terça-feira, 13 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8771: Convívios (373): II Encontro do pessoal da CCAÇ 3327, ocorrido no dia 6 de Agosto de 2011 em Angra do Heroísmo (José Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 8 de Setembro de 2011:

Caro amigo Carlos Vinhal e camaradas,
Um abraço para todos vós.

Na minha recente viagem de férias aos Açores, tive a alegria de assistir a mais um convívio da CCaç 3327.

Desta vez, o encontro teve lugar na casa mãe, o antigo BII17, cujo Comando amavelmente colocou, à nossa disposição, as instalações que todos nós bem conhecemos.

Este convívio que reuniu antigos camaradas, familiares e amigos vindos da Metrópole, de Massachusetts, da Califórnia, do Canadá e de várias ilhas dos Açores, realizou-se no passado dia 6 de Agosto. Toda a organização no terreno ficou a dever-se a um homem extraordinário e um militar exímio, o meu braço direito, o ex-1.º Cabo José Leonardo, da minha Secção. No tempo ficou a nossa amizade, no coração bem poderia dizer que somos irmãos.

Briosos militares perfilados em frente ao Comando do antigo BII 17

O segundo convívio da CCaç 3327 foi delineado desde o primeiro dia para ter alguma inovação em relação ao primeiro e que consistiu em chamar até nós os camaradas das CCaç irmãs 3326 (Mampatá) e 3328 (Bula). O objectivo foi muito bem alcançado e, entre ex-militares e acompanhantes, ultrapassámos em muito aquilo que era esperado. Sempre tivemos em conta as conjecturas da crise económica actual e a falta de continuidade territorial que obriga a gastos muito elevados. Nós, os organizadores, estamos satisfeitos e temos a certeza de que os nossos camaradas também.

Juntaram-se ao nosso convívio em representação do Comandante do antigo BII 17, agora Guarnição 1, o senhor Tenente Moreira e os Sargentos-Chefes Travanca e Chagas que tudo fizeram para que o convívio tivesse o brilho desejado, e ainda um representante da filial terceirense da Liga dos Combatentes.

Esta a única imagem que andou por terras do ultramar em altar na igreja de São João Baptista

A missa esteve a cargo do senhor Oficial Capelão Militar e teve lugar na Igreja de São João Baptista com sede na Fortaleza com o mesmo nome. De seguida, foi depositada uma coroa de flores no monumento que imortaliza os militares falecidos daquela Unidade militar.

Monumento de homenagem do BII 17 aos seus mortos

Desde sempre foi minha intenção fazer um resumo sobre este convívio. Mas não o vou fazer.

Felizmente, comprei o único diário que se publica na cidade da Horta, O Incentivo, com a data de 25 de Agosto. Para minha surpresa, nele vinha inserido um artigo de opinião sobre o nosso convívio. Senti um prazer desmedido ao ler o artigo escrito pelo João Avelar Ventura, natural da Ilha das Flores e a residir na Terceira, outro homem de grande envergadura cívica e militar. Um homem que sempre teve a coragem de deixar falar os seus sentimentos. Sinto orgulho de o ter tido na minha Secção, honra-me a sua amizade.

Os presentes da minha Secção e a partir da esquerda: Ventura, Magno, J.Câmara, Massa, Leonardes

Ao artigo de opinião que transcrevo com a devida vénia a O Incentivo e com a devida autorização do João Avelar Ventura apenas acrescento algumas fotos e respectivas legendas da minha autoria.


Os Nómadas

No passado dia 6 de Agosto comemorou-se, nas instalações do Castelo S. João Batista em Angra, o 2.º Convívio dos ex-combatentes da CCaç. 3327 (Os Nómadas) onde também se integrou ex - combatentes das CCAÇs. 3326 e 3328, foi rezada missa em homenagem àqueles que já faleceram, e dar graças aos que por cá andam. Nesta mesma data foi lembrado os 41 anos e um mês, que estes ex-jovem de todas as ilhas dos Açores deram entrada no BII 17, para cumprimento do serviço militar a que o Regime nos obrigava.

A partir da esquerda - Um bolo, 3 Companhias: Fur Mil Costa (CCaç 3328), Cap. R. Alves (CCaç3327) e Fur Mil J. Bendito (CCaç 3326) preparam-se para cortar o bolo comemorativo do convívio, enquanto o 1.º Cabo J. Sousa testemunha e as meninas preparam o champanhe.

Foi naquela bela Fortaleza que por fora nos parece um lindo conto de fadas, mas para quem teve que entrar no seu interior, mais parecia um início de um filme de terror.

Recordo com saudades a juventude que reinava nas centenas de jovens à espera que os portões se abrissem para entrarem no seu interior, tão escuro e tão frio, que mais parecia o túnel da morte ou para a escravidão às masmorras que ali existem, oficiais e sargentos, com semblante tão carregado, como as pedras que sustentavam as arcadas da muralha, um por um, lá iam gritando os nomes dos mancebos, para lhes aplicarem um número que seria a sua marca bem registada nas fileiras nacionais.

Ao sair para a parada, já de uniforme embora um pouco machucado, tinha já consciência que a hora de ser militar já tinha começado, lá no alto por cima das nossas cabeças, com letras bem marcantes: “ANTES MORRER LIVRE QUE EM PAZ SUJEITOS”; Esta coisa de sujeitos, sempre me acompanhou enquanto militar fui. Éramos sujeitos a várias humilhações, quer pessoais quer psicológicas, em que, nos obrigavam a acreditar que se ia para terras do Ultramar, para defender a nossa Pátria; nem que, os tais sujeitos que queriam a paz, tivessem que morrer...

O som do clarim era o toque da alvorada, todos a correr para a parada marchar; um dois!.. um dois!.. meia volta volver... era o som tão marcante que ainda pressinto ouvir, os berros dos aspirantes a chamarem, aqueles nomes tão bonitos...

O Alf Mil Magalhães e a esposa. Vieram de Brunhoso

Com o passar dos meses já era um militar completo, recruta e especialidade, já era um atirador pronto a jurar sob a Bandeira Nacional, que estávamos ao serviço da Pátria, nem que a morte lhes custasse.

Foi a Guiné o destino destas três Companhias Açorianas, com pessoal especializado em comunicações sargentos e oficiais, esses continentais, dois ou três sargentos dos Açores.

O Alf Mil Almeida e a esposa. Vieram do Porto

Santa Margarida foi o nosso primeiro destino, o gelo e o frio era constante, recordo que, para se tomar o nosso duche tinha que ser a correr que a água era tão gelada que cortava a pele, mas era só a dos soldados. A viagem para a Guiné demorou sete dias, metidos no porão do navio Angra do Heroísmo, mais de seiscentos militares, deitados numas prateleiras que mais pareciam caixotes para armazenamento de batatas, ou então, sardinhas enlatadas. Era assim, a mostra onde tinha chegado a baixeza dos responsáveis pelo governo de Portugal, que esses “tais sujeitos”, pessoas, militares, mártires pela Pátria passaram, mas que ainda alguns podem testemunhar!.. Lá chegamos à Guiné, o calor e a humidade era o já anunciado, mas foi um contraste muito marcante, como a cor dos seus habitantes, a sua cultura, as suas crenças.

José Câmara saudando os presentes

Bissau foi a mossa primeira paragem, só que fomos instalados em tendas de campanha no aquartelamento nos Adidos em Brá para recompor a viagem, ou para que outras Companhias fizessem as malas de regresso a casa, a seguir, cerca de dois meses ainda andamos a fazer guarda de atacadores e luvas brancas, no quartel General onde o Spínola estava muito bem instalado, de nada parecia que estivesse em guerra, a seguir lá nos mandaram subir o rio naquelas jangadas que só se sai pela rampa da frente entre todo o material que uma guerra sustenta, logo percebido que o filme para essa guerra havia começado.

A partir da esquerda: Fur Mil Fermento, Silva, Borges da Silva, Cap. Alves, Parreira (veio da Califórnia) Fur Mil Pinto e Fur Mil Cruz

A zona de Teixeira Pinto era-nos indicada, mas foi o mato o nosso destino, num buraco no meio da Mata dos Madeiros, os “bullbozers” a fazerem terraplanagem, onde foi o campo de concentração da minha Companhia. Teríamos de fazer a defesa, como também a construção de valas e abrigos, barracas que era a nossa tenda de campanha feita com troncos e palmeiras e todo os procedimentos de uma CCaç em plena operação de guerra.

O ladrar das hienas, os gemidos dos macacos confundia por vezes com o estrondo dos morteiros, ou as rajadas das MG, ou G3, ou então o estalar dos motores dos aviões bombardeiros.

O 4.º Grupo de Combate

Para nos aliviar um pouco deste cenário tão real, tínhamos uma grande fé no Sagrado Coração de Maria, esta Santa nos acompanhou toda a nossa estadia na Guiné, como Bissau, Mata dos Madeiros, Teixeira Pinto, Bassarel, Bolama, S João. e Tite. No nosso acampamento tinha uma capela também feita em palmeira, até a procissão das velas lá fizemos, quem nos salvou? Sempre ouvi dizer que a fé, é que nos salva.

Esta Santa regressou connosco só que, ficou um camarada nosso de a entregar no BII 17. Mais precisamente na Igreja de S. João Batista, só que esse camarada já faleceu e não temos qualquer pista do seu paradeiro, se alguem tiver uma pequena luz de onde se encontra esta imagem, seria mais das muitas graças por Ela concebida.

José Câmara com o Fur Mil Pinto. Indiscritível a emoção que senti quando toquei o estandarte da CCaç 3327. 

Uma pequena história para um dia contar.
Concebido e muito bem planeado foi os organizadores desse convívio, agradeço ao amigo José Câmara e Leonardo e todos aqueles que de qualquer forma ajudaram.

Fico um pouco triste, de nada ver nem ouvir, na comunicação social qualquer reportagem sobre estes eventos: mas se fosse Cristiano Ronaldo, José Mourinho, ou então alguns desses “tais Senhores” que nos puseram na bancarrota e que nos tem mentido estes anos todos, esses; que tem feito tantos e tão grandes sacrifícios por Portugal, esses sim; é que tem de ser bem badalados...

Não seria mais sensato mostrar à actual sociedade jovem, que há 30 , 40 ou 60 anos atrás, também havia juventude, só que; o cartão jovem que lhe era oferecido, tinha a finalidade de serem arrancados do seio das suas famílias, e, pela incúria dos governantes, ficaram famílias destroçadas, milhares de jovens a morte bateu à porta; milhares ficaram com deficiências gravíssimas; muitos milhares, regressaram mas com doenças graves, muitas psicológicas, na maioria traumas de guerra, esses ex-jovens, ficarão para a história de um País, na qual a recompensa para esses tais “SUJEITOS” de então não é mais que insignificante; medíocre; insustentável; uma autentica miséria!..

Para todos os ex-combatentes que em terras do Ultramar tiveram que passar lá alguns anos da sua juventude que lhe seja recompensado com muita saúde e anos de vida.

Para esses meus camaradas desta (Nómada C Caç 3327) que essa tal Santinha sem sabermos onde anda, nos continue sempre em nossa companhia.
João Ventura”

Na surpresa do dia, a encerrar o nosso convívio, as senhoras Fátima Ventura e Nazaré Vasconcelos, muito bem acompanhadas pelos presentes, entoaram o hino “13 de Maio”. Foi o abraço de despedida, sempre doloroso, num até pró ano. Será em Fátima se Deus quiser.

Resta agradecer a todos aqueles que, sem rosto, tudo fizeram para que o convívio fosse bem sucedido.

Um agradecimento especial aos Furriéis Victor Costa, Duarte e Adelino Santos da CCaç 3328 e ao Furriel José Bendito da CCaç 3326 pelos esforços feitos para que as suas companhias estivessem condignamente representadas neste convívio.

Também não esquecemos os nossos familiares e amigos que sempre estiveram ao nosso lado.

Um agradecimento muito especial para um grupo de seis familiares que quiseram homenagear um irmão falecido no Canadá, que tinha cumprido o seu serviço militar na Guiné. Só por isso teria valido a pena este convívio.

José Câmara
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8597: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (27): Algumas fotos de Tite

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8740: Convívios (366): Tabanca de Guilamilo, 21 de Agosto de 2011: A arte de bem receber da Margarida e do Joaquim Peixoto (ex-Fur Mil, CCAÇ 3414, Saré Bacar e Bafatá, 1971/73)

Guiné 63/74 - P8770: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (25): A essas Mulheres o nosso reconhecimento e o nosso bem hajam (Torcato Mendonça)





1. Em mensagem do dia 8 de Setembro de 2011 o nosso camarada  Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), enviou-nos este texto para publicação:




Enfermeiras Pára-quedistas, as primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares
Foto: © Rosa Serra (2010). Direitos reservados


BEM HAJAM

Penso que é bonito.
Penso que as palavras deste Poste** são merecidas.
Penso devermos a essas Mulheres o nosso reconhecimento, o nosso bem hajam, o nosso respeito pelo seu trabalho, a sua ajuda a tentar salvar vidas.
Vidas sofridas, desgastadas pela brutalidade de uma guerra que não queriam mas cumpria toda uma juventude. Anos à rasca…

Infelizmente participei um pouco nela, dois anos. Podemos juntar mais dois ou mais, não faço contas agora, fora dela. Anos a representarem uma eternidade, uma revolução no meu ser, no meu sentir, na forçada interrupção do meu eu.
Anos de paragem desse eu, anos de profunda metamorfose noutro eu e tantos anos, tantos, posteriormente, a tentar esquecer.
Esquecer não tudo, impossível. Esquecer somente o que deve ser esquecido.

Não esqueço, jamais esquecerei as Enfermeiras Pára-quedistas.

Posso querer esquecer, ontem e ainda hoje, o ter sido evacuado duas vezes de operações do mato. Foram, ou são? Foram momentos considerados de fraqueza. Como se o ser ferido, o estar doente, o não puder continuar fosse fraqueza. Até onde chegou a deformação e a brutalidade, a tal metamorfose do eu, a dureza e desumanidade imposta por uma guerra a um jovem de vinte e poucos anos.

Fui. Fui efectivamente evacuado do mato por duas vezes.
Uma primeira para Nova Lamego e uma segunda para Mansambo.

Lembro pouco a primeira. Sei ter tido uma reacção violenta porque me disseram. Não sei. Recordo só já estar numa cama com gelo e, através de visão enevoada ver uma Enfermeira Pára-quedista a tentar mexer-me nas calças.

Disse-lhe: - não uso cuecas…
Ela riu e disse: - Finalmente acordado. Eu sei pois já foste injectado…

A segunda evacuação recordo-a bem.
Caímos, ao segundo dia da Lança Afiada, numa emboscada e o meu Grupo ficou na zona de morte. Foi a pior batida que tivemos, quatro feridos à primeira roquetada. Quatro evacuados, pouco depois, devido à perícia dos Pilotos dos “Hélis” e à coragem das Enfermeiras. Numa das evacuações, houve mais feridos, o héli teve que levantar pois o IN estava mal disposto e Ela ficou ali serena. Talvez nunca tenha tido tantos guardiães.

Ao fim da tarde fui eu o evacuado para Mansambo. Dois dias depois estava de regresso.

Só uma vez senti a emoção ou breve hesitação numa jovem Mulher destas.

Tínhamos um ferido gravemente queimado. Todo o corpo, excepto parte da zona dos calções e a das botas não estavam. Era negro e, ficava cada vez mais branco com a pele que caía…

- Mate-me, meu alferes.

O Furriel Enfermeiro a dar tudo, como sempre, para o aguentar até à evacuação. Chegou o Héli, sai rápida a Enfermeira, olha o ferido e aconteceu a breve hesitação. Talvez a sentir aquele sofrimento, a sua humanidade a vir e a agulha do soro a ficar na mão. Devia ser terrível para aquelas mulheres assistirem a tanto sofrimento (hoje certamente haveria apoio psicológico…).

A bota foi retirada e a agulha de pronto entrou na veia do pé.

Salvou-se. Parece viver hoje na sua Ilha em Cabo Verde.

Foram muitos, na nossa Companhia a necessitarem destas Mulheres.

Mulheres abnegadas, corajosas, mulheres a darem tudo de si, a correram todos os riscos para que uma vida fosse salva. Depois era a ida até Bissau ou outro porto de abrigo e tudo seria feito para a vida continuar.

Hoje sentimos que elas são humanas e, como tal, desta vida vão partindo. Talvez precocemente e,assim, lastimamos não puder fazer por Elas o que por nós fizeram. Todos, todos nós sentimos um profundo respeito por Elas, pela FAP e seus pilotos… o T6. O Fiat, o “Lobo Mau”… o grito interior… aí está, aí está a aviação…”Lobo Mau”… ou a evacuação… estás safo pá… estás safo pá…

Até sempre!
TM
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8735: Blogoterapia (188): Encontros, ou como abrir o tal Capítulo da Vida (Torcato Mendonça)

(**) Vd. poste de 8 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8750: In Memoriam (92): Homenagem às Grandes Mulheres, as nossas Enfermeiras Pára-quedistas que nos deixaram (Rosa Serra, ex-Enf.ª Pára-quedista / António Almeida, Fur Mil em Angola / Teresa Almeida, Liga dos Combatentes)

Vd. último poste da série de 4 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8504: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (24): Saltar ou não saltar de pára-quedas... hoje, só se fosse para salvar uma vida (Maria Arminda / Aura Teles)

Guiné 63/74 - P8769: Notas de leitura (273): Dezoito anos em África, notas e documentos para a biografia do Conselheiro José D'Almeida (Mário Beja Santos / António José Pereira da Costa)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Agosto de 2011:

Queridos amigos,
Graças ao nosso confrade António Pereira da Costa tive acesso às descrições laudatórias de um funcionário colonial que é quase apresentado como Alexandre, o Grande.
Nunca ouvira falar no Conselheiro Almeida, apetece reflectir na total instabilidade que era o viver na Guiné já a caminho do século XX.
Que os historiadores, por favor, tomem em conta estas considerações épicas, à cautela era mesmo o Almeida quem fazia os relatórios, suficientemente sugestivos, prontos para receber louvores.
Já naquele tempo…

Um abraço do
Mário


O Conselheiro José Joaquim d’Almeida e as questões do Casamansa

Beja Santos

Foi o nosso confrade António José Pereira da Costa, Director da Biblioteca do Exército, que me chamou a atenção para a personagem e a sua actividade na Guiné. O livro intitula-se “Dezoito anos em África, notas e documentos para a biografia do conselheiro José d’Almeida”, Lisboa, 1898. Quem organizou estes documentos foi o escritor Trindade Coelho mais um quarteto de admiradores do funcionário colonial que andou por Angola, Guiné e Moçambique cerca de dezoito anos.

Concluídos os estudos complementares, partiu com 19 anos como Guarda-Mor da Alfândega de Ambriz (Angola) em Abril de 1878, seguiu depois para Luanda. A prosa de quem lhe tece os encómios tem o paladar da época: “Fadigas, privações e perigos porque passou, longe de o desanimarem, deram-lhe forças; e ele mesmo, estranho quase infantilmente à compreensão raciocinada do seu temperamento, data dessa viagem, não a primeira prova da sua audácia, senão esta coisa ideal, que fora como que uma surpresa para ele própria, mas que lhe caldeava já o sangue das veias: - a sua paixão, como ele diz, pelos sertões de África”.

Em Novembro de 1880, é nomeado secretário da Junta de Fazenda Pública da Guiné. Escreve quem lhe tece louvores: “De peito leve e com aquela vontade de ferro que é o seu timbre”. Em 1881 está de volta, recebe um louvor em Bolama e as pessoas afamadas da capital (negociantes, proprietários, militares e religiosos, entre outros) fazem constar da imprensa que lamentam e sentem o ter de separar-se deste empregado superior de fazenda que tão sabiamente, como com toda a honestidade, imparcialidade e prudência, geriu os negócios públicos dela.

O crucial deste episódio é que o vapor em que Almeida seguia para a metrópole trazia a sua nomeação para Secretário-Geral da província. Começa um tempo épico de acordo com o que vem nestas notas e documentos. Em 1883, vai a Nhacra com o fim de obter dos balantas uma embarcação e prisioneiros. Para que tudo constasse direitinho, é o próprio Almeida quem faz o relatório ao senhor Governador. Partiu na lancha a vapor Cacine, de Bissau seguiu para o Impernal. Viagem difícil, o inimigo levantou no rio uma estacada solidamente tecida para estorvar a passagem de qualquer embarcação. Almeida exigiu falar com régulo Safim. Uma trovoada inclemente molhou a tropa mas os soldados estavam alegres e satisfeitos. O rei de Safim não havia meio de chegar, tinha medo da guerra. Houve conversações com ministros deste rei e depois implorou-se ao governo português a paz e o perdão. Almeida exigiu que o rei fosse a Bissau e ali assinasse o termo de paz e vassalagem. E ficou no ar a ameaça: que se não fosse cumprida esta exigência a coluna voltaria na estação seca e meteria a ferro e fogo todo o país, abandonando-o somente depois de se ter incendiado a última casa e exterminado o último inimigo. Os balantas não estiveram para os ajustes, pediram a paz.

A seguir ao episódio de Nhacra, Almeida viaja até Sindon e Zeguinchor, vai na pequena canhoneira “Guiné”. Estamos num tempo de graves tensões com as autoridades francesas. Um francês que desembarcou em Sindon arvorou a bandeira francesa, as autoridades trocaram-se de razões, houve mesmo a ameaça de pesado diferendo diplomático. A autoridade portuguesa de Zeguinchor prendeu o francês que arvorara no mastro português o pavilhão tricolor. As autoridades de Zeguinchor acabaram por ser repreendidas, se há coisa que o governo de Lisboa não queria era um incidente diplomático nas vésperas da conferência de Berlim. Aliás, o governador em Bolama escreve ao Almeida: “Deve expor que a ocupação de territórios e limites no Casamansa e todos os da Guiné portuguesa e francesa são assuntos dos gabinetes das duas nações, que não pode ser resolvido pelo facto de içar-se ou arrear-se uma bandeira”. Ficamos a saber igualmente que Sidon era um território comprado por Isabel Afonso e Paula Gomes Afonso, herdeiras de Gregório José Domingues.

Mas há mais provas de Almeida deixou impresso o cunho da sua individualidade, fez amizades com as autoridades francesas, passaram a corresponder-se com cortesia e provas de estima. O governador Pedro Inácio de Gouveia louva Almeida pelo modo cordato, activo e digno com que desempenhou a missão a Sindon e Zeguinchor.

Em Maio de 1884 temos mais uma prova nos sentimentos ardorosos de Almeida. A bordo da canhoneira “Bengo”, vai a Bimbo e Caió a fim de procurar submeter a autoridade portuguesa o gentio, castigando-o pelos seus roubos e latrocínios. O régulo não quis conversar com ele, em ambas as margens do rio homens armados fizeram fogo sobre as autoridades portuguesas. Os canhões de bordo convenceram os revoltosos a acabar com o tiroteio a partir dos mangues. Como o régulo não estivesse disposto a sujeitar-se, a embarcação entrou no rio de Biombo e a metralhadora varreu a tabanca, a tropa entrou por ali a dentro, os revoltosos resistiram até ao limite. Novo louvor do governador, o Almeida mostrara zelo, excessiva energia e valor pela forma porque desempenhou a comissão. Por último bateu o gentio de Cacanda e mais tarde resistiu em Bolama a uma incursão de Beafadas revoltosos. Foi assim que Barjona de Freitas, ministro dos negócios do reino o tornou comendador da ordem de Cristo. Terminava assim a comissão de José Joaquim d’Almeida na Guiné. A seguir vai para Gaza, em Moçambique.

Estes acontecimentos superam o nível da curiosidade: dão conta da fluidez das fronteiras, da completa insegurança e do estado de permanente revolta em que viviam as populações da Guiné. Convém não esquecer que estamos nos anos 80 do século XIX. Aliás, a pacificação no território continental só chegará em 1915 e nos Bijagós em 1936. Os funcionários coloniais daquele tempo tinham que saber de coisas de alfândega, de intendência, de diplomacia e das artes da guerra.


2. Comentário do nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª na reserva, na efectividade de serviço, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74):

Camaradas
Creio que é bom que estes textos sejam divulgados.
É assim que se prova que ali, a soberania nacional, sempre foi reconhecida e nunca discutida, naquela "portuguesíssima terra de 400 anos" (ou mais)...
Aqui levanta-se a questão de saber o que era ali e o que foi depois o portuguesismo. E, se "aquilo era nosso" (de quem?) dos guineenses?, dos metropolitanos? dos angolanos?, dos açorianos?
A estas duas não sei responder.

Não duvidemos deste texto que foi escrito para louvar. Ou seja: se peca é por defeito. O inimigo pode estar inflacionado, (a bem de heroicidade e do prestígio) mas a acção das NT foi aquela e não há motivo para que se diminua ou aumente, pois, nessa altura as questões de "propaganda" não se punham. Se calhar, uma boa reprimenda "aos nativos" até se aceitava.

Paralelamente podemos ir colhendo elementos sobre a logística do tempo, as unidades presentes, o enquadramento, o apoio que as autoridades recebiam das populações e de quais. Enfim, um sem número de elementos que permitem cavar nas raízes do conflito que eclodirá mais tarde
.
Reparem na acção das autoridades portuguesas do tempo e do seu relacionamento com as autoridades francesas. A sua acção era ditada pelo campo político que tivessem livre e não creio que fosse muito largo.
Era o tempo em que a África, "recém-descoberta" iria ser dividida "com a golpes de podão". Alguém já imaginou como se viveria na Guiné após a descoberta? E no Séc. XVIII? E como seria a vida em Bolama, capital naquele tempo? E no interior: Madina do Boé, Pirada ou Bafatá? Façam uma tentativa para se centrarem. Valeu?

O valor deste género de textos reside mais naquilo que se entrelê do que no que se lê.
Peço desculpa aos camarigos "da direita", mas eu cá, hoje tenho mais dúvidas do que certezas, sobre o sucedido antes e durante.

O depois, não me diz respeito. Máxima liberdade, máxima responsabilidade. Preocupa-me apenas, enquanto homem velho, civilizado e próximo de quem sofre. Sinceramente fico preocupado com o gigantesco equívoco em que toda a África se tornou, embora não consiga visualizar uma solução alternativa a aplicar naquele tempo... ou hoje.

A História (com H grande) é o que é ou foi o que foi e tapar o Sol com a peneira é sempre mau.

Um Abraço a todos os camarigos,
António Pereira da Costa
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8756: Notas de leitura (272): Comunicação da escritora Joana Ruas na 8.ª Bienal Internacional do Livro do Ceará (Joana Ruas / Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8768: Agenda cultural (152): Lisboa, Mouraria, Festival Todos - Caminhada de Culturas 2011, 8-11 de Setembro de 2011 (Parte I)


Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Atuação do grupo, indiano, Jaipur Maharaja Brass Band... Arruada pela Praça do Martim Moniz, Rossio, Praça da Figueira com regresso ao Martim Moniz... Um dos momentos altos do dia, juntamente com a atuação, à noite, da nova orquestra de Lisboa, a Orquestra Todos, com músicos de rua, dirigida pelo maestro italiano Mario Tronco...

No vídeo, aparece a portuguesa Ruth Plácido, que mora em Algés, uma "espontânea"  que contracena com a dançarina da fanfarra indiana... A Jaipur Maharaja Brass Band é uma explosão de cor, alegria, ritmo, música,  dansa, humanidade ... O grupo anda em digressão pela Europa, tem habitualmente 9 músicos, um faquir e uma dançarina.

Ver o seu sítio oficial: http://www.jaipurmaharajabrassband.com/accueil_en.html


Vídeo (6' 21''): Luís Graça (2011). Alojado em You Tube > Nhabijoes

 

Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Atuação do grupo, indiano, Jaipur Maharaja Brass Band... Praça do Martim Moniz.



Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Atuação do grupo, indiano, Jaipur Maharaja Brass Band... Praça do Martim Moniz.


Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Atuação do grupo, indiano, Jaipur Maharaja Brass Band... Praça do Martim Moniz. 


Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival.   Praça do Martim Moniz, ao meio da tarde.

Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival. Rossio. Um grupo de africanos, possivelmente guineenses, surpreendidos com a arruada da Jaipur Maharaja Brass Band... Ao fundo o Largo de São Domingos, local de encontro dos africanos de Lisaboa...

Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival.  Início da Rua da Palma...



Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 8-11 de Setembro de 2011... 3ª edição do festival.  Um festival que se pretende inclusivo, de todos, por todos, para todos, e que tem por cenário um das zonas (Intendente / Mouraria) de Lisboa até há pouco tempo mais social e espacialmente segregadas... Ainda hoje, muitos lisboetas têm algum preconceito em andar em sítios como o Largo do Intendente ou Rua do Bem Formoso... 4 dias de festival onde se puderam conhecer e apreciar inúmeras artes e artistas, desde a fotografia à música, da performance ao teatro de rua...

Vídeo, fotos e legenda: ©  Luís Graça / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  (2011). Todos os direitos reservados.

1. Num bilhete postal que eu mandei ontem ao Torcato, que está no Fundão e tem "saudades de Lisboa", eu escrevi que "só há um património, comum a toda a humanidade... O menir do Alentejo e o bagabaga da Guiné-Bissau provocam-me a mesma emoção... Tal como o cheirinho (e o gosto) das 'Portuguese small female clams with coriander and garlic oil', vulgo Ameijoas à Bulhão Pato, que são, para mim, uma das maravilhas gastronómicas da humanidade... (Tenho o pequeno orgulho, eu e a Alice, de ter posto  os meus tabanqueiros da Tabanca de Candoz a gostar de coentros, há mais de  anos atrás; diziam, no início, que sabiam mal, a "fedelho"...).

"É também por isso que eu daqui a bocado vou até ao Intendente / Martim Moniz, ainda tão mal afamado e estigmatizado, para dar uma vista de olhos pelo festival Todos - Caminhada de Culturas... e se calhar comer uma cachupa ou um chabéu de galinha [, embora não sendo o sítio ideal para as comidas africanas, aqui predominam os temperos asiáticos, o caril, o açafrão...]...
 
"Louvo e apoio a ideia e a iniciativa (que é da cidade de lisboa)... Já era no nosso tempo (e ainda hoje continua a ser...) considerada um zona da cidade socioespacialmente segregada e estigmatizada... À semelhança do Pilão, em Bissau, no nosso tempo... Ora lá vive, come, respira, trabalha, transpira, dorme, ama, canta, dança, sonha, fala... gente de todos os quatro cantos do mundo... Gente como eu, como tu, como todos nós, amigos e camaradas da Guiné, gente que pertence à única raça humana que existe no planeta azul, a espécie 'Homo Sapiens Sapiens'...Temos todos o mesmo genoma de há 100 mil anos... Só não sei se as térmites da Guiné-Bissau nos vão ganhar na luta pela sobrevivência... Acho que elas estão melhor posicionadas do que nós...

"Que cada dia seja uma experiência nova e inovadora para ti, camarada e amigo!"...

E noutro postalito, enviado já ao fim do dia, eu acrescentava:

"Torcato: Falo, logo existo, diria o Descartes, se fosse vivo e tivesse ido ao Festival Todos - Caminhada de Culturas 2011... Pois eu, passei lá tarde toda, e só regressei a casa às 23h... Nada como andar a pé, ao fim de semana, para a gente descobrir a nossa cidade...Ando cá, há perto de 40 anos, e ele há sítios em Lisboa ainda por descobrir ou para ver com olhos de ver, ou com outros olhos, livres do preconceito e da intolerância... Por exemplo, a gente tem a mania que conhece os bairros populares de Lisboa, só por lá ir de vez em quando, no tempo (breve) dos Santos Populares... Qual quê!... Já mal  reconhecia o Intendente / Martim Moniz, a Mouraria, a aldeia multicultural de Lisboa, onde as comunidades indianas (ou indo-portuguesas), paquistanesas, chinesas e, em menor grau, africanas, brasileiras... têm um crescente peso nas actividades empresariais e na ocupação do território...

"No Arquivo Fotográfico de Lisboa - Núcleo Fotográfico, fui encontrar, a tocar Kora, o nosso amigo Braima Galissa, do Gabu... Tirei fotos com ele e a Alice para mostrar no blogue...

"Momento alto do dia foi a atuação, à noite, no Largo do Intendente, da nova orquestra Todos, com músicos de diversas nacionalidades (incluindo a Guiné-Bissau), sob a direção do maestro italiano Mário Tronco (que tem um projeto semelhante, em Roma, a já famosa Orchestra di Piazza Vittorio)... Dei-me conta (ou reforcei a minha convicção de) quanto a música tem esse poder mágico de aproximar povos, culturas, comunidades, com muito mais rapidez e eficácia do que mil e um discursos muito bonitos...


"Embora o festival já vá na sua 3ª edição, foi a minha estreia por estas bandas... Para o ano espero que haja mais, e que possa ir,  desta vez sem o meu feio joanete  a destoar fora da sandália... Prometo fazer um poste com vídeos e fotos sobre esta iniciativa olissiponense que pretende reforçar a ideia de que Lisboa é uma cidade de todos e para todos, depois de ter sido consagrada em 1998 como a "cidade da tolerância"...


"PS - Tive pena de não ter encontrado, por lá, o nosso Alfero Cabral... Possivelmente desencontros, ele na Rua Bemformoso e eu no Beco do Jasmim"...


Luís Graça

[ Texto em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico]

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Nota do editor:

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8767: O que se comprava em Bissau com o patacão da guerra? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (3) (Augusto Silva Santos / Hélder Sousa / Juvenal Amado / Luís Borrega / Luís Dias / Rui Santos)



Uma carta de condução "paga" com o patacão da guerra...

Foto: © Augusto Silva Santos (2011). Todos os direitos reservados



1. Mensagem, com data de ontem, do Agusto Silva Santos, relacionado com o último poste aqui publicado (*):


Olá Luís, boa tarde!


Ainda falando sobre o que se comprava na Guiné, nomeadamente em Bissau, com o patacão da guerra, lembrei-me que recentemente ao ter necessidade de renovar a minha carta de condução, fui descobrir no meio de muitas coisas que tenho arquivadas (algumas relíquias), um documento datado de 07-12-1973, relacionado precisamente com este tema.


Estando eu colocado em Brá, portanto muito perto de Bissau, e a muito pouco tempo de acabar a comissão e do desejado regresso à metrópole (o que efetivamente aconteceu em 22-12-1973), resolvi investir o patacão que me restava para tirar a carta de condução.
O documento,  em anexo, foi aquele que me permitiu, aqui chegado, fazer a troca para a carta como então a conhecíamos.


Ainda tentei encontrar o documento (fatura/recibo) sobre o que então paguei (seria interessante), mas já não sei onde ele pára. Passados quase 40 anos, sinceramente também já não me recordo da quantia, mas tenho noção que não foi muito se comparado com o que teria de pagar aqui.


O que eu posso dizer, é que naquela altura o patacão da guerra me deu imenso jeito.
Por certo esta situação foi também comum a muitos dos nossos camaradas, ou seja, aproveitar para tirar a a carta de condução na Guiné.  Era o aproveitar do tempo e do dinheiro para alguma coisa útil.


Se achares interessante,  p.f. edita.


Um Abraço
Augusto Silva Santos


2. Seleção de comentários  ao postes P8766 (*) e P8764 (**)


2.1. Hélder Valério Sousa [, foto à esquerda, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72]
Realmente, dos polos ou camisetas já não me lembrava, mas é verdade que também comprei pelo menos uma Fred Perry. Quanto aos relógios havia quem gostasse mais dos Ómega e dos Tissot (comprei um destes na casa Salgado & Tomé, dum tio do então Cap Cav  Mário Tomé).

Das bebidas, o Zé Martins lembrou o Dimple de que depois vi fazerem-se muitos candeeiros com aplicação de abajur nas garrafas vazias.

Das estatuetas que o Magalhães Ribeiro mostra,  também tenho algumas em madeira preta. E trabalhos (roncos) com missangas. E pulseiras.

Quando regressei também lá vim com serviços de chá e de café do chamado "bago de arroz".

Uma outra coisa que carreguei e que já tinha trazido de Piche,  foram duas peles de cobra que foram destinadas a sapatos.

2.2.  Luís Borrega [, foto à direita, ex-Fur Mil Cav e MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72]

Eu, em Bissau, quando lá estive por ocasião de férias (2 vezes), a aguardar embarque para o CIM de Bolama para dar instrução de Minas e Armadilhas, e aguardar o regresso, passei pelo Taufik Saad, e comprei uma OLYMPUS Trip 35 , na 1ª vez, (onde tirei muitos slides e que continua a funcionar), um relógio YEMA Rally, um rádio relógio SHARP (só funciona a parte do rádio), além de imensos roncos chineses para oferecer. E lá se foi o último patacão...

PS – Lembro-me que foi comprado na Casa YEMA em Bissau.

2.3. Juvenal Amado [, foto à esquerda, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74]
Eu ganhava 960 pesos por ser 1º cabo e já com prémio de viatura. Se não estou em erro,  era obrigado a deixar parte na Metrópole, com o que paguei a minha viagem em Outubro de 1972. O resto mal dava para o tabaco e ir uma ou duas vezes a Bafatá.

Por isso roncos, máquinas fotográficas e aparelhagens de som... KÁ TEM.

2.4. Luís Dias [, foto à direita, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74]


Na verdade, na Guiné comprávamos muitos objetos que não tínhamos oportunidade de adquirir na metrópole, nomeadamente aos preços que lá se praticavam.

Tenho também estatuetas do tipo que o Eduardo apresenta  na foto (trouxe montes delas, para distribuir pela família), machadinhas (símbolo da fertilidade - uma macho e outra fêmea), espadas e punhais fulas, anéis e alfinetes de peito ou para colar trabalhados em prata (Bafatá) e colares e pulseiras em missangas.

Em matéria de bebidas,  tínhamos a Coca cola (Coke), que na metrópole não existia - só aquela que refere o José Marcelino Martins - e os Whisquies para todos os gostos e preços (Monks, President, Dimple, Logan, Martins, Balentines, Something Special, Antiquary, Old Parr, etc.).

Como o Helder Valério também trouxe uma pele de jiboia, já curtida mas, mesmo assim, acabou por se estragar ao fim de alguns meses.

Saudosos tempos para esse tipo de compras.


2.5. Rui Santos [, foto à direita, ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ, Bedanda, 1963/65]

Embora em 1963/64/65 não houvesse muitas ofertas dos produtos já mencionados, afora os whiskies, as máquinas fotográficas, binóculos, máquinas de filmar, em especial vendidas, se não me engano, na Casa Tauffik Saad perto da Amura.

Tenho um serviço de café,  irmão gémeo do que o Edurado nos mostra em suas excelentes fotos, duas máscaras e dois bustos em madeira negra, e aquelas peças de artesanato que adquiri em Bedanda,  feitos do material dos invólucros das balas, por sinal alguns muito mal executados, mas tinha dois muito bonitos que ofereci a amigos, quando cheguei à metrópole.

Há que não esquecer aqueles produtos que vinham da África do Sul, belos chocolates, leite creme e enlatados diversos, muito superiores aos nossos... à época.

Muito obrigado por me terem feito recordar...

[Revisão / fixação de texto, em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico]: L.G.

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Notas do editor:

domingo, 11 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8766: O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra ? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (2) (Magalhães Ribeiro)

O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra?
  (por Eduardo Magalhães Ribeiro)


1. Em 1974, Bissau fervilhava de gente de várias cores e povos, e toda a espécie de trânsito motorizado, deslocando-se entre os diversos estabelecimentos da cidade, tratando das suas vidas e outros negociando os seus produtos das mais variadas espécies e origens. Se bem me lembro, além dos portugueses e da população local guineense, cuidavam das suas rotinas e negócios: libaneses, indianos e cabo-verdianos.

Entre os objectos e equipamentos na moda então e, por isso, mais procurados por nós, contavam-se, tal como já referiu o nosso Camarada Helder de Sousa os uísques Old Parr, Monks, White & MacKay, President, Martin's e outras de uísque velho e/ou de malte, bem como os novos Passaport, J. Walker de 'labels' de várias cores, etc. Outros artigos que despertavam a nossa cobiça, eram os rádios e gravadores das marcas Sony, Aiwa e Grundig, bem como as máquinas fotográficas Reflex, Pentax, Canon, Casio e outras marcas japonesas.

Também o nosso Camarada Augusto Silva Santos acrescentou, que no seu tempo, estavam na moda: as máquinas fotográficas Olympus, relógios Cauny, whisky Antiquary, polos da Lacoste e Fred Perry.

O Luís Graça, ainda se lembra da grande procura dos isqueiros Ronson, óculos de sol Ray Ban e o uísque Old Parr.

Em 1974, o artesanato que mais me atraía era o que nos era oferecido em prata de Bafatá, mas continuava a grande procura de quase todos os artigos atrás mencionados, que tendendo para o fim do ano (com a rápida retirada do dispositivo militar português) se foram esgotando irreversivelmente.

Eu ainda consegui, antes de regressar, comprar vários artigos, tais como tapeçaria no Mercado Municipal, serviços de louça na Casa Gouveia e Manga de Ronco nos Cafés Portugal e Ronda. Desses artigos, que ainda por aqui andam hoje em casa, e dos quais anexo as seguintes fotos;


Máscara em madeira vermelha

Máscaras em madeira negra

Machadinhos em madeira e alumínio


Rolos de parede (Made in Japan)

Tapetes (creio que Senegaleses)

Tapete (creio que Senegalês também)

Serviço da café, com a foto da chinesinha no fundo das chávenas (Made em Japan)

Serviço de café (Made in Italy)


Artesanato diverso
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P8765: Blogoterapia (189): ... i-guerra... (José Marcelino Martins)

1. Em mensagem do dia 8 de Setembro de 2011, o nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos este divertido texto de alta ficção tecnológica, que é como quem diz, como seria se assim fosse, o que não é o caso, antes pelo contrário.


… i-guerra…

Recostei-me no sofá, e pensei: Vou recordar! Boa. O quê?
Este tipo tem cada ideia! Recordar o quê? Olha, meu velho, batatinhas!
Bem. O melhor é não fazer esforços com a massa cinzenta, porque ainda pode resultar, do esforço, uma “hérnia no cérebro” e não é nada aconselhável que isso aconteça, até que o inchaço é bastante desconfortável.

Pus um “olhar em branco”, virado para o mais longe possível, na esperança de não ver nada, e assim nada me surgiria para pensar. Mas não. Deixar de dar ocupação, à massa que temos dentro da caixa craniana, é um bocado difícil.


Mesmo à minha frente, numa mesa especialmente comprada para o efeito, estava o meu portátil, daqueles pequeninos que, se não tivermos muito cuidado, estamos a teclar em duas letras ao mesmo tempo. E veio-me à memória os meus tempos de bancário, nos remotos anos setenta do século passado [século passado, é sempre uma expressão que fica bem em qualquer texto].

Pois é. “In illo tempore”, também é de bom-tom meter expressões em latim, naquele tempo, dizia, os computadores ocupavam uma sala, de dimensões razoáveis e climatizada, e os técnicos que nela trabalhavam usavam bata branca. Ainda não havia sido descoberto o “H1N1”, porque senão trabalhariam, também, com luvas anticépticas e descartáveis.

Pois bem. Eram máquinas enormes, em que a informação era “metida” através de cartões perfurados. Os mais idosos ainda se devem lembrar duns cartões que eram distribuídos pela empresa que fornecia a electricidade, que de nada serviam, já que, lembro-me, “andou pendurado no contador da luz” até que o senhor que lá foi fazer a contagem, disse:
- Ainda tem isto? Pode rasgar e deitar fora. Não serve para nada!

Pois eram esses cartões, perfurados, que se utilizavam no banco onde trabalhei, para enviar informações para o computador central, e processar as transferências de emigrantes, secção onde prestava serviço.

Por causa disso, dos cartões, recordei-me do Sébola. Exactamente, cebola com “s”, bom colega, amigo do seu amigo, óptimo desenhador, mas, como sempre há um mas, um bom bocado conservador, especialmente no que respeita “às novas tecnologias da época”. Mexer em papéis, arquivá-los, ordená-los, tudo bem. Trabalhar com os cartões, é que não.


Um dia de menos trabalho, a meio do mês abrandavam as transferências do estrangeiro, aproveitei e contei-lhe uma história.

Disse-lhe que, no dia anterior, tinha ido jantar com os meus pais e, depois do jantar, fiquei à conversa com o “velhote” e, como não havia grande gama de assuntos, falámos de computadores, e de como se processava o serviço, desde a “chegada dos cartões à secção” até à “devolução dos mesmos” para serem processadas as operações correspondentes.

Fiquei maravilhado. O Sébola, já um bom bocado mais velho que eu, ouviu com todo o interesse a minha descrição, onde, não podia deixar de o fazer, enfatizava o interesse que o meu pai na minha discrição “computadicional”. No final do relato da “suposta conversa” havida no fim do jantar do dia anterior, diz-me com um sorriso:
- Oh, Martins. O seu pai nem bocejou nem nada?

Imaginem, também, que não tinha havido um determinado dia, de um determinado mês, de um determinado ano. Que a guerra tinha continuado. Que os nossos filhos, e d’alguns, os netos, não tinham ido à tropa, como aconteceu.

Comecei a imaginar o que seria a Guerra do Ultramar, chamo-lhe assim porque era o nome que tinha na altura, e que nós conhecemos por termos sido actores e não espectadores, mas com as tecnologias actuais.

Temos que lembrar que, há cinquenta anos, quando começou a última fase das campanhas de África de 1961 a 1974, [já que houve muitas mais, desde 22 de Agosto de 1415 com a conquista de Ceuta até 25 de Junho de 1975 com a independência de Moçambique], os nossos camaradas iam armados da velha Mauser, com arreios modelo “não sei quantos” e as fardas eram de cotim, tecido muito em voga à época e dos mais baratos e resistentes do mercado. Os oficiais iam armados de pistola Walther e os sargentos com a FBP, daquelas que ainda não tinham recebido a patilha de segurança. No terreno, as tropas “guiavam-se” pelas Cartas Topográficas, que foram produzidas antes do início dos conflitos finais.

Na minha “área de conhecimento”, nas Transmissões era usado o material “herdado da Guerra da Coreia” (25 de Junho de 1950 a 27 de Julho de 1953), ou seja os AN-GRC 9, os AN-PRC 10 e os AVF/THC 736, mais conhecidos por “Banana”. Bem, depois deu-se a evolução e começaram a aparecer os CHP 1 e DHS 1, e mais tarde os RACAL, que já não foram contemporâneos meus.

Na área do “cripto”, o local devia ser isolado e resguardado e, onde só podia entrar quem “estivesse autorizado” pelas NEP (Normas de Execução Permanente), havia aquela “quantidade” de maior ou menor dimensão de “Códigos”, para se poder cifrar e/ou decifrar as mensagens que corriam no espaço, entre dois postos, quer transmitidos em fonia e/ou grafia.

Dentro da área das Transmissões, mas noutro registo completamente autónomo, existiam as “Transmissões Pessoais” que não faziam mossa ou concorrência, às “Transmissões Oficiais”. Estas, as Oficiais, quando necessário, apoiavam as Particulares, com o envio ou recepção de correspondência particular “Zulo”, mais conhecidos por “Telegramas”. E é verdade. Este tema de telegramas dá, sem dúvida, para um texto autónomo que, entrosado com a área civil, facilitou e embarateceu a circulação de notícias, previamente padronizadas e “codificadas através de um número”.


Os milicianos que continuariam a existir e, não me admirava nada que, os actuais países da CPLP, que neste escrito continuariam a lutar pela sua independência, seriam Governados por um General Miliciano ou um Almirante da Reserva Naval.

Vejamos, para o caso da Guiné, que conhecemos melhor:

Os “velhos Petromax” já eram ligados por um sistema automático e, cada poste de iluminação de alta potência, dispunha de uma placa solar para alimentação.

Dispostos estrategicamente por todo o aquartelamento, ligados em paralelo entre si, existiam vários painéis solares que, mesmo que algum fosse atingido e/ou avariasse, não impedia que os outros continuassem a iluminar o posto de recolha e distribuição de energia.

A cozinha, já dispunha de excelentes equipamentos de confecção das refeições. O refeitório foi modificado e, sinais dos tempos, passou a ser “self-service”. Os pratos de alumínio desapareceram, para dar lugar a uns tabuleiros em aço inox que dispunham já do formato dos pratos para sopa e o “prato do dia”. Local para o copo, pão e fruta. Com água quente em abundância, pelo menos em comparação com o nosso tempo. O trabalho dos faxinas era um “louvar a Deus”, além da dispensa de operações.

A ideia do Zé Teixeira, o “nosso fermero”, foi adoptada e “isso” resolveu uma série de problemas. O velho poço ou o recurso à água da bolanha, foi ultrapassado. Furos “tecnológicos” foram efectuados pelos aquartelamentos e todos dotados de motor, accionados pela electricidade gerada por uma placa solar.


A existência de poços, permite que haja uma “agricultura de subsistência” em cada unidade, tendo-se algumas, tornadas auto-suficientes quer em produtos frescos quer mesmo em agropecuária.


No que respeita ao armamento ligeiro, a “velha Mauser” deixou de existir, tendo sido substituída pela G3, já de fabrico nacional, com autorização patenteada e passível de adaptações.



A G3, quase a completar 50 anos de idade, continua a existir, mas agora com cuidados ecológicos. A coronha e guarda mão, inicialmente em madeira e mais tarde de plástico, são agora fabricadas com materiais reciclados e recicláveis e, portanto, amigos do ambiente. A parte metálica, de uma nova liga mais resistente e muito mais leve, permitiu adaptar outros “adereços” que lhe dão outras possibilidades. Além de um “raio laser” para permitir um “tiro de precisão”, dispõe de uma lanterna led, alimentada por um acumulador, que é carregado quando a arma é colocada no armeiro. Se necessário, pode ser accionado o botão de um dispositivo que produz energia, com o movimento da arma. Estes dispositivos são um complemento aos “óculos de visão nocturna”, permitindo que as forças façam mais operações durante a noite, evitando o calor abrasador do dia.

Os velhos mapas, que agora ainda podem ser encontrados no blogue da Tabanca Grande, são uma preciosidade, por raros, e alvo de leilões na net. Esses mapas, dizia, são agora substituídos por ipad, que são carregados com os mapas e o plano de operações no dia anterior à operação e são dotados de uma pilha especial, fabricado para este modelo, com uma autonomia de 120 horas, o que é excelente.

Em cada operação é incorporada uma Equipa de Foto-cine, com a missão de filmar a operação, para posterior envio ao escalão superior, evitando “baldas” ou o inconveniente de estar a manuscrever o relatório para ser elaborado à máquina em “n” cópias. Agora vai, por mail, para as diversas entidades.
No entanto, antes de seguir para “distribuição”, o “Estado-Maior” da Unidade, mesmo ao nível de Companhia, reúne com os oficias e sargentos que tomaram parte na operação, num “briefing”, visionam a mesma, tecem os comentários aconselhados, e anexam ao vídeo, da operação, a filmagem da reunião. Serviço limpo e rápido.


As transmissões entre a força em operação e o aquartelamento e feito por telemóvel 3G, o que permite, inclusivamente, “conversação em privado” com o Comandante da Unidade e/ou do escalão superior. Permite o envio e recepção de SMS e, também muito importante, o envio de imagens, como trilhos descobertos, minas implantadas e descobertas, etc.

Aos elementos que constituem a força em operação, é que é vedado o uso de telemóveis, já que a opinião pública foi fortemente afectada pelo caso do soldado que, durante uma patrulha quando estava a falar com a namorada, foi atingido. Antes da força “sair para o mato” passa através de um “pórtico detector” que denuncia os “aparelho transportados indevidamente”.

Há também outras razões. Foram descobertos “infiltrados” nas unidades que, mais não eram, que jornalistas disfarçados e que, durante os patrulhamentos enviavam relatos em directo para rádios e televisões, incluindo, muitas vezes, imagens via MMS.

Continuando com as transmissões, deixaram de existir, nas unidades combatentes, não só os Radiotelegrafistas, que já eram uma minoria no nosso tempo, mas também os Radiotelefonistas. Os Operadores de Mensagens, também deixaram de existir. Agora, todas estas especialidades, foram substituídos por “Operadores de Informática”, credenciados pela Chefia das Transmissões, para poderem lidar com “material e informação crítica”.

Numa Parceria Publico Privada (PPP), foi assinado um protocolo entre o Ministérios das Forças Armadas e dos Combatentes e a Universidade Norte-Leste (sediada em Braga, ou, talvez um pouco mais abaixo) que, em cooperação estreita com a empresa “Verão Academy”, desenvolverem um programa para “criptar e descriptar” mensagens.

Esta parceria revelou-se de extrema utilidade, já que ao receber a mensagem, via e-mail, o Operador faz “Copy/Paste” para a aplicação “Cripto Translation” e, instantaneamente, aparece no monitor a “mensagem em claro”, tendo bastado para tal colar o texto a “trabalhar” na aplicação, indicar se é “tradução ou retroversão”, indicar o código utilizado e clicar sobre a janela "Executar". É mais ou menos, mas mais aperfeiçoado, do que o que fazemos quando queremos usar uma aplicação de “tradutor”. Seguidamente, e por circuito interno (seguro), a mensagem é encaminhada para o Comando que, depois de ler, não necessita de imprimir, bastando gravar na pasta destinada “aos assuntos” relacionado com o texto.

Quando se torna necessário, o Comandante escreve o texto que quer, directamente no seu PC (personnal computer, não Posto de Comando), e envia para o Operador de Informática que cifra o texto e o envia, por e-mail, para os destinatários.

Deixou de haver “Toque de Ordem” e, a “Ordem de Serviço” deixou de ser dactilografada. Esta é digitada na secretaria e enviada para a equipa de Foto-cine que a faz circular pelo circuito interno de televisão, não havendo, portanto, razão para que o pessoal desconheça o conteúdo da mesma. Quem dispuser de equipamento compatível e, desde que tenha subscrito essa funcionalidade, pode receber essas informações no telemóvel, ipad, mail, ou “descarregar", mediante pedido, directamente no seu ipod.

O Corneteiro já esqueceu o “Toque a Pré”, dado que esta cerimónia deixou de existir. Os pagamentos são efectuados por transferência bancária para todos os elementos da Unidade. A Cantina das Praças, o Bar dos Oficiais e Sargentos, assim como o Depósito de Géneros, dispõem de terminal Multibanco, onde pode ser efectuado o pagamento pelo cartão de “Identificação Militar” que dispõe de um chip, para poder ser utilizado como cartão de débito ou crédito, bastando para tal a introdução de um PIN. Os montantes, das operações, são movimentados, imediata e automaticamente, nas contas a que a cartão está associado.

Para uso no comércio local, agora bastante desenvolvido, existe junto da Secretaria um “terminal Multibanco” para levantamento de dinheiro. Esta caixa é abastecida pelos serviços do “Banco Tesouro/Militar”, pelo que os militares, com a Especialidade de “Bancorários”, visitam as Unidades para efectuarem o carregamento das máquinas, com dinheiro fresco. É nessa altura que são distribuídos os “extractos de conta”, mas são raros, porque além de caros, são incentivadas as adesões ao extracto “on-line”.

Como é um serviço que, além de caro, pode desenvolver uma “espécie de pirataria” por parte dos “movimentos de libertação”, como a detecção por aeronaves ou assaltos às “carrinhas de transporte de valores (anfíbias)”, encontra-se em estudo um convénio, entre o Banco Tesouro/Militar com o Banco Provincial, para a criação de um Instituto que faça a gestão das operações entre os bancos (militar e civil) digamos que uma espécie de SIBS, que assim criará mais alguns postos de trabalho para a população.


Também o Laboratório das Forças Armadas, em colaboração com as Universidades, nacionais e estrangeiras, estão a desenvolver um novo fármaco, com efeitos “rejuvenescedores e recuperativos de memória” (tipo “viagra”), que será distribuído em “unidose” [afinal sempre é exequível a unidose] para, em colaboração com as Associações de Combatentes, se encontre uma forma de fazer voltar ao activo aqueles que há muito se encontram desmobilizados, uma vez que, com a experiência destes e os novos equipamentos, se consiga, de vez, terminar com este conflito.

Afinal acabei por não recordar nada. Adormeci e tive um sonho incrível. Este sonho já foi há algum tempo, e ainda me pergunto se é realidade ou ficção.
Parece-me mais ficção, porque a verdade, verdadinha, é que parece que vamos ter de novo a forma de comunicar com fumo. Não será com aquelas “máquinas de fumo” que se usam em espectáculos tipo “Hollywood”, porque os produtos de consumo nestas máquinas, fundamentalmente a electricidade, vai aumentar de preço por causa do aumento do IVA, mas vamos usar os FUMOS DA HISTÓRIA, antes que estes se dissipem no ar.

José Marcelino Martins
08 de Setembro de 2011
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Agosto de 2011 Guiné 63/74 - P8703: Blogoterapia (187): Devaneios literários? (José Marcelino Martins)

Vd. último poste da série de 5 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8735: Blogoterapia (188): Encontros, ou como abrir o tal Capítulo da Vida (Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P8764: O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra ? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (1) (Helder Sousa / Augusto Silva Santos)

1.  Comentários ao poste P8762 (*), podemdo dar início a uma nova série para a qual se esperam muitos contributos...

(i) Luís Graça:

Isqueiros Ronson, óculos de sol Ray Ban, uísque Old Parr... Que outros produtos e outras marcas estavam então na moda, em Bissau, nas lojas onde a gente ia gastar o patacão... o Taufik Saad, a Gouveia. etc. ?

(ii) Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72),


Quanto a coisas que se compravam, que estavam na moda... bem, relativamente a uísque, para além do Old Parr, estavam na moda, no 'meu tempo', a Monks, White & MacKay, President, Martin's, e outras de uísque velho e/ou de malte e também havia os novos Passaport, J. Walker de 'labels' de várias cores, etc.

Haviam os rádios e gravadores: Sony, Aiwa, Grundig. As máquinas fotográficas 'reflex': Pentax como o expoente máximo, mas também as Canon, Casio e outras marcas japonesas.


De roupas não me lembro. Sei que comprei tecido e levei a fazer calças a profissionais no Cupilão.

 (iii)  Augusto Silva Santos ( E
x-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)


 A propósito de marcas... Para além do que já foi citado pelos anteriores camaradas, no meu tempo de Guiné estava também muito em moda adquirir-se o seguinte:

Máquinas fotográficas Olympus
Relógios Cauny
Whisky Antiquary
Polos da Lacoste e Fred Perry
 
Quando o pessoal vinha de férias ou acabava a comissão . . . É que aqui naquele tempo, muitas das coisas ainda não existiam.
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 Nota do editor: