quinta-feira, 19 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8299: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (3): Actividade da CCAÇ 2403 e participação na Operação Mabecos Bravios




1. Terceira parte da publicação da História (resumida) da CCAÇ 2403/BCAÇ 2851, Nova Lamego, Piche, Fá Mandinga, Olossato e Mansabá, 1968/70), envida pelo seu Comandante, ex-Cap Mil Hilário Peixeiro*, actualmente Coronel na situação de Reforma.






História (resumida) da CCaç 2403 – Guiné 1968/70 (3)

Actividade da CCAÇ 2403 e participação na Operação Lança Afiada

Com a chegada da CCaç 1790 a Nova Lamego a CCaç 2403 recebeu ordem de marcha para o Olossato com passagem por Fá Mandinga (onde Amílcar Cabral tinha trabalhado num projecto agrícola) e aí ficou mais de 1 mês, em missão de intervenção do Comando de Agrupamento de Bafatá. Era um local sem mosquitos, talvez único na Guiné, certamente devido a uma enorme colónia de morcegos instalada nos telhados dos edifícios existentes. Neste tempo de permanência em Fá, a Companhia foi ocupar o quartel de Fajonquito para libertar a CCaç local para uma Operação na respectiva área de acção. A seguir foi mandada efectuar uma Operação no Sara, conjuntamente com o Pel Caç Nat 52 do Alf Mil Beja Santos que tinha um prisioneiro que conhecia a localização de um objectivo.

Na noite de pernoita antes do objectivo o prisioneiro fugiu e de manhã foi accionada uma mina antipessoal que provocou ferimentos graves num Sargento de 2.ª linha do Alf Mil Beja Santos e no Soldado Pereira, da Companhia. Quebrada qualquer surpresa para abordar o objectivo e havendo necessidade de fazer a evacuação dos feridos, em perigo de vida, tentou-se, sem resultado durante algumas horas, contactar o Comandante do Batalhão para dar a Operação por finda e pedir as evacuações. Enquanto se procurava um local onde o Heli pudesse aterrar, o estado do Soldado Pereira, com as duas pernas arrancadas abaixo do joelho, ia piorando rapidamente. Finalmente e com a ajuda dos espelhos que cada militar transportava consigo, um DO localizou a Companhia e conseguiu-se pedir a evacuação para um local já encontrado.

Entretanto deu-se mais um ataque de abelhas e para as afastar alguém lançou uma granada de fumos que incendiou o capim, já o Heli se aproximava. Quando se preparava para aterrar o local estava em chamas mas não foi impedimento suficiente para o piloto, num gesto de extraordinária bravura e abnegação, poisar e uma Enfermeira Pára-quedista receber os feridos. Os seus nomes não são referidos por não se saberem.

No dia seguinte, uma mensagem informava a Companhia do falecimento do Soldado Pereira, em 22 de Fevereiro de 1969, que chegara ao Hospital ainda com sinais de vida, muito débeis. Foi o 2.º morto da Companhia. À sua família foi escrita uma carta comunicando que morrera em paz com o pedido ao Capitão que lhe retirasse do bolso uma nota de cem escudos e a desse a Nossa Senhora pela sua alma o que não foi cumprido por se pensar que se chegasse vivo a Bissau estaria salvo.
Acompanhada do Comandante do Batalhão, Ten Cor Pimentel Bastos que se deslocou no Heli da evacuação, a tropa recolheu a quartéis.

Chegados a Fá começaram imediatamente os preparativos para a grande Operação “Lança Afiada”* na região do Fiofioli, onde nos últimos anos as NT não tinham intervindo e em que iriam participar 9 Companhias e importantes meios aéreos, com uma duração prevista de 12 dias. Para além do tradicional “matar, capturar ou, no mínimo correr com o IN”, a missão englobava também a destruição dos meios de subsistência dos guerrilheiros na posse das populações e retirar estas do seu controlo e deslocá-las para junto dos aquartelamentos militares. Cada Companhia deveria fazer-se acompanhar por cerca de 100 carregadores cada um com um pau, uma corda e um saco os quais transportariam um grande barco insuflável com remos, e 20 coletes de salvamento para travessia dos cursos de água da zona que, afinal, não existiam.

A 8 de Março a Companhia, como Destacamento D, iniciou a Operação com os 4 GComb a partir do Xime. Poucas horas depois o In começou a efectuar flagelações sobre os vários Destacamentos em acção mas sem oferecer resistência às reacções das NT. No 2.º dia o Alf Mil Brandão, psicologicamente incapacitado, foi evacuado e no 3.º ou 4.º dia foram recolhidos das Companhias os barcos e todos os seus acessórios, por desnecessários. As flagelações foram diminuindo em número e intensidade e ao 10.º dia, não havendo manifestações do In, com as populações refugiadas na margem oposta do Corubal e feito o esvaziamento dos celeiros de milho e arroz existentes, o General Spínola, recebido junto às tropas por mais um ataque de abelhas que o vento provocado pelo Heli abreviou, ordenou ao Coronel Felgas o fim da Operação, 2 dias antes do previsto, com o aproveitamento de uma lancha da Marinha para transportar as tropas para o Xime, porque a partir do dia seguinte não haveria qualquer apoio da Força Aérea, necessária para outras acções. Por razões de ordem técnica ou de navegação as tropas não foram embarcadas e regressaram ao Xime pelos próprios meios ou seja, a pé.

Nem o responsável pela Operação nem o responsável pela sua autorização perceberam que uma acção daquele tipo, com a retaguarda do In completamente livre de forças opositoras, apenas servia para o forçar a fazer o que fazia com regularidade e para o qual dispunha de meios, que era passar para a margem esquerda e aguardar o fim da Operação para voltar a passar para a margem direita. Se fosse uma Operação ao nível do Comando-Chefe, sem linhas limites de actuação, como acontecia quando se tratava de Operações de nível local, talvez o resultado tivesse sido outro, completamente diferente, para as NT. Operações ao nível do Comando Chefe (não consta que alguma tivesse sido realizada), em que todos os diferentes meios disponíveis fossem empenhados, é que podiam abater, no verdadeiro rigor do termo, um inimigo cada vez mais confiante na sua liberdade de acção.

Não era com companhias dispersas por todo o território, cuidando principalmente da própria segurança e subsistência em termos de água, lenha, verduras, etc, através da construção de abrigos, patrulhamentos e pequenas Operações com reduzidos efectivos na sua zona de acção que a situação geral podia, alguma vez, evoluir a favor das NT.

Com esta Operação a Companhia terminou a sua actividade no Sector Leste da Guiné e embarcou, dias depois, no Xime, com destino ao Olossato, via Bissau. O Comando com 3 GComb seguiu para o Olossato enquanto o 2.º Grupo, do Alf Mil Brandão, seguiu para Mansabá para reforçar aquela guarnição na protecção aos trabalhos da estrada em construção para o K3, junto a Farim. Mais de 8 meses depois da chegada à Guiné foi no Olossato que os soldados passaram a dispor de camas e de ventoinhas.

(Continua)
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8284: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (2): Actividade da CCAÇ 2403 e participação na Operação Mabecos Bravios

(*) Além do marcador "Op Lança Afiada" para consultar os postes desta II Série, consultar ainda os seguintes Postes da I Série:

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)"

Guiné 63/74 - P8298: In Memoriam (80): Teresa Reis (1947-2011). A minha homenagem ao Humberto Reis (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos com data de hoje, 19 de Maio de 2011:

Queridos amigos,
Só hoje soube da perda do Humberto Reis*, a quem me une tanta admiração e respeito. Devo-lhe imenso e a ingratidão não é o meu forte.
Estarrecido com a notícia, qual marretada, ocorreu-me prestar-lhe esta homenagem tão sentida. Não pode haver excesso quando o excessivo é a dor que ele sente.

Um abraço do
Mário


A ressurreição dos soldados

Beja Santos

Meu profundamente estimado Humberto,
Tu não sabes, parto sempre para férias sem telemóvel nem computador, para mim é um perfeito calvário manter uma comunicação em permanência, advertindo o interlocutor que ando fora de portas e que regresso no dia tal; acima de tudo, e dentro de certos limites, deixo pendência sobre tudo aquilo que é, enfaticamente, resolúvel uns tempos mais tarde.

Serve isto para te explicar que estive ausente de 4 a 18, só hoje de manhã, estuporado, dei com a calamidade que se abateu sobre a tua vida. Se recorro a um comentário público é porque muito te devo e porque muito te admiro, desde há décadas. Sempre apreciei a tua disponibilidade e a integridade do teu carácter. Devo-te inúmeras ajudas, desde os teus comentários e apreciações quando redigi dois livros sobre a nossa Guiné, foste insuperável com as imagens que puseste à minha disposição, devo-te a capa do Tigre Vadio, quando tu fotografaste do ar o esplendor do Geba estreito, aquele rio que literalmente separa a Guiné e une a minha juventude ao sénior que sou. Recordo o teu cuidado em trazeres-me as cartas geográficas que me garantiram fidedignidade na reconstituição dos meus passos em vários regulados e a prenda que, graças a ti, entreguei no INEP, as valiosas cartas que tinham desaparecido desde a guerra de 1998-1999 e que entreguei ao seu director, Dr. Mamadu Jao, que as recebeu emocionado. Não posso, pois, calar a consternação que sinto pela tua perda. Imagino o estado lastimoso em que te encontras. Aperto-te no meu peito.

Ocorre-nos sempre nestas circunstâncias juntar umas frases com empurrões de coragem e abraços de companheirismo. Tu mereces muito mais, tal o respeito que sinto por ti. Venho abraçar-te com palavras, contando-te uma experiência (por acaso, duas) que vivi nas minhas férias e que delego na tua dor. É a minha possível homenagem, curvado diante de ti.

Sempre às voltas com as minhas prosas remendadas, tenho procurado um final singular para a Viagem do Tangomau. A minha ida à Guiné, em Novembro passado, e para a qual tu colaboraste, foi determinante para encontrar os elementos cénicos apropriados. Mas faltava-me um dado subtil, uma espécie de apoteose para o reencontro com a nossa gente de Bambadinca e arredores. Foi nessa pesquisa que descobri o nome de Stanley Spencer, um artista britânico que combateu na frente de Salónica, durante a I Guerra Mundial. Sir Stanley Spencer (1891-1959) recebeu a encomenda para pintar uma capela de um proprietário da região de Hampshire, não muito distante de Oxford, onde eu estava a viver. Spencer deixou para a posteridade uma espantosa colecção de óleos num monumento artístico muito visitado, a Sandham Memorial Chapel. Meti-me ao caminho e fui admirar esta obra imorredoira, um políptico assombroso.

Diferente de tudo o que são, habitualmente, os relatos de guerra, o pintor exalta cenas do quotidiano, desde o tratamento dos feridos em enfermarias, as instruções de um oficial aos seus soldados, a lavagem de roupas na lavandaria, um banal quotidiano onde não há armas e a dor aparece transfigurada pela camaradagem que une todos aqueles jovens num estranho ermo, em local indecifrável. Porém, onde os visitantes permanecem mais tempo estarrecidos é diante do painel do altar central, intitulado A Ressurreição dos Soldados, por ali andei, em transe, e digo-te sem vergonha, ofuscado pela genialidade da proposta pictórica: os soldados ressurgem das suas tumbas, trazem a sua cruz, os seus equipamentos, até as suas alimárias, e como num Juízo Final, encaminham-se para uma figura de feições serenas e vestes brancas. Como não foi possível tirar fotografia com flash e não tenho o teu talento para captar o essencial desta beleza, ficas com a imagem possível.

Nesta ressurreição dos soldados transmito-te a essência do que foi, é e será a ternura de te ter como amigo, de ressurgirmos sempre nas venturas e desventuras, e mesmo nos pontapés do destino e nestas mágoas das nossas perdas. Aqui encontramo-nos sempre, aqui precisamos muito pouco de nos reconfortar com palavras, somos aqueles soldados da frente de Bambadinca, a frente que nos coube na roda do destino.

A ressurreição dos soldados, por Sir Stanley Spencer

O oficial lê o mapa e os soldados colhem flores, por Sir Stanley Spencer

Um soldado selecciona a roupa à saída da lavandaria (pormenor), por Sir Stanley Spencer

Vitral da capela de Sir Michael Sobell House, por Vital Peeters, 1996

Por razões que não cabem aqui mencionar, fui visitar amiudadas vezes, num subúrbio de Oxford, uma moribunda que ali espera a sua hora. Nesse local onde se assistem doentes terminais há uma capela com um vitral muito singelo mas com grande potencialidade apologética para as viagens que nos libertam da condição humana. Como sempre faço, aqui me recolhi e rezei por todos os nossos mortos, os da nossa guerra e aqueles que vêem associados à camaradagem que instituímos até ao fim dos nossos tempos. E se me permites, deixo-te aqui o espírito de uma pomba que partiu para o seu refúgio, é o Espírito que se foi sentar à direita de Deus Pai.

Desculpa ter sido longo e espero não te magoar por publicitar por este meio o turbilhão que me sacudiu logo de manhã quando soube da morte desse desvelo da tua vida.

Até sempre, abraçando-te afectuosamente,
Mário
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8290: In Memoriam (79): Teresa Reis (1947-2011). Agradecimento do nosso camarada e amigo Humberto Reis

Guiné 63/74 - P8297: Parabéns a você (260): Xico Allen, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 3566 - Os Metralhas (Tertúlia / Editores)


PARABÉNS A VOCÊ

19 DE MAIO DE 2011


NESTE DIA DE FESTA, A TERTÚLIA E OS EDITORES VÊM POR ESTE MEIO DESEJAR AO NOSSO CAMARADA XICO ALLEN AS MAIORES FELICIDADES E UMA LONGA VIDA COM SAÚDE JUNTO DE SEUS FAMILIARES E AMIGOS.
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Notas de CV:

Xico Allen foi 1.º Cabo At Inf na CCAÇ 3566 (Os Metralhas) que esteve em Empada e Catió nos anos de 1972 a 1974

Vd. último poste da série de 16 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8280: Parabéns a você (259): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 8351, Guiné, 1972/74 (Tertúlia / Editores)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8296: Convívios (341): Almoço/Convívio do BCAÇ 3883, dia 28 de Maio de 2011, em Viseu (António Rodrigues)


A filha do nosso Camarada António Rodrigues, enviou ao Luís Graça um e-mail solicitando a divulgação do Almoço/Convívio do BCÇA 3883.


Almoço/Convívio do BCAÇ 388328 de Maio de 2011Em Viseu


Boa noite,

Venho por este meio pedir, a divulgação, do almoço/convívio do Batalhão de Caçadores nº 3883, que esteve na Guiné em 1972/74.

Este vai realizar-se em Viseu no dia 28-05-2011, e quem estiver interessado em participar, poderá contactar António Rodrigues, através do telefone nº 232 911 172, Tlm 967 170 072, ou pelo e-mail: mrodrigues.c@hotmail.com

Desde já agradeço a sua boa vontade, e parabéns por o seu blogue.

Atentamente
Manuela Rodrigues (Filha de António Rodrigues )

No poste P7742, recorda-se assim o historial do BCAÇ 3883:

(i) O BCAÇ 3883 foi mobilizado pelo RI 2, tendo partido para a Guiné, de avião, em Março de 1972 ( o comando e a CCS em 19/3/1972; a CCAÇ 3544, a 20; a CCAÇ 3545, a 22; e a CCAÇ 3546 a 23); (ii) A CSS ficou sediada em Piche; (iii) O comandante era o Ten Cor Inf Manuel António Dantas; (iv) O comandante da CCAÇ 3546 (Piche, Cambor, Ponte Caium e Camajabá) era o Cap QEO José Carlos Duarte Ferreira; (v) As outras companhias do BCAÇ 3883 eram a CCAÇ 3544 (Buruntuma e Piche; teve dois comandantes: Cap Mil Inf Luís Manuel Teixeira Neves de Carvalho; Cap Mil Inf José Carlos Guerra Nunes) e a CCAÇ 3545 (Canquelifá e Piche; comandante, Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo); (vi) O batalhão regressou a casa, de avião, em Junho de 1974.

Pela informação de dispomos no poste P6042, estas quatro subunidades partiram para a Guiné, possivelmente de avião, com um dia de diferença: o comando e a CCS/BCAÇ 3883, em 19/3/1972; a CCAÇ 3544, a 20; a CCAÇ 3545, a 22; e a CCAÇ 3546 a 23. Pela informação de dispomos, estas quatro subunidades partiram para a Guiné, possivelmente de avião, com um dia de diferença: o comando e a CCS/BCAÇ 3883, em 19/3/1972; a CCAÇ 3544, a 20; a CCAÇ 3545, a 22; e a CCAÇ 3546 a 23.
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Nota de M.R.:


Guiné 63/74 - P8295: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (8): As nossas correspondentes e o nosso volume de correio semanal... (Luís Graça)





1. Aproveitando a onda provocada pelo documentário de Marta Pessoa, Quem Vai à Guerra,  podemos perguntar aos camaradas que nos lêem: 

(i) Quantas cartas e aerogramas se terão escrito de e para a Guiné, no período entre 1961 e 1974 ?  E sobretudo, qual era o volume (médio) da nossa correspondência semanal ? Além disso, com quem nos correspondíamos, e nomeadamente com que mulheres ? (*) 


(ii) Para além das nossas mães, irmãs, amigas, esposas, namoradas, etc., qual foi a presença (e o papel) das madrinhas de guerra ? (**)... 


(iii) Por outro lado, qual era o conteúdo das missivas enviadas e recebidas pelos nossos militares ?  De que falavam as cartas e aerogramas em tempo de guerra ? 


Enfim, questões a que interessaria responder para melhor se conhecer o nosso quotidiano. Questões que um dia poderão interessar os nossos historiógrafos. Questões que, para já, suscitam a nossa própria curiosidade... Daí termos realizado estas duas singelas "sondagens", tirando partido das funcionalidades disponibilizadas pelo nosso servidor, o Blogger.


Segundo a biografia de Cecílio Supico Pinto, fundadora, ideóloga e líder do Movimento Nacional Feminino (MNF), criado em 1961,  a  campanha das Madrinhas de Guerra data de 1963, e foi uma das mais bem sucedidas iniciativas do MNF (Vd. Sílvia Espírito Santo - Cecília Supico Pinto: O rosto do Movimento Nacional Feminino.  Lisboa, Esfera dos Livros, 2008).

Qual era o papel socialmente desejado da madrinha de guerra ?


"A madrinha de guerra escreve ao seu afilhado pelo menos todas as semanas. E, ao passo que as cartas de casa são tanta vez deprimentes e lamentosas (a queixarem-se das saudades que têm, das dificuldades que passam, do receio que sentem pela segurança do rapaz), as cartas da madrinha de guerra procuram ser sempre agradáveis, versando os assuntos que mais possam interessá-los. A madrinha de guerra sabe que é importante distrair o seu afilhado.

"E sabe que não basta distraí-lo: que é tanbém necessário fortificar-lhe a coragem, transmitir-lhe confiança, torná-lo psicologicamente mais apto para bem cumprir - e cumprir com satisfação"
(Presença, revista do MNF, nº 1, 1963, pp. 36-37, citado por Espírito Santos, 2008, pp. 78).


Segundo a biógrafa da Cilinha, o MFN terá mobilizado o esforço de cerca de 82 mil voluntárias (número que é difícil de confirmar na ausência do arquivo do movimento, que terá desaparecido em 1974). Já quanto ao número de raparigas e mulheres que terão respondido ao apelo do MNF para dar apoio moral, material e psicossocial aos combatentes da guerra do ultramar, Sílvia Espírito Santo escreve que a estimativa feita - cerca de 300 mil - parece ser verosímil.

Um outro dado interessante era o número de areogramas ou "bate-estradas" (32 milhões) disponibilizados anualmente pelo MNF aos nossos soldados e suas famílias... Era, pelo menos, este o número que constava, como dotação anual, no orçamento ordinário previsional do MNF para o ano de 1974, ascendendo então as receitas (e as despesas) aos 10 mil contos (op. cit., p. 87).

2. Num total de 101 respondentes à nossa sondagem nº 1/2011, apenas um em cada três de nós teria madrinha de guerra... Quatro em cada cinco correspondia-se regularmente com a mãezinha. E sete em cada dez, com a "esposa, noiva ou namorada com quem veio a casar"...  

Fica-se também a saber, apesar de se tratar de uma amostra de conveniência (e seguramente "enviesada", já que a maior parte dos ex-combatentes não têm acesso regular à Internet e não são, portanto, leitores de blogues de ex-combatentes, como este...), que um em cada quatro de nós também se correspondia, regularmente, na Guiné, com "amigas, vizinhas e colegas"... (Vd, Gráfico acima - Sondagem 1/2011).

Uma pequeníssima minoria (como eu...) não escrevia a ninguém (ou a quase ninguém)...Um terço recebia, em média,  por semana, "uma a duas cartas e/ou aerogramas"... Os campeões do correio (os que recebiam mais de dez cartas por semana) não passariam de uma minoria (cerca de 6%), a ter confiança nesta amostra dos nossos leitores (n=95) (Vd. Gráfico acima - Sondagem nº 2/2011)... 

Claro que ficamos sem saber muita coisa: Afinal, quem escrevia mais ? O corneteiro ? O escriturário ? O soldado ? O furriel ? O alferes ? O miliciano ? O operacional ? ... E em que altura da comissão: no princípio, no meio ou no fim ?... Quem estava no mato ou em Bissau ?

Enfim, estes dados valem o que valem, dão pelo menos algumas pistas para "refrescar" as nossas memórias, e sobretudo - espero - são um incentivo para se valorizar os famosos bate-estradas que ainda guardamos no sótão das nossas velharias e que um belo dia destes, quando batermos a bota, correm o risco de ir parar ao cesto dos papéis, ao contentor do lixo, ao fogo da lareira (se for inverno)... quando o seu lugar deveria ou deverá ser o Arquivo Histórico Militar.

O meu/nosso Oscar Bravo (OBrigado) a quem teve a gentileza de responder a estas duas pequenas sondagens... L.G.

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 Notas do editor

(*) Último poste da série > 18 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8289: As mulheres que, afinal, foram à guerra (4): Mais fotos da rodagem do filme "Quem vai à guerra"...

(**) Vd. por exemplo postes como este:

27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3803: As nossas mulheres (8): As minhas correspondentes e a minha mulher (José Colaço)


(...) Recebia as cartas da namorada, das duas madrinhas de guerra, duma correspondente espanhola e mais o correio da família que por motivo de vida e saúde estava um pouco dispersa, pois no Hospital do Rego, hoje Curry Cabral,  tinha deixado o meu irmão agarrado aos ferros de uma cama, devido a acidente de moto do qual ficou paraplégico.

(...) Primeiro, a da madrinha de guerra residente em Lisboa que nunca cheguei a conhecer por culpa minha, pois quando faltavam duas semanas para o meu regresso, deixei de lhe dar resposta. Razão nenhuma. Só o que ainda existe aqui em casa, que pode confirmar o que digo, esta foto [, à esquerda,] que tem a dedicatória ao afilhado da madrinha amiga Helena, que envio para embelezar a mensagem [, vd. imagema a seguir].

Da namorada e a outra madrinha que sabiam da existência uma da outra, com as visitas a ambas tudo se desmoronou.

Com a correspondente, também houve um interregno entre 1966 e 1969, mas,  como 1969 estive na Alemanha e sabendo que ela lá se encontrava, resolvi recomeçar a troca de correspondência no que fui bem recebido. Encontrei-me com a Paquita algumas vezes na cidade de Mainz, onde a visitava aos fins de semana, já que eu estava em Dusseldorf. Se já éramos amigos, mais amigos ficámos.

Após o meu regresso a Portugal, ainda esteve combinado um encontro, que devido a um acidente quando a Paquita se dirigia ao nosso País, [não se chegou a realizar]. Desfez o coche e assim se desfez o encontro, possivelmente também por culpa minha,  por se aproximar a data do meu casamento, os contactos tiveram fim. (...)


Outros postes sobne este tema, a título meramente exemplificativo:


Guiné 63/74 - P8294: As nossas mulheres (12): A presença das esposas em teatro de guerra (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 18 de Maio de 2011:

Caros camarigos editores
Envio um texto que acabei de escrever, relacionado com a presença das mulheres esposas na Guiné.

Fica como sempre ao vosso discernimento a sua publicação.

Se publicado, agradeço que chamem a atenção para a parte a negrito e sublinhado, porque é disso mesmo que se trata e não quero, nem é essa a minha intenção que alguém se sinta "ofendido" ou criticado.

Um abraço forte e camarigo do
Joaquim Mexia Alves


A PRESENÇA DAS MULHERES ESPOSAS EM TEATRO DE GUERRA

Ao ler todos estes textos sobre as mulheres e as suas diversas ligações com a guerra porque passámos, vem sempre à minha memória a “duplicidade” de sentimentos que vivi na Guiné, provocada pela minha maneira de estar na vida, perante a presença de mulheres junto dos seus maridos militares.

Não estou a criticar essas decisões, nem o facto de algumas terem estado com os seus maridos, por vezes em sítios sem condições, e demasiado perigosos.

Aliás, tivemos duas ou três situações dessas no Xitole, que aceitei de bom grado, (também não tinha que aceitar ou não), nem as critico repito, mas não deixo de referir, que essas situações sempre me dividiram em pensamento.

Explico aquilo que quero dizer.

É que na maioria esmagadora dos casos, essas senhoras, eram mulheres de oficiais superiores, de oficiais e furriéis milicianos e de sargentos do quadro.

Não tenho conhecimento que nenhum soldado tenha tido a possibilidade de ter tido consigo a sua mulher na Guiné, e refiro-me obviamente às unidades em quadrícula.

Ora isto fez-me sempre muita confusão, pois provocava em mim um sentimento de desigualdade dificilmente explicável.

E se, em unidades militares que estivessem sediadas em povoações maiores, a possibilidade da instalação dessas senhoras fora do aquartelamento era possível, já noutros locais era totalmente impossível, e assim elas tinham que permanecer no quartel.

Ora isto também levava a uma constante contenção nos gestos, nas palavras, nas atitudes e como tal, a uma vigilância pessoal de cuidados, a somar ao desgaste das actividades próprias da guerra que se travava.

Era com certeza também uma situação que levava muitos soldados casados, (casava-se cedo em Portugal nesses tempos), a sentirem que afinal havia diferenças não só de hierarquia militar, mas também de igualdade de oportunidades, e que eu ouvi algumas vezes de alguns militares.

Sei que aquilo que escrevo pode ser polémico, e peço que entendam que não estou a criticar os meus camarigos que tiveram com eles as suas mulheres, e muito menos, obviamente, essas senhoras, que corajosamente se dispuseram a acompanhar os seus maridos na guerra.

Mas este assunto sempre provocou em mim esta reacção, e já que estamos a falar entre camarigos, e tratando de “resolver” os nossos sentimentos em relação à guerra e tudo o que lá se passou, decidi correr o risco de me expor à polémica, porque pode ser que “ouvindo” outras experiências, consiga fazer as “pazes” com essas memórias ainda não resolvidas.

Um abraço forte e camarigo para todos
Joaquim Mexia Alves

Monte Real, 18 de Maio de 2011
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8269: (Ex)citações (138): Ainda o caso das fotografias das bajudas (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 13 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7426: As nossas mulheres (13): Mulher é ...mulher (José Brás)

Guiné 63/74 - P8293: Convívios (340): 12.º Encontro do pessoal da CCS/BCAÇ 1861, dia 10 de Junho de 2011 em Viseu (Júlio César)

1. Em mensagem do dia 18 de Maio de 2011, o nosso camarada Júlio César (ex-1º Cabo, CCAÇ 2659/BCAÇ 2905, Cacheu, 1970/71) solicitou a divulgação do seguinte texto:


12.º ENCONTRO/CONVÍVIO DA CCS/BCAÇ 1861

Realiza-se no próximo dia 10 de Junho, em Abraveses, Viseu o 12º Encontro/Convívio da CCS do BCAÇ 1861 que esteve na Guiné em 1965 a 1967.
 

O almoço será no Restaurante Hipólito, local onde faremos a concentração a partir das 11.00 horas da manhã.
 

Não ter esqueças de trazer as tuas fotos, porque como com o passar do tempo, as memórias também se esbatem e nada melhor para as reavivar que ver as fotografias daqueles tempos conturbados.
 

Todos os interessados em participar neste convívio devem contactar 

Boaventura Videira, através do Telemóvel 964 534 332

Contamos contigo

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8277: Convívios (333): Pessoal da BCAÇ 3863 e CCAÇ 16, ocorrido no dia 30 de Abril de 2011 na Mealhada (José Romão)

Guiné 63/74 - P8292: Cerimónia Comemorativa do 50.º Aniversário da Escola de Fuzileiros, dia 3 de Junho de 2011

1. Recebemos de Manuel Lema Santos, ex-1.º TEN RN a seguinte mensagem:

Solicita-se informação e divulgação.
Cumprimentos,
mls

Guiné 63/74 - P8291: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (7): Agradecimento pelas palavras simpáticas que me foram dirigidas (Maria Dulcinea)

1. Mensagem da nossa tertuliana Maria Dulcinea (NI)*, esposa do nosso camarada Henrique Cerqueira) que esteve em Bissorã nos anos de 1973/74, com data de 17 de Maio de 2011:

Desde já dirijo-me a todos os Camaradas e amigos da Guiné da nossa Tabanca Grande para manifestar a Honra em ter sido convidada para pertencer a tão distinto Grupo de Homens e Mulheres que de uma forma ou de outra, obrigados ou voluntários fizeram parte de uma era que ficará para sempre na História de Portugal.

Agradeço ainda os comentários saudáveis feitos no blogue à minha incursão por terras da Guiné.

Na verdade têm razão, pois que houve uma boa dose de irresponsabilidade nossa em eu ter ido para Bissorã com o meu filho Miguel de dois anos, e ainda porque, se calhar alguns se lembrarão, já nessa altura andava a ser gizada a invasão pelo PAIGC à Guiné.

Contava-me o Henrique que tinha recebido directrizes no sentido de adaptar a "Dreyse” com mira anti-aérea, e alguma informação sobre os Mig 21, o que na realidade lhe dava um gozo muito grande, porque era ridícula a situação, ele até dizia: - Tenho Dreyse, tenho balas, só não tenho é miras. Eu sinceramente aprendi a dar uns tiritos com a G3 mas não fiquei fã dela, usando-a só para a fotografia.

Após esta divagação passemos então à aventura e digo "aventura" porque se não existir alguma na nossa vida, esta torna-se muito insossa, mas também se tratou no essencial de Amor e Companheirismo e assim sendo, "pés ao caminho" que é como quem diz avião e Bissorã. Mais tarde conto a odisseia com praga de gafanhotos e tudo em Bissau.

Aprendi muito com o povo de Bissorã assim como com a camaradagem "possível" entre militares no Natal de 1973 com o meu marido a festejar o Natal e a provável porrada aplicada ao Henrique (já narrada no poste P2356** deste blogue referente ao Natal da Guiné) com aletria, rabanadas e tudo que foi possível arranjar na época.

Aprendi também a gostar de mangas, papaias, mancarra, figo de cajus, etc.
Apanhei uns sustos com os ataques a Bissorã. Lembro-me com saudade de um amigo nosso, o Cabo Mecânico da CCAÇ13 de nome AZEVEDO que era da região de Lisboa que num desses ataques a Bissorã, ao correr junto com o Henrique para a nossa tabanca, caiu numa vala e abriu o maxilar com alguma gravidade.

Nesta foto: Sanhã, Zinha, Ni com a G3, fiel amigo Inhatna Biofa e o Miguel Nuno com um amiguinho

Tenho muita saudades do nosso amigo INHATNA BIOFA que era um rapazinho de 16 anos que acompanhava sempre o Henrique desde o Biambe. Era um jovem de grande carácter e aqui faço um parêntesis para contar uma história muito simples do Inhatna.

Certo dia estávamos todos à mesa a almoçar com o Inhatna como sempre e poisaram duas moscas na mesa. Ora o Henrique pega num utensílio para matar as moscas. De imediato o Inhatna diz: - Furiel... Furiel não mata, elas (as moscas) só estão a falar e já vão embora...

Nós ficamos parados a pensar no forte sentimento humano e a força de carácter do Inhatna pois que ele o fazia com todos os animais incómodos, nunca matava, só enxotava. E é nestas coisas tão simples que se aprende a ver as importantes. Esta história é muito simples mas eu jamais a esqueci assim como ao nosso amigo INHATANA BIOFA.

Bom. Já chega por agora e já vai longa a escrita, mas são vocês os culpados que pediram. Mais tarde narrarei outras histórias mas só de acontecimentos agradáveis e engraçados só foi possível viver naquela altura, naquela situação e no país que foi, a Guiné.

 NI e Henrique Cerqueira na actualidade

Um beijo para todos os Tertulianos e Camaradas da Guiné e uma saudação muito especial para todos e todas que já não estão fisicamente entre nós.
NI (Maria Dulcinea Rocha)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8281: Tabanca Grande (283): NI (Maria Dulcinea Rocha), esposa do nosso camarada Henrique Cerqueira, que com o filhote de ambos se pôs a caminho de Bissorã onde fez companhia ao marido nos anos de 1973 e 1974

(**) Vd. poste de 17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

Guiné 63/74 - P8290: In Memoriam (79): Teresa Reis (1947-2011). Agradecimento do nosso camarada e amigo Humberto Reis

 1.  Amigos e camaradas: O Humberto, que acaba de sofrer uma perda irreparável, a da sua Teresa que fomos acompanhar até à sua última morada, no passado dia 16, pede-me que transmita a toda a Tabanca Grande e aos demais leitores do nosso blogue o seu sentimento de gratidão pelo carinho e solidariedade de que foi alvo neste momento doloroso. 


Aqui fica, a seguir, a mensagem, com data de hoje,  que ele me fez chegar. LG


Meu amigo Luís

Como a minha habilidade não é muita, agradecia-te que colocasses no nosso blogue duas palavras:

 Na dificuldade de o fazer individualmente, em nome da saudosa Teresa, das minhas filhas e de mim próprio, venho agradecer às Amigas e Amigos, que foram tantas e tantos, as palavras que nos dirigiram e o carinho que nos dedicaram e continuam a dedicar. Para todas e todos Bem Hajam. Tudo vou fazer para continuar a merecer a atenção que me tem sido dedicada.

Um grande abraço

Humberto Reis
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Nota do editor:


Último poste da série > 15 de Maio de 2011> Guiné 63/74 - P8279: In Memoriam (78): Teresa Reis (1947-2011), companheira de uma vida do nosso querido Humberto Reis: vamos dizer-lhe adeus, 2ª feira, 16, às 13h30 (na casa mortuária da Igreja Paroquial da Buraca) e às 14h30 no cemitério municipal da Amadora

Guiné 63/74 - P8289: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (6): Mais fotos da rodagem do filme "Quem vai à guerra"...



Clementina Rebanda, casada com umn militar vítima de stresse pós-traumático de guerra a quem o exército infernalizou a vida. num processo verdadeiramente kafkiano... A última parte do filme é dedicado às sequelas de guerra, nomeadamente a nível de saúde mental, de que as mulheres também foram vítimas (e quase sempre silenciosas)...  Esta e outras mulheres de camaradas nossos t tém sido apoiadas e companhadas quer pela ADFA quer   pela Associação Apoiar (Julgo que algumas  delas pertencem ao Grupo de Ajuda Mútua das Mulheres da APOIAR).


 Este tema, já de si complexo (tanto do ponto clínico e epidemiológico, como social), possivelmente deveria merecer um outro documentário,  específico...  O filme Quem Vai à Guerra tem, no entanto, o mérito de dar "visibilidade" a um problema, grave, de saúde que afecta dezenas de milhares de portugueses e suas famíias. "O Stress de Guerra é uma realidade para dezenas de milhar de ex-combatentes da Guerra Colonial e para as suas famílias. Desde 1994 que Associação APOIAR apoia os ex-combatentes que padecem de perturbação de stress pós traumático que adquiriram quando estiveram em combate. Esta doença afecta tanto o ex-combatente como mulheres, filhos e demais familiares. A APOIAR tem um corpo clínico e social que ajuda a tratar e a recuperar para a vida activa as pessoas afectadas com esta doença".





Ana Maria Gomes, cujo papel já não me lembro (embora tenha fixado o seu rosto e a sua voz)...




Rosa Redondo, casada  com um oficial fuzileiro especial, que acompanhou num dos teatros de operações (Angola, se não me engano)... Foi também professora, tendo guardado as fichas dos seus alunos, brancos e negros, com os nomes, as fotos, o aproveitamento escolar bem como o averbamento do que desejavam ser quando fossem grandes... Representa no filme o grupo, claramente minoritário, das mulheres "politizadas"...




Odete Barata cujo papel também já não me lembro (embora tenha  gostado do seu desempenho): possívelmente uma das mulheres que acompannhou o marido no Teatro de Operações... (Preciso de rever o filme, que dedicou bastante espaço às acompanhantes dos militares, bem como às viúvas).




Ercília Pedro, enfermeira pára-quedista (que se casou no ultramar com um dos militares que conheceu em serviço, julgo que da FAP)




Quatro enfermeiras pára-quedistas, da esquerda para a direita, a Cristina Silva e a Rosa Serra (1º plano) e a Maria Arminda Santos e a Natércia Neves (em 2º plano)...  


Em 21 participantes, todas mulheres, oito são ex-enfermeiras pára-quedistas, se bem as contei: além das já citadas, temos ainda a Giselda Pessoa,  a Ercília Pedro, a Aura Teles e a Júlia Lemos...


Julgo que a veterana Zulmira André Pereira (1931-2010) ainda chegou a ser contactada pela realizadora do filme... Infelizmente, a morte levou-a em Setembro de 2010. A sua presença não deixou, porém, de se fazer "sentir" no hall da Culturgest, antes da sessão de ante-estreia do filme...




Fotos da rodagem do filme Quem Vai à Guerra, disponíveis no mural da respectiva página no Facebook (Aqui reproduzidas com a devida vénia...)



1. Ver também aqui o nosso pequeno vídeo (34''), disponível na nossa conta You Tube > Nhabijoes, com a ficha técnica do filme e as palmas  dadas, por centenas de espectadores, no final da sessão de ante-estreia, na Culturgest, Lisboa, dia 13 de Maio último, no âmbito do 8º Festival Internacional de Cinema Independente (Lisboa, 5-15 de Maio de 2011).


Recorde-se que o filme vai estrear, comercialmente, no dia 16 de Junho, em Lisboa, Porto e Aveiro (*).



Página principal da Associação Apoiar.

Além do apoio clíncio e psicossocial às vítimas de stresse pós-traumático de guerra, a Associação publica também o jornal APOIAR que é "a única publicação periódica especializada no stress de guerra em Portugal".  O nº 68, referente a Janeiro/Fevereiro de 2011,  pode ser consultado aqui a em formato PDF




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Nota do editor

(*) Vd. último poste da série > 17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8287: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (5): Filme "Quem Vai à Guerra", de Marta Pessoa, no circuito comercial, em Lisboa, Porto e Aveiro, a partir de 16 de Junho



Vd. também o blogue Quem Vai à Guerra

terça-feira, 17 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8288: Contraponto (Alberto Branquinho) (33): Teatro do Regresso - 8.º Acto - Foi outra guerra qualquer

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 15 de Maio de 2011:

Caro Carlos
Este 8º. Acto, que aqui segue, está, afinal, na sequência do anterior ("Prótese), mas, nestes casos, não houve (ou, infelizmente, não pôde haver prótese?).

Recebe um abraço do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (33)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

8º. Acto – Foi outra guerra qualquer


Cenário

Primavera de 1990.
Uma janela grande, com luz intensa exterior.
A janela situa-se sobre a Avenida Rainha D. Leonor, no Lumiar, em Lisboa, quase em frente às instalações da Associação de Deficientes das Forças Armadas.


Personagens

Duas mulheres, conversando junto da referida janela.


Acção

- Pois, Eunice, gosto muito da tua casa nova. Estas janelas… Este sol, esta luz.

- Foi por isso que a comprámos. Mas tivemos que fazer obras.

- Tenho estado a olhar lá para fora, enquanto estava à tua espera. Quem são esses homens em cadeiras de rodas que vão ali no passeio… Sem as pernas e… alguns são pretos?

- Acho que são mutilados da Segunda Grande Guerra.

- Credo, filha! Os homens têm lá idade para ter andado na Segunda Grande Guerra. E Portugal nem sequer entrou nessa guerra.

- Então, não sei. Foi outra guerra qualquer.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8254: Contraponto (Alberto Branquinho) (32): Teatro do Regresso - 7.º Acto - Prótese

Guiné 63/74 - P8287: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (5): Filme "Quem Vai à Guerra", de Marta Pessoa, no circuito comercial, em Lisboa, Porto e Aveiro, a partir de 16 de Junho


Rosa Serra, ex-enfermeira pára-quedista e membro da nossa Tabanca Grande



Giselda Pessoa,  ex-enfermeira pára-quedista e membro da nossa Tabanca Grande 



Cristina Silva, ex-enfermeira pára-quedista (ferida em combate emm Moçambique)



Anabela Oliveira, casada com um ex-militar vítima de stresse pós-traumático de guerra e hoje viúva (se a memória me não falha)



Isilda Alves, professora, casada com um ex-militar vítima de stresse pós-traumático de guerra, e hoje viúva






Lucília Costa, casada com um ex-militar vítima de stresse pós-traumático de guerra, ainda vivo (segundo informação do nosso camarigo Silvério Lobo, de Matosinhos, que é amigo do casal) 





 Manuela Castelo, viúva de um oficial pilav, morto em combate (Julgo tratar-se do Cap Pilav Fernando José dos Santos Castelo, piloto do AL III,  morto em M oçambique, em 7 de Março de 1974, segundo informação recolhida pelos nossos camaradas do Portal Ultramar Terraweb, relativos ao militares da FAP, mortos em serviço entre 12 de Abril de 1959 e 14 de Novembro de 1975)




Manuela Mendes, esposa que acompanhou o marido, médico (miliciano, se não me engano)



Maria Lurdes Costa, casada, que acompanhou o marido em África (Angola, se não me engano; é irmã do nosso camarada José Martins)



Maria Alice Carneiro, irmã de 2 militares em África (Moçambique e Angola), e correspondente de outros militares nos três TO


Estas são algumas das 21 mulheres que entram no filme, e que ficam aqui listadas por ordem alfabética (na próxima publicaremos mais fotos):

Ana Maria Gomes, Anabela Oliveira, Aura Teles, Beatriz Neto, Clementina Rebanda, Conceição Cristino, Conceição Silva, Cristina Silva, Ercília Pedro, Fernanda Cota, Giselda Pessoa, Isilda Alves, Júlia Lemos, Lucília Costa, Manuela Castelo, Manuela Mendes, Margarida Simão, Maria Alice Carneiro, Maria Arminda Santos, Maria Augusta Filipe, Maria De Lourdes Costa


Fotos da rodagem do filme Quem Vai à Guerra, disponíveis no mural da respectiva página no Facebook (Aqui reproduzidas com a devida vénia...)


1. Uma parte dos testemunhos femininos recolhidos por Marta Pessoa no seu filme Quem Vai à Guerra (que teve a sua ante-estreia no dia 13 do corrente, em Lisba, em "Sessão Especial" do 8º Festival do Cinema Independente de Lisboa, 5-15 de Maio de 2011) diz respeito à pequena/grande aventura das que acompanharam os maridos, nas suas comissões militares em África, no período da guerra colonial (1961/74).


Uma das mulheres da nossa Tabanca Grande que também foi à guerra é a Maria Dulcineia Rocha,  esposa do Henrique Cerqueira... Fica aqui lançado, não o repto, mas o convite,  para ela partilhar connosco, em primeira mão, as suas recordações de Bissorã... Já conhecemos a versão do  Henrique, mas  não a da Ni (seu "nickname" ou nome de guerra)...

3. E, já agora, fica aqui a notícia para todos os nossos leitores: não  percam o filme (documentário) da Marta Pessoa, Quem Vai à Guerra,  que vai entrar no circuito comercial, no dia 16 de Junho próximo:

Lisboa, Cinema Cirty Classic Alvalade
Porto, Zone Lusomundo Mar Shoping
Aveiro, Zon Lusomundo Fórum Aveiro

FICHA TÉCNICA



Realização >  Marta Pessoa
Direcção de Fotografia  > Inês Carvalho
Cenografia > Rui Francisco
Montagem >  Rita Palma
Direcção de Som >  Paulo Abelho, João Eleutério e Rodolfo Correia
Maquilhagem > Eva Silva Graça
Marketing e Comunicação > Fátima Santos Filipe
Direcção de Produção > Jacinta Barros
Produtor > Rui Simões
Produção > Real Ficção

Recorde-se aqui a sinopse do filme, que tem duas horas e 10 minutos de duração:

« Entre 1961 e 1974, milhares de homens foram mobilizados e enviados para Angola, Moçambique e Guiné-Bissau para combater numa longa e mal assumida guerra colonial. Passados 50 anos desde o seu início a guerra é, ainda hoje, um assunto delicado e hermético, apoiado por um discurso exclusivamente masculino, como se a guerra só aos ex-combatentes pertencesse e só a eles afectasse. No entanto, quando um país está em guerra, será que fica alguém de fora? 'Quem vai à Guerra' é um filme de guerra de uma geração, contada por quem ficou à espera, por quem quis voluntariamente ir ao lado e por quem foi socorrer os soldados às frentes de batalha. Um discurso feminino sobre a guerra.»

Fica também aqui um excerto da nota do crítico de cinema o Semanário Expresso / Suplemento Atual, Jorge Leitão Ramos (com a devida vénia...)

(...) "As mulheres dos soldados portugueses estiveram na guerra, viveram-na, em forma de receios e palavras escritas em aerogramas censurados, ou na descoberta de terras e modos de vida diferentes, com a urgência e o medo a marcar-lhes o quotidiano.

"Para o grupo de 46 enfermeiras pára-quedistas, únicas mulheres militares, a realidade era a da experiência directa da guerra, dos ataques, das evacuações, das mutilações e mortes dos soldados que ao longo desses 13 anos de guerra socorreram.Há nestas mulheres uma história da guerra colonial portuguesa. Quem Vai à Guerra  recria em estúdio, a partir dos objectos, fotografias e ambientes mais marcantes destas memórias femininas, um espaço de apresentação de testemunhos, onde as mulheres partilham as suas histórias de guerra. Em cenários de assumida teatralidade, vão sendo construídas as imagens femininas da guerra, onde os universos doméstico e bélico se cruzam. Cenário feito também de violência e da desolação de uma guerra, contrariando um olhar romântico, que tão rapidamente se pode tornar nostálgico.Se há algo que sobressai do discurso feminino sobre a guerra é a ideia de que esta é sempre iníqua e devastadora. Afinal, é de guerra que se fala.

“A guerra colonial é olhada aqui pelo lado feminino: esposas, noivas, correspondentes, enfermeiras de guerra, companheiras na retaguarda... Experimentam a dor de ver morrer combatentes ou de suportar as sequelas longos anos, testemunhando uma vívida e diferente perspectiva” (,,,)

Jorge Leitão Ramos in ATUAL / Jornal EXPRESSO

Reproduzido, com a devida vénia, do blogue da Real Ficção, o produtor do filme, que também reproduziu algumas das nossas fotos da ante-estreia, no Grande Auditório da Culturgest


4. Conforme peça da Lusa, de 13 do corrente, reproduzido no portal Sapo Notícias, "as mulheres, Marta Pessoa descobriu-as em todo o lado. E achou que havia uma história de guerra para ser contada. Na internet, há 'uma espiral que nunca mais acaba' de coisas sobre a guerra, mas tudo 'muito cerrado no ponto de vista masculino (...) 'As mulheres portuguesas não falam. Não há registos femininos. O Estado Novo pior ainda, não houve pior momento para a mulher do que o período da ditadura', afirmou a realizadora em entrevista à Lusa.

"Marta Pessoa criou um teatro de guerra - com o cenógrafo Rui Francisco e a fotógrafa Inês Carvalho - e cada uma das mulheres conta a sua história no cenário que lhe corresponde. Foi tudo filmado no espaço A Capital, onde antes estavam os Artistas Unidos. A ideia foi 'fazê-las sair da casa, deslocá-las da zona de conforto, tirá-las das distracções domésticas', explicou a realizadora. 'Tinha curiosidade em ver como é que o discurso, sendo deslocado do espaço habitual, seria transmitido', reconheceu Marta Pessoa que com este filme quis 'espelhar um bocado a realidade da guerra - os soldados iam para a guerra de todo o lado, não era só no Interior, não era só no Litoral, não era só no Norte, não era só no Sul.

"A realizadora não esconde a ligação pessoal. Nascida em 1974, é filha de um militar de carreira, que esteve na Guerra Colonial, na Guiné-Bissau, e estudou num colégio interno, onde tinha amigas órfãs de guerra. 'Se a minha mãe não tivesse ficado à espera [do meu pai] eu teria feito este filme? Não sei, mas também é muito difícil encontrar pessoas da minha geração que não tenham alguém na família que não tenha tido alguma relação com a guerra. A guerra não afectou só as pessoas que foram, afetou os que decidiram não ir', mulheres e homens' "(...)

Vd. também o nosso blogue

9 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8249: Agenda cultural (122): Sexta feira, 13, estreia, em Lisboa, do documentário Quem vai à guerra, de Marta Pessoa: as histórias do heroísmo (invisível, no feminino) que ficaram por contar

11 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8259: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (3): O(s) discurso(s) feminino(s) (Luís Graça)

 14 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8274: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (4): As primeiras fotos da estreia do filme "Quem Vai à Guerra", de Marta Pessoa (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P8286: Notas de leitura (239): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2011:

Queridos amigos,

Prossegue a saga de procurar sintetizar o que de mais relevante se pode encontrar nas centenas de páginas de entrevistas incorporadas no livro “O Meu Testemunho”, de Aristides Pereira.

É uma rara oportunidade de ouvir dirigentes e combatentes da primeira linha, habitualmente silenciosos ou remetidos discretamente na sombra.  Discorde-se, ou não, de Ana Maria Cabral, o seu olhar sobre aqueles tempos de Conacri e o complô em marcha não pode ser iludido. Como mais tarde iremos ouvir Rafael Barbosa, aquele que eu considero a personagem mais fascinante depois de Amílcar Cabral, nada conheço de tão intrigante, com tal aura de mistério, muito provavelmente não teremos possibilidade de esclarecer os envolvimentos em que andou metido, as conspirações que patrocinou.


Um abraço do
Mário


O testemunho de Aristides Pereira* (4):
Ana Maria Cabral na primeira pessoa

Beja Santos

O aspecto mais extravagante de “O Meu Testemunho”, de Aristides Pereira, é que o elenco de entrevistas possui mais relevância que as lembranças do autor até ao fim da luta armada e a chegada da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Honra lhe seja feita, o seu documento esclarece de uma vez por todas a luminosidade e o papel fulcral desempenhado por Cabral: não há um só documento, não há uma só entrevista, não há um só discurso, não há uma só tomada de posição política onde Amílcar Cabral não esteja presente, desde a concepção à acção. O PAIGC é a sua emanação, nenhum dos outros dirigentes revelou dotes de inteligência, finura de espírito, concepção estratégica que se aproximasse minimamente da teoria e da prática de Cabral. E Aristides Pereira, do cimo da sua modéstia, nunca ilude essa realidade.

Muitos são os entrevistados que acompanham o seu testemunho, mulheres e homens por vezes altamente motivados e, por esta ou aquela razão, pesaram na história do PAIGC: É caso de Adriano Brito, o comandante Agnelo Dantas (que combateu na Frente Leste, assistiu à retirada de Madina do Boé), Alpha Abdoulay e Djallo, que foi Ministro dos Negócios Estrangeiros de Sékou Touré, Amélia Araújo (animadora e locutora da Rádio Libertação), Ana Maria Cabral (segunda mulher de Amílcar Cabral e que presenciou o seu assassínio) e Aristides Pereira. Neste apontamento, não se pode ir mais longe.

Ana Maria Cabral nasceu Canchungo, em 1941. Começa por referir o espírito unitário de Cabral em torno da luta dos movimentos de libertação de Angola, Guiné e Moçambique. Em 1966, Ana Maria chega a Conacri e vai trabalhar na Escola Piloto. Questionada sobre o ritmo frenético em que vivia Cabral, ela responde: “Acho que ele sabia que era um elemento estranho ou insuportável para o equilíbrio de África. As grandes potências que mandam no mundo não podiam suportar que alguém, um preto, tentasse sair desses esquemas e ser verdadeiramente independente. Não podiam aceitar que Cabral fosse sério, inteligente e muito honesto”. E elogia igualmente a sua capacidade metódica de corredor de fundo: “Ele quis que primeiramente se fizesse a mobilização durante três anos par que a população soubesse e percebesse bem o que era a colonização. Recordo-me do primeiro jornalista ou cineasta francês que esteve nas áreas libertadas. Em Conacri ele contou-me que ao chegar a uma tabanca as pessoas, e principalmente as crianças fugiam porque nunca tinham visto um branco. Isto nos anos 60!”.

Sobre o ambiente de mal-estar que se vivia em Conacri antes do assassinato de Cabral, Ana Maria observa: “O ambiente já estava minado, todos nós sentíamos isso. Cabral teve muito pouca ajuda de todos nós. Cabral mandou construir uma cantina para todos, onde todos pudessem tomar as suas refeições, exactamente porque se apercebeu de que ali, em Conacri, o grosso eram camponeses e lumpens de Bissau e uma minoria pequeno-burguesa. Havia a tendência de se formarem grupos consoante as classes existentes. Os da pequena burguesia não se sentiam bem na mesma cantina com os outros e por isso cada vez se afastavam mais… Fomos nós da pequena burguesia que contribuímos para que os agentes de Spínola encontrassem terreno apropriado para a conspiração. Por isso mesmo é que após o assassínio de Cabral muita dessa gente foi afastada para outros sítios. Para limpar Conacri de tantas intriguinhas e desmobilização”. Leopoldo Amado pergunta-lhe sobre a existência de uma clivagem entre guineenses e cabo-verdianos, ao que a entrevistada responde afirmativamente, responsabilizando certos cabo-verdianos ou guineenses por estarem dominados pela consciência de classe: “Foi esta classe de guineenses e de cabo-verdianos que não soube compreender as ideias de Cabral e que ajudou a preparar o caminho para os agentes de Spínola”.

Depois descreve minuciosamente os acontecimentos da noite de 20 de Janeiro de 1973, ela estava ao lado do marido quando se deu o assassinato. Interrogada sobre o número de conspiradores, ela observa: “Ouvi todas as cassetes, porque a comissão de inquérito do PAIGC gravou tudo e o camarada Aristides deu ordem para que eu ficasse com elas. Fiz a transcrição de todas elas e, realmente, o único grupo que tentou apurar a verdade foi o do Fidélis Almada… Depois da independência é que eu devolvi essas cassetes todas ao Buscardini. Hoje, alguns de nós dizem que se desfizeram rapidamente e de propósito dos conspiradores! Pode ser que em relação a alguns, sim. A verdade é que, com os combatentes e a população a pressionar a comissão de inquérito não havia condições para se fazer bons julgamentos”.

A entrevista que Leopoldo Amado faz a Aristides Pereira é também bastante importante, não dá para entender como certas observações são escamoteadas do testemunho e aparecem aqui isoladas. As reminiscências da infância e da juventude são úteis para entender aquele espaço e aquele tempo. As malhas da rede que se formou, por vezes inconscientemente, em torno dos grupos independentistas que foram emergindo em Bissau, ainda nos anos 50. O mesmo Aristides que protesta contra os caluniadores e maldizentes em torno da unidade Guiné-Cabo Verde é o mesmo que após a morte de Amílcar Cabral e quando se punha a questão sensível da liderança diz textualmente a propósito de uma pergunta em que se refere que Fidélis Almada fizera a proposta para que Nino Viera viesse a ser o secretário-geral do PAIGC: “Quando discutimos a sucessão de Cabral, muitos guineenses não foram apenas movidos pelo anti-caboverdianismo. O Fidélis foi o porta-voz de toda uma corrente de dirigentes guineenses que estavam com receio que com a continuação de um fulano, ao mais alto nível, de origem cabo-verdiana ou cabo-verdiano, na direcção, significasse a destruição do partido ou desse num outro assassinato”.

É uma entrevista incontornável, pelos elementos aduzidos, para se entender o desempenho da direcção do PAIGC em Conacri, para se perceber as inúmeras dificuldades que impediram a organização da luta armada nas ilhas de Cabo Verde. A interpretação que Aristides dá sobre o assassinato de Cabral tem a ver com o anúncio e os preparativos da independência unilateral. Aristides deplora que em 1972 não se tivesse feito a reunião do Conselho Superior de Luta que era a oportunidade para denunciar os conspiradores. Descreve a ira de Sékou Touré quando soube das negociações entre o PAIGC e o I Governo Provisório.

Retomaremos este conjunto de entrevistas começando por Gérard Challiand (entrevista conduzida por Iva Cabral), Indrissa Sow, que foi embaixador da Guiné-Bissau em Conacri, Manuel dos Santos (Manecas, que depois de 1973 dirigiu o grupo de artilharia de mísseis, segue-se uma carta de Oscar Oramas a Aristides Pereira e, por último, ouve-se o depoimento de Osvaldo Lopes da Silva que foi comandante da artilharia na frente Leste e Sul da Guiné, tendo participado no assalto a Guileje.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8209: Notas de leitura (235): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (3) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 13 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8266: Notas de leitura (238): Estudos, Ensaios e Documentos - Contribuição para o Estudo do Problema Florestal da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)