quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8636: In Memoriam (88): Na morte de um Cavaleiro do Gabu (2)


1. O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323, Copá, 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Carta ao meu Prezado Amigo


Joaquim Vicente Silva


Lembras-te Joaquim, de quando nos conhecemos (superficialmente) pela primeira vez?

Era o início do mês de Setembro de 1973, quando eu cheguei ao Regimento de Cavalaria 3, em Estremoz, onde tu já te encontravas para formar-mos o nosso Batalhão de Cavalaria 8323, pois estávamos mobilizados com destino ao sector de Pirada no Leste da Guiné.


Pouco a pouco, fomos fixando os rostos uns dos outros e ouvindo chamar pelos respectivos nomes e assim nos fomos habituando a conhecer aqueles que seriam como nossa família, pelo menos enquanto o Batalhão estivesse a cumprir a missão que lhe estava confiada.


Partimos juntos no Niassa a 22 do mesmo mês e chegamos a Bissau a 29.


Durante a viagem de uma semana, todos juntos dentro de um espaço relativamente pequeno para as nove companhias que viajavam no Niassa, fomo-nos conhecendo ainda melhor uns aos outros, porque nos cruzávamos a todo o instante dentro do navio e os rostos de cada um ficavam cada vez mais gravados na minha memória: o teu era um deles, apesar de pertenceres a outra companhia.


Entramos em Pirada a 3 de Novembro de 1973, onde tu ficaste com a tua 3ª companhia e eu segui com a 1ª para Bajocunda. 15 dias depois acompanhei um Pelotão para Copá de onde passado mês e meio, em Pirada, começaste a ouvir e a sofrer com os bombardeamentos que nos assolavam quase diariamente.


Voltei a encontrar-te 3 meses depois quando regressei a Pirada e por lá estive cerca de 15 dias na tua companhia e dos demais companheiros .


Regressei a Bajocunda e rotineiramente passei a fazer colunas a Pirada, onde normalmente te encontrava e, assim, se foi cimentando a nossa amizade: da minha parte nunca tive dúvidas, tinhas todo o meu respeito e consideração, porque sempre entendi que o merecias.


Regressamos depois da nossa missão cumprida e só passados 16 anos nos voltamos a encontrar no nosso primeiro almoço convívio no Porto que eu ajudei a impulsionar em 1990.


Recordo-me que me disseste nesse dia: “A partir de agora sempre que hajam estes convívios largo tudo para estar presente e rever todos estes amigos!” De facto durante muitos anos cumpriste a tua palavra e apareceste para conviver nesses nossos dias de festa.


Em Junho de 2008, apresentaste-me o teu Amigo António Graça de Abreu, cujo nome eu já conhecia pois já tinha lido um dos seus livros. Ele veio a tornar-se meu Amigo também. Esta amizade devo-a a ti e muito me honra.


Em Agosto de 2009, aconselhaste o jornalista Joaquim Furtado a levar-me a um dos programas da série (A Guerra) para falar sobre Copa. A gravação foi em Setembro de 2009 mas ainda não passou na RTP. Infelizmente já não poderás vê-lo.


Quando no passado dia 6 de Junho de 2010 apareceste no nosso convívio em Coimbra pela última vez, nada fazia prever que a tua saúde corria tanto perigo. Pelo menos aparentemente.


Três meses e meio depois, em Setembro, telefonaste-me a pedir uma cópia das minhas memórias da Guiné porque se tinham extraviado as que tu possuías. Logo te preocupaste, honesto como sempre foste, com a forma de me pagares as despesas envolvidas. Respondi-te então que não te preocupasses, pois no nosso próximo encontro anual resolvíamos isso.


Enviei-te a cópia pelo correio no dia seguinte.


A tua saúde segundo me disseste continuava bem.


Um mês e meio depois, no final de Outubro, telefonaste-me de novo e recebi um choque: primeiro porque me disseste que estavas gravemente doente e segundo porque me transmitiste que não querias morrer sem pagar o que me devias. Aí correram-me as lágrimas pela cara e respondi-te que esquecesses tal insignificância, pois o importante era que tratasses o melhor que pudesses da tua saúde.


Combinamos que te telefonaria de vez em quando a saber das tuas melhoras e fi-lo algumas vezes, não tanto como gostaria, com receio de te estar a incomodar no meio do teu sofrimento.


Nos últimos dias do passado mês de Abril (encontrava-me em Braga pois tinha perdido o meu Pai à poucos dias) recebi mais uma chamada tua, onde me dizias que vinhas ao Porto, num dos primeiros dias de Maio, e que gostarias de te encontrar comigo. Regressei ao Porto e conforme combinamos cá nos encontramos, dei-te um abraço mas achei-te um pouco debilitado fisicamente. Fomos os dois almoçar na companhia da tua simpática Família que em parte já conhecia e no fim dei-te mais um abraço (infelizmente foi o último) e desejei-te boas e rápidas melhoras, e muitas felicidades, com a promessa de que te telefonaria de vez em quando para saber do teu estado de saúde. Desta promessa me penitencio porque não o fiz muitas vezes.


Ainda antes de partires nesse dia, disseste-me que este ano não te sentias com forças para viajar e participar no nosso convívio que se realizaria em Braga três semanas depois.


Uns dias antes de partires, pensando mais uma vez em ti, tive talvez um pressentimento de que não estarias bem e como não sabia como nem onde te encontravas, tive receio de te incomodar ligando para o teu telemóvel. Decidi então ligar para o telefone de tua casa e fi-lo algumas vezes, a diferentes horas, mas não obtive resposta. Agora compreendo, estavas infelizmente a viver os teus últimos dias.


Resolvi mesmo assim no dia anterior à tua “partida” enviar uma mensagem para o teu telemóvel na esperança de que algum dos teus familiares me informasse do teu estado de saúde. A resposta chegou no dia seguinte 23 de Julho, quando um dos teus filhos me enviou uma mensagem com a má notícia: tinhas “partido” na noite anterior.


Olha meu estimado Amigo Joaquim, não tenho palavras para te agradecer a sincera amizade que me dedicaste, só te posso garantir é que, enquanto eu viver, nunca te esquecerei, que Deus te guarde junto dele para sempre, porque sei que eras crente e acreditavas nele.


Depois de todos os sacrifícios porque passaste e pelo bem que com certeza fizeste durante a tua vida que Ele te recompense.


“Quem Crê Em Mim Não Morrerá.” Prometeu-nos Deus.


À tua Esposa e Filhos, apresento os meus mais sentidos Pêsames e que tenham muita força e coragem para suportar a dor da tua perda.


Até sempre meu Grande Amigo...


António Rodrigues

Sold Cond Auto da 1ª CCAV do BCAV 8323
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Notas de M.R.:

Vd. também sobre o Joaquim Vicente Silva, postagens em:


27 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8608: In Memoriam (85): No dia 23 de Julho de 2011 faleceu Joaquim Vicente Silva, 1º Cabo At, 3ª CCCAÇ / BCAV 8323, Pirada, 1973/74, natural de Mafra (António Graça Abreu / Eduardo Magalhães Ribeiro)


30 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8620: In Memoriam (86): Na morte de um Cavaleiro do Gabu


Vd. último poste desta série em:



Guiné 63/74 - P8635: Fotos à procura de... uma legenda (5): Cais do Xime, escoltando rachas de cibe para o reordenamento de Nhabijões (Humberto Reis)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 ( Bambadinca) > Xime > Cais do Xime > 1970 > 2ºGr Comb da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) > Ao centro, em segundo plano o Humberto Reis, cujo grupo de combate estava encarregue, em dia e mês que já não posso precisar,  de escoltar o transporte de milhares de rachas de cibe, desembarcadas no cais do Xime, e destinadas ao reordenamento de Nhabijões, um dos maiores da época (iniciado com o BCAÇ 2852, 1968/70, e continuado com o BART 2917, 1970/72)... 

Já não me lembro quantas rachas de cibe levava uma casa... Só a estrutura do telhado, com cobertura de folha de zinco, deveria levar pelo menos umas 20... O total de casas em construção era de 350... Lembro-me que na altura se falava que cada racha de cibe ficava ao exército  em 7$50 (sete pesos e meio)... Pelo menos mais de cinquenta contos em rachas cibe deve ter sido o valor do material transportado do Xime para Nhabijões... Fora as chapas de zinco, as portas e janelas, as ferragens, o cimento... Tudo em nome de uma "Guiné Melhor"... Ao que consta, o sucessor de Spínola não terá tido a mesma abundância de dinheiro para continuar a fazer a "psico"... (LG)

Foto: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

1. Continuação do nosso "passatempo de verão"... Mais uma foto, do álbum do Humberto Reis, inédita (julgo nunca ter sido publicada no nosso blogue), à espera de uma boa legenda... Fica aqui o desafio aos nossos benevolentes leitores, em mês de férias (para alguns mais felizardos) em que a produção bloguística sofre um natural abrandamento. (LG)

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P8634: Parabéns a você (296): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Elect do BENG 447 e Rui Alexandrino Ferreira, Coronel Reformado


Com um abraço de Miguel Pessoa, restante tertúlia e editores
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Notas de CV:

- José Nunes foi 1.º Cabo Mecânico Electricista de Centrais no BENG 447 (Brá, 1968/70)

- Rui Alexandrino Ferreira foi Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e ex-Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72. Actualmente é Coronel Reformado

Vd. último poste da série de 31 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8621: Parabéns a você (295): Manuel Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350 (Guileje 1972/73)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8633: Tabanca Grande (295): Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 (Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

1. Mensagem do dia 28 de Junho de 2011 de Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68:

Bom dia
Dando seguimento à comunicação da semana passada, refiro:
Chamo-me Domingos Gonçalves, fui Alferes Miliciano, do Batalhão de Caçadores 1887, Companhia 1546.
Permaneci na Zona do Gabu, nos primeiros meses de 1966, como já referi, e depois, ainda em 1966, andei por terras de Bambadinca, Fá, Xime, Xitol, Saltinho, Enxalé, e Porto Gole, etc.
Em 1967 permaneci na zona de Farim, especialmente em Binta e Guidage.
Terminei a comissão no início de 1968.

Regressado à vida civil, licenciei-me em Filosofia, na Universidade Católica, desenvolvi a actividade profissional especialmente na Segurança Social, onde integrei a carreira técnica superior, e fui quadro dirigente.
Encontro-me aposentado há vários anos.

Escrevi três pequenos livros, - edições de autor -, facultados aos colegas da Companhia 1546, por altura dos encontros anuais, que vamos fazendo.

Aproveito a oportunidade de enviar o texto de um desses livros, que tenho no computador, que poderá ser disponibilizado, caso a gestão do já enorme volume de informação, de várias origens, o entenda conveniente.

Um abraço para todos os ex-combatentes.
D.Gonçalves


2. No mesmo dia foi enviada esta mensagem ao nosso novo camarada

Caro camarada Domingos Gonçalves
Incumbiu-me Luís Graça de te contactar no sentido de te convidar a aderires à nossa tertúlia. Passei os olhos pelo teu texto que vamos publicar na íntegra com muito gosto.

Tratando dos assuntos por ordem, se quiseres fazer parte do nosso grupo de trabalho que tem como meta o registo/publicação de depoimentos contados na primeira pessoa, manda uma foto actual e outra do teu tempo de alferes, em formato JPEG, tipo passe se possível, ou em tamanho que permita trabalhá-la. De ti já sabemos o essencial para te apresentarmos à malta.

Quanto ao teu trabalho a publicar, se tiveres por aí algumas fotos que possam ilustrar o texto, podes mandá-las em separado com as respectivas legendas, bastando que nos digas em que parte do texto as queres inserir. Acredita que ficas com um trabalho impecável.

Sobre o teu Batalhão e Companhia há muito pouco no nosso Blogue pelo que terás oportunidade de aumentar o seu espólio.

Consulta esta ligação, se ainda não o fizeste, para te inteirares:

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/BCA%C3%A7%201887

Ficamos a aguardar o teu contacto para avançarmos com a tua apresentação formal à tertúlia.

Deixo-te desde já um abraço em nome dos editores.

O camarada e amigo
Carlos Vinhal

Nova Lamego, 14JUN66 > Alf Mil Domingos Gonçalves junto à "Estação dos Correios".


3. Mensagens de Domingos Gonçalves de 30 de Junho e 3 de Agosto de 2011:

Caro camarada Carlos Vinhal:
Bom dia

Agradeço em primeiro lugar, a oportunidade de disponibilizar a um universo enorme de ex-combatentes, e não só, as impressões que fui passando para o papel, já lá vão mais de quarenta anos.
Contudo, durante todo o mês de Julho vou ficar ausente de casa, pelo que só em Agosto disponibilizarei um conjunto bastante grande de informações, umas já publicadas, e do conhecimento dos colegas da Companhia 1546, e outras ainda inéditas.

Com amizade,
Domingos Gonçalves


3/08/2011
Junto envio uma fotografia antiga, tirada no dia 14 de Junho de 1966, aquartelamento de Nova Lamego, junto do pipo que fazia de caixa do correio, após o regresso de uma escolta a Beli.
Envio, também, uma recente.
Brevemente procederei ao envio de mais fotos.

Cumprimentos para todos os camaradas.
D.Gonçalves


4. Nota de CV:

Caro camarada Domingos,
Bem-vindo à caserna virtual de ex-combatentes da Guiné e pessoas de algum modo ligadas à problemática da guerra colonial, naturais e amigos da Guiné-Bissau.

Neste blogue cabe principalmente aos ex-combatentes naquele ex-território nacional, a incumbência de deixar as suas narrativas e vivências em textos e fotos. Quem sabe, servirão um dia de base para se reescrever a história da guerra colonial.

Tentamos ser o mais honestos intelectualmente falando, descontando algumas imprecisões que o tempo e a falha da memória, já algo cansada, pode originar. Cada um conta com a preciosa ajuda dos restantes camaradas para que a verdade seja uma realidade. Há muitos documentos nas nossas mãos, autênticas preciosidades. Este blogue tem por missão publicar o que está disperso.

Pelo que nos contas, tens em livro, edição de autor, as tuas memórias, pelo que as poderás disponibilizar ao nosso, e teu, blogue para publicação, se assim o desejares. O ideal seria ilustrá-las com fotos que tu ou os teus camaradas possam ter guardadas.

Brevemente vamos começar a publicar o teu "Regresso dos Herois" pelo que se houver algumas fotos que possas disponibilizar por favor envia no mais curto espaço de tempo possível.

Recebe um abraço de boas vindas da tertúlia e dos editores.

O camarada e amigo
Carlos
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8522: Tabanca Grande (294): José Carvalho Barbosa Silva, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do BENG 447 (Brá, 1965/67)

Guiné 63/74 - P8632: (In)citações (32): Como nasce, vive e morre o homem africano (Artur Augusto Silva, Bissau, 1963)

 1. Excerto reproduzido, com a devida vénia do livro Pequena viagem através de África, de Artur Augusto da Silva (1912-1983), pp. 18-21 (Originalmente, uma "conferência pronunciaad em 1963  no Salão Nobre da Associação Comercial da Guiné, no 46º aniversário da sua fundação", publicado em Bissau, 2009; ed lit, Henrique Schwarz, João Schwarz e Carlos Schawarz).
 
(…) Para que se possa fazer uma ideia aproximada de como vivem os africanos, em sistema tribal, tomaremos por exemplo um homem e segui-lo-emos desde o nascimento até a morte. Como variantes mais ou menos acentuadas, conforme a tribo, é a seguinte a sua história.

Nascimento

Nasceu a criança: torna-se necessário afastar do seu caminho os espíritos maus e evitar que eles a venham buscar, agarrando-a pelos cabelos. A primeira cerimónia que se realiza é a do corte dos cabelos. Os maometanos costumam rapar quase toda a cabeça, deixando uma mecha pequena pela qual Alá possa agarrar o recém-nascido e levá-lo para o céu, na hipótese de uma doença fatal.

Amamentação

Até aos dois anos e meio, três anos, as crianças são amamentadas pelas mães, pois a dificuldade de encontrar alimentação adequada obriga a prolongar o período de lactação. Até esse período a criança vive quase todo o tempo escarranchada nas costas maternas segura por um pano amarrado na frente. Aí dorme e aí é amamentada, pois as mães, repuxando os seios, passam-nos por baixo das axilas, de forma a atingir a boca da criança. Só à noite, quando a mãe vai dormir, é que a tira da posição em que estava, para a deitar a seu lado.

Outros alimentos

Com a criança escarranchada, a mãe cozinha, lava a roupa, tece, lavra os campos, colhe os frutos, dança, caminha longas jornadas, come e conversa.

Cerca dos dois anos, já a crianças começa comendo do que os adultos comem: arroz ou milho, inhame, batata-doce, frutos silvestres, amendoim torrado ou pilado, folhas de certas árvores, peixe verde ou seco, carne e leite azedo, acompanhado de óleo de palma ou outro qualquer molho.

Mezinhas

A comida é mal preparada e demasiadamente indigesta para estômagos fracos: a criança adoece e, então, experimentam-se as mezinhas dadas pelo curandeiro ou as que a prática aconselha. Se piora, intervém o feiticeiro com os seus sortilégios.

A mortalidade infantil é enorme, mas a nossa criança escapou. Passou o primeiro grau de selecção e já oferece certas garantias de vitalidade. Cedo a criança começa a embrenhar-se no mato com os seus companheiros, a subir às árvores e a ajudar os pais na lavoura ou na guarda do gado.
Fanado, ritual de passagem

Até à circuncisão [, fanado,] é considerado "menino"; não conversa com os homens nem pode casar-se ou ter relações sexuais. Depois dessa cerimónia já se integra no grupo das pessoas sérias. Se é balanta, por exemplo, deixa de furtar.

Debaixo do poilão

À tarde, nas horas de maior calor, costumam reunir as pessoas de respeito à sombra de uma grande árvore, a maior árvore da povoação ou suas imediações [, em geral, um poilão]; aí conversam sobre todos os assuntos: colheitas, chuvas, gados, casamentos, notícias palpitantes, contribuições, serviços nas estradas, etc., etc…

Casamento

Só depois do nosso homem ter ido à circuncisão pode tomar parte nessas conversas. Está na idade de procuar ganhar dinheiro suficiente para se casar. Ou a família o ajuda, se tem posses e o pai vê que pode dispensar aquele trabalhador, ou ele terá de ir ganhar a vida em qualquer ofício.

Casado, constrói uma casa [, morança], sendo agora raro que vá viver para casa do pai. Realizado o casamento, temos o nosso homem armado em chefe de família, não completamente independente porque tem para com o pai obrigações que se prolongam até à morte deste.

Economia familiar

Cultiva o campo para sua subsistência e para vender os produtos. Compra gado, primeiro caprino e suíno, depois vacum. Cria galinhas ou patos para comer mas, mais frequentemente, para vender.

Homem grande


Vai envelhecendo e, com o avançar da idade, recebe maiores provas de respeito e consideração por parte de todos. Envelheceu, é um "homem grande", de autoridade e conselho, ouvido com respeito em todos os assuntos que se prendem com a tribo ou com a sua tabanca. Rodeado de filhos e mulheres. Tem agora muito gado e algum dinheiro metido numa lata ou garrafão, para evitar a destruição pelos bichos.

A morte e o morrer: o choro

Porém um dia adoece o nosso homem: são convocados os feiticeiros e os curandeiros (normalmente estas duas profissões liberais andam associadas) e estes decretam: está velho, vai morrer.

São chamados os parentes, os filhos que vivem longe e, rodeado por todos, morre como qualquer mortal. Inicia-se a cerimónia do choro que se prolonga por muitos dias, numa orgia infernal. Abatem-se dezenas e às vezes centenas de cabeças de gado das manadas do defunto.

Os não maometanos bebem quantidades enormes de vinho [de palma] ou aguardente [de cana]; o celeiro do defunto, onde está arrecadado o arroz ou o milho, é esvaziado para alimentar centenas de bocas. Dança-se e canta-se e ninguém descansa um minuto sequer enquanto o choro decorre.

O nosso homem baixou à terra; puseram-lhe pedras ou paus em cima. Cobriram-no de terra, enquanto o seu espírito se libertou do corpo, aquele espírito que eles vêm em sonhos e os aconselha ou repreende, os protege ou persegue.

Viveu!! (...)

Artur Augusto da Silva

[ Revisão / fixação de texto / título e subtítulos: L.G. ]

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de Maio de 2011
> Guiné 63/74 - P8283: (In)citações (33): Humberto, é hora de sofreres, uma vez mais, mas é hora também de olhares em frente e pensares que a tua Teresa há-de gostar, no além, se existe, que não esmoreças (Paulo Salgado)

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8631: Convívios (365): I Encontro da CCAÇ 3414, Coimbra, dia 30 de Julho de 2011 (Joaquim Carlos Peixoto)

1.º ENCONTRO DA CCAÇ 3414
SARE BACAR, BAFATÁ

COIMBRA - 30 DE JULHO 2011

Sendo um frequentador assíduo da Tabanca Pequena de Matosinhos e companheiro inseparável dos encontros da Tabanca Grande, onde num e noutro lado, revivo com muita emoção e franca camaradagem a vida passada nesse mundo quase irreal que é a Guiné. Revivendo momentos maus e menos maus que lá passámos, ficava pensativo e com certa mágoa ao recordar os meus camaradas e amigos da CCAÇ 3414 e não nos encontrarmos nem sabermos nada uns dos outros.

Tinha conhecimento que esta e aquela Companhias tinham convívios.
E a C CAÇ 3414?
Nada !!!

Compreendia, que sendo esta Companhia formada na maioria por soldados açorianos (apenas os graduados e os soldados especialistas eram do Continente), havia mais dificuldade em organizar um encontro, mas isso não me satisfazia, nem servia de justificação.

Algo tinha que ser feito. Através do nosso Blogue, mails, sms, net e alguns telefonemas, consegui o contacto do Silva nos Estados Unidos e do Caldeira nos Açores. Com muito empenho, trabalho e alguma sorte conseguimos muitos contactos e marcamos o nosso primeiro encontro para Coimbra no dia 30 de Julho.

Conseguimos contactar com todos os camaradas que residiam no Continente. Apenas quatro não puderam comparecer por motivo de trabalho ou saúde.

No dia marcado parti com o Brito para Coimbra. Como iria ser o nosso primeiro encontro passados trinta e oito anos?

Chegados ao local do encontro (antes da hora marcada) já lá se encontravam alguns camaradas mais apressados e ansiosos. Mas, quem seriam eles? Não reconheci nenhum, apenas o Capitão (hoje Coronel) Ribeiro de Faria. Aos outros, o Chaves, o Silva da secretaria e o Macedo, não os reconheci.

Era impressionante, um a um iam chegando e a chegada de cada um trazia mais emoção e mais alegria. Era uma “granada” de sentimentos, de emoção, era um reviver de situações que nos confundia, que nos animava. Não há palavras para exprimir semelhantes sentimentos.

Que lindo retrato!!!
Parecidos com os periquitos de 1971/73 ?!

Aos poucos foram aparecendo o Zé Maria, Caldeira, Pires, Gomes, Alcides Rocha, Vieira, Neves, Pinto, Coutinho, o Silva Enfermeiro, Abreu, Tavares e Bacalhau. Certamente que não foi bem por esta ordem, mas não recordo exactamente os que chegaram primeiro.

Após os primeiros abraços e as primeiras impressões:
- Já não te conhecia.
-Estás mais gordo.
- Onde está o teu cabelo?
-Tás velho pá.
-Eras metade!
E tantos, tantos comentários.

Dir-se-ia, à primeira vista que nada mudara mas não era bem assim.Explicações que dávamos da vida e situação actual, cruzavam-se com as recordações de outrora.

Depois deste primeiro contacto e acabados os aperitivos, passamos à sala onde iria ser servido o almoço.

Após cada um ter tomado o seu lugar, o nosso “Capitão” (Coronel) Ribeiro de Faria proferiu algumas palavras. Palavras essas de amizade e de reconhecimento. Porém, a emoção traiu-o aquando da lembrança dos camaradas que não regressaram: o Ribeiro e o Parreira. A voz falhou-lhe e a emoção tomou conta dele, e no rosto de cada um, era notória a tristeza e a desilusão dessas perdas.

A refeição decorreu animada e cada um ia relembrando o passado. Em cada rosto estava estampada a alegria.


A sobremesa foi coroada com um bolo onde se destacava a CCAÇ 3414 – OS FALCÕES – LEALDADE E JUSTIÇA.


Sem ninguém se aperceber o Lopes tinha uma surpresa para todos: fomos presenteados com “ Fados de Coimbra”, que fizeram a delícia de cada um de nós.

Também o Alcides Rocha, nos surpreendeu ao oferecer-nos umas garrafas do seu vinho “Aravos”.

Não posso deixar de referir a forma curiosa como o Silva (da secretaria) ia reconhecendo alguns camaradas que iam chegando: Pela maneira de andar, por alguns tiques e por algumas atitudes que tomavam.

Antes da despedida, formou-se uma comissão que irá organizar o próximo convívio em Setembro de 2012 na Ilha Terceira, onde a Companhia foi formada.

O encontro foi registado com várias fotos, e no regresso a casa todos levávamos a alma mais leve, pois partilhamos uns com os outros, as vivências de uma guerra que não era nossa. Recordamos, revivemos e abraçamo-nos com a esperança que outros encontros surgirão.


Foi feito um convite a todos, que ao passarem pelo Norte se juntem na Tabanca Pequena de Matosinhos (às Quartas-feiras).

Obrigado a todos pela vossa presença e pelo bem que fizemos uns aos outros neste convívio

Até sempre.
Joaquim Carlos Peixoto
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8607: Convívios (358): 2º Almoço-Confraternização do BCAÇ 4610/73, 3 de Setembro de 2011 em Pombal (José Romão)

Guiné 63/74 - P8630: Blogpoesia (155): Pôr-do-sol alentejano (Felismina Costa)


1. Mensagem da nossa amiga e tertuliana Felismina Costa *, com data de 31 de Julho de 2011:

Caro Editor e Amigo Carlos Vinhal
Mato muitas vezes as saudades do meu Alentejo, falando dele.
Sinto a terra como parte integrante de mim, encontrando nela a segurança e o equilíbrio que nos oferece as coisas que amamos e com as quais fomos criados.

Ofereço a todos os tertulianos e amigos deste nosso imenso Blogue, o pequeno texto que se segue, incluindo a si Carlos e à Dina, meus Amigos do Norte.

Um abraço fraterno para todos.
Felismina Costa


Planície alentejana
Imagem retirada do Portal de Nisa, com a devida vénia


Aspiro o teu cheiro… meu Alentejo!

Quem, ao cair de uma tarde de verão, se aventurar a apreciar a grandeza da planície alentejana, (e quando digo, aventurar-se, refiro-me ao tempo, que convém ter disponível, para apreciar a imensidão), depara-se com um espectáculo maravilhoso:

O sol a cair sobre o imenso e longínquo horizonte, qual bola cor de fogo, cerca-se de uma imensa auréola de um tom mais diluído e pinta, com laivos dessa cor, os restolhos quentes, que ele dourou.
A paz não é traduzível!

Uma, ou outra ave, de porte razoável e de recorte magnífico, torna o espaço inusitado, pela dimensão da sua beleza, alegria e tranquilidade!
Perplexos, olhamos o nada, cheio de tudo!
Respiramos fundo, e um cheiro a terra e a pão, vem até nós, trazendo-nos a certeza de estarmos perante um milagre, chamado… Mãe!

Sim! Terra Mãe!
Porque do seu ventre colorido, num degrade de tons terra, rosa, negra ou vermelha, irrompem todas as espécies necessárias à alimentação humana, que, conforme a sua evolução, vão pintando e alterando os tons, transformando o espaço permanentemente.

Laboriosamente, o homem ajuda-a, e decora a paisagem, conferindo movimento ao espaço.
O crepúsculo enche-se de uma luz incomum, oferecida pelo azul-cobalto da cobertura celestial!
A noite, acorda, ao som único das canções das cigarras, dos grilos e dos ralos.
Balidos, mais ou menos próximos, conferem harmonia ao todo. Um pastor assobia para reunir o rebanho, e recorda-nos… que não estamos sós.

Bandos de insectos, passam voando, quase imperceptíveis, num zumbido rápido, a uma velocidade incrível.
A temperatura, fabulosa, convida a olhar a noite e a vivê-la, na sua paz, nos seus aromas, que a brandura faz libertar.

Lentamente, a lua eleva-se, e o canto das cigarras aumenta deliciosamente!
Pejado de estrelas, o céu é um luzeiro e as constelações despertam a nossa atenção, pelo seu desenho geométrico, pelo seu brilho.

Daqui, aspiro o aroma a feno, a rosmaninho, a alecrim, a Lúcia lima, a cidreira, a orégãos, a marcela, a poejo, a milho verde, a trigo, a pão acabado de cozer.

Convido-vos a aspirar também, estes aromas inconfundíveis, a observar o espaço imenso e a usufruir da sua paz, que nos é oferecida com toda a singeleza das coisas grandiosas.

Saudosa, aspiro-te inteiro, meu maravilhoso Alentejo!..


Pôr-do-Sol Alentejano

Punha-se o Sol na planície!
Plana, a terra,
Prolongava os horizontes…
O sol, descia lento,
Devagar,
Deixando-me apreciar
Aquela hora única.
O astro rei brilhava
Qual metal pesado e polido
E em volta, o alaranjado das chamas soltas,
Dava uma nota, colorida, viva!
A terra brilhava!
Da cor do ouro.
Da cor do restolho, que deu o pão.
Dispersos, azinheiras e sobreiros
Davam a nota que faltava,
Na paisagem
Primitiva e franca,
Do meu Alentejo,
que encantava!...

Felismina Costa
26/8/08
____________

Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 18 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8567: Estórias avulsas (114): O tio Quim Quim (Felismina Costa)

Vd. último poste da série de 25 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8598: Blogpoesia (154): Se permaneces em silêncio e não falas/, as gerações futuras nada terão que contar (Han Shan / António Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P8629: Notas de leitura (261): "Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano", por Julião Soares Sousa (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
Desculpem insistir na importância primordial deste livro, não estou preparado para dizer que é a mais importante biografia política de Amílcar Cabral, não hesito em dizer que se trata de um estudo muito acima das conjunturas e das conjecturas, estabelece com rigor o arco histórico entre a evolução dos movimentos independentistas e dá-nos o percurso ímpar de um pensador que não teve rival ao nível das colónias portuguesas.
Por favor, travem conhecimento com esta biografia de Amílcar Cabral

Um abraço do
Mário


"Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano"

Amílcar Cabral: o revolucionário e o mito

Beja Santos

“Amílcar Cabral, vida e morte de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa (Nova Vega, 2011), não nos cansamos de opinar, é um livro incontornável para quem se interessa por aprofundar os seus conhecimentos acerca da Guiné em guerra, queira conhecer a personalidade política do mais talentoso dos líderes revolucionários das colónias portuguesas ou quem esteja a investigar, em toda a amplitude, a história da Guiné-Bissau. Amílcar Cabral, por razões sobejamente conhecidas, confunde-se e entranha-se na vida do PAIGC, desde a sua fundação e até mesmo depois da sua morte, arquitectou uma estratégia diplomática para tornar a Guiné-Bissau independente e gizou um plano militar ofensivo que foi desencadeado a partir de Maio de 1973, quando já tinha entrado na lenda.

Julião Soares Sousa analisa exaustivamente a transição para a fase revolucionária à luz das manobras diplomáticas desenvolvidas sobretudo até 1963; aprecia e detalha os preparativos para o início da guerra chamando a atenção, como nenhum autor até hoje, para o conjunto de diligências que efectuou para tentar uma convergência com outros movimentos rebeldes; mostra como a luta armada foi previamente precedida de uma organização ideológica, e que, a despeito de inúmeras dificuldades de armamento, em escassos meses a região Sul desarticulou-se e o sistema económico-colonial entrou no plano inclinado, de onde nunca mais saiu. A par dessas diligências e da organização militar, Cabral continua tenazmente à procura de uma solução pacífica para a independência. Descobre, enfim, que tem apoios políticos em África mas este continente não lhe dá ajuda financeira nem se compromete a uma intervenção militar conjunta. China, URSS e Cuba vão ser os principais doadores. Os óbices, reticências, desconfianças também são enormes, tanto no Senegal como na Guiné Conacri. Cabral não desfalece, supera os escolhos internacionais, prestigia-se em areópagos em vários continentes, redige documentos teóricos ainda hoje dignos de leitura.

Emergem, com o crescimento da guerrilha, os focos de contestação interna, Cabral, longe dos teatros de operações, apercebe-se bastante tarde que a luta armada fez surgir caciques, alguns deles sanguinários, verdadeiros terroristas. Também aqui o autor descreve os antecedentes e as consequências do congresso de Cassacá, que mudaram o curso da história do PAIGC. A conquista da população torna-se um imperativo tanto para o PAIGC como para as tropas portuguesas. A historiografia de ambos os lados é praticamente omissa sob a forma como decorreu a sublevação das populações entre 1962 e os anos subsequentes, como se intimidaram as populações, como estas foram obrigadas a tomar partido e a entrar no chamado “jogo duplo”, a que nenhuma etnia escapou. Exerceram-se muitas formas de repressão brutal, corremos o risco de ficar sem o relato desses acontecimentos. Tanto Vasco Rodrigues como Arnaldo Schulz, os governadores que precederam Spínola, têm sido criticados por favorecer a opção militar em prejuízo das medidas de carácter social. É de facto com Spínola que Cabral e a direcção do PAIGC bem como os comandos militares da guerrilha vão conhecer um confronto sério: Spínola aprofundou a aliança histórica com os chefes islamizados e o seu plano de obras públicas expressa-se em números gordos: entre 1969 e 1973 foram construídas 8313 casas, 61 tabancas conheceram melhoramentos significativos e largos milhares de pessoas foram reagrupadas; em idêntico período foram alcatroados 520 km de estradas comparativamente aos 35 km construídos entre 1960 e 1968; a governação de Spínola também se fez sentir na saúde, na educação, na agricultura e no plano político – administrativo, sobretudo graças a uma instituição que granjeou imensa popularidade, os congressos do povo. Também acerca do número de pessoas controladas, o autor manifesta a sua isenção, chamando a atenção para vários exageros da propaganda, quer para a população fora do controlo das autoridades coloniais quer para os refugiados na Guiné-Conacri e no Senegal. Não obstante, com o evoluir da guerra alguns espaços de controlo passaram inequivocamente para a alçada do PAIGC.
 Por exemplo, com o abandono de Béli e Madina do Boé, o PAIGC estendeu a sua influência em direcção à região do Gabu e conseguiu o maior domínio da margem direita do rio Corubal até ao Xitole.

As questões de formação eram primordiais no pensamento de Cabral, ele sempre estabeleceu uma conexão entre as duas componentes de guerra (as acções militares e políticas ou ideológicas) tal como disse em 1969: “Podemos derrotar os tugas em Buba ou em Bula, podemos entrar e tomar Bissau, mas se a nossa população não estiver politicamente bem formada, agarrada à luta como deve ser, perdemos a guerra”.

Noutra vertente, assume em grande peso as lutas internas, as dissidências e a constante tensão entre cabo-verdianos e guineenses, ainda hoje a historiografia guineense é estranhamente omissa sobre as crises de liderança, as tentativas de assassinato, as contestações surdas ou abertas, o que denota o pouco à vontade no tratamento das dificuldades que sempre ocorreram na vida do PAIGC, em todos os sectores.

Julião Soares Sousa deixa-nos também um quadro bastante claro sobre o entendimento que Cabral tinha do socialismo, ele pensava num estado descentralizado, pela manutenção de uma posição de não alinhamento na Guerra Fria, havendo que privilegiar a experiência das zonas libertadas e rejeitar a prevalência do aparelho administrativo colonial. Há muitas dúvidas sobre a solidez do seu pensamento marxista, mas é inegável que ele acreditava convictamente no partido único, seria o PAIGC a vanguarda da libertação nacional, isto sem prejuízo de uma estratégia para a prevenção do neocolonialismo, que também era uma das suas preocupações. Todo o ano de 1972, tempo em que o prestígio de Cabral está no zénite, é da procura do reconhecimento internacional, de eleições internas para se obter um consenso quanto à independência, mesmo que esta fosse declarada unilateralmente, tal como Cabral admitia desde Maio de 1968. A visita de uma missão da ONU aos chamados territórios libertados foi o teste de confiança decisivo para a ofensiva diplomática de Cabral.

E chegamos ao seu assassinato. Julião Soares Sousa sopesa as diferentes teses, aponta os autores materiais, equaciona os diferentes relatos, dá-nos um quadro vigoroso de quem e como actuou naquela noite. Sendo certo que o governo português equacionara a sua eliminação física no passado, naquele momento o seu desaparecimento provocou danos irreversíveis às estratégias de Spínola. Não é de negar a hipótese de que o seu assassinato iria atrasar a data da independência mas ninguém de boa fé pode advogar que as autoridades de Lisboa ou de Bissau iriam encontrar um interlocutor mais capaz, o PAIGC é já uma força incontestavelmente motivada e tem uma vida política com garantias de autonomia mesmo com o desaparecimento do seu líder carismático. E o autor escreve: “A análise dos acontecimentos do dia 20 de Janeiro parece não deixar margens para dúvidas que o assassinato de Cabral foi obra de dissidentes do PAIGC”. Tratou-se de um complot em grande escala e que ultrapassa as fronteiras da Guiné-Conacri, como ele enumera: as muitas contradições do discurso oficial; a história fantasiosa que esse mesmo discurso criou e recriou para, em nossa opinião, continuar a encobrir a verdade e o facto de, até hoje, não se conhecer nenhum relatório das três comissões de inquérito entretanto criadas. Não há nenhum documento que incrimine, directa ou indirectamente a PIDE, há hesitações e nuances em torno de Sekou Turé ou até mesmo de Osvaldo Vieira. E há provas de que a ala guineense do PAIGC projectava não se envolver na questão da independência de Cabo Verde, ficando a luta na Guiné a cargo dos guinéus. É de admitir que nunca se consigam juntar provas que tragam luz sobre quem instigou toda esta trama que levou os descontentes guineenses do PAIGC a liquidarem Cabral.

E muito provavelmente Marcel Niedergang, colunista do jornal Le Monde, teria razão num artigo que li publicou três dias após o assassinato de Cabral: com o seu assassinato era também a esperança de uma colaboração ainda possível entre Portugal e o seu território africano que se afastava abruptamente.

Por todas estas razões, o estudo monumental de Julião Soares Sousa é uma leitura imperdível.
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Notas de CV:

Vd. postes anteriores de:

5 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8508: Notas de leitura (253): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (1) (Mário Beja Santos)

13 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8549: Notas de leitura (256): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (2) (Mário Beja Santos)
e
19 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8570: Notas de leitura (257): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (3) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 29 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8616: Notas de leitura (260): Costa Gomes, o último Marechal, por Maria Manuela Cruzeiro (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8628: O Nosso Livro de Visitas (115): Arlinda Mártires, antiga leitora de português em Bissau (1993-98), poetisa, autora de Guynea

1. Comentário da nossa leitora Arlinda Mártires, com data de 25 de Julho p.p., ao poste P8368 (Foi enviada também mensagem, do mesmo teor, para a nossa caixa de correio) (*):

Caro Beja Santos,
Sou Arlinda Mártires [, vd. foto à esquerda,.constante do mural da sua página do Facebook,] (**) e deparei-me, por acaso, com as suas palavras sobre o meu "Guynea". O meu coração quase rebenta de comoção, gratidão, ternura...

Sou alentejana e vivi 5 intensos anos na Guiné. Posso considerar-me luso-guineense por amor às gentes.

Um grande BEM HAJA! Tão contente por ter apreciado a minha escrita!
Arlinda
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Notas do editor:

(*) Último poste desta série > 23 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8593: O Nosso Livro de Visitas (114): José Rodrigues, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419/BCAÇ 1857 (Região do Oio, 1965/67).

(**) Arlinda Mártires Nunes é professora e escritora. Lecciona Língua Portuguesa na Escola Básica e Secundária Dr. Isidoro de Sousa, em Viana do Alentejo.  Fez formação de professores na Guiné-Bissau (93-98), na Namíbia, fronteira com o sul de Angola (2006-2008) e, entre 2008 e 2010, ensinou Português em Timor-Leste.

Tem 3 obras publicadas Além-Rio (poesia), Guynea (poesia) e 7 Histórias de Gatos (contos – em co-autoria com a prof. Dora Gago).

Estudou Línguas e Literaturas em FCSH - UNL Sabe Língua portuguesa, Língua inglesa, Língua francesa, Língua castelhana, criolo Guiné-Bissau

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8627: Patronos e Padroeiros (José Martins) (21): Mártir S. Sebastião, Padroeiro dos Arqueiros, da Infantaria e dos atletas (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70) [, foto à direita, no seu escritório,] com data de 29 de Julho de 2011:

Boa noite camaradas
São Sebastião, não sendo (oficialmente) patrono militar, foi um militar que, mercê das suas virtudes de mártir, veio a ser elevado à honra dos altares.
Foi alguém que, depois de Soldado foi Santo.

Um abraço e bom fim de semana.
José Martins


PATRONOS E PADROEIROS XXI

Soldados que se tornaram Santos

Mártir S. Sebastião

Imagem de São Sebastião, Orago da Igreja da Granja – Vialonga - V. F. Xira.
© Foto José Martins -2011/07/29

São Sebastião

Sebastião nasceu em Narbonne, no sul da França, no ano de 256 d. C., local onde existiu a primeira colónia romana fora da Itália - Colónia Narbo Martius – localizada na Via Domitia, estrada romana construída na Gália.

O nome Sebastião deriva do grego “Sebastós”, que significa divino, venerável, que seguia as virtudes do Altíssimo.
Escritos apócrifos, atribuídos a Santo Ambrósio, que foi à época Arcebispo de Milão, refere que Sebastião era um soldado, que se alistou no exército romano, por volta do ano de 283 d. C., tendo portanto acerca de 27 anos.
A intenção que o norteava era ajudar os cristãos a revitalizar a sua Fé, que era bastante abalada, após as torturas e perseguições a que eram submetidos.

Os Imperadores Diocleciano e Maximiano, apesar de o saberem cristão, mas reconhecendo o seu valor, convidaram-no para integrar a Guarda Pretoriana, ou seja, a sua guarda pessoal.
Manteve, contudo, a sua postura perante os prisioneiros cristãos, o que levou o imperador a considerá-lo traidor e a mandá-lo executar por meio de flechas.

Foi dado como morto e atirado ao rio, mas Sebastião não tinha morrido e foi socorrido por Irene, uma jovem de família grega e que viria a ser canonizada como Santa Irene. Depois de restabelecido, apresenta-se a Diocleciano, que o manda espancar, até à morte e atirá-lo para o esgoto público de Roma.

O seu corpo foi recuperado por outra mulher, que viria a ser Santa Luciana, que recolhe o seu corpo, limpa-o e, assim, foi sepultado nas catacumbas.

Estes casos ocorreram em Roma no ano de 286.

A Igreja Católica comemora a sua festa litúrgica em 20 de Janeiro, enquanto a Igreja Ortodoxa comemora em 18 de Dezembro.

É considerado patrono dos Arqueiros, dos Soldados, da Infantaria e dos Atletas.

Igreja da São Sebastião em Granja – Vialonga – Vila Franca de Xira.
Festeja o seu Padroeiro, este ano, nos dias 29 / 30 e 31 de Julho.
© Foto José Martins -2011/07/29
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8610: Efemérides (52): 27 de Julho de 1970: Amélia teve um menino (José Marcelino Martins)

Vd. último poste da série de 24 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7495: Patronos e Padroeiros (José Martins) (20): Padroeira da Sagres (Navio Escola da Marinha Portuguesa)

Guiné 63/74 - P8626: Álbum fotográfico de João Graça (9): Os djubis (putos) de Bissau (II e última parte)




 



Guiné-Bissau > Bissau > 17 de Dezembro de 2009 > Bairro popular,  não identificado > Auto-retrato do artista, rodeado de um grupo de djubis (putos) de Bissau...
 

Fotos © João Graça (2009). Todos os direitos reservados


1. Segunda e última parte do tema "Os djubis de Bissau"... Fotos do Álbum fotográfico de João Graça (*), médico e músico, que esteve na Guiné-Bissau, entre 6  a 19 de Dezembro de 2009... Membro da nossa Tabanca Grande, está a tirar a especialidade médica de psiquiatria no Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra), e toca violino no grupo musical Melech Mechaya.

Estas fotos, tiradas ao fim da tarde de uma 4ª feira, 17 de Dezembro de 2009, podem ter as mais diversas leituras... Numa todos estaremos de acordo: o sorriso das crianças é igual em toda a parte, independentemente da cor da pele, da etnia, da língua, do nível de desenvolvimento do país, etc.  Numa época em que parece haver, em muitas partes do mundo, uma escalada de xenofobia, de racismo e de chauvinismo, estas fotos falam por si... Obrigado, João!

[ Selecção e edição de fotos: L.G.]

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P8625: Álbum fotográfico de João Graça (8): Os djubis (putos) de Bissau (Parte I)










Guiné-Bissau > Bissau > 17 de Dezembro de 2009 > Bairro popular de Bissau, não identificado > Os djubis (putos) de Bissau...

Fotos  © João Graça (2009). Todos os direitos reservados


1. Continuação da série O Álbum fotográfico de João Graça (*), médico e músico, que esteve na Guiné-Bissau, nos finais de 2009 (e 5 a 19 de Dezembro), num jornada mix de voluntariado e de férias. Ofereceu os cinco primeiros dias  (de 6 a 10 de Dezembro de 2009), para trabalhar como médico no Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém, no Cantanhez, com apoio da AD - Acção para o Desenvolvimento.   

Para além de Bissau e do Cantanhez, ele nesteve nos Bijagós, na zona leste (Banbadinca, Bafatá, Tabatô e Gabu) e na região do Cacheu (São Domingos) ... 

As fotos referentes aos djubis de Bissau  foram tiradas no bairro onde moram alguns elementos do grupo musical Super Camarimba, ao fim da tarde de 17 de Dezembro de 2009, 4ª feira, 13º dia da estadia do João Graça na Guiné-Bissau...

Parafraseando Fernando Pessoa (**), eu diria que o melhor da Guiné são as suas crianças , os seus djubis... Os seus putos (, vindo-me à memória o fado do Carlos do Carmo, com letra de Ary dis Santos)... O nosso João Graça assim também o entendeu, e tirou com a sua Nikon algumas das suas melhores fotos, tanto em Bissau como no Cantanhez, tendo por subject os djubis...

Em grande plano, aparece o artista, auto-retratado, rodeado dos seus amiguinhos de ocasião, ensaiando as mais divertidas caretas... Aqui fica uma amostra (Parte I).

Algumas destas fotos já constavam do mural da página do João Graça no Facebook.

[Selecção e edição das fotos: L.G.]

 
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Notas do editor 

(*) Vd postes anteriores da série:

(**) Transreve-se aqui, na íntegra, o conhecido poema do Fernando Pessoa,. que era genialmente recitado pelo João Villaret:

LIBERDADE

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro pra ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha quer não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca.

Fernando Pessoa - 16/3/1935
(Originalmente publicado na Seara Nova, n.º 526, de 11/9/1937)

Guiné 63/74 - P8624: Os nossos médicos (42): O Teles de Araújo, o Morais Sarmento, o Horta e Vale e o Fernando Garcia (J. Pardete Ferreira / P. Santiago / M. Amaro / A. Paiva / J. Câmara / C. Cordeiro)

1. Comentário de J. Pardete Ferreira, com data de 31 de Julho, ao poste P8555:


Caros Camarigos, vamos lá ver que não me perco com a azimute!

(i) Começo pelo Paulo Santiago (*): relativamente ao Teles de Araújo (**)... foi meu companheiro em quase todo o Curso! Não fui a Aldeia Formosa mas o Morais Sarmento, do Porto, onde o pai tinha um Consultório de Radiologia na Praça da Batalha, foi meu Companheiro de camarote no Uíge, como médico do BArt 2865 e depois, veio para a Radiologia do HM241.


O Horta e Vale, "Jean-Jean la Mitraillette", foi meu companheiro na primeira "república" que habitei em Bissau, junto ao campo de Futebol e a meio caminho entre a casa do Comodoro Bastos e a casa das... Marinetes (Barbosa e filhas do Barbosa, Secretário da R.P.S.S. Guiné).

Sobre ele, escrevi um artigo no Boletim da Associação de Combatentes ou Ex-Combatentes do Ultramar, ao gosto de cada um.

"Qual não foi o meu espanto quando encontrei um indivíduo de cuecas vermelhas, eu que era do tempo das ditas brancas... até pensei que ele fosse larila!"

Após a devida autorização vou tentar transcrever no Blogue. Penso que está uma história conseguida.

(ii) Ó Paiva, o Garcia que eu cito e que em Santa Maria tinha como alcunha o "Tin Tin"... [ Fernando Garcia] (***) foi o Chefe da Equipa Cirúrgica do HM241 que precedeu o Dr. Diaz Gonçalves. Posso, igualmente, sem grande dificuldade esclarecer a nossa dúvida.


(iii) Para terminar, o Cordeiro (****): Não tenho ideia, até porque já não estava na Guiné em 1972, de nenhum Oficial Médico com essa patente fora de Bissau. Os Médicos do QP também têm a situação de Reserva.

O Oficial médico com patente mais elevada que vi na Guiné foi um Brigadeiro, em visita de inspecção, vindo de Cabo Verde com 13 Kg de lagosta que foram por todos (?) nós comidos no 10. Inspecções assim podia haver muitas.

Alfa Beta.

José Pardete Ferreira  (*****)

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Notas do editor:

(*) Comentário anterior do Paulo Santiago:


(...) Conheces o Horta e Vale? Esteve temporariamente no Saltinho, antes da chegada do teu colega Faria. As histórias que ele, sem se rir, contava davam um livro delicioso, só que,em livro,faltaria a gaguêz, o que não seria a mesma coisa. (...)

(**) Comentário de Manuel Amaro sobre o Teles Araújo:

(...) O meu médico. O Dr. Pardete não teve oportunidade de conhecer o meu médico, porque ele fez toda a comissão no mato, em Aldeia Formosa, 1969/71. Era o Dr. Teles de Araújo, Pneumologista e Presidente da Associação Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias.  Ainda nos anos 70 tratou no Hospital Particular de Lisboa, um amigo meu que "estoirou" um pulmão, a empurrar um carro, sem bateria. Excelente profissional, reservado, utilizava um tipo de humor muito British com os soldados, que resultava em pleno. Não tenho [o] contacto [dele] , mas, porque estamos a falar de médicos, aqui fica a devida referência. (...)

[Nota do editor: Artur Diogo Teles de Araújo é  hoje pneumologista no British Hospital Lisbon XXI...  Também já esteve ligado aos órgãos sociais da Sociedade Portuguesa de Pneumologia].

(***) Comentário de António Paiva:

(...) Se formos pensar em décadas, são só 4, o número nem é muito grande...mas se formos pensar em anos, quarenta e um já estão passados, e a cabeça já não tem a capacidade de 20 ou 30 anos a trás. O que me leva a fazer-te esta pergunta: No nosso tempo, que estivemos lá pelo menos um ano, só me lembro de um Médico com o último nome GARCIA. O Dr. Horácio David Garcia, tinha o posto de Capitão, será o mesmo a quem dás o nome Fernando Garcia ? (...)

(****) Comentários de:

(i)  José Câmara(...)  Na segunda metade do ano 1972 chegou a Bolama um Coronel Médico.  Sem o poder confirmar, fui informado que o tal coronel era de origem açoriana. Também me esqueci do seu nome. Agradeço a ajuda possível à indentificação deste oficial médico. (...)

(ii) Carlos Cordeiro: (...) Que me lembre, médico açoriano do QP - Exército - houve o Dr. Cabral (talvez Machado Cabral, mas não me lembro do nome). Não sei se em 72 teria ainda idade para ser mobilizado ou se já estaria na reserva (os oficiais médicos também tinham esta situação?). (...)


(*****) Último poste da série > 20 de Julho de 2011 >

 
Guiné 63/74 - P8574: Os nossos médicos (41): Por fim, e não menos importantes, os nossos anestesistas (C. Martins / Joaquim Sabido / J. Pardete Ferreira)

Guiné 63/74 - P8623: In Memoriam (87): Fur Mil João Fernandes Machado da Silva da CCAÇ 816, morto numa emboscada no dia 1 de Agosto de 1965 (Rui Silva)

1. Mensagem de Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 28 de Julho de 2011:

Caros amigos Luís Graça e Vinhal.
Recebam um grande abraço, extensivo ao meu querido amigo Magalhães Ribeiro e a outros co-editores e colaboradores e a toda a Tertúlia do Blogue.

No dia 1 de Agosto de 1965 faleceu em combate o meu querido amigo Fur Mil Silva da minha Companhia (816).
Gostava que tal desditosa efeméride fosse evocada no nosso Blogue, precisamente no dia 1 de Agosto próximo.

Obrigado
Rui Silva


Gostava de prestar (e julgo que também todos os camaradas da CCaç 816 - Guiné 65-67) através do nosso Blogue (que melhor sítio?) uma sentida homenagem ao nosso querido amigo Fur Mil João Machado Silva que sucumbiu em combate no dia 1 de Agosto de 1965 na célebre e fatídica estrada do K3 (Olossato-Farim) com pouco mais de dois meses de Guiné.
Saúdo também os seus familiares que seguramente viverão este dia com muita mágoa e emoção.

 Fur Mil João Fernandes Machado da Silva
morto em combate em 01AGO1965

Localização de Joboiá, na estrada Olossato/K3, onde se deu a emboscada do dia 1 de Agosto de 1965 que vitimou o Fur Mil Silva

Alguns extractos do relato desta operação nas minhas memórias “ Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”:

…“Naquele célebre domingo, dia 1 de Agosto de 1965, pelo alvorecer, a caravana pôs-se uma vez mais a caminho do K3….

…Ainda me recordo do desventurado do Silva aquando da altura das queixas deste e daquele, dizer-me, no sítio onde dormíamos e quando calçava as alpercatas a preparar-se para a partida: “Eu tenho um forte motivo para ficar, pois tenho os pés cheios de bolhas”, (daí ele ter calçado sapatilhas em vez das habituais botas de campanha) e apontava-os ao dizer-mo, “mas eu vou”. Lembro-me também que ele usava um grande terço religioso à volta do pescoço…

…1 de Agosto, dia de pleno verão na metrópole; as praias por certo, ou não fosse domingo, cheias de gente folgazona a gozar das delícias do mar e da areia e, nós ali, em cenário de guerra, guerra latente, aberta e declarada. Que contraste, meditei eu…, se bem, que, passageiramente pensei nisto, pois logo me conformei ao lembrar-me que tinha de ser assim… talvez… talvez…

…Extenuados, física e psicologicamente, aproveitamos aquela breve paragem para descansarmos um pouco. Deitados no chão, de braços e pernas abertas, olhando o céu e esquecendo por momentos aquela clima de guerra, assim se prostrou a maioria da malta ganhando força e alento para a derradeira mas “longa etapa”: o regresso, o sempre temeroso e difícil regresso à base: o nosso aquartelamento de Olossato…
Era para cima de uma dezena de quilómetros que teríamos de vencer para chegar ao Olossato…

…Mas, num ápice e em potência eis que rebenta a emboscada. A terrível emboscada!...

Esta é desencadeada à base de lançamento de granadas de mão. Estas chovem de todos os lados e ouvem-se também tiros de metralhadoras ligeiras e pesadas do lado deles.

…A emboscada que marcaria de forma indelével a Companhia 816…
…Jamais outra causaria tantas vítimas e traumatizasse tanto o espírito da malta…
…Jamais outra, e agora no sentido positivo, nos espicaçaria tanto o brio e nos ferisse tanto o orgulho com evidentes resultados em operações futuras…

O tributo pago foi alto, e testemunha o desventurado do Silva, a grande e principal vítima daquela violenta e surpreendente emboscada, Sim, em Joane, Famalicão, jaz o saudoso Silva, o Silva… o que tinha os pés cheios de bolhas e que quis vir à operação…

…Os feridos, onde estão? - Perguntei eu. Alguém apontou-me um Unimog. Passei pelo Ludgero, que chorava e me dizia que o Silva morrera. Saltei para a viatura e então tive uma terrível visão: no chão da carroçaria jaziam uns poucos de corpos envoltos numa toalha de sangue. Uns gritavam de dores, outros de desespero e, entre eles, de olhos vidrados, estava o Silva. Todos se mexiam, menos o Silva que, inerte, parecia completamente alheio ao cenário que o rodeava. O Silva estava morto. Sucumbiu logo ali na emboscada. Não viveu nem um minuto, disse depois alguém…

…A noite caiu então sobre aquele fatídico e triste dia, e a noite, negra, de negro pôs ainda mais tudo.

Demos o nome de: “O dia mais longo” a esta operação de retirada de abatizes.

Rui Silva
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8492: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (6): A Doença do Sono (Rui Silva)

Vd. último poste da série de 30 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8620: In Memoriam (86): Recordando o Joaquim Vicente Silva, 1º Cabo At da 3ª CCCAÇ/BCAV 8323, falecido em 23JUL2011 (Abreu dos Santos)

domingo, 31 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8622: Memória dos lugares (157): Djufunco, no chão felupe, junto à foz do Rio Cacheu

Neste poste falamos de Djufunco e Bolol, tabancas situadas em chão felupe, junto à foz do Rio Cacheu, zona onde os portugueses sentiram alguma resistência ao contacto e dificuldade em convencer homens a combater ao nosso lado contra o PAIGC.


Djufunco e Bolol, junto à foz do Rio Cacheu


Canhão do Fortim de Bolol

Durante o período colonial, no final do século XIX, os portugueses estabelecem um Fortim em Bolol para controlar o movimento marítimo na embocadura do Rio Cacheu, já próximo do Oceano Atlântico.

A tabanca felupe de Djufunco, situada a pouca distância de Bolol, não aceita a presença desse Fortim e faz uma investida que acaba por destruí-lo e impedir de vez o seu funcionamento.

Ofendido, o governador da Guiné, sediado em Cabo Verde, organiza uma expedição punitiva a Djufunco, que acaba por se traduzir na morte de quase todos os soldados portugueses envolvidos nesta operação.

Passará a ficar conhecido na história como o Desastre de Bolol, vindo a ter como consequência imediata a afectação de um governador na Guiné, em vez de continuar a estar em Cabo Verde.

Nota do editor: Foto e texto retirados do site da AD (Acção para o Desenvolvimento), com a devida vénia

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Lagoa de Djufunco

[...] Ainda dentro deste projeto, temos em desenvolvimento uma parceria com o Complexo de Ténis da Câmara Municipal da Maia que pretende dinamizar um Torneio de Ténis nos dias 30 e 31 de Julho cuja receita reverterá integralmente para um novo poço cuja localização será no Djunfunco na Região de Susana – Norte da Guiné.

Djufunco tem uma população de cerca de 810 pessoas, com 180 crianças.
Utilizam para consumo a água de uma lagoa existente na tabanca, relativamente grande onde toda a gente vai fazer as suas necessidades fisiológicas, desde banhos a lavagem de roupa.[...]

Foto e texto retirados do P563 do Blogue Tabanca de Matosinhos & Camaradas da Guiné, com a devida vénia.

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Djufunco

Passada a floresta, atravessado o deserto, avista-se, além do labirinto das barreiras das bolanhas, a tabanca de Djufunco, uma de 54 aldeias em que o VIDA trabalha no norte da Guiné-Bissau.

As casas de adobe agrupadas debaixo das enormes árvores desenham intricados caminhos onde secam redes de pesca, peles de antílopes e roupas rasgadas de criança.

No chão aqui e além vê-se dên-dên a secar e no ar ressoa o chiar da roldana do poço e o bater do pilão.

Djufunco aparece já referenciada nos primeiros relatos dos Franciscanos na Guiné sendo famosa pelo seu conhecimento de venenos.

No terreiro onde está o bombolon o povo construiu com o VIDA a sua Unidade de Saúde Comunitária: uma farmácia, uma sala de consulta e uma sala de parto.

A velha parteira tradicional veio buscar a sua mala para ir fazer um parto na “maternidade sagrada” da aldeia, lugar tabu para homens e sítio da glória de todas as mães da aldeia.

O grande curandeiro aceitou que os meninos já não tenham terra colocada no umbigo e que quem tem dores vá buscar “mezinho” à Unidade.

São tempos novos e os barcos já não têm de fazer mais uma viagem ao fim do dia para ir procurar pelo mar o Hospital do outro lado da fronteira, no Senegal, onde há guerrilha.

Em 2005 as 54 Unidades de Saúde Comunitária feitas pelo VIDA com outras tantas aldeias isoladas do norte da Guiné-Bissau, assistiram mais de 10.000 adultos e 11.866 crianças. Estes são tempos novos diz o régulo de Djufunco orgulhoso diante do seu “hospital”.

Texto retirado do site Vida - Voluntariado Internacional para o Desenvolvimento Africano, com a devida vénia.
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8455: Memória dos lugares (156): Texas, o anexo do Hospital Militar Principal, na Rua da Artilharia Um, em Lisboa (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / António Tavares)

Vd. postes de autoria do nosso camarada Luís Fonseca sobre os Felupes na série Cusa di nos terra

Guiné 63/74 - P8621: Parabéns a você (295): Manuel Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350 (Guileje 1972/73)

Com um abraço de Miguel Pessoa, restante Tertúlia e Editores
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Notas de CV:

- Manuel Reis foi Alf Mil da CCAV 8350 que esteve em  Guileje nos anos de 1972/73

Vd. último poste da série de 30 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8618: Parabéns a você (294): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico, CCS/BCAÇ 2930; Francisco Palma, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 2748; Júlio da Costa Abreu, ex-1.º Cabo do Grupo de Comandos "Os Centuriões" e Victor Tavares, ex-1.º Cabo da CCP 121/BCP 12