de Igreja, que é uma Freguesia de Torres Novas".


A nossa família de Bambadinca fica também mais pobre. Mas o nome do António não será esquecido: pelo que ele fez por nós, e pela sua presença, discreta mas sempre agradável,  em muitos convívios, pela co-organização do convívio de 2008, na sua terra, ele merece repousar, também, à sombra do poilão da  nossa Tabanca Grande, juntando-se aos seis camadaras que da lei da morte já se libertaram...

Um abraço solidário para o Pedro e sua mãe, para a restante família e  amigos, em especial os de Bambadinca e da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, incluindo os seus camaradas de transmissões. Um abraço de toda a tabanca Grande, em meu nome, Luís Graça,  e demais editores. (*)


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Nota de L.G.:


(*) Último poste da série > 16 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6995: In Memoriam (54): O meu amigo António Santos partiu (José Martins)

Guiné 63/74 - P7061: Efemérides (52): A independência da Guiné-Bissau comemorada em Angola (Paulo Salgado)

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado* (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 27 de Setembro de 2010:

Luís Graça, Carlos Vinhal
Uma forma de testemunhar uma data, de lembrar que estamos no futuro…

O músico é o Justino Delgado.

Saudação bloguista,
Paulo Salgado



Comemoração da independência da Guiné-Bissau em Angola

Que significado tem comemorar a independência da Guiné-Bissau em Angola, juntamente com guineenses, aqui, na capital deste imenso país, no célebre Chá de Caxinde, onde funcionou o antigo teatro nacional, bem no centro de Luanda. E que é, desde há duas décadas, o local de tertúlias – chá de caxinde a planta que permite o chá com o mesmo nome, que, além das suas propriedades relaxantes, simboliza em Angola, a beberagem consumida de Cabinda ao Cunene – a sabedoria?

Este escriba, bloguista intermitente, embora atento; viajante por África, mas não muito. Amante de bolanhas que charcámos (perdoai-me este neologismo – mas quem ler o Mia Couto, moçambicano, ou o Guimarães Rosa, brasileiro, ou nosso Aquilino – todos eles fazedores e inventores de palavras fica encantado… não me venham os puristas dizer que a língua se adultera – ela se enriquece, se revigora por entre os sorrisos brancos dos nossos “irmãos” africanos e brasileiros – é talvez a língua do mundo que mais se presta a ser ternamente amante… qual francês ou inglês!?!); amante de matas desminadas, calcorreador das terras da Guiné ao longo de muitos anos, ali, no Chá de Caxinde (de que são sócios também o nosso actor Rui de Carvalho e até o sempre omnipresente Marcelo Rebelo de Sousa, além do “produtor” de livros, o brasileiro, Paulo Coelho) ali estivemos.

Pois é: conversar com o Dr. Brandão Có, ex-ministro da Saúde da Guiné-Bissau, que andou numa correria debaixo de bala, entre o Ministério da Saúde e o Hospital Simão Mendes a coser braços e pernas no conflito de 1997/1998 (agora é alto funcionário da UNICEF e que tem no seu currículo uma estada no Afeganistão), e sua Mulher, Leandra, e outros confraternizantes, comer a galinha à “cafriela”, ou caldo de mancarra, ou chabéu… ouvindo o Justino Delgado… é algo que muito mexe connosco.

Perdoai-me, caros bloguistas, mas tinha que vos dar conta desta alegria.

A minha mulher, companheira apaixonada de longa data destas andanças por África, em especial pela Guiné, puxou-me e vai de dar um pé de dança.

Que vivam os Povos independentes! Que saibamos todos, mesmo nas múltiplas adversidades, que sentimos, aqui, na Guiné, em Portugal, escolher o melhor caminho para que angolanos, portugueses, guineenses, cabo-verdianos, são-tomenses, moçambicanos, timorenses e brasileiros se irmanem na língua que nos une, em clima de paz e de democracia.



Mantenhas.
Paulo Salgado
24 de Setembro de 2010
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7000: O blogue em números (7): Homenagem à terra onde aprendemos a ser solidários (Paulo Salgado)

Vd. último poste da série de 19 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7009: Efemérides (51): 17 de Setembro, Dia das Transmissões (José Martins)

Guiné 63/74 - P7060: Tabanca Grande (246): Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pil Av, BA12 (Guiné, 1972/73)

1. Mensagem de Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pilav, BA12 (Guiné, 1972/73), com data de 26 de Setembro de 2010:

Caros Luís Graça, Carlos Vinhal
e todos os outros

Finalmente e depois de ter recebido um honroso convite para participar neste blogue, que visito algumas vezes por semana, me apresento ao mesmo.

(i) Em 24 Junho (dia de S. João no Porto), mas no ano de 1970, já lá vão 40 anos, apresentou-se este mancebo, pouco mais que 18 verdes anos, na base da Ota onde fui incorporado.

(ii) Antes,  2 ou 3 semanas, tinha sido submetido a todo o tipo de exames e provas para acesso ao curso de pilotagem, só faltava que nos virassem do avesso.

(iii) Nesse período, a ansiedade era muita, pois todos os dias entravam e saíam candidatos, uns contentes e outros desiludidos. A taxa de reprovações era enorme. Portanto no dia 23 recebi a guia de marcha para a Ota, com o almejado APTO na mesma.

(v) Depois da apresentação na Base, deram-me licença até Outubro, onde o P2/70 começava a recruta. No primeiro dia da mesma espetaram-nos nos canais de agua e esgotos da Base, no meio de tiros com balas de borracha, para que nos manter o mais próximo dos fedores. Lá chegámos ao fim e prestámos o juramento de bandeira.

(vi) Depois, e após um pequeno período de licença, fui colocado em S. Jacinto onde iniciei o curso tendo acabado o mesmo em fins de Outubro de 1971 com a classificação de 14,14 valores.

(vii) No primeiro voo em T6, estive para desistir, imaginem!,  por causa do capacete... A cada instrutor (Sarg Aj Carvalho, o meu) calhou 3 alunos e só havia 1 capacete para todos. Acontece que me era extremamente apertado e durante esse voo, no meio da praxe habitual da acrobacia e manobras descoordenadas, só dizia mal da minha vida e no que me tinha metido. Felizmente passou.

(viii) Terminámos o curso 12 alunos: Vinhas, Abel, Teixeira, Gaioso, Chitas, Caldeira Pinto, Fialho, Geirinhas, Barreira, Corredeira, Vítor e Moutinho (eu). O Caldeira Pinto e o Vítor já faleceram de acidentes de avião.

(ix) De 8 de Novembro de 1971 a 6 de Abril de 1972 fiz a adaptação ao DO e fiz operacional em T6, na BA3.

Dezembro de 1971 > Foto de família de fim de Curso, com o Cap Cóias

(x) De 6 de Abril de 1972 a 28 de Dezembro de 1973 estive na BA12, e executei 497 missões em T6 e DO.
Bem, uma boa vintena delas foi em lazer para a praia de Bubaque.

(xi) No regresso à Metrópole, fui colocado na BA7 onde fiz o curso de instrutor em T6 de 5 de Janeiro a 27 de Março de 1974, tendo dado instrução até fins de Julho de 1975.

(xii) Nessa altura, com autorização da torre, fiz um tonneau a rapar a pista, o que não agradou a alguns superiores, alegando que dei mau exemplo aos alunos. Fui recambiado para Sintra, onde andei a pastar na fotografia aérea e em pleno PREC a fazer serviços de dia.

(xiii) Após algum tempo, ao abrigo de um qualquer artigo do RDM, pedi transferência para a unidade mais próxima da residência (BA7), e aparecendo lá, já estão a ver a surpresa dos "meus amigos".

(xiv)  Novamente em Sintra, não demorou muito a pedir a antecipação do fim do contrato. Saí a 8 de Abril de 1976.

Um T6 em Cufar

Uma vista de Bissau a partir de um T6

Parelha de T6

De DO armado com foguetes, a sobrevoar Porto Gole(?)

Cufar > Em alerta com a Enf.ª Pára-quedista Giselda Antunes


Tenho muitas boas recordações de todas estas ocasiões, que são de longe superiores às menos boas, principalmente as pessoas. Voltaria a fazer o mesmo percurso.

Acabei por fazer um historial da minha passagem pela FAP.

Até breve
Um abraço a todos
Gil Moutinho

Gondomar > Tabanca dos Melros > 3.º Convívio > 13 de Fevereiro de 2010 > O Gil Moutinho, à direita, recebendo das mãos do Coutinho e Lima um exemplar do seu livro A retirada de Guileje: a verdade dos factos, exempltar que será destinado ao "futuro museu da Tabanca dos Melros, os ECUS".


2. Comentário de CV:

Caro Gil Moutinho, bem-vindo. Resolveste em boa hora aderir à nossa Tabanca Grande, sendo tu próprio o anfitrião da famosa Tabanca dos Melros* que se reúne regularmente em Gondomar, no Choupal dos Melros, localizado em Fânzeres, Gondomar, espaço que puseste à disposição dos camaradas que aí se reunem desde Dezembro de 2009.

Não te pedimos aquela colaboração que gostaríamos que tivesses no nosso Blogue, pois sabemos que tens uma vida muito preenchida. Fica no entanto o convite para, de longe a longe, se tiveres algum tempo para nos dedicares, escrevas as tuas experiências enquanto piloto que sobrevoou o espaço da Guiné ao serviço da FAP.

Recebe um abraço de boas-vindas da tertúlia e dos editores.

O teu camarada
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6203: Blogues da nossa blogosfera (35): Tabanca dos Melros, com sede no Choupal dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, aberta a todos os ECUS, ex-combatentes do ultramar...

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7051: Tabanca Grande (245): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833 (Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)

Guiné 63/74 - P7059: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (21): Um abraço de paz na Mata dos Madeiros

1. Mensagem de José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 26 de Setembro de 2010:

Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais uma pequena história sobre as minhas andanças na Mata dos Madeiros. É uma história simples como todas as outras, mas que que traz ao de cima uma grande verdade: na nossa guerra, para os crentes, a paz espititual era o dom mais apreciado.

Para ti e para todos os nossos camaradas, do outro lado do oceano, um grande abraço amigo.
José Câmara


Memórias e histórias minhas (21)

Um abraço de paz na Mata dos Madeiros

Conforme a nova estrada avançava, também aumentava a nossa ansiedade. O acampamento era cada vez mais visível ao longe. A zona de picagem e o espaço que percorríamos a descoberto eram cada vez maiores. Foi neste cenário que, mais uma vez, o Comandante da Companhia, Cap. Rogério Alves, se deslocou a Teixeira Pinto para uma reunião com os comandos do CAOP 1, na altura comandado pelo Cor. Ferreira do Amaral. Essas reuniões deixavam-nos sempre apreensivos, pois sabíamos que elas, de uma maneira geral, traziam mais trabalho e mais perigos para nós. Esta reunião, tinha ainda a particularidade de acontecer numa altura em que já corriam fortes rumores que, em breve, iríamos deixar a Mata dos Madeiros e seguir para os destacamentos de Teixeira Pinto.

Contrariamente às nossas esperanças, não houve qualquer palavra em relação à nossa saída da Mata dos Madeiros. Em contra-partida, tal como nas reuniões anteriores, esta veio trazer-nos uma certeza: estávamos para continuar naquele buraco!

Recebemos ordem para levantar o acampamento e avançarmos cerca de três quilómetros, em direcção ao Cacheu. A ordem foi executada a 7 de Maio de 1971, precisamente um mês depois de chegarmos à Mata dos Madeiros. O novo acampamento, também no lado esquerdo de quem sobe em direcção ao Cacheu, era em tudo semelhante ao primeiro. Em matéria de defesa, houve, de facto, uma grande diferença. Foi construído um espaldar para um morteiro 120 que haveria de chegar uns dias depois. Para grande contentamento do Fur Mil Armas Pesadas Manuel Lopes Daniel, dos lados de A-dos-Cunhados, que, assim, deixava de alinhar na mata. Esta arma era essencial à defesa do acampamento. Até então, o apoio de armamento pesado vinha dos obuses do Bachile, que agora distava cerca de treze quilómetros do acampamento.


Sobre este assunto, escrevi à minha madrinha de guerra o seguinte:

Mata dos Madeiros, 6 de Maio de 1971
"Então vamos à vida por cá, por estes sítios. Amanhã vamos mudar de acampamento, mas é para perto daqui, pois fica a cerca de 3kms. O sítio nem é melhor ou pior que este. Além disso, vamos ter mais e melhor armamento, que deve chegar dentro em breve.
No aspecto da guerra, os turras continuam sem dar sinal de vida, o que é bastante bom para nós.
Quanto a descanso, já tenho autorização do Comandante da Companhia para levar a minha Secção a Teixeira Pinto, na minha noite de descanso, o que para estes sítios é quase como um Menino Jesus. Iremos à tarde e regressaremos no outro dia de manhã.
Quanto a sair daqui, só no início das chuvas."


O nosso serviço de lavandaria tinha ao seu dispor as mais modernas máquinas de lavar roupa. Aqui, José Câmara tirando partido máximo de uma dessas dessa preciosidades

Montar o segundo acampamento em tempo útil não foi tarefa fácil, até porque não se conseguiu aproveitar nada do primeiro. O pessoal já estava sobrecarregado com as patrulhas de vinte e quatro horas, a picagem da estrada e a defesa próxima das máquinas, pelo que o trabalho teria que ser executado por um grupo de combate, que se revezava todos os dias. Este grupo também tinha a seu cargo, os postos de sentinela diurnos, as escoltas diárias ao Bachile e muitas vezes a Teixeira Pinto, o arranjo da lenha para a cozinha etc. A tarefa era humanamente quase impossível. A solução foi desviar uma Secção para ajudar na construção dos abrigos. Mesmo assim, valeu-nos a grande capacidade de trabalho e disciplina dos nossos soldados. Eles compreendiam que do seu esforço dependia toda a nossa segurança e algum conforto. Nesse aspecto, a sua luta foi indómita e o seu suor que empapou aquele pó, jamais se evaporará. A estrada lá está! Fala por eles e por todos os outros que também deram o melhor do seu esforço na Mata dos Madeiros.

Obra muito importante, como não podia deixar de ser, foi a construção da capelinha que serviria de guarida ao nosso Sagrado Coração de Maria. A obra, digna de qualquer arquitecto que se preze, tinha que estar pronta para a Procissão das Velas que iríamos realizar em plena Mata dos Madeiros. De acordo com o Cap Mil Rogério Alves, a sugestão para se fazer a procissão partiu do Comandante do CAOP 1, o Cor. Amaral, que nos honrou com a sua presença na noite do dia 12 e no dia 13 de Maio.

Fazer uma Procissão de Velas entre as míticas matas da Caboiana e do Balenguerez não era, certamente, do ponto de vista militar o mais indicado. Nós os graduados andávamos apreensivos. Muitos de nós deixamos saber as nossas reservas ao nosso Comandante. Para mais, quando poucos dias antes tinha havido uma escaramuça entre os turras e os Comandos. A verdade é que o Capitão não se podia refutar à sugestão do Comandante do CAOP e o evento de fé foi por diante.

Não constituíria surpresa para quem conhecesse o povo açoriano, ver os nossos soldados no seu Trio Preparatório que incluía reflexão e reza do terço. A minha Secção não fugiu à regra. Quando na mata, usávamos sinais, pois a reza era feita em silêncio e acontecia antes de emboscarmos para a noite. Até que chegou a grande noite!

O Santuário do Sagrado Coração de Maria era uma obra prima da arquitectura contemporânea, só possível pela imaginação dos engenheiros da CCaç 3327

Ainda com alguma claridade solar, a procissão partiu do Santuário (guarida feita em folha de palmeira onde tínhamos o altar com a nossa imagem). Aos poucos, os soldados foram acendendo as velas, rezando o terço e entoando o hino de Nossa Senhora de Fátima. Quando a procissão passou junto do posto de sentinela do canto direito, ao fundo do acampamento, foi engrossada com os dois GCOMB que regressaram do mato para participarem na procissão. Assim, ficámos sem protecção afastada no mato. O Comandante da Companhia, ao aperceber-se dessa manobra não autorizada, não se zangou mas mandou apagar as velas de imediato e a procissão, para todos os efeitos, terminou ali.

Seguiu-se a missa! Nossa Senhora nos valeria naquela noite. Incrivelmente, o Comandante do CAOP não deu pelo regresso dos grupos, e se o fez não se deu por achado.


Foi assim que me referi sobre este assunto, numa carta que ainda escrevi depois da missa.

Mata dos Madeiros, 12 de Maio de 1971
" Continuando, não posso deixar de referir a excelente jornada de hoje. Inclusive, fomos honrados com a visita do comandante cá da zona. Tivemos a nossa Procissão de Velas à volta do acampamento, que culminou com uma missa. Tudo teve um sabor especial por vários motivos. Nem todos os dias podemos aspirar a isso; é verdade que não deixou de haver o espírito de guerra, uma vez que levávamos uma vela numa mão, mas na outra levávamos a arma. Enfim, no mato da Guiné, apesar de tudo, levantamos bem alto a nossa fé.
Para todos nós e em especial para mim, foi o afirmar de uma fé que não julgava possuir com tanta dignidade."


Hoje, ao olhar para trás e para o que esse dia representa na história da CCaç 3327, continuo a sentir o mesmo orgulho de então, por ter participado no evento cristão mais bonito que ainda vivi. Na noite do dia 12 de Maio de 1971, a lua cheia e sorridente, que pairava sobre a Mata dos Madeiros, foi testemunha silenciosa de um abraço de paz entre a guerra e a fé cristã.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6938: Blogoterapia (158): Um brinde à Tabanca (José da Câmara)

Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6684: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (20): Liderança e voluntariado de mãos dadas na Mata dos Madeiros

Guiné 63/74 - P7058: (De) Caras (3): A emboscada em Malandim e a descontrolada reacção do 1º Cabo Costa, na noite de 3 de Agosto de 1969: Branco assassino, mataste uma mulher (Beja Santos)


Guiné Sector L1 > Bambadinca > Pel Caç Nat 52 (1968/70) > Destacamento (!) da Ponte do Rio Udunduma, na estrada Bambadinca- Xime. Natal de 1969. Destacamento, é favor: uns bidões de areia, umas valas, umas chapas ... como tecto. Este rio era uma fluente do grande Geba... Do pelotão fazia parte o 1º Cabo Benjamin Lopes da Costa, natural de Cabo Verde, ou de ascendência caboverdiana (LG).


Foto : © Beja Santos (2007) / Blogue Luís Graça . Direitos reservados.


1. Os dramas de consciência de camaradas nossos como o Luís Borrega ou o Simões (*), foram vividos (e partilhados ou não)  por muitos de nós.  Outros, como A. Marques Lopes e o Mário Beja Santos também passaram pela terrível experiência, no TO da Guiné,  de ter de disparar e matar... de caras. Os seus relatos são peças antológicas: se um dia se fizer uma antologia, em livro, do melhor do nosso blogue, eles deverão figurar lá... Eles foram pioneiros no nosso blogue, no sentido de terem sido provavelmente os primeiros, de todos nós, que vieram dizer, em público: "Eu estive na guerra e sei que matei, vi a cara dos homens ou das mulheres que as minhas balas mataram"... Com um misto de pudor, culpa, piedade, compaixão, humanidade, frontalidade, sem lamechice mas também sem fanfarronice... Tirando os casos patológicos, ninguém por prazer...  De qualquer modo, quem disse que aquela guerra era de baixa intensidade e que o Inimigo não tinha rosto ? De um lado e de outro, houve seguramente vítimas inocentes, pessoal não combatente, mulheres, crianças e idosos, que  estavam no sítio errado à horra errada. Pode não nos servir de consolo pensar que é assim, tem sido assim, em todas as guerras.

Hoje publicamos um excerto do poste P1978 (**).


2. A emboscada em Malandim e a descontrolada reacção do 1º Cabo Costa
por Mário Beja Santos [, foto à esquerda, emk Missirá, entre autoridades tradicionais do Cuor]:


(....) E portanto a 3 de Agosto [de 1969] vamos emboscar em Malandim, vamos mostrar a quem se abastece em Mero e Santa Helena que não estamos impassíveis ao descaro. Trabalhou-se até cerca das 5 da tarde, escolhi um grupo de quinze homens, cuidadosamente, com o auxílio do Benjamim Costa e do Domingos Silva expliquei como íamos actuar: ficaríamos em linha numa clareira, muito perto do mato denso que vem da destilaria de aguardente abandonada da fazenda de Malandim; ficaria no meio rodeado do Tcherno e de Mamadu Djau; ninguém dispararia a não ser à minha ordem, e a haver uma retirada viríamos pelo trilho até Finete, deixando os sentinelas de sobreaviso quanto a essa emergência. (...)

Estamos devidamente posicionados quando a repentina noite tropical caíu sobre nós. Aqui e ali ainda se ouve um cantil que vai à boca, um mastigar de comida, um pedaço de cola que ajuda a passar o tempo e quebra a secura. Penso mais no dia de amanhã que no de hoje, amanhã quero levar as folhas dos vencimentos a Bambadica, procurar trazer arroz, encomendar comida para a nossa messe em Missirá, ver se já chegaram alguns cunhetes para suprir as munições desaparecidas na noite de 15 de Julho.

(...)  A 5 de  Agosto vou escrever à Cristina:

"Não podes imaginar a dor com que te escrevo, estou chocado e não sei conter a amargura que me trespassa a alma. Tens que me ouvir. Montei uma emboscada na noite de 3 perto de Finete, onde estive até ontem. Aguardávamos com ânimo elevado a borrasca dos céus e o desfiar das horas, até alta madrugada. Eu estava estirado na pequena picada que conduz às ruínas da fazenda de Malandim. Silêncio sem o piar das aves até que, passava das 7, não estávamos ali há mais de uma hora, oiço o brado do Mamadu Camará que passa como um chicote pelas minhas costas: alto, alto já! rodopio, há um vulto que avança para mim, é um manto que me parece esverdeado que vacila diante de mim, não sei se vem armado, crivo-o de balas, oiço um suspiro breve, é como se uma massa mole que me cai nos braços.

"Estala o pânico, ouvem-se passos em fuga, é naturalmente o grupo que se reabastecera em Mero que parte em fuga. Acometido por uma violenta histeria, o cabo Costa pragueja e insulta-me: matou uma mulher, és um branco assassino. Uns procuram dominar o dementado, outros querem caçar os fugitivos, é uma desordem geral com a berraria do cabo Costa que continuava a vociferar e a insultar-me.

"Coisa curiosa, estou sereno, ordeno a retirada para Finete, aqui peço ao Bacari para ir buscar o corpo e os despojos, informo que vamos todos seguir para Bambadinca, sei e sinto que é necessário cortar pela raiz este sinal de insubordinação. Os quilómetros enlameados que levo até Bambadinca dão para pensar no que devo ao Benjamim Lopes da Costa (**), seguramente o mais culto dos meus cabos, sempre prestável, militar aprumado a quem reconheço a qualidade da solicitude e o valor da lealdade. Mas não se pode passar uma esponja sobre o que aconteceu". (...)

(...) Teor da punição dada ao 1º Cabo Benjamim da Costa Lopes, do Pel Caç Nat 52, pelo Cmdt do BCAÇ 2852, Ten Cor Jovelino Pamplona Corte Real:


"Puno com a pena de 8 (oito) dias de prisão disciplinar, o 1º Cabo nº 82535864 - BENJAMIM LOPES DA COSTA, do Pel Caç Nat 52, por no passado dia 03 de Agosto cerca das 19H00, no decurso de emboscada na estrada FINETE-MALANDIN, perante uma atitude legítima do seu Comandante de Pelotão, dirigiu-se-lhe em tom e termos denotando falta de respeito, seguindo-se-lhe uma crise de nervos e de choro, facto este que inibiu ser adoptada uma medida de perseguição imediata a um grupo IN que se revelara, sobre o qual momentos antes o Comandante do Pelotão tinha aberto fogo e abatido um dos seus elementos.


"Não é mais rigorosamente punido atendendo-se ao seu bom nível operacionmal bem c0mo uma razoável capacidade de colaboração já demonstrada em outras ocasiões, além das desculpas que pouco depois apresentou, alegando o seu temperamento nervoso e emotiona


"Infringiu o dever nº 2 do artº 4º do R.D.M." (...)

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Notas de L.G.:

(*) Último poste desta série > 30 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7056: (De) Caras (2): Em 6 de Novembro de 1971 abati um chefe de bigrupo do PAIGC, sei o seu nome, e o seu rosto persegue-me até à morte (Luís Borrega)

(**) Vd.poste de 20 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1978: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (56): Mataste uma mulher, branco assassino!
Vd. também Mário Beja Santos - Diário da Guiné: 1968-1969: Na terra dos Soncó.  Lisboa: Círculo de Leitores / Temas e Debates, 2008, pp. 342 e ss.

Guiné 63/74 - P7057: (Ex)citações (98): Ninguém ama a sua Pátria por ser grande / Mas sim por ser sua! (António Botto / José Martins)

1. Comentário de José Martins [,ex-Fur MIl Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, foto à direita,] ao poste P7021 (*)


Caro Juvenal

Parecido, mas só parecido, junto um de António Botto, e sem desprimor para o poeta, apenas «pode» completar o teu:

Ó Pátria mil vezes santa,
-Meu Portugal, minha terra,
Onde vivo e onde nasci!

Na tua História me perco, 

e nela tudo aprendi.

Mesmo que fosses pequena
E eu te visse pobre e nua, 

- Ninguém ama a sua Pátria por ser grande,
Mas sim por ser sua!



António Botto (1897-1959) 

In
As Canções de António Botto, 18ª ed. Lisboa: Presença. 1999, p.111.


(Fixação / revisão de texto / título: L.G.)


_____________


Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 

21 de Setembro de 2010 > 
Guiné 63/74 - P7021: Blogoterapia (158): A Nossa Pátria (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P7056: (De) Caras (2): Em 6 de Novembro de 1971 abati um chefe de bigrupo do PAIGC, sei o seu nome, e o seu rosto persegue-me até à morte (Luís Borrega)



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > 3º Gr Comb da CCAÇ 3546 (1972/74) > Viaturas da TECNIL, uma empresa portuguesa ligada à construção de estradas... Neste caso, a estrada (alcatroada) Nova Lamego - Piche - Ponte Caium - Camajabá - Buruntuma.... Em 1974 o alcatrão chegava já  à ponte, enquanto a estrada chegava já perto de Camajabá...

Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Comentário de Luís Borrega ao poste P7044 (*): 

Camarigos:

Também estou na mesma situação do camarada referenciado.(*)

Faz 39 anos no dia 6 de Novembro de 2010, que o meu Gr Comb 
sofreu uma emboscada na Estrada Piche-Nova Lamego, que na altura ainda andava a ser alcatroada. 

A missão do meu Gr Comb  era assegurar a segurança aos trabalhos da TECNIL. Pois às 5,50 h fomos emboscados com forte e violento fogachal. 

A seguir aos 6 elementos das milícias que iam a picar, eu era o primeiro branco à frente do Gr Comb, caímos na "zona de morte", levámos com um fogo intenso, e o IN veio à estrada ao confronto físico. 

Abati um guerrilheiro com 3 tiros. Pelas inscrições na baínha da faca de mato (que era portuguesa,  das nossas FA), sei o nome,(era o Chefe do bigrupo, segundo vim a saber mais tarde), o seu nº dentro do PAIGC e ainda a frase "Liberdade a Lutar". Fiquei-lhe com a faca, o ronco e o carregador da Kalash (a arma o IN levou-a).

Desde esse dia não consigo coabitar com a ideia de ter feito viúva(s) e orfãos. Quando regressei fui falar com o Prior da minha Paróquia (eu era catequista), que me disse que a guerra era assim e não podia estar com estes problemas.

A verdade,  Camarigos,  é que eu não consigo esquecer...e vai-me perseguir até à morte... (**)

Abraço

Luís Borrega 


[ Fixação / revisão de texto / bold a cor / título: L.G.]

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 27 de Setembro de 2010  > 
Guiné 63/74 - P7044: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (4): Olhar fatal

(...) Acabado o tiroteio, avançámos para ver os possíveis “troféus” e o Simões foi directamente para o local onde estava o indivíduo que o obrigara a tanta pontaria. Ao ver que, afinal, era uma cara feminina de traços finos e já idosa, fitou o seu olhar fixo e acusador, que já o esperava. Ainda mexia os lábios, mas o buraco da bala, no pescoço e o sangue que dele saía,  não lhe permitiam transmitir aquilo que seria a sua última mensagem. No entanto, o Simões ficou convencido de ter ouvido dizer:
- A mim pude ser mãe di bo.

 [Vd. legenda da imagem à direita***].

Chocado, entrou em choro convulso, acompanhado de repetidos lamentos, ao mesmo tempo que interrogava:
- É para isto, que aqui estamos? Foi para isto que nos prepararam?  É isto defender a Pátria?

E concluía:
- Ai,  querida mãe, que sou um assassino... um assassino de inocentes!

O Capitão, que esteve sempre próximo e acompanhara a cena, foi o primeiro a agarrar e a confortar o Simões. (...)


(**) Início desta nova série, (De) Caras > 23 de Setembro de 2010 > 
Guiné 63/74 - P7025: (De) Caras (1): PAIGC: Abdu Indjai e os "sete homens" (Luís Graça / José Brás / José Teixeira / Mário Fitas)

(***)  Legenda da imagem: Guiné > PAIGC > Manual escolar, O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia). Exemplar cedido pelo Paulo Santiago, Águeda (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72) > A lição nº 27 > O Dia da Mulher.

Guiné 63/74 - P7055: Convívios (276): O 7º Encontro/Convívio da CCAÇ 4540, decorreu no passado dia 25 de Setembro, em Évora, (Eduardo Campos)


1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos uma mensagem em 27 de Setembro de 2010 com uma brevíssima notícia da festa da sua Companhia.





O 7º ENCONTRO/CONVIVIO DA C CAÇ 4540
25 SETEMBRO 2010 - ÉVORA
Camaradas,


Com a mesma alegria de sempre, em 25 de Setembro pp, levamos a efeito o 7º Encontro/Convívio da CCAÇ 4540, na magnífica e ancestral cidade de Évora.
A cada ano que passa desejamos que cada vez mais camaradas se juntem a nós, nestas memoráveis e inesquecíveis confraternizações.


Resumidamente, anexo 3 fotos que dão bem a imagem da nossa festa.

Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540

Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

23 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7027: Convívios (192): Convívio da CCAÇ 2797 – Cufar 1970/72, dia 2 de Outubro de 2010 em Barcelos (Luís de Sousa)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7054: Em busca de... (146): Luís Henrique Martins de Castro, ex-Fur Mil TRMS da CCS / BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969 / 1970) (Armando Pires)

PROCURA-SE O CASTRO

1. Mensagem de Armando Pires, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70, com data de 23 de Setembro de 2010:

Carlos, Camarada e Amigo.
Aqui estou eu, mais uma vez, às voltas com a "malta desaparecida".

Em 15 de Dezembro próximo passam 40 anos sobre a data da nossa chegada a Lisboa.
Andamos às voltas com a realização de uma almoçarada, mas para que a ementa fique completa falta-nos encontrar o Castro.



Por isso, aqui vai um apelo à malta da Mealhada e arredores para que me ajude a localizar o Luís Henrique Martins de Castro.

Ele foi Furriel Miliciano Mecânico de Transmissões da CCS/BCAÇ 2861, que esteve em Bula e Bissorã no período de Fevereiro de 1969 a Dezembro de 1970.

Antecipado deixo o meu muito obrigado e um abraço deste vosso camarada
Armando Pires
__________

(*) Vd. poste de 8 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 – P6952: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (26): Armando Pires encontra camaradas com a ajuda do Blogue e da tertúlia

Vd. ultimo poste da série de 28 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7047: Em busca de... (145): Informações sobre a viatura blindada Chaimite e o seu comportamento no CTIG (Juvenal Amado / Pedro Monteiro)

Guiné 63/74 - P7053: Eu, capitão miliciano, me confesso (4): A minha tropa, em 1960/62, antes da minha guerra, em 1970/72 (Jorge Picado)

1. Comentário de Jorge Picado ao poste P7042,  com data de 28 do corrente:


Caro José Martins:  Como sempre, a tua escrita é sintética (talvez fruto da tua profissão de TOC - Técnico Oficial de Contas), mas bem detalhada e concisa, não deixando de parte aqueles pormenores importantes para enquadrar bem a época e as situações. Gosto sempre.


Hoje fizeste-me recordar algumas vivências da minha atribulada vida do Serviço Militar que tive de cumprir, antes da Guerra.


Desculpem a intromissão, mas estou numa de sentimentalismos, talvez próprios da idade já avançada e não resisto (*).


(i) GACA-2


Também fui um utente desse aquartelamento desde Fevereiro (?) a  Setembro (?) de 1960, ou seja, desde que terminei o COM no CIAACA-Cascais e fui promovido a Aspirante e por artes "mágicas", eu que era o 2.º classificado de AAA (classificação 16,59) fui parar a essa Unidade, "destinada" aos últimos do curso, em lugar de ir para aquela que tinha pedido (RAAF-Queluz). 


Tive pois de "gramar" aí  todo o tempo da recruta que ministrei, até voltar àquela que de facto era a Unidade a que fiquei vinculado e pela qual "lutei", daí resultando ter sido "marcado" pelo Cm do GACA, com nefastas consequências.


(ii)  Invasão da Índia (**)


Apanhou-me na 1.ª Rep do EME, em Santa Apolónia, após nova e "um tanto mirabolante" convocatória para o SM em 30 de Agosto de 1961.




(iii)  Capitão Varela Gomes


Conheci-o precisamente uns dias antes deste acontecimento, já que por motivos que neste momento não sei concretizar, mas tenho uma ideia que teria havido nesse mês de Dezembro umas eleições (teria?) e,  como ele entrou nas listas da Oposição, o seu lugar na Defesa Nacional, onde estava colocado, foi posto em causa e então foi transferido de Serviço e foi ocupar um lugar na mesma sala da 1.ª Rep do EME, onde eu  "trabalhava",  uns tempos antes da invasão da Índia.


Como ambos faziamos as viagens (o horário da "repartição" era das 8H às 13H) de casa para Lisboa e vice-versa, no mesmo comboio da Linha de Cascais, pois ele morava, julgo que, em Carcavelos e eu, nessa época, em Oeiras, aliado ao facto dele ter ficado a saber que eu era colega de curso e especialidade, além de amigo,  dum seu cunhado, estabelecemos um certo relacionamento. Lia ele nessa altura um grosso volume sobre guerra de guerrilha, julgo que do Mao, para se preparar, segundo dizia, para a próxima comissão, que não devia tardar.


(iv) Assalto ao Quartel de Beja de 31 de Dezembro de 1961 para para 1 de Janeiro de 1962 (***)


No período desse Natal para a passagem de Ano, nesse "nosso" Serviço (eramos só oficiais) dividiram-se os dias úteis por dois grupos. Calhou-me ficar a "trabalhar" conjuntamente com ele nos mesmos dias, após o Natal e folgámos antes da Passagem e Ano.


Recordo que no último dia de serviço, quando mudámos de roupa (só andávamos fardados lá dentro), estranhei e interpelei-o por não deixar a farda no cacifo, tendo-me respondido algo como "Precisa de levar uma boa limpeza".


Na parada e ao entrar para o meu carro, já que seguia directamente viagem para Ílhavo, despedi-me e desejei-lhe Boas Entradas e Bom Ano. Devolveu-me esses desejos, acrescentando que esperaria que o próximo Ano fosse bem melhor...


Qual o meu espanto quando no dia 1, em Ílhavo, tomei conhecimento do sucedido e tive de regressar de imediato para Lisboa.


Desculpem lá estes devaneios de "um mais velho", mas ainda não são sintomas de velhice.


Abraços para todo o pessoal


Jorge Picado
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Notas de L.G.:


(*) Vd. postes anteriores desta série:



(**) Temos tendência, quando escrevemos ou falamos sobre a guerra colonial, para esquecer o caso da Índia Portuguesa (os territórios de Goa, Damão e Diu), a jóia da coroa do nosso Império Colonial. Tenho um primo, o Luís Maçarico, de Ribamar, Lourinhã, que esteve lá preso, nessa época ... A maior parte da malta ficou sem nada, incluindo os álbuns fotográficos... Ele consegiu salvar e trazer o seu...

(**)  ISCSP/UTL > CEPP >
Respublica. Repertório Português de Ciência Política. Edição Electrónica Provisória. Copyright © 2000 José Adelino Maltez.


"Na noite da passagem do ano foi assaltado o quartel de Infantaria 3 em Beja. A revolta foi comandada pelo capitão Varela Gomes. Morto, durante os acontecimentos o tenente-coronel Jaime Filipe da Fonseca, então sub-secretário de Estado do exército. 

"Outro dos organizadores foi o civil Manuel Serra, participando o major Francisco Vasconcelos Pestana, filho do antigo ministro da I República, Pestana Júnior, o capitão Pedroso Marques e o tenente Brissos de Carvalho, bem como o civil Fernando Piteira Santos. 

"Depois de um tiroteio com o major Calapez, comandante do quartel que consegue evadir-se e avisar as autoridades, Varela Gomes é gravemente ferido. Entretanto, Humberto Delgado entra clandestinamente em Portugal, chega a dormir em Lisboa numa pensão, e vai para Beja na companhia de Adolfo Ayala, verifica o fracasso e volta ao exílio, onde denuncia a ineficácia da polícia política face aos disfarces que apresentou".

Guiné 63/74 - P7052: Parabéns a você (158): Agradecimentos à tertúlia de Coutinho e Lima e Luís Borrega

Os nossos camaradas Coutinho e Lima e Luís Borrega, a propósitos dos respectivos aniversários, ocorridos recentemente, enviaram-nos estas mensagens com pedido de publicação:


1. De Coutinho e Lima que fez anos no dia 21 de Setembro:

Caro Amigo Carlos Vinhal
Porque tive o meu computador inoperacional, durante algum tempo, só agora tomei conhecimento dos parabéns que vários tertulianos me enviaram por ocasião do meu aniversário.
Nestas condições, peço-lhe que, no nosso blogue, apresente a todos os meus sinceros agradecimentos.
Fiquei muito sensibilizado com todos que quiseram estar comigo, nesse dia.

Um grande ABRAÇO.

Com os meus cumprimentos
Coutinho e Lima



2. De Luís Borrega que fez anos no dia 27 de Setembro

Caro Carlos
Gostaria de agradecer as mensagens no dia do meu aniversário. Não sei se será possível postar algo sobre isso, em caso afirmativo gostaria que fosse assim:

Camarigos
Agradeço de todo o coração as mensagens recebidas em relação ao meu aniversário. Sabe bem ler as manifestações de camaradagem e amizade enviadas pelos nossos Camaradas.
Obrigado
Um abraço
Luís Borrega



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Notas de CV:

Vd. postes de:

21 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7017: Parabéns a você (154): O veterano Coutinho e Lima, Cor Art Ref, Gadamael (1963/65), Bissau (1968/70), COP 5 (1972/73)

27 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7041: Parabéns a você (155): Luís Filipe de Magalhães Borrega, ex-Fur Mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72 (Tertúlia e Editores)

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7050: Parabéns a você (157): Fernando de Portugal, ex 2º Comandante das Forças Expedicionária a Tânger, Norte de África (1437), faria hoje 608 anos (José Martins / Nuno Rubim / Editores)

Guiné 63/74 - P7051: Tabanca Grande (246): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833 (Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)

1. Mensagem de Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73, com data de 25 de Setembro de 2010:

Camarada Luís Graça,
Por influência de um e-mail recebido esta semana do camarada Manuel Resende, na sequência do meu depoimento publicado na revista "Domingo" do jornal Correio da Manhã do passado fim de semana na rubrica "A Minha Guerra" (tal como eu esteve em Jolmete, embora em ocasiões diferentes, ele na CCAÇ 2585 eu na CCAÇ 3306), venho por este meio apresentar a minha possível adesão ao blogue Tabanca Grande.

Para o efeito, junto as duas fotos "exigidas" e a totalidade do meu depoimento enviado ao já referido jornal que, por manifesta falta de espaço, apenas publicou uma pequena parte da história sobre o que foi a minha passagem pelo teatro de guerra da Guiné. Espero que isto preencha o necessário para a referida adesão. Temos de chegar aos 500!

Julgo que estou a ser o primeiro elemento do BCAÇ 3833 que esteve na Guiné entre 1970/72, respectivamente no Pelundo com a CCS e a CCAÇ 3307, em Có com a CCAÇ 3308, e em Jolmete com a CCAÇ 3306, a colaborar nesse blogue. Se estiver enganado, algum camarada que me corrija.

Nesta perspectiva, tomo ainda a liberdade de vos enviar o relatório de duas da operações levadas a efeito pela CCAÇ 3306 e nas quais participei. Pessoalmente julgo ser um documento interessante que, de alguma forma, pode acrescentar algo sobre o que foi a nossa passagem pela Guiné.

Se acharem que o contributo é válido, tenho ainda muitas fotos (para além das que estou agora a enviar) que poderei disponibilizar/partilhar, bem como o resumo dos "Factos e Feitos do BCAÇ 3833". Este é igualmente um documento interessante. Contém todo o historial das Companhias.

Fico a aguardar o vosso feedback.

Um Abraço
Augusto D. Silva Santos




2. Apresentação

Nome: Augusto Silva Santos
Comissão: Guiné 1971/73
Força: BCaç 3833/CCaç 3306 e Depósito Geral de Adidos/Brá
Actualidade: Vive em Almada, 60 anos, empresário reformado, casado, com duas filhas e uma neta.
Título: Encontro de irmãos nas matas da Guiné


Assentei praça no RI7/Leiria em Janeiro de 1971. Após avaliação das minhas habilitações, fui transferido para EPC/Santarém onde concluí a recruta. Sou entretanto colocado no CISMI/Tavira, onde me foi dada a especialidade de Atirador de Infantaria. Por ter obtido a máxima classificação na disciplina de tiro (Atirador Especial de G3), sou colocado no CTC/Cacém como Cabo Miliciano, para dar recrutas. Algum tempo depois rumo ao CMEFED/Mafra para ficar na EPI como instrutor, curso que entretanto não concluí por ter sido mobilizado para a Guiné.

Já como Fur Mil parto para o CTIG/Bissau a 28 de Dezembro de 1971, em rendição individual, com destino à CCav 2749 colocada em Piche para, segundo viria a ser informado no QG, substituir um Furriel falecido na sequência de uma emboscada, quando se preparava para vir de férias à Metrópole. Nunca viria a confirmar este facto, pois entretanto sou requisitado para o BCaç 3833, mais propriamente para a CCaç 3306/Jolmete, tendo assim ficado mais perto do meu irmão Arménio D. Silva Santos, também mobilizado um ano antes para este teatro de guerra, colocado na CCaç 3307/Pelundo, sede do Batalhão (o pesadelo dos meus pais era agora a dobrar). Neste caso, fui substituir um Furriel casado com uma cabo-verdiana que havia desertado para o Senegal. Consta que mais tarde foi capturado e morto pela PIDE/DGS junto à fronteira. Foi precisamente perto do aquartelamento de Jolmete que em 20 de Abril de 1970, teve lugar o assassinato dos 3 Majores e do Alferes que estariam a negociar com o PAIGC o fim das hostilidades no Chão Manjaco. Após o regresso do Batalhão à Metrópole por ter terminado a comissão, sou colocado no Depósito de Adidos em Brá, onde permaneci mais um ano. O meu regresso teve lugar a 22 de Dezembro de 1973, com 24 meses de comissão.

Apreciando anteriores narrações de ex-camaradas que passaram verdadeiros horrores de guerra, não posso considerar que a minha passagem pela Guiné tenha sido das piores. Passei por bons e maus momentos, e nela fiz amigos cuja a amizade perdura até aos dias de hoje, como é o caso do Rodrigo Borges, meu companheiro da caça há muitos anos.

Jolmete, Junho de 1972 > com vários elementos da CCAÇ3306

Das situações que mais me marcaram na Guiné e que até hoje guardo memória, passo a citar:

• No dia 4 de Março de 1972, numa operação na região de Badã/Ponta Nhaga, comandada pelo próprio Comandante de Companhia, ao tomarmos de assalto um acampamento do IN que, supostamente estaria com muito armamento com destino à zona do Churo/Caboiana, no acto de acção de busca e recolha e, quando já estávamos a preparar toda a segurança para posterior retirada, somos confrontados com forte reacção do PAIGC do outro lado da bolanha, que nos fustigou com fogo de armas automáticas Kalashnikov, lança granadas foguete RPG7 e morteiro. Deste confronto resultaram 10 feridos para as NT, nomeadamente o Capitão, 2 Alferes, 3 Furriéis, 2 Soldados e 2 Milícias (alguns deles com gravidade), que mais tarde viriam a ser evacuados para a Metrópole. Felizmente saí ileso desta situação. Valeu-nos a pronta intervenção do apoio aéreo, quer na evacuação dos feridos (altura em que sofremos nova flagelação), quer no que respeita a conter a acção do IN no regresso ao aquartelamento, para que as repercussões não tivessem sido maiores.

• Em Abril de 1972, no dia em que o Benfica disputava com o Ajax as meias-finais da Taça dos Campeões Europeus (empatámos em Lisboa mas quem passou foi o Ajax que ganhou 1-0 ao Benfica na Holanda e depois venceu o Inter na final), sofremos um ataque ao aquartelamento por parte do PAIGC. Nesse dia estava fora com um grupo de combate a fazer segurança, quando fomos surpreendidos pelo fogo intenso. A nossa resposta com fogo de morteiro e o apoio da artilharia de Bula foi pronta e eficaz, pelo que a acção do IN não durou muito tempo, mas impressionou o facto de termos ficado durante alguns minutos entre dois fogos. Felizmente não houve consequências para as NT, contudo para a população resultaram 20 feridos ligeiros e estragos no reordenamento.

• Já perto do final da comissão da CCaç 3306, somos chamados a fazer o levantamento de um campo de minas montado há já alguns anos pelas NT numa bolanha perto de Ponta Vicente. Pelo croqui que dispúnhamos, essas minas deveriam estar em determinado local. Por acção das águas estas devem ter sido deslocadas e igualmente deterioradas, pelo que praticamente já não estariam operacionais. Sorte a nossa, pois alguns de nós sem nos apercebermos, ainda chegámos a passar bem perto ou mesmo por cima delas (como foi o meu caso), felizmente sem consequências.

• O isolamento em que nos encontrávamos relativamente às outras Companhias do Batalhão, era algo que de uma maneira geral afectava o nosso moral. Havia muitas dificuldades nos reabastecimentos. Recordo que o nosso aquartelamento distava cerca de 16Kms do Pelundo (única estrada de acesso a Jolmete), e que na época das chuvas esse percurso poderia demorar um dia inteiro. Muitas vezes as nossas refeições eram perfeitamente improvisadas. Nalgumas ocasiões contámos apenas com as rações de combate. Não foi por acaso que nos meus primeiros 6 meses de comissão emagreci 10kg.

• Quando fui colocado no Depósito Geral de Adidos em Brá, para além do serviço na Secção de Justiça como escrivão, tinha também periodicamente a missão de fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar. Lembro-me que no primeiro dia em que isso aconteceu, no Render da Guarda tinham desaparecido 12 reclusos, que entretanto voltaram. No segundo dia desapareceram mais 5, que mais tarde também voltariam a aparecer. Esta era uma situação comum com outros camaradas. Nunca cheguei a saber ao certo por onde os presos fugiam, só sei que eles saíam para ir ao Pilão a Bissau (às “meninas”), e que mais tarde voltavam sempre. A partir desse dia combinei com um dos presos mais antigo (um Fuzileiro com a alcunha de “Grelhas”) para fazer uma “escala de saída”, com a condição de todos estarem presentes ao Render da Guarda. Nunca mais me faltou nenhum recluso.


Pelundo, Julho de 1972

• Quando vim pela segunda vez de férias à Metrópole em Abril de 1973, foi meu companheiro de viagem um Fur Mil de seu nome António Piçarra (um alentejano de Moura) que, por coincidência, também regressaria à Guiné no mesmo avião e a meu lado. Travámos assim conhecimento e, na escala que fizemos no aeroporto do Sal/Cabo Verde, lembro-me perfeitamente de termos trocado várias impressões sempre com o sentido de que a guerra para nós acabasse depressa e com um possível regresso juntos. Tal não viria infelizmente a acontecer pois, passado algum tempo, mais precisamente em meados de Julho, recebi a triste notícia de que o Piçarra morrera na sequência de uma violenta emboscada em 4 de Julho de 1973 na estrada de Cutiá/Mansabá e que teria sido morto com arma branca. Foi muito traumatizante para mim (ainda continua a ser). Anos mais tarde vim a confirmar a sua morte por o seu nome constar no Memorial aos Mortos em Combate na Guerra Colonial. Mais recentemente este triste acontecimento foi-me relatado/confirmado pelo seu ex-camarada e amigo Fur Mil Pauleta que pertenceu ao BCaç 4612/Mansoa.

• Quando já me faltavam escassos 3 meses para acabar a comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial (o que viria a ser confirmado) e chegado a via de factos, fui castigado com 5 dias de detenção. Foi-me na altura dito pelo então Comandante do Depósito Geral de Adidos, que eu tinha razão mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa (sic), e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida. Como consequência, fui ainda castigado com o ter de fazer a guarda de honra ao General Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento, o que para mim na altura até foi mesmo uma honra.

• Lembro-me que nos finais de 1973 era já grande a tensão entre as NT. O facto de o PAIGC já possuir os mísseis terra-ar Strela que passaram a ser o terror da FAP (começámos a não ter um efectivo apoio aéreo nas diversas missões) estava a ser determinante. Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque aéreo, por constar que o IN já possuía os famosos MIGs. O fim estava próximo.

Setembro 2010
Augusto Santos


3. Comentário de CV:

Caro camarada Augusto Silva Santos
Bem-vindo à nossa caserna virtual, onde se entra, e se sai, de livre vontade.
Instala-te e arranja um lugar, são todos igualmente bons, para começares a contar as tuas experiências enquanto ex-combatente da Guiné. As tuas fotos serão também bem-vindas, porque muitas delas representam momentos únicos que todos e cada um de nós viveu.

No local (estrada Cutia/Mansabá) onde morreu o teu amigo e nosso camarada Piçarra, perdeu a minha Companhia (CART 2732) dois bravos militares madeirenses. Estávamos a pouco mais de 1 mês de completar os 21, tempo oficial de duração da comissão.

Vou publicar as tuas fotos, mas os Relatórios da Acções serão publicados mais tarde. Tempo é coisa que não nos falta, ainda estamos aqui para as curvas.

Posto isto, dou-te os parabéns pelo trabalho de apresentação bastante desenvolvido que nos enviaste, o qual te acarreta uma certa responsabilidade para futuro.

Recebe o tradicional abraço de boas-vindas da tertúlia e dos editores.
O teu camarada e amigo
Carlos Vinhal
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7018: Tabanca Grande (244): Germano José Pereira Penha, ex-Fur Mil da CCAÇ 5, Canjadude, 1970/72