segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7512: Portugalidade(s) (2): O triângulo amoroso Portugal-Macau-China, do poeta António Graça de Abreu, hao ren, boa pessoa, segundo a bisavó dos seus filhos


República Popular da China > Agosto de 2009 > O António Graça de Abreu  com a esposa, Hai Yan (aqui ao seu lado direito) e com uns primos da província de Huan... Na segunda fila, de pé, à esquerda, um jovem casal com um filho pequeno, que são seus cunhados; à direita, os dois filhos do nosso camarigo António e da Hai Yan, Pedro e João. Sei que um deles também é fã da música, como meu João... Para esta bela família luso-portuguesa que o 2011 seja um bom Ano do Coelho (LG).

Foto:  © António Graça de Abreu (2010). Direitos reservados


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O António Graça de Abreu teve o gesto, de grande camarigagem (e de cumplicidade, própria de dois homens que, além de camarigos, são de letras...) de mandar, pelo correio, o seu último livro de poesia, com uma bela dedicatória e uma chamada de atenção para a página 15... Título: "A cor das cerejeiras";  ano 2010;  editora: Vega, Lisboa; 142 pp.

É o seu sexto livro de poesia depois de China de Jade (1997); China de Seda (2001); Terra de Musgo e Alegria (2005); China de Lótus (2006); e Cálice de Neblinas e Silêncios (2008)... Sem, contar quatro ensaios de história,  e cinco traduções de poetas clássicos chineses, o último dos quais os Poemas de Han Shan (Macau, 2009). 

É um homem do mundo mas que vive hoje no triângulo, física, linguística, simbólica,  cultural e espiritualmente  falando, Portugal- Macau - China. Este último livro é um verdadeiro roteiro de viagens, escritos com pequenas notas poéticas, segundo o mundo japonês do haiku (versos curtos em geral de três linhas, e 17 sílabas)... É uma viagem pelos mais diversos mundos exteriores e interiores: Japónica, Sínica, Tibetana, Lusitana, Ch'an, zen, Femina, Mozartiana, Ronda Toscana, Turcomanos, Transjordânia,  In Vino, Naturaleza, etc. Tem um prefácio, mais erudito, sobre o haiku (pp. 7-22). Cita dois provérbios que eu tenho recolhido em textos meus que andam por aí na minha página pessoal, Saúde e Trabalho...

Independentemente de uma leitura mais atenta e crítica, que a minha ciática (e o solstício do inverno...) não me não aconselham de momento, devo dizer, desde já, que gosto de muitos dos haikus que ele dedicou à nossa Lusitânia,  e onde referenciei  alguns dos meus lugares preferidos como a praia do Paimogo, na Lourinhã,... Mas antes de repoduzir aqui algumas páginas, digitalizadas à pressa, em Lisboa, já meio adoentado, deixam-me transcrever um dos momentos sublimes do livro que é quando o poeta, depois de atravessar meio mundo,  vai conhecer a bisavó dos seus filhos, já cega, e já quase centenária:

(...)

Após o cintilar das montanhas,
do amarelo dos rios,
do branco-azul do céu,
do ondular das searas em Anhui,
venho encontrar a velha senhora Dong,
bisavó dos meus filhos,
na grande cidade,
no simples lar da família, em Hefei,
Cega, ouve atentamente o meu entaramelado falar.
Depois, com as mãos nodosas,
gastas por quase nove décadas de labor e luta, 
rodeia a minha cabeça,
os dedos percorrem o meu estranho rosto,
palpam-me a testa, os olhos,
nariz, as maçãs do rosto,
os lábios, o queixo.
Uma pausa para meditar,
um levíssimo sorriso
e por fim diz,
para tranquilidade de todos
"hao ren", boa pessoa (...)(p.43)


Da Lusitana (sic) (pp. 55-62), temos mesmo que reproduzir aqui, com a dupla vénia ao autor e ao editor, as páginas inteirinhas (pp. 55-629...




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Nota de L.G.:
Primeiro poste desta série >21 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7483: Portugalidade(s) (1): A recepção dos goeses ao Navio Escola Sagres

Guiné 63/74 - P7511: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (8): O primeiro dia no Cuor (continuação)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2010:

Malta,
Foi um dia em cheio. Amanhã vamos para o Xitole. Depois regresso a Finete, visito demoradamente Canturé, vou encontrar um número apreciável de vestígios da presença militar no Enxalé e depois subo até Cabuca, Madina e Belel, numa tentativa de conhecer mais e melhor o Cuor.
No Xitole ainda se encontram bastantes vestígios. Os reencontros com Albino Amamdu Baldé em Sinchã Indjai e Dauda Seidi em Cambessé foram emocionantes.
Dentro da lógica de que era uma viagem de trabalho, afastei a ideia de revisitar Cusselinta, ali tão perto e sempre tão deslumbrante.
O carro de combate do Fodé vai cada vez mais cheio com camaradas do Pel Caç Nat 52 e milícias de Missirá e Finete.
Ao findar do dia, voltei a Finete, à procura de uma casa para o Jorge Cabral.
Estejam atentos.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (8)

Beja Santos

O primeiro dia no Cuor (continuação)



O Tangomau irá recebendo petições da mais variada índole: dinheiro, bolsas de estudo, vistos para Portugal, ofertas de emprego. Haverá situações muito comoventes. No último dia da sua viagem, em plena Pensão Central, Filomeno, que aliás se chama Eufrágio (sim, Eufrágio) Júlio Vinício Júnior, que perdeu os pais no conflito político-militar de 1998-1999, pede a intercessão do Tangomau para ter uma bolsa de estudo, fez o seu liceu com notas brilhantes, julga-se à altura de uma justa recompensa dos seus méritos. Aqui e acolá, e depois de já ter distribuído todos os seus livros e livros alheios reportados à Guiné, os pedidos não irão faltar. Por exemplo o Prof. Moreira Nhaga pede com toda a naturalidade que lhe envie os livros para o Xime, agradece sobe para o quadro da bicicleta, acena ao longe e deixa o Tangomau com mais um pequeno problema para resolver.


Discursava o homem grande Fodé Dahaba quando em toda a sua mansuetude se perfilou diante do Tangomau Braima Mané. Para quem leu o primeiro volume do seu diário, o grito de felicidade que o Tangomau deu quando viu claramente visto que era Braima Mané, que ele julgava falecido, tudo compreenderá sobre os sentimentos humanos. Braima quase que tinha perdido tudo na vida quando o Tangomau o conhecera: repudiado pela família, com um braço inutilizado, o corpo coberto de estilhaços, vivia esmoler. Foi operado em Bissau, conseguiu-se algum trabalho em Bambadinca, aos poucos foi recuperando a sua auto-estima. Poucas pessoas procuravam o Tangomau com tanta alegria e gratidão como Braima Mané. Vê-lo a envelhecer e respeitado foi como se tivesse chegado uma estrela da tarde a cintilar sobre o céu de Missirá.


Que uma alegria nunca vem só comprova exemplarmente esta fotografia de Inderissa Soncó, o irmão mais novo do meu querido amigo Lânsana Soncó, o padre de Missirá. Com toda a sua dignidade, Inderissa encostou-se à parede para não se perceber como todo o seu corpo treme, convulsionado por algum mal parkinsónico. Mantém toda a sua delicadeza, era um agricultor laborioso, hoje reduzido à situação de deficiente imprestável, o grau mais intolerável da hierarquia socioeconómica africana. Não foi por acaso que o Tangomau se deslocou por Missirá de mão dada com este Inderissa que tem a vida num calvário. A seu lado, entregou prendas a Missirá, a começar pelo álbum do primeiro repórter militar português José Henriques Mello que cobriu as campanhas de 1907-1908 mostrando Infali Soncó e a chegada das tropas portuguesas ao Cuor. Missirá mudou muito, ampliou-se em todas as direcções, sobretudo para Sansão que, cem anos antes era a sede do regulado, aí viveu Infali e seu filho Bacari, o pai de Malã.


Aqui fica uma prova provada da revolução de costumes em Missirá: a discoteca. O Tangomau não teve coragem de perguntar nada sobre o horário de funcionamento e a natureza dos serviços prestados.


Diz-se que os velhos perdem a memória. Estou a preparar o caminho para a desculpa. Sei que este homem me disse chamar-se Miguel Totala Baldé, pertenceu ao 3.º pelotão da CCaç 12 e disse-me assim: o meu alferes era o Abel Rodrigues. E disse mais: sou o soldado arvorado n.º 82108769, e o meu telefone é o 002456462497. O Abel que me telefone e que me venha buscar. O recado está dado. O que confunde o Tangomau é como é que esta fotografia aparece no meio das imagens de Missirá, isto numa altura em que nos apontamentos ele escrevia nomes e idades: Lamine Mané, 59 anos; Braima Mané, 70 anos; Ansumane Indjai, 68 anos; Calilo Soncó, soldado de milícias n.º 101, 63 anos. Convém ainda referir que Mama Mané, a mãe de Abudu, tem mais de 80 anos e Ansumane Soncó, que aparece no comité de recepção, também cerca de 80 anos. Não é por acaso que na fotografia do comité de recepção para Iussufo Soncó: ele dirigiu-se em voz alta ao Tangomau lembrando-lhe que era filho de Bacari Soncó, ambos tinham o mesmo sangue, o Tangomau que nunca se esqueça.


Esta é a nova Missirá e estes meninos olham para o futuro. Está na hora de partir, o Tangomau sabe que vai voltar, mais cedo do que a população de Missirá pensa. Até porque há muita coisa para ver nos arrabaldes: Madina de Gambiel, Sansão, Maná. Há uma grande nostalgia por percorrer a velha estrada que ligava Bissau a Bafatá. O Tangomau não sairá defraudado. Toda a comitiva entra no carro de combate conduzido por Calilo Dahaba e marcha-se para Mato de Cão. Ponham-se em sentido todos aqueles que ali vigiaram e viveram!


Lembram-se? Havia umas pilastras que aguentavam uma passadeira de madeira, ali o Tangomau, em cima deste pilar que permite a leitura da tabela das marés, tal como Ponta Varela, pedia boleia aos barcos civis e militares quando era necessário ir buscar comida e aparato bélico a Bambadinca. O nosso Mato de Cão não desapareceu mas está irreconhecível. Da nova estrada até lá são algumas centenas de metros, devido ao traçado da estrada alcatroada. Para se tirar esta fotografia é preciso estar com os pés bem enterrados no tarrafo, contemplar a enchente, este pilar tem vários metros na vazante. Contemplando todo este barro sujo a contrastar com o verdejante arvoredo, o Tangomau deu asas à imaginação, pensando as vezes que aqui veio, contornados, chuvas diluvianas, a fornalha do sol, os entardeceres cálidos, as noites de breu. Conheceu Mato de Cão em todos os segundos do dia. E tem sempre orgulho em dizer que naqueles 17 meses nem um só barco foi atacado nesta entrada do Geba estreito. Para que conste.


Presta-se agora homenagem a quem viveu no destacamento de Mato de Cão. Referenciado o local onde se montava obrigatoriamente a vigilância à navegação, subiu-se ao planalto onde hoje viceja a tabanca e onde vive o régulo Carambá Soncó. Aqui também tudo mudou, ou quase tudo. Havia que identificar vestígios do destacamento. Este é o primeiro, o resto vai aparecer no álbum fotográfico. O Tangomau teve um desgosto: plantaram tantos e tais cajueiros que já não se avista nem o palmar de Chicri nem o palmar orientado para Sinchã Corubal (às vezes, enquanto se esperava a chegada dos navios ouviam-se os tiros dos caçadores de Madina que percorriam esta velha tabanca). Nisto, o anarca Jorge Cabral e o Tangomau cantam à mesma voz: são alguns dos mais belos palmares e panorâmicas da Guiné e do mundo que conhecem.


Aqui fica uma prova de vida em Mato de Cão, um friso de mulheres ao entardecer. Não foi uma visita prolongada, há pouco menos de uma hora de sol, a peregrinação vai findar em Chicri, o Tangomau está trémulo de emoção, Chicri está associado a emboscadas e a sangue derramado, está morto de curiosidade pelo que vai encontrar. E dali sairá consolado.


A seguir a Mato de Cão inflecte-se pela esquerda, é uma bonita e aprazível picada sempre a avistar os campos tratados, os muitos cajueiros e palmares. Coisa curiosa, o Tangomau percepcionou que estava em Chicri independentemente da tabanca nova, havia qualquer coisa na natureza que mantinha o arvoredo frondoso de há 40 anos. Todos saíram do carro de combate, como seria de esperar Fodé Dahaba já tinha preparado um contacto com um parente, prepara-se um cerimonial de recepção, os homens grandes equiparam-se, não escondiam o seu júbilo. Enquanto tudo isto acontecia, o Tangomau afastou-se discretamente e minutos depois olhava para a picada que conduz a Madina. Teve mesmo um assomo, uma vontade súbita de se pôr ao caminho. Perguntou a alguém qual a distância. “É lunge, mais de três horas, andando depressa”. Foi o que o desencorajou, senão tinha cometido a traquinice de entrar na floresta pela noite escura.


Sopram os ventos de mudança em Chicri, os miúdos já se misturam com os graúdos nas fotografias. Tinha acabado a escola, mordidos pela curiosidade, os pequenos vieram até àquela sessão pública em que um branco mostrava livros e fotografias de um passado semilongínquo. O que se avista em todas as direcções é mais do que o verde luxuriante: há os meandros barrentos do Geba, há as palmeiras gigantes graciosamente dispostas, os campos lavrados, o arroz amadurecido na bolanha. Aqui respira-se alguma prosperidade. O dia finda, todos dão sinais de cansaço, há gente que irá de bicicleta para Amedalai. E regressamos a Bambadinca. Em casa do Fodé, Albino Amadu Baldé deixara uma carta que encheu de alegria o Tangomau. Todos à uma tomaram a decisão: amanhã vamos para o Xitole, vamos dar um abraço ao Albino. Como aconteceu.

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
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Nota do Editor

Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7504: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (7): O primeiro dia no Cuor

Guiné 63/74 - P7510: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (22): Cátix Félix, a nossa futura farmacêutica, e nossa menina de ouro, amiga de Cidália Nunes, viúva do nosso malogrado camarada António Ferreira, morto no Quirafo


1. Mensagem da nossa amiguinha Cátia Félix (*) que está a frequentar o último ano do Mestrado Integrado de Ciências Farmacêuticas (julgo que no Porto) e que, tendo uma disciplina de Saúde Pública, me pediu ajuda em termos de orientaçãoteórico-metodológica e  bibliográfica.  Acabámos por nunca conseguir acertar uma hora para falar ao telefone, tendo ela basicamente se socorrido de alguns textos meus que estão disponíveis na minha página na Net, Saúde e Trabalho, de entre outros recursos.



Recorde-se, aos mais novos dos nossos tabanqueiros,  que a Cátia Félix apareceu na nossa Tabanca Grande em Abril de 2009, servindo de "elo de ligação" entre nós e  a sua amiga Cidália Nunes, viúva do malogrado camarada António Ferreira que caiu em combate na tristemente célebre emboscada do Quirafo em 17 de de Abril de 1972. Foi ela que ajudou, como apoio de diversos camaraadsa nossos da Tabanca de Matosinhos, a resolver o luto patológica da sua amiga que durante durante quase quadro décadas se recusou a admitir a morte do seu marido e pai da sua filha que ele nunca chegou a conhecer em vida. (Para as duas, a viúva do António e a sua filha, desejamos muito ânimo para mais um ano que aí vêm, e que nos ajudem a preservar a memória do seu querido marido e pai, e nosso bravo camarada de armas).





(i) A mensagem original da Cátia, de 18 de Outubro, rezava assim:


Olá. Luís: Espero que esteja tudo bem. Desculpe estar a incomodá-lo, ainda para mais sobre um assunto que nada tem a ver com o "nosso" blog. Sei que o Luís é professor na área de saúde pública e, por acaso, neste meu ultimo semestre tenho uma disciplina de Saúde Pública na faculdade. No âmbito dessa mesma disciplina, recebi um tema de trabalho sobre Saúde Ocupacional o qual me tem dado algumas dores de cabeça, uma vez que, apesar de saber do que se trata não sei muito bem como abordar o tema. Já recolhi informação no programa nacional de saúde ocupacional mas não encontro muitas mais fontes.


Caso o Luís tivesse alguma disponibilidade e me pudesse a ajudar um pouco na minha orientação agradecia-lhe imenso. Caso seja muito incomodo, não tem qualquer problema, eu entendo :)


Pensei incluir no inicio do trabalho, como facto histórico, o Stress pós guerra que muitos de vós sofreu, mas não sei bem se se pode considerar como doença ocupacional (apesar de achar que sim...).Mais uma vez obrigado pela atenção e desculpe estar a "aproveitar-me" do seu conhecimento eheh. beijinhos (...)


(ii) Infelizmente, por sobrecarga de trabalho no início do ano lectivo, fiz muito pouco ou nada pela nossa amiguinha, que no entanto, a 4 do corrente, me surpreendeu (e me deixou comovido) com esta notícia:


Olá,  amigo Luís:Tenho de que dar uma boa notícia. Com ajuda do seu site e de outras bibliografias consegui fazer o trabalho de saúde ocupacional que lhe tinha falado. E a professora achou que o trabalho estava excelente, seleccionou-o e colocou-o online na página web da nossa faculdade. Além disso consegui ter nota máxima :)


Obrigado por tudo. Tinha de partilhar isto consigo. Fiquei muito feliz. Um enorme beijo e se não nos falarmos antes um óptimo Natal.(...)



(iii) A Cátia (que é de facto uma mulher de armas que merece que o carinho e admiração de todos nós), ainda arranjou tempo, nesta quadra festiva, para nos mandar esta promisssora e poética mensagem natalícia:

Neste Natal quero pedir a todos os meus amigos que voltem a ser crianças e não deixem que os vossos sonhos morram.  Acreditem no que esta noite significa!!! ;) 


O meu  pedido de Natal é simples e parece banal mas, mesmo assim,quero um mundo melhor, cheio de paz, amor, ternura, generosidade….. Que todas as pessoas possam ter um Natal, e um ano de 2011 repleto de realizações e coisas boas.

São os meus votos sinceros de Feliz Natal a todos.....



Bjinhos e um xi xoração

Cátia Félix
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Nota de L.G.:


Último poste desta série > 27 de Dezembro de 2010 > 

Guiné 63/74 - P7509: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (21): Dos nossos tertulianos, Joaquim Mexia Alves, Hélder Valério Sousa e Maria Teresa Almeida

1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 22 de Dezembro de 2010:

 Meus camarigos
Queria ter tempo para escrever alguma coisa que nos levasse ao encontro uns dos outros.

Este tempo de Natal é um tempo muito ocupado para mim e traz-me recordações imensas dos meus pais e da sua/minha enorme família à volta da mesa, (9 irmãos, trinta e tal netos e já alguns bisnetos, quando ainda o meu pai era vivo), e o extraordinário que era, apesar da mesma educação base dada a todos, as diferenças que entre nós havia.

Por vezes estalavam discussões, (o que numa família de homens grandes e voz grossa), ultrapassavam os limites do razoável, e então lá vinha o meu pai dizer-nos que não havia divergências que não fossem ultrapassáveis e sobretudo que éramos uma família, e que uma família se mantêm unida apesar das diferenças.

A nossa “família” foi enraizada na Guiné e deu muitos filhos, tantos como aqueles que lá serviram, desde o mais guerreiro combatente, ao mais cozinheiro que não deixou de ser combatente, porque também esteve em guerra.

Família desunida, separa-se, não se entre ajuda, não se constrói, não tem dimensão, não tem voz, e aqueles que por qualquer razão não gostam dessa família alegram-se com a sua desunião, porque no fundo torna fraca essa família.

Há convicções arreigadas, tudo bem. Há palavras mais duras e menos compreensíveis, tudo bem. Há pensamentos diferentes e diferentes maneiras de interpretar, tudo bem. Há até vontade de dar dois murros na mesa e partir a loiça, tudo bem.

Mas família que se preza ultrapassa tudo isso, e, não abandonando cada um as suas convicções e pensamentos, fazem-se mais forte do que elas e do que eles, e cada um estende a sua mão, oferece o seu ombro, e abre os braços para o abraço.

Que raio de coisa é esta que por umas quaisquer designações políticas se desagrega uma camarigagem feita na dor, na tristeza, mas também na luta, e na entrega?

Por mim, deixo agora as minhas convicções de lado, para num abraço apertado próprio da quadra natalícia, (que é sempre que um homem quiser), vos abraçar a todos, meus camarigos, e pedir-vos insistentemente que cada um o faça também, para não só a união da família continuar forte e coesa, mas também para aqueles que nos querem derrotar, não só nos nossos direitos, mas sobretudo na nossa dignidade, se sintam mais uma vez vencidos pela força da família da Guiné.

E aí sim, seremos todos homens com H grande, porque fomos capazes de nos ultrapassarmos, para nos encontrarmos.

Será utópico?
Não, se nós não quisermos que seja!

E se em alguma coisa contribuí para esta situação, esqueçam o que escrevi, e apenas leiam o que agora escrevo.

Um Feliz Natal para todos.

Um forte, enorme, imenso abraço camarigo para todos do

Joaquim
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2. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 27 de Dezembro de 2010:

BOAS FESTAS...

Agora que o Natal já passou, espero que tenha abrandado o frenesim dos votos de ‘boas festas’, do ‘Bom Natal’, das prendas, de toda a carga mais ou menos sentimentalista desenvolvida a partir do acontecimento comemorado.

Não pensem que sou insensível à época, não senhor! Também costumo munir-me dos meus melhores sentimentos e procuro ‘espalhar’ o amor, a compreensão, a fraternidade, a solidariedade. Para aqueles que foram meus companheiros na ‘aventura africana’ digo-lhes que também tive dois Natais na Guiné, o primeiro em 1970, no interior, em Piche, e o outro, em 1971, já em Bissau. Foram dois momentos distintos na forma e no conteúdo, com posturas diferentes, com reacções diferentes, mas para relatar noutra ocasião e em local próprio.

Sei que o Natal é a época em que o ‘povo cristão’ comemora o nascimento de Deus, feito Homem. É o momento que ‘marca’ o cumprimento das promessas de Deus enviando o seu Filho para nos salvar, para redimir o Homem dos seus pecados, para nos transmitir a esperança de que depois do período de trevas em que a humanidade viveu ia abrir-se uma época de luz permitindo a salvação.

E é isto que é renovado todos os anos. A esperança dum tempo melhor, a partir duma redenção, originada pelo nascimento do ‘Menino Jesus’. E é isto que todos os anos é largamente esquecido em detrimento do consumismo e das palavras de circunstância. Ou seja, numa larga maioria de situações, o ‘motivo’ da Festa não é convidado para a mesma e isso desagrada-me.

Sei também que antes do cristianismo, os povos, principalmente aqueles com rituais ligados aos fenómenos da Natureza, aos movimentos solares, também comemoravam uma situação semelhante no sentido da ‘vitória da luz sobre as trevas’, consubstanciada naquele fenómeno que conhecemos por ‘solstício’. Neste caso, o solstício de Inverno, ocorrido sensivelmente na época do Natal cristão, também ilustra o momento em que as trevas atingem o seu máximo sendo que depois haverá todo um crescimento da luz, do calor, da Vida. Comemoravam o momento em que a esperança renascia com a certeza que iriam caminhar para tempos melhores.

Sei, por isso, que o cristianismo triunfante fez muito bem em ‘enquadrar’ essas práticas ancestrais dando a lição (raramente aproveitada por outros em situações em que o deveriam ter feito) de como se deve aproveitar aquilo que é a tradição, aquilo que está arreigado no sentir do povo, para lhe dar um novo enquadramento, uma nova visão, ou justificação, para uma mesma ‘razão de ser’.

Depois disto espero que os meus queridos amigos, os meus ‘irmãos’, os meus camaradas e até também ‘os outros’, compreendam porque não fui pródigo em mensagens e outras manifestações do género, correntes nesta época. E espero que dessa compreensão resulte a concordância.

Dentro da mesma linha, perfila-se agora o “Bom Ano Novo”. Só podem estar a brincar….

O que é preciso, mais do que votos de ‘Feliz Ano Novo’, ‘tudo de bom’, ‘todos os sonhos realizados’, ‘muita Paz, Saúde e Prosperidade’, etc., é coragem para persistir na vontade de contribuir para mudar o que se acha que está mal.

Não basta ‘vociferar’, chamar nomes feios aos que nos desgovernam. Há que não desistir de lutar. Volta a fazer sentido “ousar lutar para ousar vencer” mas é necessário muito cuidado para não se cair nas teias daqueles que espreitam e manipulam para aproveitar certos ‘voluntarismos’.

Não tenho ‘receitas’ para vencer a descrença e voltar a ‘levantar a cabeça’. Mas digo-vos que às vezes encontro alento na leitura dum poema de Brecht que diz “…ouvimos dizer que estás cansado…”, ou ouvindo com o som bem alto, pelo menos na parte final, uma canção chamada “The Boxer” de Simon & Garefunkel, ou o “Hey Jude”, dos Beatles, “Cry Baby” da Janis Joplin, também ajuda Mozart, a ‘Abertura’ da 1812 de Tchaikovsky, Elgar, etc. Que cada qual encontre o seu ‘motor de arranque’. Que temos a perder? Acham que ‘os mercados’ vão reagir negativamente ao nosso empenho para resistir a estes ‘tempos de perdição’?
Para terminar com uma nota positiva, queria deixar aqui uma espécie de prece aos meus Irmãos, aos meus Amigos e aos meus Camaradas, quer se encontrem em terra, no mar ou no ar, em que lhes desejo um pronto restabelecimento dos seus males e um rápido regresso a casa, se for esse o seu desejo.

“Feliz Ano Novo”!.
Hélder Sousa
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3. Mensagem da nossa tertuliana Maria Teresa Almeida (Liga dos Combatentes), com data de 27 de Dezembro de 2010:

Boa tarde meu estimado Combatente do Ultramar - Sr. Carlos Vinhal - GUINÉ


Leio várias vezes ao dia o blogue do Luís Graça e Camaradas da Guiné, de bastante interesse, para quem tem de lidar com a guerra, para assim, não a fazer esquecer, pois marcou tantos jovens. Onde consta o seu nome.

Aqui na Liga dos Combatentes, é o meu dia a dia eu e os Combatentes. É gratificante, custa muito ouvir o que sofreram, por isso NÃO PODEMOS NEM DEVEMOS ESQUECER OS COMBATENTES DO ULTRAMAR. APENAS ENALTECE-LOS, HONRÁ-LOS, DANDO-LHES A NOSSA GRATIDÃO, O NOSSO APREÇO E O GRANDE VALOR, é o que diariamente faço.

Pedia o favor de mencionar no blogue do Luís Graça os meus votos de BOAS FESTAS E FELIZ 2011, PARA TODOS OS COMBATENTES DO ULTRAMAR, de Norte a Sul de Portugal

Para o meu Estimado Combatente, e Família, envio votos de BOAS FESTAS E BOM ANO NOVO 2011

Um abraço de GRATIDÃO
Liga dos Combatentes
Teresa Almeida
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Nota do Editor

Vd. último poste da série de 27 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7508: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (20): Jorge Picado, o nosso querido capitão ilhavense

Guiné 63/74 - P7508: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (20): Jorge Picado, o nosso querido capitão ilhavense

1. Mensagem do nosso querido camarigo Jorge Picado (para quem essa época do ano está inevitavelmente associada à perda, em 26 de Novembro de 2007, da companheira de uma vida, mãe dos seus filhos e avó dos seus netos) (*) 

Data: 21 de Dezembro de 2010 15:50

Assunto: Natal da Tabanca Grande

Nesta quadra natalícia em que mais um ano chega ao fim e um novo se aproxima, não quero deixar de me dirigir a todos os meus companheiros de Tabanca, pois a minha "ausência" poderia significar esquecimento.


Se não o fizesse, quero que saibam que não seria esse (esquecimento) o motivo, pois que desde que aderi a este espaço, não mais deixei de vos ter sempre presentes, no pensamento, tal como aqueles com quem partilhei os dois anos de Guiné. 

Porém eu sou como sou e "burro velho já não muda", como também é costume dizer-se, e há duas épocas no ano que não são muito do meu agrado. Uma é precisamente esta. A outra é a da Páscoa. Não me perguntem qual a razão, já que não saberei explicar.

Assim, a todos os CAMARIGO(A)S desta TABANCA GRANDE e àqueles das OUTRAS TABANCAS que se foram multiplicando e que não tenham ainda aderido à sombra do POILÃO-MOR, bem como suas Famílias, daqui desta Terra de ex-marinheiros onde o "fiel amigo" reinava e agora se importa, desejo-vos UMAS FELIZES CONSOADAS, com muita Saúde, Paz, Amor e um ANO de 2011, a que não chamo de novo, pois todos já sabemos que vai ser mesmo velho, talvez como nos inícios do passado Séc.XX, para não recuar mais, mas como dizia, um 2011 sem mais PEC´s, pelo menos e muita SAÚDE, para o enfrentar.

Abraços, do tamanho do Mansoa ao Cacheu, de um dos mais velhos

Jorge Picado
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Notas de L.G.



(*) Maria José de Senos da Fonseca Picado (1938-2007) foi a co-fundadora e dirigente da CASCI (Centro de Acção Social do Concelho de Ílhavo), uma notável obra de solidariedade, com mais de 300 funcionários que benefica muitas centenas de cidadões e suas famílias (900 utentes) não só de Ilhavo como de concelhos limítrofes. Faleceu, nova,  aos 69 anos, em 26 de Novembro de 2007. Era carinhosamente conhecidacomo a Dona Zeca.
Sucedeu-lhe na presidência da direcção o seu irmão Senos da Fonseca. 


Segundo informação do Diário de Aveiro, no final de 2007 as valências do CASCI espalhavam-se pelas seguintes localidades (i) Costa Nova (Centro de Infância com creche, jardim-de-infância e ATL, Departamento de Educação Social, Centro de Reabilitação e Formação Profissional para pessoas com deficiência e Centro de Apoio Ocupacional para pessoas com deficiências graves), (ii) Barra (Centro de Infância com creche, jardim-de-infância e ATL), Colónia Agrícola (Centro de Reabilitação e Formação Profissional da Gafanha para pessoas deficientes) e (iii) Ílhavo (Centro de Infância com jardim infantil, ATL e escola de educação especial, Residencial para pessoas da 3.ª Idade e Residencial para crianças e jovens portadores de deficiência grave).


Deixou viúvo o nosso camarada e amigo Jorge Manuel Simões Picado. Os seus filhos Ana Constança, Jorge Manuel, João e José Senos da Fonseca Picado já existiam quando o pai, engenheiro agrónomo, foi chamado para a Guiné, com 32 anos (se nãp erro)  como comandante operacional. [Foto acima, a amorosa casa da família, na Costa Nova] (L.G.) (**)

(**) Último poste desta série > 

 25 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7502: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (19): José Barros Rocha, de Penafiel, ex- Alf Mil, CART 2419 (Mansoa, 1979/70)

   

Guiné 63/74 – P7507: Parabéns a você (193): José Pedro Neves (ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 4745 (Editores)


1. Completa hoje o seu 59º Aniversário o nosso Camarada José Pedro Neves, que foi Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 4745/73 - Águias de Binta,
Binta, 1973/74:
O pedro Neves com o seu jovial e amigo pai na festa da Natal RANGER em Fátima
O Pedro Neves na festa Anual da Associação de Operações Especiais, com a sua inseparável esposa Ana
Fotos: © Magalhães Ribeiro (2010). Direitos reservados.
2. Em nome do nosso Camarada Luís Graça, colaboradores deste blogue e demais elementos desta tertúlia “tabancal” desejo, que no festejo de mais este aniversário, sejas muito feliz junto da tua querida família e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.
Que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos te possa enviar mensagens idênticas a esta e às que hoje lerás no “cantinho” reservado aos comentários.Estes são os sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, com um grande abraço
fraterno.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

20 de Dezembro de 2010 >
Guiné 63/74 – P7476: Parabéns a você (192): José Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350 (Miguel Pessoa & Editores)

domingo, 26 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7506: Tabanca Grande (256): João Bonifácio de volta ao Canadá, desiludido com Portugal

1. Mensagem do nosso camarada João Bonifácio* (ex-Fur Mil SAM, CCAÇ 2402, , Mansabá e Olossato, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2010:

Olá Amigos da Tabanca.
Em primeiro lugar desejo a todos um Feliz Natal com as vossas famílias e um Ano 2011 com SAÚDE, já que como sabem, a partir de agora é só Ski Alpino.

Cá estou de novo, depois de uma longa ausência.

Como todos sabem, ou pelo menos alguns que visitam a Tabanca para saber das novas, eu consegui sobreviver a esta entrada brutal que fiz em Portugal, ainda no inverno passado.

Não vou aqui falar de Portugal, pois todos vós sabeis muito mais do que eu, em especial se levarem em conta que vivi no estrangeiro 37 anos, mais propriamente no Canadá, um país digno e que prima pela sua maneira de estar no mundo, onde os seus cidadãos são tratados como humanos. Enfim, a verdade é que desde 2007 e com a aproximação da minha reforma, eu comecei a sonhar, que talvez não fosse má ideia regressar ao meu país de origem, em especial pelo seu clima ameno e tropical, onde apesar da humidade, os invernos seriam toleráveis. A verdade é que o sonho bem depressa se começou a transformar no maior pesadelo da minha vida, e nisto e em termos de comparação, a minha estadia na Guiné, até se pode dizer que foram umas férias de 21 meses.

A escritura da casa não foi em Janeiro mas só em fins Maio e isso me obrigou a aceitar o favor de uns cunhados, com quem partilhei a vida durante 3 meses e meio. Nesta altura, todos já compreenderam que esta situação e intolerável para qualquer humano. Com toda a boa vontade possível, a verdade é que eu comecei a sentir muita ansiedade e os nervos começaram a transformar o meu dia-a-dia num inferno autêntico. Em Julho mudei para a minha casa, mas o estrago estava feito. A esposa começou a sentir os efeitos de tudo o que se tinha passado, e por duas vezes tive que visitar os serviços de urgência do hospital Garcia da Horta em Almada. Na segunda visita eu achei que já chegava de sofrimento, pois é fácil tomar decisões quando se passam 8 horas num serviço que não funciona e onde tudo falta, até a higiene, para não falar da falta de pessoal e os modos como tudo se mexe à volta dos doentes.

Foi ali que eu jurei e prometi a minha esposa que iríamos regressar ao Canadá. A verdade é que nos não podemos criticar o que existe, pois muita gente acha e me tem dito que o Hospital é excelente. Contudo, ao fim de 37 anos, nos estávamos habituados a outros “standards”, e por isso sentimos que a adaptação de minha esposa iria ser muito complicada. Este Natal ira ser, assim o espero, o primeiro e o ultimo que aqui passamos. Portugal, e nem falo da crise económica, pois irei sair bem derrotado, é um país onde é urgente que os hábitos e os modos de governar dos políticos tem de ser alterados. É flagrante o modo como toda a gente pode ver quanto mal eles fazem ao povo em geral com as suas leis protectoras dos grandes interesses económicos, mas ninguém pode fazer nada para resolver ou pelo menos minimizar os problemas.

Tudo junto, podemos apenas acreditar que também este pesadelo se ira resolver, como o meu. Portugal, é sem duvida nenhuma um país com uma localização previligiada, mas muita coisa terá de ser alterada, se deseja ser reconhecido como um grande pais de turismo. Para mim seria bom, pois poderei sugerir o meu país aos amigos que deixei no Canada. Mas para isso o Governo terá de resolver o problema da segurança dos seus cidadãos. De momento, Portugal é um país sem lei, e onde todos nós vivemos com medo de podermos passear a noite.

Meus amigos, esta foi a experiência da minha vida, com muitos efeitos negativos, mas também meia dúzia de positivos. Apesar da sua modernidade, e de tanto se falar em TGV’s, Portugal e os portugueses precisam de um bom sistema de saúde onde os impostos que se pagam sustentem o mesmo sistema. Precisamos que os preços de roubo dos combustíveis suportem o custo das portagens, e os portugueses não paguem por terem de se movimentar. Terão de olhar o futuro com outra motivação, olhando para os jovens de hoje como os governantes de amanhã. Tratarem com dignidade os idosos, que em Portugal e de um modo geral, são seres descartáveis, tanto pelo sistema social como pelas bases estruturais familiares.

Amigos, eu levo o meu coração muito ferido pelo que aqui tive oportunidade de assistir. Eu sei que nada poderei fazer para mudar as coisas, mas tenho a firme certeza, de que pelo menos, a minha vida ou o que dela eu poderei ter, será muito mais feliz no pais que em 1974 me acolheu com um emocionante “Welcome to Canada”.

Deixo-os com os meus votos e desejos de que tudo vos corra pelo melhor, a nível pessoal e familiar e por favor SEJAM MUITO FELIZES.

Um dia eu voltarei aqui para lhes dar conta da minha camaradagem para com todos vós.

Um GRANDE ABRAÇO aos que continuam a trabalhar neste Blogue.

BOAS FESTAS CAMARADAS e ATÉ UM DIA...

João G Bonifácio
Ex-Fur Mil do SAM
CCAÇ 2402 Guiné, 68/70
__________

Nota do Editor

(*) Vd. poste de 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6093: Tabanca Grande (209): Regressei a Portugal depois de 36 de ausência, mas encontrei a mesma burocracia (João Bonifácio)

Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7473: Tabanca Grande (255): António Clemente (CCAÇ 764, Aldeia Formosa, Colibuía, Cumbijã, 1965/66), apresentado pelo seu camarigo de Tavira, Mário Fitas

Guiné 63/74 - P7505: Blogoterapia (170): A Casa da Praia (Torcato Mendonça)

1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), com data de 21 de Dezembro de 2010:

Caros Editores
Vai direito ao Carlos Vinhal, ao Blogue certamente e se apanhar o Luís Graça que a ciática, estúpida dor, o deixe de atormentar.

Por isso, pelos meus tormentos do passado, sentei-me e escrevi. Devia ter revisto melhor Mas é Natal e lembrei-me de algo que me atormentou e, porque não, de algo que me foi querido e no Natal seguinte de mim desapareceu.

Vamos perdendo e ganhando neste passar pela vida.

Um Bom Natal para Vocês, para a Familiar e para Todos, crentes ou não desde que sejam Homens de Boa Vontade, de Dádiva e Amor ao Próximo.

Fazem disto o que entenderem é vosso e vosso também é um abração que vos envio,
Torcato


A Casa da Praia

O copo rolava entre os dedos, atravessado pelo olhar a perder - se logo ali ou a projectar-se longe, muito longe, de onde só parte dele voltara.

Para lá voa o pensamento e isso tornava o olhar amortecido, baço, amarrotado.

Buscava o quê e porquê? Por nada? Por uma desejada aquietação, uma adaptação a esta nova realidade diferente e incómoda.

Por estranho que lhe parecesse era o seu mundo. O mundo do seu viver de outrora. Certamente não tinha ficado estático, certa e naturalmente avançara, como na canção - …pulara e avançara como bola… ele não. Por isso ali estava, parado, preso ao breve momento, ao rolar do copo, aos mil pensamentos a irem e virem, tentando aos poucos, sair daquele torpor e caminhar por um novo trilho. Qual?

-Dás-me um cigarro?

Sobressaltou-se e olhou-a. Cabelos negros caídos, olhar amendoado, sorriso leve a sair de uma boca de desejo.

Mal esboçou o gesto de se levantar. Viu-a sentar e sorrir em espera do pedido feito.

- Dá duas ou três fumaças antes. Não gosto do sabor a gasolina do “Zippo”.

Falaram um pouco e pediu para ele a acompanhar à casa da praia.

Já no carro olhava a imensa planície, a charneca, as árvores e, até sobre isso fazia comparações, até nisso estabelecia a diferença com as bolanhas.

- Dá-me outro cigarro e diz-me porque vais tão calado. Estás sempre ausente. De quando em vez pareces desaparecer. Estás diferente, tão diferente

- Observo só e já vejo o mar. Não vale a pena fumares a esta velocidade.

A aldeia apareceu ao fim da recta, numa visão de quietude, casas brancas ladearem a estrada que, aos poucos, se tornara rua.

Sentiu um pouco de frio ao descerem do carro. O cheiro da brisa marítima e o som ritmado da ondulação forte adocicavam o ambiente e acalmavam-no.
Enlaçou-a pela cintura e sentiu o ligeiro estremecer.

- Tens frio?

- Um pouco. Vamos já a casa e depois ao café. Deves querer comer perceves. Tenho uma proposta a fazer-te: porque não passas uns dias aqui, na casa da praia? Fazia-te bem. Pensavas, estavas junto ao mar, eu vinha cá uma ou outra vez. Depois do Natal claro.

Nada disse e nem quis entrar. De facto, talvez ali se encontrasse melhor com ele. Depois do Natal, claro. Este ano iria passá-lo com a família.
O ano anterior passara-o com outra família, o pessoal da CART 2339. Recordava os rostos de seus camaradas, expressões de alheamento ao que se passava em redor, pensamentos a irem para junto de seus familiares. Faziam, mesmo assim, tentativas de ali fazerem Natal. Apareceu bacalhau, talvez liofilizado, batatas e outras imitações para enganarem mentes e paladares.

Natal a quarenta graus, mas era Natal.

Recordava-se de se sentir mais atento, besta militar que era e, por isso mesmo, atento a um possível ataque a Mansambo. Eles estavam logo ali e nada tinham a ver com o Natal ou com a vida deles.

Outrora ou agora era ilha, era um homem só, um sujeito, quer lá ou cá, deslocado, em grande parte, de si.

Houve jantar e alegria em Mansambo, meninos sem prendas, meninos homens de rostos fechados em sorrisos forçados, ali e, todos eles iam muito mais para além, para junto de outros que amavam e a brutalidade imposta não apagara.

Esses outros, estando nesse além para onde parte deles ia, certamente neles pensavam e, porque não, alguma lágrima furtiva pelas caras rolara.
Eles não. A maioria, quase a totalidade, secara as lágrimas há muito. Natal no mato, na mata, naquele lugar erguido por eles e transformado em aquartelamento, em lugar de viver, de lutar. Lugar a muito e a nada dizer.

Sentiu o leve toque dela e disse-lhe de pronto.

- Aceito. Depois do Natal venho até cá uns dias Só. Eu e o ruído do mar podemos encontrar um caminho. Espero que não o das caravelas.

- Pensas voltar? É isso que queres? Ainda?

- Irei pensar e certamente encontrar-me melhor. Percebes?

Porque não vamos á procura de perceves ou de uma sapateira…?

Hoje, quarenta anos depois, recorda ainda quanto foi difícil adaptar-se à vida civil… tanto tempo, tantos Natais depois de só um por lá passado.

Quase Natal de 2010
__________

Notas do Editor:

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7435: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (26): Siga a Marinha (Torcato Mendonça)

Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7503: Blogoterapia (169): Para quando um Soldado Deconhecido das últimas guerras de África? (José Belo)

Guiné 63/74 - P7504: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (7): O primeiro dia no Cuor

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Dezembro de 2010:

Malta,
Foi um dos dias mais tumultuosos da viagem. É melhor suspendermos a narrativa em Missirá, tenho muitas responsabilidades com a viagem que vou fazer a Mato de Cão e Chicri. Em Mato de Cão vou recolher imagens do que resta do destacamento. E Chicri, asseguro-vos, continua a ser um dos lugares mais belos do mundo.
Tudo isso será contado amanhã, tenho responsabilidades com quem calcorreou estas paragens ou ali viveu.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (7)

Beja Santos

O primeiro dia no Cuor

1. Ainda não são sete da manhã, o Tangomau põe-se de sentinela a olhar o sereno, parece algodão em rama muito fino, uma evaporação por cima de Bambadinca e das bolanhas da Ponta Nova e Finete. Antes que cheguem Calilo e Iaguba, convém pôr alguma ordem nos apontamentos dos primeiros dias de viagem. Gente de todas as idades, muitas vezes anunciando-se com cantilenas, descem do Bairro Joli para a fonte de Ponta Nova, para baixo vão lampeiros e coleantes, para cima não dissimulam o peso da água em contentores por vezes desmesurados. O Tangomau interroga-se se deve voltar ao HM 241, quando regressar a Bissau, o que viu na noite da chegada e durante as andanças entre Bissalanca e Bandim justificam, sopesados os argumentos, que não, há um limite para observar as ruinas, os escombros ou até aquele cego desdém ao património colonial. Escreve no caderninho: não voltar, não voltar também ao Mercado Central, recusar uma visita a Bafatá. Pelo contrário, tudo fazer para percorrer a estrada entre Amedalai e Moricanhe. E mais anotou: só para abraçar estes queridos amigos, valeu a pena, o Madjo Baldé, o Djiné, o Zé Finete, o Sadjo, o Mamadu; o ter encontrado Dungo Queta, o guarda-costas do Jorge Cabral, que prometeu entregar a lista dos soldados. Na véspera, o homem grande, Fodé Dahaba, foi categórico: “Amanhã vamos para o Cuor, primeiro vamos a Madina de Gambiel, depois Cancumba e depois Missirá. Ficas a saber que Missirá te prepara uma recepção. No regresso vamos a Mato de Cão e Chicri. Mas se ficarem coisas para ver, não te preocupes, voltamos lá”. O Tangomau replicou, quase indignado, que havia muito mais coisas para ver: Então Finete? Então Malandim? Então Gambaná? Então Canturé? E Gã Gémeos? E as novas tabancas de Sansão e Maná? O homem grande encolheu os ombros, por esta é que ele não estava à espera.

Abudu (Abudurramane Serifo Soncó) em casa do Tangomau, durante uma sessão de preparativos para a viagem. O dia vai-lhe ser dedicado. Ele vai para Lisboa em 1996, na esperança de amealhar uns tostões para educar os filhos. Abandonou a profissão de professor e atirou-se à construção civil em Portugal. Tudo foi bem até aos enfartes do miocárdio. Que ele fique a saber que o carro de combate que leva Fodé, Mamadu Djau, Sadjo Seidi, Madjo Baldé e o Tangomau, entre outros, se encaminha para o interior do Cuor recordando as suas saudades da terra natal. Dentro em breve o Tangomau vai beijar Mama Mané, a sua mãe octogenária, que fugiu espavorida de Missirá, depois do ataque de 19 de Março de 1969.


2. Chegam os meus acompanhantes, nova grande surpresa: Dauda Seidi, que foi soldado milícia em Missirá, e que vive agora em Cambessé, perto do Xitole, vem abraçar-me, vai seguir connosco para o Cuor. Seguimos para as compras, o Tangomau foi estupidamente aldrabado no talhante, deram-lhe carne de vaca podre. No dia seguinte ele irá perorar e imprecar em frente do farsante: “Rachid, que o Profeta à porta do paraíso te obrigue a comer durante um ano a carne que me vendeste!”. A viagem segue o seguinte itinerário: contornando Bantajã, segue-se para a bolanha de Finete; na estrada de Bissau, vira-se à direita, como se fôssemos para Canturé, vira-se então à esquerda e caminha-se já com os grilos estridentes na velha estrada de Gambaná, como se fôssemos para Cancumba. Nova guinada à esquerda, o Tangomau está desorientado e por duas razões: o carro de combate de Fodé vai praticamente com as rodas da esquerda no ar, se ele não morrer de acidente, é fatal como o destino que nunca mais morrerá de acidente; e o que se chama Gambiel vai dar origem a muita discussão, toda esta peregrinação sinuosa anda à volta do rio de Biassa, segue para Sancorlã, o que eles chamam Gambiel é pura fantasia, entrámos nas florestas de algumas das madeiras mais exóticas do mundo, é uma atmosfera de grande aridez, é uma paisagem familiar, fazia parte dos 16 itinerários que o Tangomau traçara para chegar a Mato de Cão. Este era um dos calvários da época seca, sofria-se bastante à ida ou à volta, quando se apanhava a fornalha do sol. O Tangomau gritou até que todos se calassem mesmo os habitantes da localidade: isto não é Madina de Gambiel, é Madina de Biassa!

É aqui que o Geba separa Bambadinca do Cuor. O Tangomau ainda insistiu em cambar para a bolanha de Finete, fazê-la a pé como nos bons velhos tempos de viatura avariada em que toda a gente carregava a comida e as munições à cabeça. Só que o trilho se transformou numa estreita linha de passagem, para quem tem a coluna num oito não é viagem recomendável. Entendeu-se, pois, que se devia aproveitar o alcatrão até perto de Canturé e depois aproveitar as velhas estradas. Começava a peregrinação da rota nostálgica, o Cuor de Finete, o Cuor de Canturé, o Geba em Mato de Cão, o regresso à Jerusalém Celeste, Missirá


3. Primeira discussão do dia com o homem grande Fodé Dahaba. Se ele quer sessão de cumprimentos em Canturé e evento social em Finete, depois só há tempo para ir a Missirá e Cancumba. Ele interpela porque é que se vai a Cancumba, é facto que há lá uma tabanca, mas qual é a importância de Cancumba? Sem perder as estribeiras, o Tangomau recordou-lhe que era dali que vinha a água, sem aquela fonte era como viver num lugar ermo do Sahara, era igualmente dali que vinha o fogo das flagelações, por ali passávamos em patrulhas de nomadização ou num dos percursos de acesso a Mato de Cão. Dada a explicação, desfeitos alguns equívocos, seguiu-se para Madina de Biassa. O que jamais se esquecerá é o encontro com outro soldado milícia, Mamadu Mané. Houve grandes alegrias, o reconhecimento não foi difícil, o Mamadu mantém o ar acriançado. A fotografia era inescapável, guarda estilhaços na região frontal e no pescoço. Não é deficiente das Forças Armadas, não tem direito a tratamentos. O Tangomau tinha a garganta seca: é injustiça demais que este combatente viva com a saúde abalada e nós a ignorá-lo. Ei-lo aqui, para nossa vergonha.

Madina de Biassa é uma das povoações novas do Cuor. Aqui chegou a haver três quartéis durante a guerra: Finete, Missirá e Mato de Cão; o PAIGC acantonava-se em Cabuca, Madina Belel e Banir – eram estas as forças em presença, como soe dizer-se. Com a independência, brotaram Malandim, Mato de Cão, Saliquinhé, Chicri, Gãbaná, Maná, Sansão e Madina de Gambiel. Mas o Tangomau tem de voltar à Guiné pois desconfia que há ainda muito mais vida para pesquisar dentro do Cuor.


4. De Madina de Bissa a peregrinação rumou para Camcumba. A paisagem mudou. Houve um projecto italiano e a fonte está disciplinada. A nova tabanca custou a vida de muitas palmeiras, Cancumba não era assim. O Tangomau não parava de meditar sobre aqueles dois quilómetros que separavam Cancumba de Missirá, os bidões a rolarem pela estrada quando as viaturas estavam avariadas. A tabanca é harmoniosa, fez-se uma breve paragem para saudar os habitantes, ala morena que se faz tarde, agora vamos a correr para Missirá.

Recorre-se a um lugar-comum para dizer que o que se viu há 40 anos foi mudado pela natureza ou pela mão do homem. As recordações de há 40 anos desorientam o visitante. Onde ele se sentiu melhor é naquela estrada que outrora ligava Bissau a Bafatá. É uma laterite muito especial, cheia de terreno pedregoso, faz parte do Cuor árido, mais árido do que aquilo só Cabuca, Madina e Belel. E no entanto o Tangomau extasiou-se com aquela natureza selvagem, a zanguizarra dos grilos em Novembro, as borboletas multicolores, os pássaros, até os macacos. Talvez a delirar, o Tangomau entendeu tudo como uma recepção triunfal, 40 anos depois.


5. Para não entrar imediatamente em pranto, o Tangomau, logo à chegada a Missirá pediu para ir ver o túmulo do irmão, o régulo Bacari Soncó, um irmão profundamente amado e admirado. Aqui se ajoelhou, rodeado dos Soncó, dos Indjai, dos Mané. Deus sabe o que ele deve à dedicação deste homem integro e valoroso. Depois, antes que o homem grande Fodé Dahaba subisse ao púlpito e fizesse novo discurso, vagabundeou pela velha Missirá, a inexistente, onde ele viveu 17 meses a fio.

Os mandingas são sepultados de muitas maneiras. Gosto muito deste cemitério coberto, Bacari tem terra em cima e aguarda a companhia de outros familiares. Deus misericordioso tenha compaixão deste homem bom, meu dedicado companheiro de armas.

Na deambulação, o Tangomau confirmou aquilo que toda a gente sabe: com o velho se faz o novo, basta olhar para aquelas chapas. Aqui, começaram a escorrer algumas lágrimas tímidas, aqui situava-se o seu abrigo, mais à frente a casa do padre, Lânsane Soncó e mais à frente o balneário, um pouco à esquerda, fora desta imagem, um espaço a que se chamava o refeitório que tinha ao lado o armazém de víveres. Mudam-se os tempos, mudam-se as finalidades.


Aqui está o comité de recepção: de pé, a partir da esquerda, Inderissa Soncó, Sana Mané, Ansumane Indjai, Cali Soncó, Braima Mané. De joelhos, à esquerda, Lamine Mané e Iusso Soncó. O Tangomau estava a jogar em casa, estas eram as crianças do seu tempo, uns usaram Mauser, outros sofreram os efeitos das flagelações e dos ataques, outros ajudaram na cozinha ou dela beneficiaram. Lamine lembrava-se do Natal de 1968, recebera prendas. Foi um momento extraordinário, evitámos falar nos nossos queridos mortos, não houve amargor pelas muitas privações porque continuam a passar. A seguir, Fodé Dahaba tomou conta da banda, os Dahaba aqui também pontificam. Aliás, o Fodé tem família em toda a parte. Depois houve discursos, foram entregues petições, o Tangomau comoveu-se quando apareceu Mama Mané, a mãe de Abudu. O passado tornou-se presente, havia que explicar àquela octogenária que o filho não deve viajar, aquelas paragens não são boas para quem já teve dois enfartes do miocárdio.


Mama Mané panejada como se estivesse em cerimónia. Só perguntava pelo filho, irrompemos num choro miudinho, uma mulher grande recompõe-se rapidamente, Mama Mané vem da linhagem real, os reis não devem chorar em público.

Aqui se interrompe a viagem, leitor e narrador têm direito a uma pausa. A viagem é quase interminável, vamos prosseguir amanhã, mesmo que se esteja a meio do dia. E, meu Deus, daqui ainda se vai partir para dois lugares santos: Mato de Cão e Chicri.

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
__________
 
Nota do editor:
 
Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7462: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (6): Bambadinca, recordações da casa dos mortos

Guiné 63/74 - P7503: Blogoterapia (169): Para quando um Soldado Deconhecido das últimas guerras de África? (José Belo)

1. Mensagem de José Belo (*), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 17 de Dezembro de 2010:

Caros Camaradas e Amigos. 
Nas Festas que se aproximam, junto aos nossos familiares e amigos num calor de profundos sentimentos feito, há sempre algum doloroso minuto em que, involuntariamente, o nosso pensamento voa em recordações de camaradas que, como nós partiram, mas... não voltaram.

Ao olhar a fotografia tirada por Mário Beja Santos (publicada no blogue) da sepultura de um Soldado de Portugal, veio à memória o poema: "O menino de sua Mãe".

Jovem de vinte anos, usado e abusado em guerras não suas, decididas pelos que, com criminosa soberba subestimaram os maremotos da História.

Quem seria este jovem? Mas, e principalmente... QUEM PODERIA TER VINDO A SER? Para nós, os que sobrevivendo voltámos... a família, os amigos, o futuro....a vida! 

Este jovem camarada, nem morto teve possibilidade(económica?!) de voltar. Esquecido num miserável canto de tabanca perdida  é uma ferida aberta que nos deverá fazer parar e meditar.

A tão repetida frase "Do Minho a Timor" que tanto nos enche de orgulhos vários, marca uma rota semeada em todo o seu tão longo percurso por campas de soldados e marinheiros de Portugal... algures... esquecidas? 

A participação Nacional na primeira Guerra Mundial não foi aceite por todos os grupos políticos de então. As divisões foram longas e profundas. Mas um Soldado desconhecido caído na Flandres, e outro em África, estão hoje sepultados no Mosteiro da Batalha.

Quando haverá coragem política, (ou não será antes PATRIOTISMO sem mais adjectivos), para, no mesmo Mosteiro, lado a lado com os Camaradas de então, dar sepultura a um Soldado Desconhecido das últimas guerras de África?

Controversial para alguns vivos? Mas não será antes honrar os mortos do que se trata? 

Um abraço amigo.
J.Belo
Kíruna/Dez.2010.


O Menino de Sua Mãe

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado-
Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe.»

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe

Fernando Pessoa
__________

Notas do Editor:

(*) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7465: (Ex)citações (121): A política dos povos é algo demasiadamente importante para ser entregue a militares (José Belo)
Vd. último poste da série de 30 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7362: Blogoterapia (168): Por que somos Camarigos, isto é, camaradas + amigos (Joaquim Mexia Alves)